Sumário: 1.Casamento religioso e casamento civil. 2. As Constituições de 1934 e 1937 e a Lei n° 379, de 1937. 3.As Constituições de 1946 e 1967. 4. A Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil. 4.1. Limites da Nova Constituição. 5. O sistema matrimonial brasileiro. 6.Conclusão.
Resumo: O casamento civil obrigatório é o sistema que, atualmente, abrange a imensa maioria dos países. Para que o casamento surta efeitos na esfera civil, há que ser realizado perante autoridade estatal. Assim, pouco importa a fé professada pelos nubentes. Eles deverão preencher todos os requisitos apontados pela legislação civil para que sua união matrimonial produza efeitos civis. No que concerne à celebração religiosa, esta valerá apenas para fins de credo pessoal dos nubentes. Já para o sistema do casamento facultativo, consoante a própria denominação, os nubentes podem optar pelo casamento civil ou religioso. Tanto num quanto noutro, o Estado conferirá todos os efeitos civis cabíveis. O casamento civil subsidiário caracteriza-se pela adoção de um Direito matrimonial religioso, pelo Estado. Somente as pessoas que não professem aquela fé possuem o direito ao casamento civil.
1-CASAMENTO RELIGIOSO E CASAMENTO CIVIL
Não sem muitas dificuldades, foi consolidado o casamento civil no Brasil, pois penoso ao povo brasileiro entender o porquê e a necessidade de um ato civil para legitimar a família se já existia o sacramento do matrimônio. “Implantada definitivamente a República, e instituído o casamento civil, único reconhecido pela nova Constituição Brasileira, convive-se com duas realidades: o casamento religioso e o casamento civil”[1].
Antonio Chaves, em seu Tratado de Direito Civil[2], aludido a essa dualidade de jurisdição com a implantação do casamento civil, e mencionado que tal fato ocorra também na Itália e Alemanha, transcreve trecho de Francisco Degni em sua obra Il Diritto di Famiglia nel Nuovo Códice Italiano:
“…perante a Igreja e perante o oficial do registro civil, pois se è verdade que o Estado não reconheceu outra forma de casamento senão o civil, è verdade também que a muito grande maioria dos cidadãos teve um conceito substancialmente diferente, porque nunca se julgou legitimamente fundada a família sem a celebração do casamento também perante a Igreja. Nenhuma mais gritante contradição jamais existiu do que esta, no nosso sistema jurídico positivo, entre o Estado, que recusou qualquer eficácia e qualquer importância ao casamento religioso, e a consciência comum dos cidadãos, que ao invés, continuou a atribuir a maior consideração, não somente com o entendimento de cumprir um dever de consciência, mas, outrossim, na convicção de cumprir um dever moral e cívico”.
As leis brasileiras não mais reconheciam o casamento religioso. Ao povo, na sua consciência religiosa, impossível compreender que, através de simples decreto, se retirasse o valor legal do sacramento do matrimônio; e que a família, constituída sob esse sacramento, fosse aos olhos da lei considerada ilegítima, e essa união, simples concubinato. Orlando Gomes, no primeiro capítulo da obra Direito de Família, já afirma que “…não se pode omitir a influência da Igreja, por sua doutrina e ação, na elaboração do estatuto da família… A Religião e a Moral influem na formação dos costumes familiares e, portanto, na legislação que o Estado dita para regular a constituição da família e as relações provenientes”[3].
Por outro lado, a Igreja fazia crer que o casamento civil nada valia aos olhos de Deus, era mero amasiamento. Na 2ª Pastoral Coletiva do Episcopado Brasileiro, datada de 6 de janeiro de 1900, transcorridos que dez anos da implantação do casamento civil, assim se expressavam os bispos do Brasil: “Decretou-se que o Estado, isto è, o Governo de uma noção católica, só reconhecerá o casamento civil, que diante de Deus e da Igreja è pura mancebia, coberta com a proteção das leis. A este concubinato dão eles, nome, fores, privilégios de casamentos”.
A concepção filosófica positivista, “…a falta de sensibilidade dos implantadores da República do Brasil desrespeitou o sentimento religioso do povo brasileiro. Não se quer recriminar o ato de separar a Igreja do Estado, verdadeira alforria da Igreja no Brasil, mas critica-se a implantação do sistema do casamento civil exclusivo”[4]. Cândido Mendes, em 1866, em seu Direito Civil Eclesiástico Brasileiro[5], escreveu: “Seremos no futuro uma grande noção, e um poderoso instrumento de legitimo progresso, se nossa Igreja for livre…”.
