A mulher e o Direito: Um estudo dos direitos da mulher na sociedade conjugal à luz do novo Código Civil


“Que as mulheres pudessem ter e tivessem suas próprias almas”


Susan Brownell Anthony.


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Sumário: 1. – Introdução. 2. – Raízes greco-romanas. 3. – A ideologia da discriminação. 4. – A isonomia entre homens e mulheres na CRFB. 5. – O novo Código Civil. 6. – Na sociedade conjugal. 6.1. – A capacidade para casar. 6.2. – A coação na declaração volitiva de casar. 6.3. – A impossibilidade de anulação do casamento por error virginitatis. 6.4. – O nome da mulher casada. 6.5. – Na manutenção da família. 6.6. – No planejamento familiar. 6.7. – Os deveres conjugais e a reparação dos danos causados por sua violação. 6.8. – Na direção da sociedade conjugal. 6.9. – Na escolha do domicílio conjugal. 6.10. – A separação judicial. 6.11. – O divórcio. 6.12. – O poder familiar. 6.13. – No regime de bens. 7. – Considerações finais. 8. – Referências. 9. – Notas.


A obra enfatiza os principais direitos da mulher na sociedade conjugal, seja como consorte e mãe, com o advento do novo Código Civil, reiteradamente confrontado com o anterior. A qual revela, logo de início, a condição das mulheres do período de exaltação da cultura grega e romana, concomitantemente, com a ideologia que as discriminavam e as inferiorizavam, para que, assim, se possa compreender o real sentido que motiva a passagem, que até então provavelmente soa estranha, enunciada, em epígrafe, por Susan Brownell Anthony. Não pense que com isto estar-se-á desvirtuando do assunto em foque, muito pelo contrário, cumprir-se-á o mister para que se alcance o real propósito desta obra, o qual não é apenas fazer conhecer o direito, mas, num plano muito mais amplo, fazer sentir o direito, sua importância, sua fundamentalidade no avanço ao respeito à dignidade que deve pautar a relação jurídico-social entre todos os seres humanos, sejam mulheres ou homens, ricos ou pobres, crentes ou ateus, políticos ou apolíticos, brancos ou negros e etc. Desta feita, é de competência imprescindível aclarar também o progresso que representou, para o sexo feminino, em nosso ordenamento a Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1.988, para daí derivar a posição hodierna da mulher casada diante do Código Civil brasileiro de 10 de janeiro de 2.002; utilizando-se de farta jurisprudência e da concepção de nossos maiores doutrinadores. 


1. – INTRODUÇÃO


Nesta luta de ontem e de hoje da qual participa, assiduamente, a mulher e, pode-se conjecturar, com a mesma disposição que o homem teria em idêntica situação, pela criação de sua identidade autônoma, pela extinção da ideologia que sempre a discriminou, pelo respeito a sua dignidade, enfim, pela sua libertação das “rédeas” masculinas lhe impostas. Representou a maior vitória, após a Constituinte de 1.988, o novo Código Civil, refutando qualquer exegese legislativa que há subjugue, que há discrimine.


Assumindo este estudo, no seu transcorrer, o oneroso ônus de elucidar os principais direitos da mulher na relação matrimonial sob a égide do novo codex civil. Porém, se faz mister para melhor compreender a relevância que há para o sexo feminino nas conquistas obtidas através da nova legislação, tais como o simples direito de dirigir, ao lado do marido, a sociedade conjugal; de escolher, com o mesmo, o domicílio do casal; de transferir seu sobrenome ao nome dele, isto é, o direito de ser igual em direitos e deveres, que antes se conheça, ainda que apenas de relance, o caminho percorrido pela mulher até ocupar sua hodierna posição frente ao ordenamento jurídico. Uma vez que jamais se deve aludir aos fins sem antes falar dos meios, analisar o presente esquecendo do passado, pois é no primeiro que encontramos a essência do segundo.


Destarte, ante a esta necessidade apresentar-se-á a evolução do respeito pela mulher, o retrocesso da ideologia pueril que há discrimina, a isonomia entre os sexos perante a atual Constituição Federal, para seguidamente examinar os direitos primordiais que esta titulariza na sociedade conjugal, segundo o Código Civil brasileiro de 10 de janeiro de 2.002, confrontado com o anterior.


Com menção às nossas raízes culturais greco-romanas, à nossa legislação constitucional e infraconstitucional, aos ensinamentos de ínclitos doutrinadores brasileiros e estrangeiros, e aos proferimentos jurisprudenciais, que desprendem das últimas quatro décadas, da maioria de nossos egrégios Tribunais de Justiça (dos Estados-membros), dos Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça, e do Supremo Tribunal Federal. Buscando sempre os melhores conceitos, os melhores exemplos e que mais se adequassem a cada tópico esclarecido. Preza este trabalho, como notar-se-á, pela sua diversidade de conteúdo, ensejando agradar ao máximo ao seu leitor.


Não se pretende, sob nenhuma hipótese, expor a mulher acima do homem e muito menos este acima desta, mas tão-somente no mesmo plano, do qual se originaram, de onde sairão, tendo em vista à isonomia que os acompanha desde o nascimento até a mortis, e, portanto, onde devem permanecer inter vivos, como sujeitos de direitos personalizados com iguais direitos e deveres.


2. – RAÍZES GRECO-ROMANAS


Como lutar quando se sente preso? Como guerrear quando se sente sem armas? Como viver quando se sente sem alma? Talvez estes tenham sido os sentimentos que permearam a vida da mulher grega de outrora. Cuja responsabilidade imputada era equivalente à do escravo, cuja atividade diária era equivalente à do escravo, cuja vida era, enfim, equivalente à do escravo. Que por seu turno era considerado um bem, já que passível de valoração econômica, enquanto que a mulher era uma coisa, a qual pertencia ao seu tutor, por vezes o pai, o marido, e até mesmo o próprio filho mais velho.


As equivalências retro advêm do fato de ambos viverem em prol do seu tutor ou proprietário, realizando atividades diversas, porém, sempre manuais, isto é, as mais desdenhadas naquele período em que se exaltavam as atividades intelectuais, ou seja, o mundo do pensamento, da filosofia, da política, e assim, a mulher e o escravo levavam uma vida humilhante e subordinada.


Nota-se nas palavras do filósofo Platão e de seu pupilo Aristóteles, respectivamente, o assaz desdém que se atribuía a este ser do sexo feminino: “Se a natureza não tivesse criado as mulheres e os escravos teria dado ao tear a propriedade de fiar sozinho” [1]; “A fêmea é fêmea em virtude de certas carências de qualidades.” [2]


As mulheres eram privadas da maioria dos direitos civis tidos como principais no cotidiano de uma pessoa. Não possuindo legitimidade para realizar nenhum negócio jurídico, na acepção atual, sem ser representada (p. ex. não poderiam, autonomamente, comprar um imóvel ou vendê-lo). Aliás, não poderiam sequer ficar se expondo em público, exceto para fazer compras e no caso de reuniões religiosas ou da domus, isto é, da família.  


Destarte, a mulher era sempre vista como um ser naturalmente doméstico, que deveria viver para procriar, amamentar os filhos, educá-los e em tudo satisfazer o marido, portanto, na qualidade de utensílio, ela sempre carregava uma conotação pejorativa e limitativa em face à sociedade e, concomitantemente, ao ordenamento jurídico. Esta visão que se impelia à mulher, limitando-a a vida doméstica e sugerindo que esta nascera em prol do homem perdurou durante muitos séculos, assim, não é de se espantar que, no século XVIII, Rousseau, um defensor veemente das idéias iluministas e precursor da Revolução Francesa defenda tal concepção:


Toda educação das mulheres deve ser relacionada ao homem. Agradá-los, ser-lhes útil, fazer-se amada e honrada por eles, educá-los quando jovens, cuidá-los quando adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida útil e agradável – são esses os deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes deve ser ensinado desde a infância. [3]


Novamente faz-se referência a outro ínclito filósofo grego, discípulo de Sócrates, que com suas palavras defendia reiteradamente que se o destino da mulher era um destino doméstico, nada lhe seria permitido aprender senão o necessário ao exercício de suas atividades: “(…) que viva sob uma estreita vigilância, veja o menor número de coisas possível, ouça o menor número de coisas possível, faça o menor número de coisas possível.” [4]


Do mesmo modo, na sociedade romana, continuadora da cultura grega, seja no período do direito pré-clássico, clássico ou pós-clássico, sempre houve prevalência do sexo masculino em detrimento do sexo feminino, a ponto de considerar este último um ser de inferioridade racional.


Ao analisar-se a condição da mulher na relação matrimonial, entre os ancestrais romanos, nota-se que há uma distinção fundamental a ser levada em consideração, isto é, quando o marido era apenas o marido e quando este também era o pater famílias[5].


Ao casar-se com o pater familias a mulher ingressava com seus bens na família deste como se fosse uma filha se desvinculando totalmente de sua família de origem, passando seu patrimônio a constituir o patrimônio de seu marido. Enquadrando-se dentro dos filii familias[6] o pater familias, através da potestas maritalis[7], tinha total domínio sobre ela, incluindo também as esposas dos outros homens sujeitos à sua manus[8]. Assim, ele passava a exercer os seguintes poderes absolutos sobre a mulher: o ius uitae et necis que sintetizava o direito de vida e de morte; o ius uendendi pelo qual poderia vender sua esposa ou outro membro dos filli familias; e o ius noxae dandi pelo qual poderia abandonar sua esposa.


A mulher estaria sempre sujeita a um pater familias, contudo, através do casamento com um homem que fizesse parte dos filli familias, isto é, que não fosse um pater familias, ela também poderia se sujeitar a ele. O que dependeria da realização da conuentio in manum (ato solene pelo qual o marido adquiri a manus) entre os nubentes na celebração do matrimônio. Assim, pelo casamento cum manu a mulher se subordinaria ao seu marido, ressalvado a sua subordinação ao seu pater familias de origem, que persistia independentemente do matrimônio. Já pelo casamento sine manu a mulher conservaria seus bens e seu status diante de sua família de origem, mantendo sua subjugação apenas ao pater familias. Em outras palavras, se realizada a conuentio in manum esta gerava para a mulher uma subjugação dupla, ou seja, diante do pater familias de origem e de seu novo marido, enquanto que se não o fosse o casamento se denominaria casamento sine manu e a mulher manter-se-ia subjugada tão-somente ao pater familias de origem.


Embora nenhuma das posições aparente confortável, esta era a situação em que se encontrava a mulher romana. A qual, na pior das hipóteses, foi considerada relativamente incapaz subordinada ao pater familias, e suas arbitrariedades, além de sua subordinação ao marido, sem nenhum bem e sua administração, não lhe sendo facultado nem mesmo praticar a religião[9] sem o consentimento de seu tutor, e atada eternamente ao que se consideraria o interesse da domus.


3. – A IDEOLOGIA DA DISCRIMINAÇÃO


Uma pergunta que salutarmente poderá despontar é “porque a mulher era considerada este ser inferior, mormente, dentro do matrimônio durante o período de exaltação da cultura grega e romana, tendo perdurado até não muito tempo atrás, quando o Código Civil brasileiro de 1.916 ainda considerava o homem como o ser principal dentro da família, como se verá adiante?” É lúcido que não há uma resposta única e exata para tal indagação, porém, pode-se alvitrar que dentre as diversas fontes de perpetuação e reprodução desta ideologia antiga, com resquícios vigentes, de subjugação da mulher, duas são as principais.


A primeira delas é biológica, a que também se poderia chamar, com idêntico caráter, de artificial, pois se trata de uma distinção plantada e cultivada pelo próprio homem no bojo da sociedade. Assim, equivocadamente, doutrinadores defendiam que a mulher era um ser inferior ao homem por sua própria natureza feminina. Ocorre que esta justificativa para que a mulher seja subordinada ao homem é infundada. Pois, o que a torna inferior não é a sua própria natureza, mas a concepção que a sociedade tem desta natureza. Destarte, nas palavras de Alves e Pitanguy:


(…) Existe todo um conjunto de idéias, de imagens, de crenças, que legitima, perpetua e reproduz a hierarquização de papéis sexuais (…), porém a teoria da inferioridade natural esta de tal forma internalizado, que é difícil à própria mulher romper com a imagem de desvalorização de si mesma por ela introjetada. Ela aceita como natural sua condição de subordinação. Vê-se, assim, através dos olhos masculinos, incorporando e retransmitindo a imagem de si mesma criada pela cultura que a discrimina. [10]


Desse modo, a idéia que se tem sobre o homem e a mulher são noções que nascem a partir das relações sociais, isto justifica a celebre frase de De Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se mulher.” [11]


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Porém, infelizmente, esta ideologia da inferioridade natural está de tal forma enraizada na sociedade que não atinge apenas as mulheres, mas os negros, indígenas, judeus, pobres, dentre outros.


