Há vários projetos de lei em andamento no Congresso Nacional – desde o PL 4.302/98 até o mais recente PL 1621/2007, e surge agora um anteprojeto do Governo Federal, que também visa à regulamentação da terceirização. Nota-se, claramente, ao ler o texto destes projetos, que existe um desconhecimento de que a terceirização é um CONTRATO CIVIL entre empresas que podem refletir na área trabalhista.
A prestação de serviços é definida pelo Código Civil em seu artigo 593 e os seguintes. Ele regulamenta os contratos não especiais, ou seja, os que não são adequados por lei própria, como por exemplo, os contábeis, advocatícios, de informática, de entrega de peças e mercadorias semi-manufaturadas ou acabadas, de serviços médicos, odontológicos, de engenharia, de arquitetura, de consultorias e auditorias empresariais, entre outros.
Todos esses contratos podem ou não serem prestados com locação de mão de obra na tomadora de serviços. É aí que encontramos o nó da questão. Nosso legislador quando pensa em regulamentar uma matéria, o faz de maneira simplista sem verificar todas as implicações jurídicas, o que acaba ressaltando as ocorrências fraudulentas.
Alguns projetos, a exemplo do 1621/2007 chegam ao ponto de só levar em conta a terceirização fraudulenta de chão de fábrica. E quando o fazem pensam nas empresas prestadores de serviços como “agentes do mal”, fraudadores dos direitos trabalhistas e agenciadores de mão de obra barata.
Muitos projetos querem que os empregados da prestadora tenham o mesmo salário dos da tomadora, com aplicação das convenções coletivas. Como resolver a questão quando esta equipe é deslocada a outra tomadora, de outra categoria profissional, que tenha menores salários e benefícios? O que fazer com o artigo 468 da CLT? Demitir toda a equipe e contratar outras pessoas?
Ora, há grandes empresas prestadoras de serviços, com e sem locação de mão de obra, brasileiras e multinacionais, com salários e benefícios maiores do que os dos empregados de suas tomadoras de serviço, em diferentes áreas, desde informática, passando por logística, construção até manutenção predial. O que dizer dos grandes escritórios de advocacia com centenas de advogados, todos prestadores de serviços? Uma situação que a própria jurisprudência vê, no caso de análise da realidade, sem intuito meramente protecionista:
130674647 – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIMENTO SÚMULA Nº 331/TST INAPLICABILIDADE – Não há falar em contrariedade à Súmula 331, IV, do TST, uma vez que a atribuição de responsabilidade subsidiária à tomadora de serviços, prevista no item IV da Súmula nº 331 desta Corte, refere-se à hipótese em que há contratação de mão-de-obra, mediante a intermediação de empresa do ramo de prestação de serviços, para a realização de determinado serviço à empresa tomadora no âmbito desta, o que não é a hipótese dos autos, que trata de contrato de facção de natureza civil, mediante o qual terceira empresa se comprometia a fornecer produtos acabados. Não há, in casu, a exclusividade, característica da construção jurisprudencial que ensejou a Súmula em tela. Precedentes nesse sentido. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST – AIRR 51.065/2006-513-09-40.0 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 23.03.2007)
Uma empresa pode prestar serviços a uma outra sem que seu empregado esteja fixado na tomadora, ainda que por tempo determinado. Pode-se ainda ter um contrato, de maneira continuada, sem que necessariamente haja fraude, por se tratar de atividade realmente especializada. Ou seja, não é porque um escritório contábil presta serviços há 20 anos a uma empresa, que esta necessite ou tenha estrutura para suportar um departamento contábil. Que dirá manter um departamento jurídico próprio, com a necessidade de especialização dos conhecimentos das mais diferentes áreas do Direito.
Outro ponto importante é deixar claro que não é indicativo de fraude o fato de um serviço ser uma necessidade contínua da empresa. O Código Civil fixa em quatro anos o prazo do contrato, mas permite a contratação com prazo indeterminado e a renovação do contrato. Este prazo é estabelecido para não permitir contratos vitalícios, por exemplo, sem possibilidade de rescisão. Já o anteprojeto do Governo fixa em cinco anos sem possibilidade de renovação ou contratação por prazo indeterminado – mais porque não enxerga todas as possibilidades legais de contratação.
É necessária a regulamentação dos reflexos no Direito do Trabalho no contrato de prestação de serviços para preservar não só os trabalhadores, mas as empresas sérias. O anteprojeto do Governo é medida salutar e já existe na lei civil, pois o objetivo social da empresa é o que determina seu âmbito de atuação. Esse objetivo social é registrado na Receita Federal com um Código Nacional de Atividade Empresarial (CNAE).
Na realidade, quem facilita as empresas prestadoras de todo e qualquer tipo de serviço é o próprio Governo ao permitir determinados CNAEs extremamente abrangentes. O primeiro passo seria o próprio Governo verificar os códigos que ele mesmo criou e checar aqueles as situações de fraude. Por outro lado, se a empresa contratante não é criteriosa no sentido de exigir uma especialização demonstrada no contrato social e na inscrição fiscal da prestadora, não significará que ela está fora da lei.
Isto não só frauda os trabalhadores, mas as empresas especializadas sérias que acabam sofrendo com uma concorrência desleal. Por isso, é importante regulamentar a terceirização, diferenciando as situações reais existentes e, principalmente, com normas diferentes para as situações com ou sem locação de mão de obra. É imprescindível que nosso legislador estude a realidade social e jurídica antes de querer regulamentá-la.
Informações Sobre o Autor
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi
Advogada formada pela Faculdade de Direto da USP, com pós-graduação latu-sensu em Direito do Trabalho, pela mesma Faculdade. Atua na área de assessoria jurídica empresarial como advogada desde 1988. É sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados que atua em assessoria empresarial contenciosa, consultiva e contratual nas áreas do Direito Civil, do Trabalho e Recursos Humanos, sendo responsável pela área de recursos humanos e coordenadora do comitê de legislação e emprego da ONG Instituto Amigos do Emprego e Vice-Presidente do Comitê Estratégico de Trabalho da AMCHAM.