O Padre Júlio Maria, no seu livro sobre as relações entre a Igreja e a Republica, escreve em ano 1900: “O que não è lícito desconhecer è que a república, logo no seu início, libertou a Igreja brasileira da escravidão em que jazia; è que, não obstante as omissões da Constituição, a Igreja brasileira, no regime do direito comum, inaugurado pelo decreto que aboliu o padroado, tem prosperado, e o sentimento católico se desenvolvido… Quaisquer que sejam, repito, os erros da República, em matéria de religião, è certo que ela deu à Igreja a liberdade”[6].
O não reconhecimento da religiosidade do povo brasileiro e o desrespeito às suas mais profundas tradições católicas, em nome da laicização do Estado, provocaram na realidade a existência de duas jurisdições matrimoniais: a religiosa e a civil, além da dualidade da de formas de celebração. O jurista Pontes de Miranda escreve no seu livro: “Não nos parece que o Estado deva impor o casamento civil ou qualquer forma de casamento religioso. Tampouco, visão sociológica das premissas permite que consideremos as religiões como simples negócios privados, pois que, antes de serem fatos interiores dos indivíduos, são processos sociais cá fora. A melhor solução è reconhecer o Estado segundo a religião dos nubentes, ou segundo as regras do direito interconfessional, quando forem de religiões diferentes, e permitir aos que não tem religião, ou que preferem casar-se sem os efeitos religiosos, o casamento civil”[7].
2-AS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E 1937 E A LEI N° 379, DE 1937
Convocada a Assembléia Constituinte que promulgou a Constituição de 1934, a Igreja participa do processo de escolha dos seus membros por meio da Liga Eleitoral Católica, liderada por leigos, motivados da doutrina social da Igreja e quais defendiam um programa para a nova Constituição, no qual constava a indissolubilidade do casamento, com a não aceitação do divórcio e a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso[8].
A Constituição de 1934 de certa forma recristianiza a legislação brasileira. Não retorna ao passado com a união da Igreja e do Estado, mas respeita o sentimento religioso dos cidadãos. No preâmbulo, os constituintes promulgam a nova Constituição, pondo sua confiança em Deus; o ensino religioso retorna às escolas; deve-se ministrar assistência religiosa aos militares; as associações religiosas voltam a gerir cemitérios; e o casamento religioso produz efeitos civis[9].
A Constituição de 1934 inaugura um capítulo reservado a disciplinar a matéria familiar. No art. 146, dispunha, in verbis: “O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório”.
O dispositivo constitucional foi regulado pela Lei n° 379, de 16 de janeiro de 1937. Não foi feliz o legislador ordinário ao ementar a lei, determinando «regular o casamento religioso para os efeitos civis». Tal ementa foi alterada pelo Decreto-Lei 3.200, de 1941, passando a seguinte redação: «regula o reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso». Não há o ressurgimento da jurisdição religiosa, o casamento continua sendo o civil, com processo de habilitação civil, com jurisdição civil, mas a celebração poderia ser religiosa, presidida por ministro religioso. Dispunha o caput do art. 1° da referida lei:
“Aos nubentes è facultado requerer ao juiz competente para a habilitação conforme a lei civil, que seu casamento seja celebrado por ministro da Igreja Católica, do culto protestante, grego, ortodoxo, ou israelita, ou de outro cujo rito não contrarie á ordem pública e aos bons costumes”.
Relator dos Embargos no Recurso Extraordinário n° 83.859-7 RJ, no Supremo Tribunal Federal, em 1968, o ministro Cunha Peixoto, assim se manifestou: “A Constituição de 1934, abandonando o critério rígido relativamente ao casamento leigo, prevalente no princípio da República, seguiu um caminho mais liberal, ao permitir o casamento religioso com efeito civis, mediante a obediência de certas formalidades que o subordinam à legislação material. Era indispensável que os nubentes se habilitassem perante a autoridade civil, que resolvia os casos de oposição e verificava a existência ou não dos impedimentos. Só assim poderia o casamento celebrado perante sacerdote ou ministro de seita religiosa ser inscrito no Registro Civil”.
Os nubentes indicavam o nome do ministro religioso e seu culto, e o requerimento era apreciado pelo juiz que o deferia e determinava a expedição da certidão de habilitação para que o casamento fosse celebrado. Consistia em delegação do poder público para que o ministro religioso celebrasse o casamento, cujo processo de habilitação, repita-se, era civil, a jurisdição era civil. “Determinava o art. 11 que as ações de nulidade ou de anulação obedeceriam exclusivamente os preceitos da lei civil; o registro era obrigatório, mas a validade do casamento, inclusive para efeitos de impedimento e crime de bigamia, independia da existência do registro; e o padre, pastor ou rabino, no exercício da função de celebrante, equiparava-se a funcionário público, inclusive para fins criminais”[10].