A segunda fonte se refere à Igreja Católica, que com seus postulados, defendeu a teoria supra citada, durante séculos, com fulcro nos Gêneses, que por ser a mulher Eva extraída de um osso excedente do homem Adão, ela era um ser maléfico e doméstico, eternamente subordinado ao governo deste homem.


Esta afirmação encontra anuência nas palavras do maior teólogo católico da humanidade:


Para a boa ordem da família humana, uns terão que ser  governados por outros mais sábios que aqueles; daí a mulher, mais fraca quanto  ao vigor da alma e força corporal, estar sujeita por natureza ao homem, em quem  a razão predomina.[12]


A visão exterior e discriminatória que eram impressas, pelas Igrejas Católicas, aos seres humanos, conduzindo a mulher a uma vida sedentária cuja única responsabilidade que deveria lhe ser atribuído, em conformidade com sua competência racional, seriam os relativos aos cuidados com a casa e com os filhos, contrariava os próprios princípios da verdadeira religião católica. Sem olvidar os costumes que lhes eram impostos, mormente, no que se refere ao vestuário, como se estes fatores externos pudessem produzir virtude e santidade as adeptas, uma grande falácia.  


Esta teologia tradicional associada à participação inconteste da religião no processo social constituiu uma grande barreira para o sexo feminino. Haja vista que:


A religião, independente de qual seja, da forma como é praticada, é um dos elementos constitutivos das sociedades e, assim sendo, as práticas e representações religiosas interferem tanto na organização da família natural (biológica) quanto na família formalizada no plano jurídico. [13]


Não pense que este dogma da Igreja Católica findou juntamente com a Idade Média em 1.453, muito pelo contrário, continuou a existir e a ser defendido, porém com menos pertinácia, por várias encíclicas[14] papais de Leão XIII, Pio XI e Pio XII. Com destaque para a Rerum Novarum de 15 de maio de 1.891, elaborada pelo Papa Leão XIII:


Trabalhos há também que não se adaptam tanto a mulher, a qual a natureza destina de preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado salvaguardam admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da família. [15] (grifamos).


Portanto, indubitavelmente, a teoria da inferioridade natural, agregada a Igreja Católica e seus postulados, com sua marcante influência na comunidade, são as principais fontes ideológicas responsáveis por ter a mulher sida considerada este ser dependente e inferior para o ordenamento jurídico, pois este nada mais faz senão procurar refletir a sociedade em seus aspectos intrínsecos (condições culturais) e extrínsecos (condições sociais, econômicas e políticas).


4. – A ISONOMIA ENTRE HOMENS E MULHERES NA CRFB


Desde que o Brasil se tornou independente de Portugal, oito Constituições foram editadas, dentre promulgações e outorgações, sempre se foi favorável ao denominado princípio da igualdade ou isonomia, porém, até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1.988, esta igualdade foi sempre formal, isto é, perante a lei. As quais “… não discriminavam mulheres como um grupo, todas tinham os mesmos direitos entre si. Mas isso não significava ter direitos iguais aos direitos dos homens.” [16]


Somente com a Carta Magna de 1.988 que este cenário passou a mudar, destarte, além de homens e mulheres serem considerados iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I), o Estado ter a obrigação de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), e assegurar a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI), esta foi expressamente favorável à aplicação prática do princípio da isonomia na relação entre os cônjuges, estabelecendo que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º). Confira-se o que enuncia o José Afonso da Silva atinente à isonomia entre homens e mulheres:


(…) não é sem conseqüência que o Constituinte decidiu destacar, em um inciso específico (art. 5º, I), que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Era dispensável acrescentar a cláusula final, porque, ao estabelecer a norma, por si, já estava dito que seria “nos termos desta Constituição”. Isso é de somenos importância. Importa mesmo é notar que é uma regra que resume décadas de lutas das mulheres contra discriminações. Mais relevante ainda é que não se trata aí de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações. Significa que existem dois termos concretos de comparação: homens de um lado e mulheres de outro. Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional. [17] (grifamos).


Além disso, o princípio da isonomia que deve ser estabelecido e exaltado entre homens e mulheres se ampara em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, isto é, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), pois expor ou tratar a mulher como um ser de qualidade inferior ao homem, subjugando-a, restringindo suas potencialidades, é, acima de tudo, agredir assaz sua dignidade. Neste sentido, leciona o ilustre professor Ingo Wolfgang Sarlet:


(…) constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não pode ser tolerada a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material. [18]


5. – O NOVO CÓDIGO CIVIL


Antes de tudo, cumpri o mister de se destacar o celebre pensamento do ínclito iluminista francês Montesquieu, o qual defendia, através de suas veementes palavras, a adequação da lei à sociedade por esta tutelada: “Não existem leis justas ou injustas. O que existem são leis mais ou menos adequadas a um determinado povo e a uma determinada circunstância de época e lugar.” [19]


E certamente a Lei n. 3.071 de 1º de janeiro de 1.916, que instituiu o Código Civil de Beviláqua, apesar das inúmeras reformas, não mais se adequava às peculiaridades da sociedade brasileira, pois enquanto aquele retratava uma sociedade rural patriarcal e conservadora do final do séc. XIX e início do séc. XX que colocava a mulher casada como um ser relativamente incapaz e acessório diante do marido, vivia-se sobre uma sociedade urbana marcada pelos avanços culturais, tecnológicos, políticos e sociais. Destarte, com o escopo de eliminar o abismo que paulatinamente foi se formando entre a legislação civil e a realidade social despontou o novo Código Civil brasileiro, com vinte e seis anos de tramitação no Congresso Nacional, promulgado pela Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2.002, tendo entrado em vigor após cumprir exatos um ano de vacatio legis. Em perfeita anuência aos preceitos constitucionais, o novo texto é caracterizado, em seus dispositivos, pelos princípios de igualdade e dignidade. Conseqüentemente, estes são os princípios que norteiam a sociedade conjugal hodierna, como se notará, implicitamente, através da elucidação dos principais direitos que são protegidos e assegurados pelo ordenamento jurídico civil à mulher nesta mesma sociedade, enquanto no seu papel de consorte e mãe.  


6. – NA SOCIEDADE CONJUGAL


Pelo Código Civil de 1.916, quando da relação conjugal, a mulher e o homem eram abordados separadamente e de forma discriminatória, cada qual com seus respectivos direitos e deveres e, assim, enquanto os direitos e deveres do homem eram arrolados no cap. II, do título II, do primeiro livro da parte especial do presente codex, os direitos e deveres da mulher constavam no cap. III, do mesmo título e livro. 


Imagine-se a existência de três esferas, com circunferências distintas, de direitos e deveres; na primeira e maior delas se encontraria o homem, na menor estaria a mulher, e na média se colocariam ambos.


O que o novo Código Civil fez foi unificar estas três esferas ideais e, nela inserir o homem e a mulher, portanto, hodiernamente os consortes se encontram em plena igualdade de direitos e deveres.


Destarte, a base da sociedade conjugal é constituída por esta isonomia entre os cônjuges, como apresenta expressamente o documento legal retro:


Art. 1.511 – O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. (Código Civil de 2.002).


Como conseqüência desta paridade estabelecida entre os sexos, todos os conceitos que poderiam refletir em algum ato discriminatório foram suprimidos no novo texto legal, inclusive, a substituição sucessiva do termo “homem”, quando se almejava referir a “todos os seres humanos”, pelo termo “pessoa”, que não necessita de interpretação extensiva para se extrair a noção de “todos os seres humanos”, pois a própria palavra condiz com tal abrangência.


Doravante, serão analisados os principais direitos que a mulher titulariza e exerce em plena igualdade com o homem no bojo desta sociedade conjugal, de forma a abranger tanto aqueles atinentes à pura relação pessoal e patrimonial entre os consortes como os que envolvem os filhos do casal. Começando pela simples capacidade de casar, que embora não seja motivo para maior destaque, trás em si uma igualdade que não havia a pouco mais de 3 (três) anos atrás em face das discriminações que perduravam. 


6.1. – A CAPACIDADE PARA CASAR


O casamento não é mero ato civil a ser estabelecido e rompido ao bel prazer de seus contraentes, pois a formação de uma família juridicamente tutelada, a conseqüente procriação da prole, e os deveres conjugais, que serão vistos em momento oportuno, por este incitado, suscitam assaz responsabilidade e experiência daí o motivo pelo qual, no ordenamento civil, prefere-se fixar uma idade mínima para a prática deste ato e, além do mais, fixar em igualdade.


Não obstante, para melhor se compreender a intenção do legislador em preceituar a idade nupcial leia-se trecho do erudito voto vencido do Rel. Garcia Leão em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:


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Não há nenhum interesse da sociedade em ver pessoas de pouca idade contraírem matrimônio, já que há muita possibilidade de estes resultarem em separação ou divórcio. Tal limite de idade imposto na lei, visa à proteção dos próprios menores que não devem ser submetidos à maiores responsabilidades fora do tempo.


Apesar de ter sido constatado nos autos através de laudos médicos e psicológicos que a menor tem desenvolvimento para o casamento não lhe deve ser concedida tal permissão.


Ainda na doutrina:


“… a norma que prevê idade mínima para o casamento não tem por inspiração única a preocupação com a maturidade física para o ato sexual, mas em plano muito mais abrangente, repousa na preocupação com a maturidade global do desenvolvimento da personalidade, de modo a impedir que as pessoas ainda imaturas quanto à compreensão total do sentido do matrimônio venham a casar-se”. (OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. Direito de Família: Direito Matrimonial. Porto Alegre: Fabris, 1990. p. 191).


“… criticáveis são as decisões judiciais que se baseiam na plena formação orgânica dos nubentes para autorizar o casamento”. (Inácio de Carvalho Neto – RT 745/697).


Não é aconselhável antecipar responsabilidades como o casamento até porque para isto é necessário um maior amadurecimento pessoal para que as coisas possam fluir mais facilmente. Pelo exposto, nego provimento ao recurso. [20]


Atualmente, a mulher que completou 16 (dezesseis) anos de idade tem o direito de casar mediante prévia autorização dos pais ou de seus representantes legais (tutores, curadores, pessoas que detenham a guarda e a responsabilidade sobre a menor púbere). A necessidade da mencionada autorização cessa com os 18 (dezoito) anos de idade, quando se atinge a maioridade civil, ou nas situações excepcionais expressamente arroladas no art. 1.520, do novo Código Civil, ou seja, em casos de gravidez ou para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal, sendo também desconsiderada, nestes eventos, a idade nupcial. Esta última exceção mencionada é conseqüência do artigo 107, VII e VIII, do Código Penal, que considera o casamento do agente com a vítima, ou desta com terceiro desde que cumprido os requisitos legais, uma excludente de punibilidade nos crimes contra os costumes definidos nos capítulos I, II e III, por exemplo, o atentado violento ao pudor, o assédio sexual  e a corrupção de menores. 


Contudo, nem sempre foi assim, até 24 de janeiro de 1.890 às mulheres com idade mínima de 12 (doze) anos e os homens com 14 (quatorze) anos poderiam casar. Posteriormente, pelo decreto n. 181, a idade nupcial da mulher foi elevada para 14 (quatorze) anos e a idade nupcial do homem para 16 (dezesseis) anos. Com o Código Civil de 1.916, novamente a idade nupcial foi elevada e, assim, poderia se casar à mulher com no mínimo 16 (dezesseis) anos e o homem com no mínimo 18 (dezoito) anos.


O Brasil adotava a mesma linha discriminatória que França, Itália e Portugal seguiam, no primeiro, de acordo com art. 144 do Código Napoleônico, a idade fixada para a realização do casamento era de 15 (quinze) anos para a mulher e de 18 (dezoito) anos para o homem. Nos outros dois países, enquanto a idade nupcial da mulher era de 14 (quatorze) anos, a idade nupcial do homem era de 16 (dezesseis) anos.


