Pessoa jurídica consumidora

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O enfrentamento da problemática envolvendo a pessoa jurídica qualificada com consumidora deu-se alhures, amplamente, em nossa obra Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica (Ed. LEUD, São Paulo, 2004). Mas a questão permanece suscitando controvérsia e nos aguçou a tecer considerações a respeito, desta feita cingindo-nos à definição.


De efeito, a dicção legal do Código de Defesa do Consumidor é de clareza mediana. Verbera ele que toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final é considerada diretamente como consumidora. Afigura-se não haver a menor dúvida. Mas não é bem assim. O texto legal choca-se com o cotidiano. Os atos ordinários da vida se orientam para caminho diametralmente oposto, dada a incompatibilidade do preceito com a teleologia e a axiologia da norma, mesmo porque, em apertada e perigosa síntese, consumidor será o não profissional que de algum modo encontra-se vinculado com o fornecedor de produtos ou serviços.


Pois muito bem. Antes de qualquer coisa, devemos definir a relação jurídica de consumo. Donde vê-se necessário, de início, atentar para o significado de relação jurídica. Maria Helena Diniz, citando Del Vecchio, anota que “a relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma pode pretender um bem a que outra é obrigada. Tal relação só existirá quando certas ações dos sujeitos, que constituem o âmbito pessoal de determinadas normas, forem relevantes no que atina ao caráter deôntico das normas aplicáveis à situação. Só haverá relação jurídica se o vínculo entre duas pessoas estiver normado, isto é, regulado por norma jurídica” (Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 459).


Evidentemente, todas as relações jurídicas exigem a presença de alguns elementos. Estes, somados, compõem-na de forma a demonstrar sua extensão e seu conteúdo. Diversa não é a relação de consumo. Exige-se a presença de elementos de órbita subjetiva e, outros, de ordem objetiva. Em regra, faltante um único deles sequer, concluir-se-á pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Quanto aos elementos da relação de consumo, vêm eles arrolados nos artigos 2º e 3º da Lei n. 8.078, de 1990. São elementos subjetivos o consumidor e o fornecedor; e elementos objetivos o produto e o serviço.


Vejamos, pois, os elementos que constituem a relação jurídica subsumível ao Código de Defesa do Consumidor. O artigo 2º da Lei n. 8.078, de 1990, esboçou a pretensão legislativa de fornecer os elementos necessários à definição das pessoas envolvidas na relação de consumo. Considerou consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.


A exata definição, pois, exige um desmembramento do artigo, observando-o por quatro ângulos: 1) pessoa natural ou fictícia; 2) aquisição ou utilização; 3) produto ou serviço; 4) destinação final.


O item 1 estampa a intenção de aceitar a pessoa jurídica como consumidora. No item 2 vê-se que a utilização é quantum satis, porque a disjuntiva ou assim especifica e afasta a necessidade de aquisição para perpetuar a relação de consumo, encontrando-se aqui um dos fundamentos principiológicos da figura do consumidor por equiparação. O item 3 refere-se à contratação ou usufruição de um serviço e à aquisição ou utilização de um produto. Até aqui, pois, simples se mostra o estudo e pouco significa para qualificar um ente abstrato como consumidor.


É o item 4 o essencial. Aqui, reside o maior óbice à aplicabilidade irrestrita da do Código do Consumidor em favor da pessoa jurídica. Exigiu a Lei que a pessoa fosse destinatária final do produto ou do serviço, o “elo final da cadeia produtiva”. Anote-se, enfim, que a vulnerabilidade, econômica e institucional, também merece especial atenção quando se tenta localizar a pessoa do consumidor em eventual interpretação do artigo 2º da Lei Consumerista.


Algumas decisões, lembra-o José Geraldo Brito Filomeno, “apegam-se às condições gerais dos contratos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, já a partir do seu art. 30, e mais marcadamente no que tange às práticas e cláusulas contratuais abusivas, ainda que as partes não sejam, a rigor, consumidoras …” (CDC Comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 33.), sendo que tal posicionamento já vem esboçado por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, quando observam que: “Dado que a ilicitude das cláusulas abusivas é matéria que não fica restrita às relações de consumo, pois pertence à teoria geral do direito contratual, o sistema do CDC 51 deve ser aplicado, por extensão, aos contratos de direito privado (civil e comercial). (Código de processo civil comentado. 4ª ed., São Paulo: RT, 1999,  p. 1841)”.