Precedente seria sempre o processo de habilitação matrimonial, isto è, o casamento religioso para gerar efeitos civis deveria ser antecedido do processo de habilitação civil, não existindo a possibilidade de habilitação posterior. Só produziria efeitos civis, o casamento religioso, se antes de sua celebração o juiz o autorizasse, atendendo a requerimento dos nubentes, isto è, delegasse ao ministro do culto o poder de celebrar o casamento. Evidentemente que tal autorização descaracterizava o que se pode denominar de casamento religioso com efeitos civis. Tinha-se sim casamento civil, sob ritual religioso, celebrado por autoridade religiosa.
3-AS CONSTITUIÇÕES DE 1946 E 1967
Com a Constituição de 1946[11], os efeitos civis do casamento religioso retornaram ao «status» de matéria constitucional. Assim dispôs a Lei Maior:
“Art. 163 – A família è constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.
§ 1° – O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.
§ 2° – O casamento religioso, celebrando sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”.
No regime constitucional anterior existia somente a possibilidade do casamento religioso produzir efeitos civis com o precedente processo de habilitação. Com a nova Constituição , surge a previsão do § 2° do art. 163: “quando o casamento religioso fosse celebrado sem ter havido precedente habilitação, esta, a habilitação, poderia ser feita posteriormente e, em não havendo impedimentos de ordem civil, o casamento seria registrado perante o Estado e produziria efeitos civis a partir da data de sua celebração. Estabelecia a Constituição dois únicos requisitos: a inexistência de impedimentos da data da celebração até a data do registro, e fosse o registro a rogo do casal”.
Duas eram as modalidades do registro do casamento religioso para produzir efeitos civis: habilitação prévia e habilitação posterior, ambas reguladas pela Lei n° 1.110, de 23 de maio de 1950, qual regula o reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso:
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O casamento religioso equivalerá ao Civil se observadas as prescrições desta Lei (Constituição Federal, art. 226, § 2º)
HABILITAÇÃO PRÉVIA
Art. 2º Terminada a habilitação para o casamento perante o oficial do registro civil (Código Civil artigos 180 a 182 e seu parágrafo) é facultado aos nubentes, para se casarem perante a autoridade civil ou ministro religioso requerer a certidão de que estão habilitados na forma da lei civil, deixando-a obrigatoriamente em poder da autoridade celebrante, para ser arquivada.
Art. 3º Dentro nos três meses imediatos à entrega da certidão, a que se refere o artigo anterior, (Código Civil, art. 181, § 1º), o celebrante do casamento religioso ou qualquer interessado poderá requerer a sua inscrição, no registro público.
§ 1º A prova do ato do casamento religioso, subscrita pelo celebrante conterá os requisitos constante dos incisos do art. 81 do Decreto número 4.857, de 9 de novembro de 1939 exceto o de número 5 (Lei dos registros públicos).
§ 2º O oficial de registro civil anotará a entrada no prazo do requerimento e, dentro em vinte e quatro horas, fará a inscrição.
HABILITAÇÃO POSTERIOR
Art. 4º Os casamentos religiosos, celebrados sem a prévia habilitação perante o oficial do registro público, anteriores ou posteriores à presente Lei, poderão ser inscrito desde que apresentados pelos nubentes, com o requerimento de inscrição, a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo art. 180 do Código Civil.
Parágrafo único. Se a certidão do ato do casamento religioso não contiver os requisitos constantes dos incisos do art. 81 do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, exceto o de número 5 (Lei dos registros públicos), os requerentes deverão suprir os que faltarem.
Art. 5º Processado a habilitação dos requerentes e publicados os editais, na forma do disposto no Código Civil, o oficial do registro certificará que está findo o processo de habilitação sem nada que impeça o registro do casamento religioso já realizado.
Art. 6º No mesmo dia, o juiz ordenará a inscrição do casamento religioso de acordo com a prova do ato religioso e os dados constantes do processo tendo em vista o disposto no art. 81 do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1938 (Lei dos registros públicos).
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 7º A inscrição produzirá os efeitos jurídicos a contar do momento da celebração do casamento.
Art. 8º A inscrição no Registro Civil revalida os atos praticados com omissão de qualquer das formalidades exigidas, ressalvado o disposto nos artigos 207 e 209 do Código Civil.
Art. 9º As ações, para invalidar efeitos civis de casamento religioso, obedecerão exclusivamente aos preceitos da lei civil.
Art. 10. São derrogados os artigos 4º e 5º do Decreto-lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, e revogadas a Lei nº 379, de 16 de janeiro de 1937, e demais disposições em contrário”[12].
Havendo processo de habilitação perante o oficial do Registro Civil, anterior à celebração do casamento, cabia ao celebrante, aos cônjuges ou a qualquer outro interessado, levar a registro o casamento religioso para produção de efeitos civis. Porém, do casamento religioso celebrado sem precedente processo de habilitação civil, cabia aos nubentes, e somente a eles, requer essa habilitação e o conseqüente registro; certificando o oficial do Registro Civil a habilitação do casal, isto è, declarando que à época do casamento religioso e depois dele até à data do registro não existia impedimento civil para o casamento, o juiz determinava a inscrição no Registro Civil. Em ambas as modalidades os efeitos civis se dariam a partir da data da celebração do casamento.