Somente com o advento do novo Código Civil, é que esta discriminação foi extinta no Brasil, fixando a idade mínima para a prática deste ato civil em 16 (dezesseis) anos de idade, tanto para o homem como para a mulher, em plena anuência aos preceitos constitucionais de igualdade entre os sexos. Confira-se o presente dispositivo:


Art. 1.517 – O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. (Código Civil de 2.002).


A celebração desse casamento civil será gratuita, bem como a sua habilitação no cartório civil, o registro e primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas para aqueles que declararem estado de pobreza (art. 1.512, parágrafo único, CC/2002; art. 226, §1º, CF/1988).


6.2. – A COAÇÃO NA DECLARAÇÃO VOLITIVA DE CASAR


O casamento somente se realizará por meio da manifestação de vontade recíproca, dos nubentes, de se casarem perante o juiz do ato, o oficial do registro e as testemunhas. Esta manifestação de vontade, solenemente ensejada durante a celebração, de estabelecer o vínculo conjugal, segundo Diniz, “deve ser livre, espontânea e consciente”. Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 2.002:


Art. 1.535 – Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento (…). (grifamos).


Combinando-se os artigos 1.550, inciso III, e 1.558, do novo Código Civil, tem-se a anulabilidade do casamento obtido por coação. Devendo esta constituir mal considerável e iminente para a vida, a saúde, e a honra da nubente ou de seus familiares. Apesar dos presentes dispositivos não abarcarem a simples coação existente, por exemplo, no temor de desobedecer aos pais, os egrégios Tribunais têm-se demonstrado favorável a uma interpretação extensiva dos mencionados artigos (cf. AC n. 1038-0/195 – 3ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de GO – Rel. Charife Oscar Abrão – julgado em 25/02/1998; AC n. 6665 – 7/195 – 2ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de GO – Rel. Geraldo Salvador de Moura – julgado em 07/11/2000; AC n. 6560-1/195 – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de GO –Rel. Ney Teles de Paula – julgado em 27/03/2001).


Como prova inconteste desta assertiva, confira-se trecho do erudito voto vencido do Rel. Edmilson da Cruz Neves, defendendo a anulação do casamento realizado por coação dos pais da mulher, em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará:


O constrangimento ocorrido na manifestação de vontade dos contratantes se deu de forma temerária, partindo dos familiares da requerida, que não admitiram o relacionamento amoroso ocorrido entre os dois sem a configuração do matrimônio.


Mesmo os nubentes declarando que não pretendiam formar laços, a família impôs de forma enérgica sua autoridade sobre eles, caracterizando coação, posto existir conjuntamente ao temor reverencial ameaças de cunho moral para requerente (…).


Assim, é justificável o temor aos familiares, agravados à ameaça provinda dessas pessoas, viciando o consentimento dos contraentes.


Logo, para a validade do ato nupcial surge como condição indispensável, o livre consentimento da união em relação aos nubentes (…).


Do exposto, conhece-se do recurso para negar-lhe provimento, mantendo inalterada a sentença monocrática. [21] (grifamos).


Portanto, é defeso aos pais, sob qualquer hipótese, no exercício de seu poder familiar, coagirem a filha a se casar, como era mais evidente nos séculos passados. Não obstante, caso a mulher contrair casamento por coação dos pais ou de outrem, independente de qual seja o motivo, tem ela o direito de por meio de ação própria, num prazo de 4 (quatro) anos a contar da data da celebração, requerer a anulação deste.


6.3. – A IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO CASAMENTO POR ERROR VIRGINITATIS


Com toda vênia, por mais absurdo e espalhafatoso que possa se afigurar, até o dia 10 de janeiro de 2.003 o homem que se casasse e viesse a descobrir, nos dez dias subseqüentes após a realização da celebração deste, que a mulher com quem casara já era deflorada antes mesmo de contrair o matrimônio, poderia propor ação com o intuito de devolver literalmente sua esposa, isto é, de anular seu casamento por configuração do error virginitatis, com admissibilidade e pretensão embasados em nossa legislação civil e processual civil. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 1.916:


Art. 218 – É também anulável o casamento, se houver por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. (grifamos).


Art. 219 – Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: (…).


IV – O Defloramento da mulher, ignorado pelo marido. (grifamos).


Havia bem verdade uma dupla moral, posto que não era exigido ao homem notificar, antecedentemente, à mulher sobre sua vida sexual para que se casassem regularmente. Enquanto que para a mulher se casar, sem correr o risco de ser devolvida nos moldes de um consumidor que devolve o produto com defeito ao seu fornecedor, teria que ser virgem ou caso contrário o marido deveria ser alertado de tal situação anteriormente à realização do casamento, pois se assim não ocorresse, como já foi mencionado, ele poderia facilmente requerer a anulação deste.


Ademais, a pretensão do consorte de invalidar seu casamento com fulcro no error virginitatis, mesmo após a constituinte de 1.988, encontrava fiel amparo em muitos de nossos egrégios Tribunais, dos quais colho os seguintes julgados, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça do Estado do Pará, e Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, respectivamente:


Anulação de casamento. Erro essencial, decorrente de defloramento da mulher, a ensejar a procedência da ação. Sentença confirmada, em reexame necessário. (Reexame Necessário n. 586041139 – 6ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do RS – Rel. Luiz Fernando Koch – julgado em 11/11/1986. No mesmo sentido: cf. Reexame Necessário n. 500419858 – 4ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do RS – Rel. Nelson Oscar de Souza – julgado em 13/10/1982; Reexame Necessário n. 37433 – 3ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do RS – Rel. Paulo Boeckel Velloso – julgado em 26/03/1981; Reexame Necessário n. 34992 – 4ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do RS – Rel. Edson Alves de Souza – julgado em 25/05/1980). (grifamos).


Ação ordinária de anulação de casamento – Erro essencial na pessoa do outro cônjuge – Art. 219, inciso IV, Código Civil. É de ser mantida a sentença do outro cônjuge e a insuportabilidade da vida conjugal, julgou procedente a ação. (Reexame de sentença – 2ª Câmara Cível – Acórdão n. 33815 – Tribunal de Justiça do PA – Rel. Albanira Lobato Bemerguy – julgado em 07/05/1998). (grifamos).


Ação de anulação de casamento – Defloramento da mulher, ignorado pelo marido – Erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge – Procedência – Remessa improvida. 1 – Comprovado nos autos através do laudo de exame de conjunção carnal o defloramento da mulher, o que era ignorado pelo marido, acertada a decisão que anula o casamento, na forma prevista nos artigos 218 e 219, IV, do Código Civil, por erro essencial sobre a pessoa do cônjuge, já que a ação foi proposta antes de dez dias da celebração do enlace. 2 – Remessa improvida. (Remessa Ex-officio n. 002.97.900013-6 – 3ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do ES – Rel. José Eduardo Grandi Ribeiro – julgado em 30/06/1998). (grifamos).


Contudo, como se não bastasse o próprio ato pejorativo inerente a esta discriminação, caso o marido iniciasse a ação de anulabilidade do casamento, a perícia realizada para confirmar se a mulher era realmente deflorada antes do matrimônio estava sujeita a muitas injustiças. Uma vez que consistia na averiguação ginecológica do rompimento do hímen, que funcionava exatamente como um selo de garantia, o qual pode ser ocasionado não apenas pela relação sexual, mas por diversos motivos fortuitos.


Sem olvidar da temível possibilidade de prova testemunhal em tais ações, o que sem dúvida aumentava consideravelmente o número de iniqüidades a que a mulher era submetida.


Para maiores esclarecimentos atinentes a este meio probatório, na hipótese de anulação do casamento por defloramento da mulher anterior ao matrimônio e ignorado pelo marido, leia-se trecho do erudito voto vencido do Rel. Paulo Colombo em acórdão proferido no extinto 1º Tribunal Alçada do Estado de São Paulo, objeto de fundamentação do Rel. Djaci Falcão em acórdão proferido no Supremo Tribunal Federal:


Não há dúvida alguma que a melhor prova do defloramento da mulher anterior ao casamento é o exame médico legal. Mas não é a única que se deve admitir. A dificuldade científica de se precisar a data do defloramento quando ela é de mais de cinco dias, a dificuldade de se fazer os exame nos primeiros dias subseqüentes ao casamento, não só por uma possível hesitação do marido sobre a sua conduta ante a verificação ao ter o primeiro contato carnal com a mulher, de que esta não era virgem, como pela oposição natural da mulher em submeter-se ao exame, e várias outras circunstâncias, fazem com que se aceitem outros elementos probatórios. [22] (grifamos).


Por conseguinte, é obvio que esta discriminação, para efeito de anulação do casamento, entre a mulher deflorada e a virgo intacta não poderia prevalecer no novo Código Civil onde se exaltam a igualdade e a dignidade da pessoa humana, haja vista sua inconstitucionalidade e inadequação com a realidade social, tendo o mesmo suprimido esta espécie de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge em seu artigo 1.557.


6.4. – O NOME DA MULHER CASADA


Durante os 60 (sessenta) anos que vigorou a redação original do art. 240 do Código Civil de Beviláqua, o casamento gerava a obrigatoriedade da mulher adotar o sobrenome[23] de seu marido. O que evidenciava a relação de submissão da esposa, pois, nas palavras de Silmara Chinelato, “nomear significa exercer o poder.” [24] Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 1.916:


Art. 240 – A mulher assume, pelo casamento, com os appellidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família. (redação original). (grifamos).


A respeito da aplicação jurisprudencial do mencionado artigo do antigo codex, veja-se o que enunciava o Rel. Waldemar Nogueira Filho em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:


Assim é que a adoção do nome, na lição de Clóvis, “é um costume a que a lei deu guarida, e deve ser compreendido como exprimindo a comunhão de vida, a transfusão das almas dos dois cônjuges” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, pág. 601, nota ao art. 240, Ed. Rio, 4ª  tiragem, edição histórica, março de 1979).


Devendo o nome da mulher compreender obrigatoriamente o do marido, em face da expressão “assume”, exarada no artigo 240 do Código Civil, pois “quando a lei prescreve que a mulher assume os apelidos do marido, torna-os um dos elementos essenciais da denominação dela” (cf. Miguel Maria de Serpa Lopes, Tratado dos Registros Públicos, vol. I, pág. 174, Freitas Bastos, 1960. Vide, ainda, R. Limongi França, Do Nome Civil das Pessoas Naturais, págs. 238/239, Ed. Rev. dos Tribs., 3ª ed., 1975).


Escrevendo Orlando Gomes que essa obrigatoriedade tinha a finalidade de tornar público o estado dos que se casaram, revelando, ademais, que o marido ainda ocupava, na sociedade conjugal, o primeiro plano (cf. Direito de Família, pág. 153, 11ª ed. atualizada por Humberto Theodoro Júnior, Forense, 1999).


J. M. Carvalho Santos, de seu turno, também entendeu como um dever imposto à mulher o de usar o nome de família do marido, ressalvado o de se servir de pseudônimo ou de seu nome de artista, na assinatura de negócios relativos à atividade de artista ou de autora (Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. IV, pág. 401, Freitas Bastos, 7ª ed., 1961), orientando-se, por igual, Pontes de Miranda, para quem o marido, antes do advento da Lei 6.515/77, tinha ação para que a mulher o respeitasse (Tratado de Direito Privado, tomo 8, pág. 183, n. 7, atualização de Vilson Rodrigues Alves, Bookseller, 1ª ed., 2000). [25]


Com a promulgação da Lei n. 6.515, no dia 26 de dezembro de 1.977, fora revogado o dispositivo supra citado. Conferindo, o novo texto, à mulher que se casasse à opção de acrescer ao seu o sobrenome do outro cônjuge ou manter seu nome de solteira. Contudo, apesar de ter entrado em vigor o presente documento legal, do mesmo modo denominado Lei do Divórcio, pouco se alterou substancialmente na sociedade, uma vez que o novo preceito deixava de obrigá-la, mas continuava a instigá-la a acrescentar ao seu nome o sobrenome do marido, indicando, assim, a que família pertencia, ou melhor, a quem pertencia. Ancorado naquela cultura machista e indigna arraigada durante séculos nesta mesma sociedade, pela qual a mulher ao contrair o casamento, e constituir uma nova família, deveria levar com sigo o sobrenome do esposo, uma vez que este era considerado o ser mais importante dentro desta célula social.