Nesse passo, será consumidor se obter ou usufruir real ou potencialmente o produto ou o serviço, em suas necessidades básicas empresariais, tais como a comodidade, o conforto, a segurança e, enfim, a manutenção ilesa da pessoa vinculada ao negócio e de todos aqueles que, de algum modo, haja intervindo na relação jurídica, ainda que a inferência destes na relação de consumo seja simplesmente de exposição às práticas comerciais e contratuais, e também das vítimas de eventos danosos por fato ou vício do produto ou do serviço.


A pessoa jurídica pode ser considerada consumidora. Basta que sua posição na aquisição do produto ou do serviço não o seja para fins de insumo. Até a teoria finalista, assim, há de sofrer um abrandamento, para uma posição mais teleológica, protegendo o mais fraco na relação de consumo. Quando houver aquisição para a soma de todas as despesas (matéria-prima, horas trabalhadas, amortização etc.) que ocorrem na obtenção de um produto industrializado ou semi-industrializado, será bem de insumo e não de consumo.


Afora isso, não se pode olvidar que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor sobreveio com o escopo de dar plena e irrestrita eficácia à norma ápice. Nessa senda, uma das células mais importantes da economia nacional é a pessoa do consumidor. É para ele que são destinados os produtos e os serviços. É para ele que se destina a publicidade. Sem o consumidor, não há giro da economia. Sem ambos, consumidor e economia, impossível a manutenção incólume da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da iniciativa privada; da sociedade livre, justa e solidária; do desenvolvimento nacional; e, enfim, difícil se mostra a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais.


Todos esses fundamentos do Estado Democrático de Direito e da República Federativa do Brasil esvair-se-iam céleres com o vento. A defesa do consumidor e a função social da pessoa jurídica espelham fundamentais princípios erigidos a dogma de calibre constitucional. Ambos têm imediata aplicabilidade nas relações econômicas e, via de conseqüência, nos direitos sociais. Se não os houvesse no sistema jurídico posto, liberar-se-iam os abusos e o comprometimento da legitimidade jurídica, e afastar-se-ia a sapiência dos aforismos: odiosa sunt amplianda, favorabilia sunt restringenda (restrinja-se o odioso, amplie-se o favorável) e ubi eaden ratio legis, ubi eaden legis dispositio (onde existe a mesma razão fundamental prevalece a mesma regra de direito).


Eis a aplicação dos métodos teleológicos, axiológicos e sistemáticos. Todos, inegavelmente, prioritários aos métodos lógico e literal, sob pena de esvair a pretensão da lei e obstar que ela cumpra sua verdadeira finalidade. Mas também os métodos lógico e literal dão guarida à aplicação do Código de Defesa do Consumidor às pessoas jurídicas. Consumidor, semanticamente dissecando, é quem adquire ou utiliza bens (produtos, na linguagem do Código de Proteção e Defesa do Consumidor), ou serviços, que, em maior ou menor prazo, acabam sendo destruídos pelo ato de consumo, para a satisfação de necessidades ligadas à sua sobrevivência – lógica, psicológica ou social.


Esta a definição de consumo, ou de consumidor, que de forma léxica caminha junto como texto constitucional, porquanto a Constituição manda proteger o consumidor, e não o consumidor de produtos ou serviços. Aqui pode limitar o campo de proteção, coisa que não foi determinada pela Norma Maior. Não parece haver muita dificuldade, ainda, em se concluir que há muitas pessoas jurídicas técnica e institucionalmente inferiores ao fornecedor e, mais ainda, não é difícil localizar um ente abstrato destinatário final de certo produto ou serviço. Uma interpretação de norma jurídica deve guardar correspondência mínima com o texto legal. Mas também, deve-se ater ao bem comum, aos fins sociais que se destina a lei, à vontade da norma, a todo o sistema normativo e, enfim, a questões históricas.


Enfim, anote-se que são exemplificativas as hipóteses de aplicação do Código Consumerista, outorgando-se elastério ao intérprete, de vez que apenas a exceção esteve expressamente mencionada (v.g., relações trabalhistas). Ademais, todas as vezes que a interpretação for conduzida no sentido de excluir direitos, máxime as garantias fundamentais, tem ela de ser feita de maneira restrita. Ao fim e ao cabo, apenas a incompatibilidade manifesta afasta a incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor às pessoas jurídicas, quando então deverão prevalecer as regras do Código Civil, se em compasso com os preceitos virtuais consagrados na Constituição Federal de 1988.



Informações Sobre o Autor

Alex Sandro Ribeiro

Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.


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