Estabelecia a Lei 1.110/50[13] em seu art. 3° que, no caso de habilitação prévia, o casamento religioso e o respectivo registro deveriam ser realizados no prazo de três meses, da data da expedição do certificado de habilitação dos nubentes, feita pelo escrivão do Registro Civil[14]. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu inconstitucional o prazo de três meses para o registro, podendo ser o casamento celebrado com habilitação prévia registrado a qualquer tempo:
“Casamento religioso. Inscrição no Registro Civil. Prazo. Precedido de habilitação perante o oficial do Registro Civil, não há prazo para qualquer dos cônjuges proceder a sua inscrição, segundo recente decisão do Plenário do S.T.F., ao emprestar exegese ao art. 3° da Lei 1.110/50, orientação que se mantém, mesmo após o advento da Lei 6.015/73, arts. 74 e 75, em harmonia com o disposto na Constituição, art. 175, §§ 2° e 3°”[15].
Não trouxe alteração importante ao sistema dos efeitos civis do casamento religioso na Constituição de 1967, ao dispor na sua redação original:
“Art. 167 – A família è constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.
§ 1° – O casamento è indissolúvel.
§ 2° – O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.
§ 3° – O Casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”.
A Emenda Constitucional n° 1/69, que deu nova redação à Constituição de 1967, tratou do assunto em seu art. 175, em nada alterando porém o texto original do art. 167.
Nova Lei dos registros Públicos foi promulgada em 1973, Lei n° 6.015, que em seus artigos 71 e 75 trata dos efeitos civis do casamento religioso. Esta Lei contempla a possibilidade de habilitação prévia ou posterior ao casamento religioso. No primeiro caso, cumpre aos nubente processar a habilitação matrimonial perante o oficial do registro civil, observando o disposto nos Arts. 180 e 182 do Código Civil. Obtido o certificado de habilitação matrimonial os nubentes o apresentarão ao ministro religioso. No segundo caso, ainda que não tenha havido prévia habilitação, poderá o casamento religioso ser inserido no registro público para obter efeitos civis. Para tanto se entregará ao oficial do registro civil a prova do casamento religioso e todos os documentos exigidos pelo Art. 180 da Lei Civil. Este processará a habilitação dos nubentes e dará certidão de que se acha findo o processo e de que nada impede o registro do casamento religioso. O juiz competente, em posse desta certidão, poderá fazer a inscrição do ato que produzirá todos os efeitos jurídicos civis, a partir da celebração do casamento religioso[16].
4-A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O NOVO CÓDIGO CIVIL
Tendo em vista a previsão constitucional para o casamento religioso com efeitos civis, o novo código Civil, lei ordinária, não tem força para extingui-lo. E, realmente não o fez. A matéria ora tratada vem disciplinada no Capítulo I – Disposições Gerais, Subtítulo I – Do Casamento, Título I – Do Direito Pessoal, Livro IV – Do Direito de Família.
O procedimento que, atualmente, é disciplinado parte na Lei n. 1.110/50 e parte na Lei n. 6.015/73, passará a ser regulado nos arts. 1.515 e 1.516 do novo Código[17].
O deslocamento das normas regulamentadoras do casamento religioso com efeitos civis da Lei n. 1.110/50 e Lei n. 6.05/73 para o corpo do novo Código Civil demonstra sua valorização pelo legislador. Aqui, será, obrigatoriamente, visto por todos que se depararem com o Direito de Família, já que está, topograficamente, logo nos primeiros artigos no Livro IV.
De pronto, o novo Código parece resolver problema apontado acerca da natureza do registro. Para a validade do casamento religioso é mister a inscrição no registro, donde se conclui que ele é da substância do ato.
O art. 1.516 no § 1º do cuida da habilitação prévia e no 2º da habilitação posterior.
No casamento religioso com efeitos civis mediante habilitação prévia, constata-se que o prazo para o registro foi dilatado de 30 para 90 dias. Os legitimados para o requerê-lo continuam os mesmos do art. 3º, da Lei n. 1.110/50 e art. 73 da lei n. 6.015/73, ou seja, a autoridade religiosa celebrante ou qualquer interessado.
Transcorridos os noventa dias sem qualquer manifestação das partes legitimadas a requerer o registro, bastará submissão a nova habilitação para que o casamento religioso seja registrado.
Ao disciplinar a habilitação posterior, o novo texto legal deixou a desejar; sua aprovação com a redação atual significará um retrocesso em face da legislação vigente. A razão desta crítica se deve ao fato de que, pela nova sistemática, a inscrição do casamento religioso no Registro Civil ficará subordinada à vontade dos nubentes. Pelo sistema atual, expedido o certificado, de ofício, o oficial remete ao juiz, que determina o registro.