Como era de se esperar, o novo Código Civil, avançou a ponto de conceder a possibilidade de adoção do sobrenome do outro cônjuge, como direito de ambos consortes. Destarte, a nubente poderá, não tão-somente adotar o sobrenome de seu futuro esposo, mas, assim almejando o mesmo, ter acrescentado o seu sobrenome ao dele, com fulcro no presente dispositivo:


Art. 1.565 – (…).


§ 1º – Qualquer dos nubentes, querendo, poderá, acrescer ao seu o sobrenome do outro. (Código Civil de 2002).   


6.5. – NA MANUTENÇÃO DA FAMÍLIA


Partindo da premissa de que o casamento é o ato civil pelo qual duas pessoas de sexos distintos se unem com o objetivo de constituir uma família, com base, como já foi visto, na igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges. E a partir do instante que se forma uma nova família, pressupõe-se logicamente a manutenção desta. Pode-se dizer, conclusivamente, que ambos consortes se responsabilizam mutuamente por esta manutenção.   


O silogismo acima descrito é fruto do novo Código Civil, que em seus artigos 1.565, caput, e 1.568, estabeleceu que a mulher também haveria de participar e se responsabilizar pela manutenção da família, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, independentemente do regime patrimonial, salvo disposição em contrário no pacto antenupcial. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 2.002:


Art. 1.565 – Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família (…). (grifamos).


Art. 1.568 – Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.


Esta manutenção familiar, aludida acima, deve ser entendida sobre dois aspectos, isto é, sob a égide moral e material. O primeiro compreende o respeito e o afeto tanto pelo outro consorte, como também pelos filhos. O segundo, por sua vez, é atinente aos encargos familiares que, por interpretação extensiva, abrangem não tão-somente as despesas necessárias ao sustento da sociedade conjugal, por exemplo, com alimentação, vestuário, educação dos filhos, lazer e etc., mas o zelo com o ambiente de convívio, que incide, inclusive, na divisão das tarefas domésticas.


Enquanto vigorou o antigo Tratado Civil do professor Beviláqua, as mulheres exerciam o papel de meras colaboradoras do marido, sendo este, em regra, inteiramente responsável pela manutenção da família, com fulcro nos artigos 233, IV, e 240, caput, do documento legal acima mencionado. A esposa somente contribuiria com seu patrimônio particular se o casamento estivesse submetido ao regime de separação absoluta de bens.


Porém, a evolução da sociedade e as lutas emancipatórias acabaram por conduzir a mulher da vida doméstica para a vida extradoméstica, exercendo atividades remuneradas. Por esse motivo não se justifica mais que a esposa somente auxilie o marido com os rendimentos de seus bens particulares, pois tal situação não condiz com a sociedade moderna, sendo que esses fatos figuravam em 1.916, quando, ainda vigia a separação dos bens particulares da mulher. [26]


No que se refere à emancipação do sexo feminino, que caminhou a passos céleres depois de meados do séc. XX, da qual desprende este direito-dever da mulher e mãe de participar da manutenção familiar conjuntamente com o homem, consumando a perfeita isonomia entre os consortes na vida conjugal, que muito já se firmou até aqui. Vale ressaltar, dentre inúmeros pronunciamentos de nossos magistrados expostos em abundância até o momento, trecho do erudito voto vencido do nobre Rel. Pinheiro Lago em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.


Cuida-se de Apelação Cível, onde a apelante reclama, em matéria impugnada, a majoração da prestação alimentícia fixada em instância monocrática para si e para a sua filha menor, posicionando a 7ª Câmara Cível do egrégio Tribunal, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso voluntário, mantendo incólume à sentença proferida em instância monocrática; dentre as razões que se seguiram ao acórdão, destaca-se a reiterada defesa da independência feminina, verbis:


Hodiernamente, vem se firmando o entendimento no sentido de que, dada a equiparação profissional entre mulheres e homens, ambos disputando em igualdade de condições o mercado de trabalho, não se mostram devidos, nas separações sem culpa, alimentos aos ex-cônjuges, salvo se comprovada a incapacidade laborativa de um deles.


A propósito:


“Mesmo antes da Constituição Federal, desapareceu do campo normativo o dever de o marido sustentar a esposa que possa prover sua própria manutenção, em face não só da independência econômica e jurídica das mulheres casadas, que se operou por força da Lei nº 4.121, de 1962, cômodas modificações introduzidas à Lei 883 e do advento da Lei 6.515. A atual Carta Magna estatuiu a perfeita igualdade jurídica entre o marido e a mulher, art. 226, § 5º, e os deveres conjugais passaram a correr tanto em mão como em contra-mão, podendo ser exercido pela mesma forma pelo homem e pela mulher.” (RT 724, p. 303/305)… “O casamento há muito deixou de ser aquele regime tirânico, imposto pelo egoísmo e prepotência masculinos. O progresso da civilização fez apagar os mitos de inferioridade feminina e superou a crença medieval da decantada fragilidade da mulher, dando-lhe, à custa de ingentes esforços, um regime de igualdade, como determinam o inciso I, do art. 5º e o § 5º, do art. 226, da Constituição Federal.” (Yussef Said Cahali, Dos Alimentos. 2ª ed. RT, 1994, pp. 214/215). (TJRS – Ac. 98.0039355 – SC 4ª C. Cív. – Rel. Des. Francisco Borges – j. 1.10.98.). [27] (grifamos).


Diante da independência granjeada pelo sexo feminino na esfera extradoméstica não havia mais ratio iuris que devesse corroborar a presença da mulher na família apenas como a coadjuvante, como a figura a ser sustentada pelo esposo da mesma maneira como o eram os filhos e que, portanto, colocava-a em situação de inferioridade sobre o mesmo, que se sentia no direito de sobrepujar sua mulher, por ser seu representante, tutor, marido e etc. É simples de entender isto ao se recordar da teoria de Montesquieu, que a princípio pode parecer totalmente desvirtuada do assunto em foque, mas que, muito pelo contrário, está intrinsecamente ligada quando em seu sentido lato: “É uma verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder, tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder.” [28] De facto, como nosso antigo direito civil tinha o homem como o ser principal na sociedade conjugal, era o sexo quase que prepotente, do qual dependia a mulher seja como filha ou esposa; dependência esta que se estendia desde a alimentação até os simples atos civis; concedendo muito poder ao homem, não é difícil de se imaginar que dele o abusava. 


Felizmente este não é o retrato legal que vemos hoje do cotidiano da mulher casada, a qual figura como ser plenamente capaz e perfeitamente apto a exercer as mesmas atividades laborativas que o homem. E assim, conseqüentemente, pode contribuir para a manutenção da família também em seu aspecto material na mesma proporção que o marido, como ratifica o novo Código Civil em seus artigos 1.565, caput, e 1.568 supra citados, e até mesmo sustentar unilateralmente a família, invertendo as posições de outrora, se dessa forma concordarem os cônjuges, visto que este direito-dever é de ambos.


6.6. – NO PLANEJAMENTO FAMILIAR


Com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade e maternidade responsável, o novo Código Civil, reiterando o artigo 226, § 7º, da atual Carta Magna, inclui o direito à livre decisão do planejamento familiar a ser adotado pela sociedade conjugal, atribuindo a responsabilidade sobre esta decisão não tão-somente ao marido, mas ao casal.


Em face das novas condições sócio-econômicas, políticas e culturais o planejamento familiar adquiriu maior realce, daí um dos motivos pelo qual o legislador, do Código Civil de 2.002, considerou relevante preceituar esta igualdade, entre os consortes, na escolha atinente ao número de filhos a serem procriados durante a comunhão de vida estabelecida pelo casamento, conformando-se com a Constituição Federal de 1.988.


Isonomia esta que não se encontrava no anterior Código Civil, por razões bastante simples, primeiro que este não se importava demasiadamente com a igualdade e a dignidade da pessoa humana em magnitude que se possa comparar com o atual codex, em segundo lugar, na época de sua elaboração não havia tanta preocupação como hodiernamente com a necessidade de um planejamento ao se instituir uma família.


Que se entenda melhor a respeito da importância do planejamento familiar na sociedade atual através de trecho do erudito voto vencido do Rel. Alberto Tedesco em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:


Em condições normais os pais planejam o nascimento dos seus filhos e quando estes nascem com saúde é motivo de contentamento e satisfação.


Todavia, nos tempos atuais, as famílias optam por um planejamento familiar, até limitando o número de filhos, para lhes dar melhores condições de vida, pois são expressivos os gastos com alimentação, vestuário, saúde, educação, tratamento médico e odontológico, lazer etc… [29]


Assim sendo, o número de filhos que os cônjuges pretendem ter sob sua guarda, educação e sustentação, considerando as condições referidas acima, é questão fundamental que deve ser discutida e dirimida por ambos, sem prevalência do sexo masculino. Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 2.002:


Art. 1.565 – (…).


§ 2º – O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. (grifamos).


Como se percebe, compete ao Estado fornecer todos os meios educacionais, financeiros e científicos, para o exercício desse direito, sem, contudo, interferir, seja por conduta voluntária ou culposa, na comunhão de vida instituída pelo matrimônio, induzindo ou inibindo a geração (art. 1.513, CC). Ao mesmo preceito vedativo se submetem as pessoas jurídicas de direito privado. “Tendo em vista que o planejamento familiar não é planejamento populacional, porque não se deve induzir o comportamento social ou sexual, nem deliberar o número de filhos do casal.” [30]


6.7. – OS DEVERES CONJUGAIS E A REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS POR SUA VIOLAÇÃO


A família, instituída através do casamento, atualmente é vislumbrada como fonte de engrandecimento da própria espécie humana, projeto de felicidade pessoal, célula elementar da sociedade, antagonicamente àquele modelo de associação religiosa, núcleo econômico e de reprodução, como era vista nos primórdios da civilização. Ocorre que para a possibilidade de realização deste idealizado objetivo de engrandecimento e felicidade pessoal que cada nubente busca ao instituir uma nova família, é imprescindível a tutela dos direitos de personalidade na relação matrimonial, tais como a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica, a honra, a intimidade, a imagem e etc., sob pena de descumprimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988). Sendo assim, impõe-se o cumprimento a determinados deveres conjugais, consistentes em ação e abstenção a certos atos.


São deveres de ambos cônjuges a fidelidade (art. 1.566, I, CC/2002; art. 231, I, CC/1916); a vida em comum no domicílio conjugal (art. 1.566, II, CC/2002; art. 231, II, CC/1916); a mútua assistência (art. 1.566, III, CC/2002; art. 231, III, CC/1916); o sustento, guarda e educação dos filhos (art. 1.566, IV, CC/2002; art. 231, IV, CC/1916); e como inovação do novo codex, o respeito e consideração mútuos (art. 1.566, V, CC/2002).  Confira-se o presente dispositivo:


Art. 1.566 – São deveres de ambos os cônjuges:


I – fidelidade recíproca;


II – vida em comum, no domicílio conjugal;


III – mútua assistência;


IV – sustento, guarda e educação dos filhos;


V – respeito e consideração mútuos. (Código Civil de 2.002).


Destarte, a mulher tem pleno direito, assegurado pelo ordenamento constitucional e civil, de exigir de seu marido fidelidade, consistente no dever de não manter, na constância do casamento, relação sexual com terceiro; vida em comum no domicílio conjugal escolhido pelo casal, como será enfatizado posteriormente, que consiste no dever de coabitação, respeitado as possibilidades de se afastar provisoriamente deste; mútua assistência, que implica no amparo ao outro consorte nos momentos infortúnios, nas adversidades da vida, podendo resultar em prestação alimentícia[31] caso necessite; sustento, guarda e educação dos filhos, pelo qual têm os cônjuges o dever de proverem, na medida de seus recursos, a subsistência dos filhos, guardá-los com segurança e fornecer-lhes à educação primária, não os submetendo a locais ou atos que interfiram de modo danoso em sua formação intelectual. Sendo esta uma obrigação que descumprida injustificadamente configura crime contra a assistência familiar (art. 244 a 247, CP); respeito e consideração mútuos, que incide no dever de ser sincero com o outro cônjuge, de não desdenhá-lo, de não sujeitá-lo a situações pejorativas e imorais, ou seja, não praticar qualquer ato que possa agredir os direitos de personalidade do outro consorte.


A violação de qualquer desses deveres constitui similarmente injúria grave, além de outros prejuízos que possa incitar, sendo, portanto, motivo suficiente para o pedido de separação judicial litigiosa, por cumularem com a impossibilidade de continuação da vida em comum (arts. 1.572, caput, 1.573, e incisos, CC/2002).


Mas não é só, comumente a transgressão a esses deveres conjugais suscita danos materiais e, principalmente, morais ao cônjuge inocente, o qual deve ser ressarcido. Veja-se o que enuncia Regina Beatriz Tavares da Silva:


A lei, ao estabelecer deveres aos cônjuges, obriga-os à prática de certos atos e à abstenção de outros. Uma vez violados esses deveres, com a ocorrência de danos, surge o direito do ofendido à reparação, em razão do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva – ação ilícita, dano e nexo causal – assim como ocorre diante da prática de ato ilícito em outras relações jurídicas, com fundamento na regra geral da responsabilidade civil. [32]


Apesar de modesta jurisprudência favorável a esta concepção nos parece indubitável tal assertiva, pois os danos decorrentes desta violação são oriundos não do desamor ou desafeto do cônjuge culpado, como a corrente oposta elucida, que pode findar a qualquer momento dentro da sociedade conjugal, mas pelo dano moral ou mesmo material que provocou com sua injúria grave. Portanto, não é o dano moral causado pelo desamor, mas o dano moral causado pela atitude instigada por este desamor que deve ser indenizado, tal como o adultério. O mesmo entendimento é reiterado nas palavras de Yussef Said Cahali:


(…) O mesmo ato ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais posto como fundamento para a separação judicial contenciosa com causa culposa, presta-se igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado. [33]  


Quanto à legislação, aplica-se o disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1.988; combinado com o artigo 186 e, por ter o casamento natureza contratual, artigo 403 do novo Código Civil.


Desse modo, a mulher poderá propor concomitantemente ou após o transito em julgado da ação de separação judicial litigiosa que a declarou inocente, a ação de indenização por danos morais e, se for o caso, materiais. Contudo, não se deve olvidar que para a possível reparação é necessário que haja o descumprimento de dever conjugal e a ocorrência de dano material ou moral, sendo o último configurado no simples transtorno psíquico em sua vida particular ocasionado pela atitude alheia.


Na defesa da reparação civil da mulher inocente na ação de separação contenciosa motivada por injúria grave do marido confira-se trecho do erudito voto vencido do Rel. Nilson Naves, com a anuência dos Ministros Carlos Alberto Menezes e Waldemar Zveiter, em acórdão proferido no Superior Tribunal de Justiça, que mesmo antes da vigência do novo Código Civil já assegurava o direito à indenização por danos morais provenientes da violação dos deveres conjugais:


Ora, no caso em exame, ficou assentado, induvidosamente, que a separação judicial foi pronunciada por culpa exclusiva do cônjuge varão. Em sua sentença, o juiz, como se viu, sublinhou a culpa, emprestando-lhe realce maior para, daí, impor ao cônjuge culpado a obrigação de reparar o dano moral (falou-se da prática de sevícias e se disse a respeito da humilhação sofrida pela mulher; portanto, de grave violação dos deveres do casamento), mas o acórdão, pela palavra do Tribunal de Justiça, de certa forma mitigou a culpa do varão, porquanto “Aqui porém há que temperar o julgamento do caráter do varão com o travo da sua origem oriental. É que opostamente a tradição que se pode referir como européia, onde a mulher tende a receber maior dose explícita de mimos, no oriente persistia e ainda persiste o modo hoje conhecido como ‘machista’, com a mulher relegada a função inferior e subalterna”.


Quero crer, no entanto, que, em face da realidade dos autos, não se justifica o fundamento empregado pelo acórdão, para excluir a indenização pelo dano moral. A melhor das indicações é a de que houve comportamento injurioso… Tal fato, por si só, enquadra-se, a meu juízo, para fins de indenização, no art. 159 do Cód. Civil, que compreende, pelas rememorações feitas, também o dano de natureza moral, motivo por que, conhecendo em parte do recurso especial, dou-lhe nessa parte provimento, a fim de, reformando o acórdão, manter a indenização a título de dano moral. [34] (grifamos).


6.8. – NA DIREÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL


Ao se instituir a sociedade conjugal através da realização do casamento nasce a necessidade de bem dirigi-la, no interesse do próprio casal e dos filhos. Com vistas sempre à harmonia e ao bem estar da família. Evitando que esta sociedade seja conduzida de modo desordenado e desunido, marcada por sentimentos egocêntricos, o que feriria sua própria essência, isto é, o amor entre os entes, e ocasionaria sua conseqüente dissolução.


Logo, o Código Civil de 1.916, não se fez agradar, ao atribuir, em seu artigo 233, caput, a direção da sociedade conjugal exclusivamente ao marido, considerando a mulher uma simples colaboradora do mesmo. Antagonizando a aclamada isonomia entre os consortes e a dignidade da pessoa humana, concomitantemente. Porquanto, se há que falar em um diretor ou, nas palavras do próprio codex, chefe e um colaborador, como o faz, já se fere a igualdade entre os consortes. Mas não é só, uma vez que se há uma hierarquia, logicamente está se falando que o primeiro é mais capaz e/ou importante que o segundo, sendo o segundo a mulher, este fere também sua dignidade. 


Enquanto ao homem cabia a responsabilidade de representar legalmente a família e administrar os bens comuns e particulares da esposa, exceto no regime de separação absoluta de bens ou se dispusesse de modo diverso o pacto antenupcial, dentre outras competências inerentes ao bom e fiel exercício da direção da sociedade conjugal. A mulher era apenas a coadjuvante, em tudo tendo que se submeter ao marido, poderia participar apenas das discussões que envolvessem questões essenciais atinentes à própria família e, ainda sim, a única forma de ter reconhecido sua vontade era recorrendo ao judiciário, pois de modo contrário, em casos de divergências prevaleceria sempre às pretensões do marido até por um fator cultural. Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 1.916:


Art. 233 – O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (…). (grifamos).


Como já foi elucidado no início do presente trabalho, as três esferas ideais de direitos e deveres existentes na sociedade conjugal, vislumbrada pelo anterior Código Civil, foram unificadas e nela inserida o homem e a mulher, com advento do novo codex e o direito de família por nele regido. Portanto, como conseqüência, a direção desta sociedade não pode ser atribuída apenas ao marido, mas a ambos cônjuges e, inclusive, com a possibilidade mútua de recorrem ao judiciário para dirimir as prováveis dissensões insolúveis que vierem a surgir no desenrolar da vida conjugal. Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 2.002:


Art. 1.567 – A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.


Parágrafo único – Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses. (grifamos).


Em anuência jurisprudencial que se depreenda o trecho do recente voto vencido do ilustre Rel. Benedito Gonçalves em acórdão proferido no Tribunal Regional Federal da 2ª Região:


Com efeito… O fato de ser a rurícola casada não obsta à concessão de benefício previdenciário na condição de trabalhador rural, na medida em que a mulher pode ser considerada chefe de família ou arrimo da unidade familiar (TRF2, AC 93.02.13393-1, Rel. POUL ERIK DYRLAND) (…).Contudo, no caso em exame, desnecessário se torna a comprovação de ser a autora, que já possui a condição de segurada, chefe ou arrimo de família, vez que essa diferenciação entre homem e mulher… Não foi recepcionada pela Carta Magna de 1988 que, em seu art. art. 226, §5º, dispõe: “que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. [35] (grifamos).

Da mesma forma se seguiu o novo Código Civil, obstando a consideração de ser o marido responsável unilateral pelo exercício da direção familiar, o que lhe munia de faculdades que não raras vezes se refletiam em arbitrariedades. Mais ainda diante do fato incontestável de ser a esposa, mesmo que não se tenha abarcado esta concepção antes da Constituinte de 1.988, responsável pela direção da sociedade conjugal ao lado do marido. Assim a mulher era e é também a responsável pela direção familiar e com acentuada influência no desenvolvimento da unidade familiar, mas não o era reconhecida legalmente por tal labor, em outras palavras, mesmo com uma participação indispensável no cotidiano da família encontrava-se simplesmente desconsiderada e menosprezada por nossa antiga legislação civil. Uma vez que, não se aceitava a idéia de que o homem equivalesse à mulher, tida como sexo frágil e inapto a grandes faculdades.


A realidade social brasileira da maior parte da população não condiz apenas com o marido ou a mulher para dirigir e manter a unidade familiar unilateralmente, posto que as dificuldades econômicas e a deficiência cultural, mormente no meio rurícola, impelem ambos cônjuges e pais a concorrerem para a direção da família com reciprocidade, um auxiliando o outrem. Este é o ensinamento que se extrai de trecho das razões que pautaram o erudito voto vencido do nobre Rel. Aldir Passarinho Junior, com a proficiência que lhe é peculiar, em acórdão proferido no Tribunal Regional Federal da 1ª Região:


Quanto ao segundo pressuposto constante da norma – ser chefe ou arrimo de família – a orientação jurisprudencial é hoje assente em rejeitá-la não apenas porque, face à miséria reinante no meio rurícola brasileiro, a figura do provedor único da família é inexistente, como também porquanto a novel Carta da República, em seu art. 5º, inciso I, veda qualquer forma de discriminação entre homens e mulheres (AC nº 89.01.00528-0 – MG, 1ª Turma, Rel. Juiz Plauto Ribeiro, in DJU de 27.08.90). [36] (grifamos). 


Ante o entendimento que reina em nossos Tribunais desde a vigência da Constituinte de 1.988, o novo Código Civil não pôde deixar de reconhecer toda a dedicação feminina e capacidade da mesma para dirigir a família. Derivando da perfeita igualdade entre os cônjuges e os pais, no que tange a estes últimos foram realizadas as devidas alterações no instituto do “pátrio poder” que passou a ser denominado “poder familiar”. Em tudo consoante o novo texto legal para o exercício diretivo familiar pleno, sem maiores restrições, e em igualdade de condições. 


Deste modo, não existindo, na nova família regulada pelo Código Civil de 2.002, decisão do marido ou da esposa, mas decisão do casal, aquele não pode mais se sobrepor àquela nas questões que envolvem a sociedade conjugal, porquanto a opinião de um tem o mesmo valor e consideração que a opinião do outro, obra da isonomia constitucional.


Nada obstante, apenas ad argumentandum, se o marido se apresentar no exercício do direito decisório de forma abusiva, egocêntrica e prejudicial aos interesses da consorte, esta tem o direito de recorrer ao poder judiciário para que aprecie o litígio, tendo em vista os interesses da família. 


6.9. – NA ESCOLHA DO DOMICÍLIO CONJUGAL


Uma questão que a princípio é desprovida de complexidades, mas que foi fonte de diversos dissabores para a mulher é a fixação do domicílio conjugal.


Pelo Tratado Civil de 1.916, em seu artigo 36, parágrafo único, e artigo 233, inciso III, quando realizado o casamento o local onde a sociedade conjugal fixaria seu domicílio era deliberação que cabia única e exclusivamente ao homem, tendo a mulher que se submeter ou recorrer ao judiciário caso a decisão a prejudicasse. Apesar de nenhuma das opções ser confortável, pior seria não seguir nenhuma delas, pois se assim o fizesse poderia ser considerada culpada em possível ação de separação judicial litigiosa, por descumprimento de um dos seus deveres, isto é, a vida em comum no domicílio conjugal. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 1.916:


Art. 36 – (…).


Parágrafo único – A mulher casada tem por domicílio o do marido, salvo se estiver desquitada (art. 315), ou lhe competir a administração do casal (art. 251). (grifamos).


Art. 233 – O marido… Compete-lhe:


III O direito de fixar o domicílio da família ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao Juiz, no caso de deliberação que a prejudique. (grifamos).


Sendo o domicílio conjugal o lugar onde os consortes “estabelecem sua residência com ânimo definitivo” (art. 70, CC/2002), buscando cultivar o amor que deu origem ao casamento, educar os filhos que dele decorram, prover segurança um ao outro, enfim, alcançar sua realização pessoal, exige-se, para tanto, no mínimo que nele vivam harmoniosamente no transcorrer da vida conjugal. Por conseguinte, havia bem verdade uma inadmissível incoerência, com um local cujo maior pressuposto é a harmonia entre os entes, sob pena de frustrar as pretensões dos cônjuges e até mesmo dos filhos, ser escolhido e fixado de forma desarmônica ao arbítrio do marido.