Agora, os nubentes ficarão de posse do certificado de habilitação, válido por noventa dias, o que implica na possibilidade de efetivação ou não do registro. Aliás, isto dá margem à duas oportunidades para a não regulamentação do casamento religioso: a primeira, senão quiserem se submeter à habilitação, a segunda, se não requererem o registro.
Como lei fundamental e suprema do Estado, “[…] a Constituição é a norma que busca estruturar o Estado e a sociedade, delineando um modelo de Estado, projetando as relações entre o Estado e o cidadão, demarcando a esfera de atuação do Poder Público, suas competências e deveres […]”. Sob a égide dos novos valores impressos nesta Constituição de 1988, após anos de discussões entra em vigor o Novo Código Civil, Lei nº 10.406 de 2002, que, no art. 1.512, estabelece que: “o casamento é civil e gratuita a sua celebração”, mas, diversamente da Lei nº 3.071/16, trata, também, do casamento religioso nos artigos 1.515 e 1.516. Tal fato demonstra que o Brasil não possui uma única religião oficial e, portanto, assegura, mais uma vez, o direito à liberdade religiosa, concedendo no campo jurídico tratamento igualitário às duas formas de casamento.
Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
O art. 1.515 coloca como requisito para a validade do casamento religioso sua inscrição no registro.
Em se tratando de habilitação prévia, a inscrição no registro pode ser pedida pelo celebrante ou qualquer interessado. Diante disso, a morte de um deles, levando-se em consideração que a cerimônia religiosa é relevante juridicamente, não será empecilho para que o casamento religioso seja registrado, surtindo todos os efeitos legais cabíveis desde a data da celebração, se requerido no prazo legal. Por sua vez, no caso da habilitação posterior, a lei ordena o requerimento do casal. Assim, o óbito de um dos nubentes impedirá que o casamento religioso produza qualquer efeito jurídico.
A Lei n. 1.110/50 foi criticada por não estabelecer o rol das religiões idôneas à celebração e o novo Código Civil vai nesse trilhar. Bulhões de Carvalho já tecia suas críticas ao Anteprojeto de Código Civil, mencionando os pontos a serem reparados, dos quais se ressalta o primeiro:
“a. fazer a lei uma enumeração mais completa das religiões notoriamente reconhecidas por sua idoneidade e regularidade de funcionamento, inclusive quanto ao registro de seus casamentos;”
Porém, nem sempre foi assim, porque a Lei n. 379/37 enumerava os ritos confessionais reconhecidos, de acordo com o magistério de Antonio Chaves[18]:
Os efeitos continuarão ex tunc, isto é, retroagirão à data da celebração, após o competente registro civil do casamento religioso (art. 1.515).
Em face do exposto, buscou-se demonstrar que o casamento religioso com efeitos civis tem amparo constitucional e na legislação ordinária, há mais de 50 anos, podendo ser mais um instrumento a unir homens e mulheres pelos laços do amor, afeto, fidelidade e amizade, para a consecução de seus objetivos mais íntimos.
“O casamento religioso recebe esta denominação porque a autoridade que preside a cerimônia é ministro eclesiástico. Contudo, as normas que o disciplinam são civis, cogentes, de ordem pública. Isto quer dizer que a autoridade religiosa não pode dispensar as formalidades exigidas por lei civil. Deve observá-las e, em obediência a elas, celebrar o matrimônio”[19].
Numa leitura apressada pode-se chegar à conclusão de que a autoridade religiosa tem a obrigação de celebrar o casamento, se os noivos atendem a todos os requisitos legais.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
§ 1º O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532 .
§ 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.
Vê-se que, com o novo Código Civil, os art. 71 a 75 da Lei de Registro Públicos – Lei nº 6.015/73 e as normas da Lei nº 1.110/50, que disciplinavam as formalidades para o casamento religioso ser acolhido com efeitos civis, restaram revogados.
A inscrição no Registro Civil continua sendo requisito para a validade do casamento religioso, todavia, o prazo para sua requisição foi dilatado de 30 (art. 73 da Lei nº 6.015/73) para 90 dias a contar da celebração religiosa. A habilitação dos nubentes é requisito legal imprescindível para o registro do casamento, seja o civil ou o religioso, e pode ocorrer antes ou depois da cerimônia religiosa, conforme previa a Lei nº 1.110/50 e estabelece o vigente Código Civil.
Vislumbra-se, pelo disposto no § 2º do art. 1.516, que as prescrições legais indispensáveis ao reconhecimento de efeito civil ao casamento religioso são a habilitação dos contraentes e a inscrição do ato religioso, a requerimento do casal, no registro próprio.