Aliás, este dispositivo incongruente e discriminatório que de forma infeliz fora preceituado pelo antigo legislador civil, não era visto com bons olhos por nossos Tribunais, por ser fonte de muitas iniqüidades. Porquanto, nota-se o quão tímida se apresenta à crítica acima ao art. 233, inciso III, do Código Civil de 1.916, diante das impetuosas palavras do Ministro Rel. Ribeiro da Costa, com anuência dos Ministros Barros Barreto, Victor Nunes, Villas Boas e Hahnemann Guimarães, em acórdão proferido no Supremo Tribunal Federal.


Cuida-se de Recurso Extraordinário onde a apelada reclama prestação alimentícia do marido, para si e para o seu filho menor, por não ter condições de acompanhá-lo no novo domicílio fixado arbitrariamente pelo mesmo e arcar com a sua própria subsistência e a do menor; dentre as razões que se seguiram ao acórdão, enfatiza-se a censura acometida ao direito do marido de estabelecer e fixar o domicílio conjugal sem maiores ressalvas, verbis:


A decisão recorrida resulta de equânime, humana e justa interpretação da lei que, sem dúvida retira ao marido, no uso do direito que lhe assiste, de estabelecer e fixar o domicílio do casal, o propósito arbitrário, humilhante, inconveniente à manutenção do lar e à educação dos filhos, que, então, se transforma em abuso de direito, proscrito pela lei civil (…).


Desde que é da essência do casamento a vida em comum, impondo ao cônjuge feminino acompanhar o marido. Sob pena de quebrar-se o elo fundamental da família e de transformar-se o laço matrimonial em mera formalidade que se desfaz ante incompreensões surgidas na vida do casal… Todavia, esta interpretação dos textos legais referentes aos direitos e deveres dos cônjuges, a qual se explica na rigidez das legislações que seguira o modelo francês, inspirado em fontes romanas ou na organização familiar de tempos passados, não pode encontrar aplauso hodiernamente. Necessário se faz introduzir na disciplina jurídica atinente à vida conjugal de entendimento que torna adequada a regra de direito aos aspectos que devem ser solucionados por critérios ajustados à realidade social. A condição da mulher casada não é da incapacidade propriamente, mas das limitações impostas pelo estado, pelos deveres do lar, sem quebra do respeito à sua personalidade, cuja palavra nos conselhos domésticos tem direito de erguer-se contra deliberações injustas, tomadas pelo chefe da sociedade conjugal.


Bateu-se por esta interpretação da nossa lei civil o insigne civilista e juiz SÁ PEREIRA, ao dar melhor compreensão dos dispositivos do nosso Código: “O nosso legislador nenhum recurso deu à mulher contra uma intempestiva e arbitrária mudança de domicílio conjugal, e é pena que, neste assunto, se não tivesse inspirado no Código Civil alemão, a que tão amiúde recorreu… Apegou do silêncio do nosso legislador, não me parece duvidoso que, ante a recusa da mulher, os nossos tribunais tenham que apreciar de circunstâncias em que ela se produziu, a fim de ver se o marido exerceu de uma forma normal o seu direito, ou ao contrário, dele abusou” (Direito da Família, pág. 269).


Com efeito, o legislador alemão não foi descuidoso nesta matéria, com se vê em ENNECERUS – FIPRKOLF – “El deber da la mujer de atener-se a las decisiones del marido, no as deber incondicional. Desaparece si media abuso del derecho por parte del marido (§ 1.364, ap. 2) (Tratado de Derecho Civil 4º tomo, Derecho da Família, trad. espanhola, pág. 192). Entre nós, eminentes juristas sustentam a mesma interpretação. [37] (grifamos).


A exegese jurisprudencial dada ao artigo 233, inciso III, do Código Civil de 1.916, contida no trecho supra relatado, do acórdão proferido no STF, teve como fator preponderante à justiça, se sobrepondo ao que previa nosso antigo codex civil ou qualquer outro documento legal vigente na época, uma vez que acima de qualquer texto legislativo, acima de qualquer disposição constitucional ou infraconstitucional, está sua essência fincada na equanimidade, que muitas vezes é esquecida por nossos magistrados ao vislumbrarem apenas a superfície dilatada das leis deixando de buscar as raízes do próprio direito de onde emanaram as mesmas leis objetos de apreciação, pois embora a sociedade esteja em fluente transformação, portanto, constantemente as leis se tornam inadequadas ao momento hodierno, sua essência é sempre a mesma e, é nela também que se deve pautar, uma vez que se as leis estão em constante inadequação, sua essência não o está. Destarte, mesmo diante de um texto impróprio à realidade social como é o encerrado no artigo 233, inciso III, do Código Civil de 1.916, fora possível aplicá-lo de modo menos prejudicial à mulher, ainda antes da Constituinte de 1.988, buscando consagrar a essência do mesmo explicita, neste caso, na vontade do legislador que o preceituou, posto que esta não era ver a mulher ser discriminada, sobrepujada, desconsiderada, inferiorizada, como ocorreu no cotidiano familiar, mas de preservar o casamento minimizando as discussões que pudessem surgir no transcorrer da vida conjugal.


Ciente de que este raciocínio correu a contra-mão, mais encerrando do que preservando o elo matrimonial; da tendência de igualar os cônjuges em tudo que se referir aos seus direitos e deveres; e de que estas mesmas discussões, outrora repreendidas, são consideradas, na atualidade, como algo saudável, reflexo da democracia moderna, não haveria mais porque evitá-las fazendo calar e consentir a mulher.


Assim sendo, com a eliminação da gerência marital pelo novo Código Civil, o domicílio dos cônjuges passou a ser objeto de discussão e decisão de ambos, com possibilidade recíproca de se ausentarem do mesmo por motivo justificável e recorrerem ao judiciário em casos de divergências ou arbitrariedades. Confira-se o presente dispositivo:


Art. 1.569 – O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes. (Código Civil de 2.002).


6.10. – A SEPARAÇÃO JUDICIAL


A mulher poderá propor pessoalmente ou, sendo ela incapaz de fazê-lo, através de curador, ascendente ou irmão (art. 1.576, parágrafo único, CC/2002), a qualquer tempo do casamento ação de separação judicial mediante processo contencioso, imputando ao marido: qualquer ato que configure violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum, como, por exemplo, o adultério (cf. AC n. 56.347-7/188 – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de GO – Rel. Fed. Fenelon Teodoro Reis – julgado em 08/03/2001), a conduta desonrosa (cf. AC n. 13.738-6/02 – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça da BA – Rel. Ruth Pondé – julgado em 11/09/2002) e o abandono voluntário do lar durante um ano contínuo (cf. AC n. 213.079-4/2 – 3ª Câmara de Direito Privado – Tribunal de Justiça de SP – Rel. Ênio Santarelli Zuliani – julgado em 04/12/2001); ruptura da vida em comum (separação de fato) há mais de um ano e com impossibilidade de sua reconstituição (cf. AC n. 115.256-4 – 1ª Câmara de Direito Privado – Tribunal de Justiça de SP – Rel. Alexandre Germano – julgado em 16/11/1999); surgimento de doença mental grave (p. ex. neuroses, paranóia, esquizofrenia, epilepsias, psicose maníaco-depressiva PMD) manifestada após o casamento, com improvável cura atestada a mais de dois anos, e que ocasione a impossibilidade de continuação da vida conjugal (cf. AC n. 108.569/5 – 2ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de MG – Rel. Fernandes Filho – julgado em 29/09/1998).


A alegação e a comprovação da impossibilidade de continuação da vida conjugal, por um dos diversos motivos elencados acima, são indispensáveis para a procedência da ação de separação judicial litigiosa, cabendo ao autor, como de regra, o ônus da prova. Este é o ensinamento do nobre Rel. Vanderlei Romer em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:


 


In casu, a separação foi requerida por um só dos cônjuges: a autora, imputando ao seu marido conduta desonrosa. Ao nosso sentir, esta prova não foi trazida ao ventre dos autos de forma cristalina, como também não ficaram explicitados e devidamente comprovados quaisquer atos praticados pelo réu que denotem importar em grave violação dos deveres do casamento, tornando insuportável a vida em comum do casal (…).


Ora, é cediço que o ônus da prova cabe a quem alega. Dessa forma, a autora deveria comprovar a prática de condutas desonrosas que imputou ao seu marido (…).


Em substância, quem tem interesse é que deve provar, como diz Carnelutti, ou como anota Leo Rosenberg: ‘Cada parte suporta la carga de afirmaciones y prueba sobre la existencia de todos los pressupostos de las normas que le son favorables’.


Assim, e segundo aliás os princípios, a prova da conduta desonrosa, do ato de infração grave dos deveres conjugais, da separação de fato… Da doença mental do outro cônjuge de cura improvável… É de ser feita pelo demandante que dela se prevalece, eis que seu o interesse na prova do fato constitutivo do direito reclamado (…).


Qualificarem-se os requisitos da insuportabilidade ou da impossibilidade da vida em comum como fatos negativos, para se dispensar o autor da respectiva prova por força da parêmia negativa non sunt probanda, não representa a melhor solução, sabido que esta regra tem validade duvidosa.


A questão se resolve, a nosso ver, recorrendo-se ao instituto da presunção hominis.


Por uma presunção natural, por uma presunção de senso comum, decorre que toda conduta que se constitui como desonrosa; todo ato que se constitui como de infração dos deveres do matrimônio, provocam naturalmente no cônjuge ofendido um sentimento de repulsa, de natural indignação, próprios pela desonra ou gravidade que os qualificam a conduzirem à insuportabilidade da vida em comum.


Igualmente, o fato constitutivo da dilargada separação de fato, frustrando assim a coabitação; o fato constitutivo da doença mental prolongada e de cura improvável, frustrando a convivência conjugal e outros efeitos próprios do casamento, induzem naturalmente a presunção de que a vida em comum se terá tornado impossível de se reconstituir ou de se conservar. [38] (grifamos).


No entanto, esta regra não se aplica às ações de separação judicial por jurisdição voluntária (separação consensual), porquanto em tais casos não há necessidade de motivação do petitum como se viu ser de extrema importância nas ações de separação litigiosa, sob pena de improcedência.


O único requisito que se faz indispensável para a homologação da separação, quando há anuência dos cônjuges, é o lapso temporal de um ano após a celebração do casamento. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 2.002:


Art. 1.572 – Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.


§ 1º – A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.


§ 2º – O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. (…). (grifamos).


Art. 1.574 – Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção (…). (grifamos).


Antes de proposta a ação de separação judicial ou durante sua tramitação, é facultado à mulher requerer, motivadamente, dentre outras medidas cautelares: separação de corpos, a qual suspende o dever de vida em comum no domicílio conjugal (cf. AI n. 17924/2002 – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do MT – Rel. Gilberto Giraldelli – julgado em 04/11/2002); afastamento do lar, a qual exige que um dos consortes se retire temporariamente da habitação do casal (cf. AC n. 2003.006606-3/0000-00 – 1ª Turma Cível – Tribunal de Justiça do MS – Rel. Josué de Oliveira – julgado em 19/08/2003); e busca e apreensão, com o intuito de determinar, por exemplo, a apreensão judicial do filho menor mantido irregularmente pelo pai (cf. AC n. 289 – Tribunal de Justiça do AC – Rel. Miracele de Souza Lopes Borges – julgado em 23/08/1989).


Ao decretar-se a separação judicial esta rompe, além dos deveres que havia entre os cônjuges de fidelidade recíproca e vida em comum no domicílio conjugal, o regime matrimonial de bens (art. 1.576, CC/2002). No entanto, como não há dissolução do vínculo matrimonial, a mulher não poderá contrair novo casamento até que a separação seja convertida em divórcio, mas poderá restabelecer a sociedade conjugal a qualquer tempo, se assim almejar o homem, ou manter união estável com outrem.


Aliás, o dever conjugal de mútua assistência persiste na forma de obrigação de prestação alimentícia, enquanto o necessitado não contrair novo casamento, concubinato, união estável ou injuriar seu ex-cônjuge (arts. 1.702, 1.704, parágrafo único, e 1.708, parágrafo único, CC/2002). Destarte, a mulher, que preencha tais requisitos, considerada inocente na ação de separação judicial, que não tenha condições de arcar com sua própria subsistência poderá requerer pensão alimentícia de seu ex-marido ou dos herdeiros do mesmo caso venha este falecer (art. 1.700, CC/2002), arbitrada pelo juiz como indenização. Ainda sim, caso tenha sido lhe atribuído à culpa pela separação, poderá requerer tal medida, com tanto que além de necessitar de alimentos não tenha parentes que possam prestá-los e aptidão para trabalhar (cf. AI n. 2000.023195-9 – 2ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de SC – Rel. Mazoni Ferreira – julgado em 28/05/2001). Confiram-se os presentes dispositivos:


Art. 1.702 – Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694. (Código Civil de 2.002).