Desta forma, qualquer outra exigência, diversa da habilitação e do registro, para a validação legal do casamento religioso é totalmente descabida em um Estado de Direito, onde as pessoas só estão obrigadas a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei (art. 5º, II, da CF/88 ).
Para compreender o processo de consolidação do princípio da liberdade religiosa, no âmbito do Código Civil de 2002, necessário destacar que a lei se utilizou, no art. 1.516, § 1º, do termo “celebrante”, sem vincular a qualquer religião específica, ou seja, não estabeleceu qual seria a autoridade religiosa competente para a celebração. Isto porque, uma vez desregulada a religião pelo Estado, cabe aos indivíduos nomearem as autoridades religiosas e forças religiosas, a partir das suas práticas devocionais, e não mais ao Estado, ao qual cabe apenas verificar se estão presentes os requisitos postos, no art. 1.516, pelo legislador.
4.1. Limites da Nova Constituição
A nova Constituição limitou-se a atribuir efeitos civis ao casamento religioso a Constituição Federal de 1988 quando determinou:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1 O casamento è civil e gratuita a celebração.
§ 2 O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
Se a constituições anteriores estabeleceram procedimentos para que o casamento religioso produzisse efeitos civis, não o fez a Constituição de 1988, que se limitou a reconhecer a possibilidade do casamento religioso produzir efeitos civis, deixando ao legislador infraconstitucional os pressupostos exigidos e as formas a serem cumpridas pelos nubentes e pelo ministro de culto religioso.
“O casamento religioso recebe esta denominação porque a autoridade que preside a cerimônia é ministro eclesiástico. Contudo, as normas que o disciplinam são civis, cogentes, de ordem pública. Isto quer dizer que a autoridade religiosa não pode dispensar as formalidades exigidas por lei civil. Deve observá-las e, em obediência a elas, celebrar o matrimônio. Numa leitura apressada pode-se chegar à conclusão de que a autoridade religiosa tem a obrigação de celebrar o casamento, se os noivos atendem a todos os requisitos legais”[20].
O Código Civil de 1916 ignorou a existência do casamento religioso. Porém, tal lacuna foi preenchida pelo Código Civil de 2002, que trata da matéria em seus artigos 1.515 e 1.516, revogando tacitamente a Lei. 1.110/50, constituindo-se, portanto, na legislação ordinária aplicada aos efeitos civis do casamento religioso e, naquilo que não lhe for contrária, o será a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/73.
Nem todo casamento religioso produz efeitos civis, e imprecisa è a denominação «casamento religioso com efeitos civis», pois inexiste essa modalidade de casamento: o casamento ou è civil ou è religioso. O que admite a Constituição è que o casamento religioso possa produzir efeitos civis, como se casamento civil fosse. Por outro lado, não há nas igrejas duas formas de celebração de casamento: um casamento meramente religioso e um casamento religioso com efeitos civis. O casamento religioso è único, podendo produzir ou não efeitos civis, desde que o desejem e satisfaçam os nubentes as exigências legais. Extrai-se, pois, do art. 1.515 do novo Código Civil que o casamento religioso equipara-se ao civil, desde que satisfaça as exigências da lei civil para a validade do casamento civil e esteja registrado no ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais.
“Assim, não se confundem efeitos civis do casamento religioso com casamento civil celebrado por autoridade religiosa. O casamento civil deve ser celebrado pela autoridade civil, seja o juiz de paz, seja o juiz de direito, conforme determine a organização judiciária local. Padres, pastores ou outros ministros religiosos não são autoridades competentes para celebrar casamento civil, não se podendo, conseqüentemente, sob pena da inexistência do casamento, delegar à autoridade religiosa a celebração do casamento civil”[21]. Autoridade religiosa celebra casamento religioso; casamento civil è celebrado por autoridade civil, poder para o qual não há previsão de delegação, pelo contrário, è inexistente o casamento celebrado por autoridade absolutamente incompetente. Autoridade religiosa è absolutamente incompetente para celebração do casamento civil.
Não pode qualquer igreja celebrar casamento capaz de produzir efeitos civis. Como visto, o sistema brasileiro atual não è o de delegação de celebração do casamento civil à autoridade religiosa (ministro religioso)[22], como aconteceu na vigência da Lei 379/37. Mais claramente, o casamento religioso com efeitos civis è diferente do casamento civil celebrado, por delegação do poder público, por autoridade religiosa; mas o sistema brasileiro è de concessão sine qua non, portanto, que a igreja ou religião possua, antes de tudo, sistema matrimonial próprio.
5- O SISTEMA MATRIMONIAL BRASILEIRO
No Brasil adota-se, curiosamente, o sistema matrimonial denominado anglo-saxão ou protestante, que è o de jurisdição matrimonial única (a do Estado) e com dualidade de formas: a religiosa e a civil. O Estado regula todo o direito matrimonial: a capacidade das partes, os impedimentos, a validade e a dissolução do casamento, sendo irrelevante a jurisdição eclesiástica. Às partes è dado escolher somente a forma de celebração: religiosa ou civil.