Art. 1.704 – Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.


Parágrafo único – Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. (Código Civil de 2.002).


6.11. – O DIVÓRCIO


A mulher que esteja separada de fato a mais de dois anos, como também a que tenha sido concedido medida cautelar de separação de corpos ou separação judicial, tanto por jurisdição voluntária como contenciosa, depois de decorrido um ano do trânsito em julgado de sua homologação ou decretação, poderá pleitear sua conversão em divórcio (art. 1.580, § 2º, CC/2002). Caso seja esta incapaz para propor a ação ou defender-se, seu curador, ascendente ou irmão terá legitimidade para fazê-lo (art. 1.582, parágrafo único, CC/2002). Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 2.002:


Art. 1.580 – Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio (…).


§ 2º – O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.


Para melhor compreensão a respeito do pedido de divórcio direto ou indireto, os quais se fundamentam, respectivamente, no lapso temporal da separação de fato e da separação judicial ou da separação de corpos, é imprescindível a leitura de trecho do erudito voto vencido do Rel. Almeida Melo em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:


Antes da vigência do Código Civil de 2.002, em casos de conversão de separação judicial em divórcio, assimilava a compatibilidade entre o disposto no art. 226, §6º, da Constituição Federal e no art. 36, parágrafo único, II, da Lei nº 6.515/77.


No entanto, o Código Civil vigente, a partir do seu art. 1.580, em observância da regra contida no referido dispositivo constitucional, que se reporta aos “casos expressos em lei”, restringiu, definitivamente, o atendimento a pedido de divórcio – seja ele direto ou decorrente de conversão – somente ao tempo da separação judicial, da separação cautelar de corpos (um ano do trânsito em julgado da respectiva sentença que a houver decretado) ou da separação de fato (dois anos) (…). 


Nesse sentido a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa (“Direito Civil”, 3ª edição atualizada de acordo com o novo Código Civil, Editora Atlas, São Paulo, 2003, v. 6, p. 250 e 251), verbis:


“No pedido de conversão litigiosa, a contestação, quanto ao mérito, se restringirá ao aspecto do lapso temporal necessário. A lei anterior reportava-se também ao eventual descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação (art. 36, parágrafo único). Foi sustentado por parte da doutrina que a Constituição de 1988 não recepcionou o dispositivo do art. 36, parágrafo único, II: A Lei Maior não exige outra coisa para o divórcio que não a separação judicial por mais de um ano, concedida nos casos expressos em lei, ou a comprovada separação de fato por mais de dois anos, “não mais se admitindo o reconhecimento de qualquer outro obstáculo para o caso de conversão em separação” (Cahali, 1995, v. 2:1197). [39] (grifamos).


Ao se registrar, no Cartório Civil, a sentença que houver estabelecido o divórcio, consensual ou litigioso, tem-se a dissolução do vínculo conjugal. Destarte, apesar de vedada a possibilidade de reconciliação, a mulher poderá contrair novo casamento, desde que já tenha sido homologado ou decretado a partilha dos bens do casal (art. 1.523, inciso III, CC/2002).


Os direitos e deveres entre os pares decorrem logicamente do casamento, contudo ao romper este, permanece, por exceção, o direito à prestação alimentícia em casos de necessidade. Por conseguinte, a mulher poderá exigir o cumprimento desta providência desde que tenha constado na sentença de divórcio, pois do contrário não poderá pleitear futuramente esta medida por não haver mais nenhum vínculo entre os ex-cônjuges que torne admissível o pedido (cf. AC n. 21.650-3/02 – 4ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça da BA – Rel. Justino Telles – julgado em 06/11/2002). Conquanto cessará este direito com o ajustamento de novo matrimônio, concubinato, ou união estável do ex-cônjuge credor (necessitado) com outrem e, ainda, mediante qualquer ato deste que indigne o ex-cônjuge devedor (art. 1.708, parágrafo único, CC/2002).


No que tange à relação entre a figura materna e os filhos, esta continuará a titularizar os mesmos direitos sobre sua prole independentemente do divórcio. Sendo que a única alteração que haverá se limita a forma como os mesmos serão exercidos. Posto que estes direitos derivam do poder familiar, como será analisado mais detalhadamente logo a seguir, que além de não se prenderem a sociedade conjugal, o que os torna imunes à dissolução desta e do vínculo matrimonial, são insuscetíveis de renúncia ou autodestituiçao (arts. 1.579, parágrafo único, 1.632, CC/2002).


6.12. – O PODER FAMILIAR


Como já elucidamos acima, toda sociedade conjugal deve ser dirigida, por ambos consortes, visando os interesses do casal e dos filhos concomitantemente. Entretanto, os interesses dos filhos menores não devem se restringir a esta sociedade instituída com o casamento, visto que a criação, educação e a formação destes não podem ser prejudicadas pelo livre arbítrio dos pais de romperem o vínculo conjugal. Deste modo, como conseqüência da isonomia constitucional, os pais titularizam direitos e deveres recíprocos, que não se restringem ao vínculo conjugal, sob seus filhos menores não emancipados e os respectivos bens dos mesmos, isto é o que hodiernamente denominamos “poder familiar”. Assim conceituado com excelência por José Virgílio Castelo Branco Rocha:


O poder familiar consiste num conjunto de direito e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos.[40]


Todavia, como é de se imaginar, antes do novo Código Civil este instituto não era nem assim designado, muito menos desta forma exercido.


No Código Civil de 1.916, seguindo sua vertente discriminatória, não se mencionava “poder familiar”, e nem poderia fazê-lo se tratando de um documento machista como tal, mas “pátrio poder”, que deriva do latim patrius, de pater, “que exprime a idéia de patriarcado, de tudo que se refere ao pai ou procede do pai, denotando supremacia do poder do homem que, nesse mister, estaria a subjugar o poder da mãe.” [41]


Antes da Lei n. 4.121 de 27 de agosto de 1.962 (Estatuto da Mulher Casada), este poder sobre os filhos era de titularidade e exercício exclusivo do pai. Com a nova redação do artigo 380, e parágrafo único, do Código Civil de 1.916, conferida pela nova Lei, a mulher granjeou a titularidade do pátrio poder, incluindo-se na masculinidade que tal expressão suscita, mas não o seu exercício, cabendo a ela tão-somente colaborar com o marido.


Com máxima vênia, praticamente nada mudou com a nova redação, pois apesar da vontade dever-se-ia ser de ambos em tudo que se referisse aos filhos menores não emancipados e seus bens, prevaleceria sempre à vontade do pai em caso de discordância da mãe, ressalvado a possibilidade desta recorrer ao judiciário. Destarte, o “sim” ou “não” da mãe atinente, por exemplo, à autorização para o casamento do filho menor púbere, somente produziria efeitos se tivesse à anuência do magistrado. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 1.916:


Art. 380 – Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade.


Parágrafo único – Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência. (grifamos). 


Contudo, esta inalteração na subordinação materna, com a nova redação do artigo 380, descrito acima, se restringiu ao cotidiano da família, isto é, o pai continuava impondo sua autoridade sobre os filhos sem relevar a posição da mãe. Enquanto que na esfera jurisdicional a maioria de nossos egrégios Tribunais se apresentavam consentâneos a atribuir o exercício do pátrio poder à mãe, e não apenas a sua titularidade e colaboração como delineava nossa legislação civil, com o advento da Lei n. 4.121 e, mormente, com a Constituição Federal de 1.988. Este é o raciocínio do Rel. Sebastião T. Chaves em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:


É dispositivo constitucional que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (…). 


Dentro desses direitos e deveres destaca-se o pátrio poder conferido aos pais e que tem como atributo essencial a guarda dos filhos está no marco inicial do dever da família de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à liberdade e convivência familiar, a salvo de toda forma de negligência, discriminação,  exploração e violência. [42] (grifamos).


Denota-se a superioridade paterna ao se recordar que um dos motivos explícitos no artigo 392 do Código Civil de 1.916 que resulta na supressão do pátrio poder era e ainda é a emancipação, e esta mesma emancipação somente poderia ser concedida pelo pai. Portanto, ao pai estava resguardado a possibilidade exclusiva de exercer e extinguir o poder que teoricamente “os pais” possuem sobre os filhos menores e não emancipados, veja-se a contradição que vigorava. Ainda que o pátrio poder deveria ser exercido pelo pai com a colaboração da mãe, como foi visto acima no artigo 380 do documento retro, todos os empreendimentos no exercício deste poder deveriam contar com a participação decisória da mãe, e não impedida em disposição fundamental como é aquela que pode extinguir o poder sobre os filhos. Confiram-se os presentes dispositivos do Código Civil de 1.916:


Art. 9º – (…).


§ 1º – Cessará, para os menores, a incapacidade:


I – Por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos. (grifamos).


Art. 392 – Extingue-se o pátrio poder: (…).


II – Pela emancipação, nos termos do parágrafo único do art. 9º, Parte Geral.


(A redação do item II está imprópria, pois o art. 9º foi alterado. A referência deve ser feita ao parágrafo primeiro). (grifamos).


Na mesma esteira jurisprudencial do Rel. Sebastião T. Chaves, em decorrência da responsabilidade mútua dos pais pelo exercício do pátrio poder, segundo majoritária jurisprudência, como fora aludido pelo próprio ínclito desembargador relator, os enunciados de muitos de nossos egrégios Tribunais, antes mesmo de ser promulgada a Constituinte de 1.988, já defendiam amparados na doutrina, com a vigência da Lei n. 4.121, que em casos de emancipação dos filhos com no mínimo 18 (dezoito) anos de idade, a mesma deveria ser concedida por ambos os pais, e não por apenas um deles como vislumbrava nossa legislação civil. Sendo esta a concepção que se extrai de trecho do erudito voto vencido do Rel. Carpena Amorim em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:


Por outro lado, a doutrina dúvida da validade do ato de emancipação praticado por um só dos pais, exatamente porque implicaria no despojamento do pátrio poder do outro genitor (art. 392, II, do Código Civil). Essa a lição de Valdemar da Luz na Obra “Manual do Menor”, Ed. Saraiva, 1988, p. 67, para quem:


“Algum tempo atrás, a emancipação voluntária era ato de atribuição exclusiva do pai, podendo a mãe exercê-la apenas na sua falta. Hoje, entretanto, de acordo com a redação dada ao art. 380 do Código Civil pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121, de 27.08.62 – RT 326:774; RF 200:398), o entendimento é outro, ou seja, de que a emancipação deve ser outorgada conjuntamente pelo pai e pela mãe.” No mesmo sentido Theodoro Negrão “a emancipação requer, para validade, o assentimento tanto paterno quanto materno” (Código Civil e legislação civil em vigor, 3ª Ed. , SP, RT, 1982, p. 34). [43]


Sopesando as relações entre e o homem e a mulher, o novo Código Civil concedeu a esta maior competência, do que outrora, sobre sua prole. Suprimindo o pátrio poder e adotando o poder familiar, que configurou uma alteração não apenas na nomenclatura, mas, principalmente, na essência deste instituto, adequando-se aos princípios norteadores do novo ordenamento civil.


Por conseguinte, a mãe, na constância do casamento, passou a titularizar e exercer os mesmos direitos e deveres que já eram exercidos pelo pai sobre os filhos menores não emancipados e seus bens, isto é, dirigir-lhes a criação e educação, tê-los em sua companhia e guarda, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, nomear-lhes tutor em caso de falecimento de um dos pais ou de incapacidade do mesmo para exercer o poder familiar, representá-los e assisti-los, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, exigir que lhe prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição, e administrar seus bens na condição de usufrutuários (arts. 1.631, parágrafo único, 1.634, e incisos, 1.689, e incisos, CC/2002). Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 2.002:


Art. 1.631 – Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.


Parágrafo único – Divergindo os pais quanto ao exercício do poder família, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. (grifamos). 


Não se devendo olvidar que a mãe em hipótese alguma perderá a titularidade do poder familiar devido unicamente à dissolução do casamento ou à convolação de novas núpcias. Uma vez que a única alteração que ocorrerá é atinente ao modo como este será exercido, sendo atribuído com exclusividade àquele que detém a guarda do menor (arts. 1.579, 1.632, 1.636, parágrafo único, CC/2002).