A atribuição de efeitos civis ao casamento religioso continua a exigir três requisitos principais: vontade do casal, satisfação das exigências para o casamento segundo a lei civil e inscrição do casamento religioso no registro público. E dois são os momentos em que esses requisitos podem ser demonstrados à autoridade civil: antes ou depois da celebração do casamento religioso, portanto, com habilitação prévia ou posterior. Em quaisquer das modalidades, habilitação antecedente ou posterior, os efeitos civis são produzidos a partir da data da celebração[23].
Casamento religioso celebrado após o prazo de validade da certidão de habilitação só será registrado se feita nova habilitação; è como se não houvesse habilitação precedente. Assim também ocorre com o casamento religioso celebrado dentro do prazo de validade do certificado de habilitação, mas cujo registro no cartório civil só foi requerido transcorrido o prazo de noventa dias da celebração para que se efetive o registro, necessário se faz novo processo de habilitação antecedente.
“O requerimento de registro casamento religioso realizado sem a prévia habilitação legal deve ser firmado por ambos os nubentes e acompanhado da prova do ato religioso e documentos exigidos pelo art. 1.525 do Código Civil Brasileiro. Após a habilitação, com publicação de edital, certificando-se a ausência de impedimentos matrimoniais e causas suspensivas, fará o registro do casamento religioso. Destarte, o casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas no Código Civil terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais (art. 1.516, §2º,Código Civil Brasileiro) e observado o prazo de 90 dias da extração da certidão”[24].
Observa-se a impossibilidade de aplicação do entendimento do Supremo Tribunal antes referido sobre inexistência do prazo para o registro do casamento com habilitação prévia, pois as constituições de 1946, 1967 e a emenda de 1969, faziam expressa referência à habilitação prévia e não estabeleciam prazo para a inscrição no Registro Público do casamento religioso, o que não se dá com a Constituição de 1988[25]. A atual Carta Política não estabelece formas ou pressupostos do registro, deixando-os ao arbítrio do legislador ordinário[26].
“O Espiritismo Kardecista, (Amor, Tolerância e Perdão), que não tem ritual de casamento, apareceu depois do casamento civil; “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, lançado em Paris, no ano de 1857, marca o início desta doutrina. O Espiritismo é, ao mesmo tempo, “uma ciência de observação e uma doutrina filosófica” e ele não se preocupa com as crenças dogmáticas, segundo Allan Kardec. A seita não possui ritual, não dispõe de vestes especiais, altares, imagens, hinos ou cantos, muito menos administração de sacramentos como o batismo, o casamento, etc; não há concessões de indulgências ou distribuição de títulos nobiliárquicos. Aliás, faz parte da seita acreditar que Deus ajuda a todos independentemente de se submeter ao rito religioso; o casamento para o Espiritismo é uma instituição, não um rito. Os espíritas procuram a autoridade civil para formalizar a união matrimonial.
Tem-se então, em conta, ser pressuposto essencial que uma religião deve seguir seus mandamentos e dogmas fundamentais; neste raciocínio, não há como reconhecer ao Espiritismo a condição de religião; é certo que apenas um ou dois Centros Espíritas, entre os cerca de 2,3 milhões de adeptos no Brasil, admitem tal derivação religiosa. A omissão enunciada compromete o sentido da responsabilidade a ser assumida perante as autoridades públicas, porque o celebrante é fiador da estabilidade matrimonial.
Os estatutos e os ensinamentos mostram que a seita espírita não possui o requisito de organização religiosa no relacionamento com o Estado, mesmo porque não pratica ações, semelhante à celebração do casamento religioso.
Não se há de invocar quaisquer dos incisos do artigo 5º da Constituição para definição da matéria, pois, não se veda direito aos espíritas de se casarem, mas a lei impede-lhe a opção de formalizar o ato religioso com efeitos civis na sua associação, através de seu presidente, que não é investido da missão de autoridade religiosa. O chamamento do inciso VI, artigo 5º da Constituição não ocorre nem mesmo quando um padre recusar na celebração do casamento religioso de um ateu. É que o cidadão que não crer em Deus tem liberdade de crença e não terá prejuízo com a resistência do pároco, porque recorre ao casamento civil.
A celebração de casamento por dirigentes de Centros Espíritas implica em liberar o casamento religioso com efeitos civis para grupos sociais similares. Sem violar direito algum, o espírita, como qualquer cidadão, independentemente de crença ou de convicção filosófica, pode realizar o casamento junto à autoridade civil, sem passar pela autoridade religiosa. Afinal, o Centro Espírita é uma associação com estatutos que definem direitos e obrigações para os sócios e para os dirigentes. Entre os poderes conferidos à diretoria, como já se disse, não consta ritual para celebração de casamento”[27].