6.13. – NO REGIME DE BENS


Com relação aos bens do casal, isto é, o patrimônio que entra na comunhão, este se diferenciará de acordo com o regime de bens adotado pelos nubentes no pacto antenupcial feito por escritura pública (regime de separação absoluta de bens, regime de comunhão parcial de bens, regime de participação final nos aqüestos, e regime de comunhão universal de bens), não se manifestando os mesmo prevalecerá o regime de comunhão parcial de bens. Se contraírem casamento com inobservância das causas suspensivas da celebração ou através de suprimento judicial será obrigatório o regime de separação absoluta de bens, devendo se submeter a este também o laço matrimonial efetivado com nubente que tenha mais de 60 (sessenta) anos de idade (arts. 1.640, parágrafo único, 1.641, I, II, III, CC/2002).


A respeito da participação da mulher na formação do patrimônio comum na constância do casamento veja-se o que diz a Rel. Nancy Andrighi em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:


Para que se configure a colaboração da mulher na formação do patrimônio amealhado durante a vida em comum, é irrelevante que ela tenha exercido atividade laboral regular remunerada, pois os serviços prestados no lar, no labor doméstico e como mãe, são de valor inestimável. Por não poderem ser auferidos monetariamente, não podem ser desvalorados, sob pena de enriquecimento ilícito do homem. [44]


Em qualquer regime de bens, que esteja submetido o casamento, à mulher poderá desempenhar, sem nenhuma autorização do marido, todos os atos que estejam ligados ao exercício de sua profissão (contratar, locar, obter crédito, emitir nota promissória, letra de câmbio, demandar e ser demandada em juízo e etc.); administrar os bens próprios como melhor lhe aprouver; desobrigar ou reivindicar, em até 2 (dois) anos após a dissolução da sociedade conjugal, os bens imóveis que o consorte tenha alienado ou gravado de ônus real sem a sua anuência ou suprimento judicial; reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados pelo consorte ao concubino, se o casal estiver separado de fato por mais de 5 (cinco) anos; comprar bens atinentes à economia doméstica, ainda que a crédito ou por meio de empréstimo granjeado para a aquisição desses bens; podendo praticar todos os demais atos que não lhe forem vedados expressamente (arts 1.642, I, II, III, V, VI, 1.643, I, II, CC/2002).


Com exceção no regime de separação absoluta de bens, é facultado a mulher pleitear, em até 2 (dois) anos após a dissolução da sociedade conjugal, a invalidação de aval e rescisão de contrato de fiança realizados pelo marido sem o seu consentimento ou suprimento judicial (nestes casos, por não serem anuláveis o aval e a fiança, responderão somente a meação dos bens do casal, p. ex. se o marido prestar fiança sem o consentimento da esposa ou suprimento judicial somente responderão seus bens e a metade dos bens do casal, desta forma os bens da mulher ficam intactos); demandar a rescisão do contrato de doação não remuneratória, salvo a doação feita ao filho ou filha por ocasião do casamento, firmado pelo marido sem a sua necessária autorização ou suprimento judicial (arts. 1.642, IV, 1.647, III, IV e parágrafo único, CC/2002).


Todos os atos praticados pela mulher em benefício da família, tais como empréstimos para a reforma da casa, para compra de alimentos ou mesmo para o pagamento da mensalidade escolar dos filhos do casal, obrigam solidariamente ambos cônjuges (art. 1.644, CC/2002).


O novo Código Civil ao se referir à liberdade de ambos consortes independente do regime matrimonial, em seu artigo 1.642 e incisos, realiza a mister tarefa de corrigir, nas palavras do ilustre Relator Ricardo Fiuza:


(…) as desigualdades que constavam do Código Civil anterior, pelo qual a mulher não podia contrair obrigações que pudessem importar em alheação dos bens do casal (art. 242, IV), ou até mesmo somente podia contrair obrigações concernentes à industria ou profissão que exercesse com a autorização do marido ou suprimento do juiz. [45]


Confira-se o presente dispositivo do Código Civil de 1.916:


“Art. 242 – A mulher não pode, sem a autorização do marido (art. 251):


(…). IV – Contrair obrigações que possam importar em alheação de bens do casal.” (grifamos).


Este dispositivo foi suprimido pelo novo ordenamento, diminuindo as restrições encontradas pela mulher casada no seu cotidiano e, principalmente, igualando-as com as do homem. 


7. – CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os direitos civis, acima elencados, assegurados igualmente ao homem em decorrência da isonomia constitucional entre os consortes, têm por fundamento colocar a mulher nem acima, nem abaixo do sexo masculino, mas no mesmo nível, isto é, na mesma esfera ideal de direitos e deveres. Fazendo da norma que os preceitua uma norma viva, propiciando a evolução da sociedade brasileira, cuja cultura sempre esteve assaz arraigada à legislação, extinguindo antigos mitos inibidores do sexo feminino, desvencilhando-se de arcaicas concepções teológicas, conformando-se com a atual Constituição Federal e, assim, atualizando no “ser” o seu “dever ser”, mais digno, livre, e igualitário entre os cônjuges, mormente, no local em que, como foi aludido, buscam seu próprio engrandecimento, sua segurança, sua paz interior, sua felicidade pessoal, ou seja, na família.


Seria censurável findar este estudo sem antes aclamar a contribuição equânime, humana, e social de nossos magistrados no amparo aos direitos civis da mulher na sociedade conjugal, notadamente comprovada na seara jurisprudencial aqui exposta. Pois que, objetivaram e objetivam majoritariamente minorar os infortúnios sofridos pelo sexo feminino que ainda derivam e continuarão a derivar do texto de nosso ordenamento civil, fatos muito comuns quando se trata de legislação codificada numa sociedade inconstante como a que vivemos. Portanto, cabe aos mesmos continuar seguindo, com a proficiência de sempre, o enunciado pelo Ministro, e Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira: “O magistrado não é amanuense da lei, com mera função de conferir fatos com dispositivos legais, aplicando textos com a insensibilidade das máquinas. A própria lei confere função singular ao magistrado, quando estabelece que, na sua aplicação, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum.” [46] Para que continuemos progredindo no respeito ao próximo independente de sua condição social, física, espiritual, política, filosófica e etc. não se prendendo as argolas da lei.


Outrossim, não se deve olvidar, em momento algum, que para quem já foi considerada, na história da humanidade, por similitude, escrava, utensílio, ama de leite, objeto sexual, bruxa, feiticeira e, no Brasil até o dia 11 de outubro de 1.962 quando entrou em vigência a Lei n. 4.121, relativamente incapaz, dentre outros motes que carregou, ter reconhecido e protegido seus direitos civis na sociedade conjugal, em perfeita igualdade de condições com o homem, sob o âmbito constitucional e infraconstitucional, tendo este último sido parcialmente objeto de análise deste trabalho, não apenas formalmente, mas na prática cotidiana da mulher casada, sem qualquer espécie de discriminação é uma grande vitória e que, portanto, merece ser sempre lembrada e exaltada por todos, sejam mulheres ou homens, como um dos maiores avanços no respeito à dignidade da pessoa humana.


 


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Notas





[1] PLATÃO, apud ALVES; PITANGUY, 1991, p. 11.




[2] ARISTÓTELES, apud FONSECA, 1977, p. 365.




[3] ROUSSEAU, apud ALVES; PITANGUY, 1991, p. 35.




[4] XENOFONTE, apud ALVES; PITANGUY, 1991, p. 12.




[5] Pai de família em sentido lato – homem independente que não possui ascendente masculino vivo a que esteja submetido – chefe absoluto da família.




[6] Todas as pessoas subordinadas ao pater familias.




[7] Poder do pater familias sobre as esposas que fizessem parte dos filli familias, incluindo sua própria esposa. 




[8] Expressão utilizada para indicar todos os poderes do pater familias sobre as pessoas a ele submetidas.




[9] A religião antiga se baseava em duas classes de deuses: os superiores (deuses do Olimpo, ligados aos fenômenos naturais) e os deuses inferiores, também chamados deuses domésticos ou deuses manes (do latim manere – permanecer), ou ainda deuses lares. (cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 34).




[10] ALVES; PITANGUY, op. cit., p. 57.




[11] DE BEAUVOIR, apud FONSECA, 1977, p. 366.




[12] AQUINO, São Tomás de.




[13] BRUNO, Denise Duarte. op. cit., p. 27.




[14] Carta circular do papa abordando algum tema da doutrina católica… O signf. da pal. se restringe às mensagens em forma de carta dirigida pelo papa aos membros da igreja católica; as encíclicas  pertencem ao gênero das cartas apostólicas diferenciando-se pela universalidade de seus destinatários. (cf. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p. 1.136).




[15] PECCI, Gioacchino.




[16] LIBARDONI, op. cit., p. 30.




[17] SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 216.




[18] SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 89.




[19] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. passim.




[20] Cf. AC n. 000.196.394-1/00  – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de MG – Rel. Garcia Leão – julgado em 06/02/2001.




[21] Cf. AC n. 2000.0016.2197-2/0 – 3ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do CE – Rel. Edmilson da Cruz Neves – julgado em 17/02/2003.




[22] Cf. AC n. 16.029 – 1ª Câmara Cível – Tribunal Alçada de São Paulo – Rel. Paulo Colombo.




[23] Preferiu-se utilizar a expressão “sobrenome” ao invés de “patronímico”, em consonância com o art. 1.565, primeiro parágrafo, do novo Código Civil. No qual o legislador esteve mais preocupado em atender ao entendimento popular do que manter a linguagem técnica e tradicional do antigo codex.




[24] CHINELATO, Silmara Juny de Abreu. op. cit., p. 70.




[25] Cf. AC n. 219.122-4/3 – 3ª Câmara de Direito Privado – Tribunal de Justiça de SP – Rel. Waldemar Nogueira Filho – julgado em 11/12/2001.




[26] CABRAL, Karina Melissa.




[27] Cf. AC n. 1.0024.00.141160-2/001 – 7ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de MG – Rel. Pinheiro Lago – julgado em 17/05/2005.




[28] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. passim.




[29] Cf. EI n. 139.785.4/7-01 – 9ª Câmara de Direito Privado – Tribunal de Justiça de SP – Rel. Alberto Tedesco – julgado em 21/10/2003.




[30] DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 1149.




[31] Considera-se alimento tudo o que for necessário para a manutenção de uma pessoa, aí incluídos os alimentos naturais, habitação, saúde, educação, vestuário e lazer. (cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 842).




[32] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. op. cit., p. 123.




[33] CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 669.




[34] Cf. REsp n. 37.051 – 3ª Turma – Superior Tribunal de Justiça – Rel. Nilson Naves – julgado em 17/04/2001.




[35] Cf. AC n. 2000.02.01.012459-3 – 4ª Turma – Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Rel. Benedito Gonçalves – julgado em 10/11/2004.




[36] Cf. AC n. 90.01.00130-0 – 1ª Turma – Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Rel. Aldir Passarinho Junior – julgado em 06/03/1991.




[37] Cf. RE n. 49875 – 2ª Turma – Supremo Tribunal Federal – Rel. Ribeiro da Costa – julgado em 14/08/1962.




[38] Cf. AC n. 00.023057-0 – 2ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de SC – Rel. Vanderlei Romer – julgado em 08/02/2001.




[39] Cf. AC n. 1.0701.03.044391-8/001 – 4ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de MG – Rel. Almeida Melo – julgado em 15/04/2004.




[40] ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. op. cit., p. 47.




[41] Talavera, Glauber Moreno.




[42] Cf. AI n. 00.002407-4 – 1ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça de RO – Rel. Sebastião T. Chaves – julgado em 10/10/2000.




[43] Cf. AC n. 7.652/95 – 8ª Câmara Cível – Tribunal de Justiça do RJ – Rel. Carpena Amorim – julgado em 06/02/1996.




[44] Cf. AC n. 46.501/97 – 2ª Turma Cível – Tribunal de Justiça do DF – Rel. Nancy Andrighi – julgado em 16/02/1998.




[45] FIUZA, Ricardo. [Coord.].




[46] Cf. AC n. 89.03.01641-6 – 1ª Turma – Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Rel. Sinval Antunes – julgado em 13/12/1994.




Informações Sobre o Autor

Clayton Ritnel Nogueira

Discente do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).


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