6- CONCLUSÃO
Com a redação do § 3° do art. 1.516 do novo Código Civil, quis o legislador ordinário deixar claro que, no sistema matrimonial brasileiro, vale mesmo è o casamento civil, vez que declara nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele (do registro), qualquer dos consorciados houver contraído casamento civil com outrem. Não há ressalva se se trata de habilitação anterior ou posterior. Ora, tal determinação para os casos de habilitação prévia deixa inseguro o próprio procedimento estabelecido; pois, se alguém realiza habilitação e celebra o casamento sob a forma religiosa ainda no prazo de registro, casa civilmente com terceiro, traz dano ao cônjuge enganado. Deveria o legislador ter agido de forma mais coerente: se o nubente procede regularmente à habilitação matrimonial e requer seja a celebração religiosa, è óbvio que, pelo menos no prazo do registro, deveria ser impedido de contrair outro casamento, e em contraindo, nesse prazo, deveria ser tal matrimônio considerado nulo.
Melhor andou o legislador de 1937, quando, no art. 9° da Lei 379, dizia constituir crime de bigamia celebrar casamento civil com terceiro após a realização de casamento religioso com efeitos civis, antes mesmo da inscrição no Registro Civil.
A legislação brasileira pretendeu suavizar a radical dicotomia existente entre matrimônios civil e religioso, fruto da separação completa entre a Igreja e o Estado, consumada pela Constituição de 1891. Quando o Estado reconhece os efeitos jurídicos do matrimônio religioso, não vem a dar sanção pública a uma verdade religiosa nem a reconhecer oficialmente um determinado credo. Pelo contrário, apenas outorga efeitos jurídicos a um fato social que, fundamentado no Direito natural, è considerado por uma parte da população – no caso do Brasil pêra maioria – como verdadeiro matrimônio.
Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973
Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.
CAPÍTULO VII
Do Registro do Casamento Religioso para efeitos Civis
Art. 71. Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial que lhe forneça a respectiva certidão, para se casarem perante autoridade ou ministro religioso, nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação.
Art. 72. O termo ou assento do casamento religioso, subscrito pela autoridade ou ministro que o celebrar, pelos nubentes e por duas testemunhas, conterá os requisitos do artigo 71, exceto o 5°.
Art. 73. No prazo de trinta dias a contar da realização, o celebrante ou qualquer interessado poderá, apresentando o assento ou termo do casamento religioso, requerer-lhe o registro ao oficial do cartório que expediu a certidão.
§ 1° O assento ou termo conterá a data da celebração, o lugar, o culto religioso, o nome do celebrante, sua qualidade, o cartório que expediu a habilitação, sua data, os nomes, profissões, residências, nacionalidades das testemunhas que o assinarem e os nomes dos contraentes.
§ 2º Anotada a entrada do requerimento, o oficial fará o registro no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
§ 3º A autoridade ou ministro celebrante arquivará a certidão de habilitação que lhe foi apresentada, devendo, nela, anotar a data da celebração do casamento.
Art. 74. O casamento religioso, celebrado sem a prévia habilitação, perante o oficial de registro público, poderá ser registrado desde que apresentados pelos nubentes, com o requerimento de registro, a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo Código Civil, suprindo eles eventual falta de requisitos nos termos da celebração.
Parágrafo único. Processada a habilitação com a publicação dos editais e certificada a inexistência de impedimentos, o oficial fará o registro do casamento religioso, de acordo com a prova do ato e os dados constantes do processo, observado o disposto no artigo 70.
Art. 75. O registro produzirá efeitos jurídicos a contar da celebração do casamento.
Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002
Institui o Código Civil
1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
§ 1o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
§ 2o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.
§ 3o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.
Assim, os ministros de confissão religiosa não são obrigados a celebrar o matrimônio, mas ao fazê-lo cumprirão fielmente a lei civil. De acordo com o já exposto, não era esta a letra da lei. O casamento, desde meados da Idade Média, era matéria afeta ao Direito Canônico e, portanto, o Estado não tinha competência para legislar sobre esta matéria. Ponto muito delicado diz respeito ao reconhecimento da confissão religiosa e, por conseguinte, de sua autoridade” (CAÚS BRANDÃO, Débora Vanessa Do Casamento Religioso com efeitos civis e o Novo Código Civil, em: http://www.mp.am.gov.br/index.asp?page=cao-civel-familia-03-02-07).
Informações Sobre o Autor
Adam Kowalik
Juiz do Tribunal Eclesiástico, professor de Direito de Família e de Direito Eclesiástico Público no Instituto Superior de Direito Canônico no Rio de Janeiro.