O casamento de inúbeis na sociedade moderna. Considerações a cerca do impedimento insculpido no artigo 183, XII, do Código Civil

As definições de casamento têm a
natureza incerta e temporária de todas as coisas sociais. O seu fim deve ser o
de caracterizar o seu tempo, e nada mais. Tempo e lugar. Não há conceito a
priori de casamento, que valha para todos os tempos e para todos os povos.
(Pontes de Miranda)

Abre-se a Constituição Federal,
baluarte maior de nossa garbosa sociedade e, logo ali no exórdio,
depara-se com um dispositivo de importância ímpar. Ei-lo:

Art. 3º. Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre,
justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento
nacional;

III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

Impossível ignorar a relevância de tal
dispositivo, quando temos a oportunidade de poder olhar, de frente e
diuturnamente, para a sociedade que, por meio de seus constituintes, legitimou-a,
tornando-a a maior expressão de nossas aspirações. Cada cidadão brasileiro, de
canto a canto, traz consigo essa ditosa pretensão.

Utopia? Não.

Enquanto “descobriam” o Brasil, o
notável escritor inglês, Thomas Morus, já havia
criado, àquela época, seu país, o “utopia”. Ali,
naquele país imaginário, Morus divisava um governo
organizado de forma tal que, indistintamente, proporcionava ótimas condições de
vida a seu povo, operoso, equilibrado e feliz.

Ao que se infere de nossa Carta Maior,
nossa aspirações permeiam o país de Thomas Morus.
Assim, compete-nos tão-só, em laborando, construir este país, a começar por
suas pequenas células, com ênfase para a  família.

Francamente recuso-me a crer que um
povo, que não tenha por prioridade a escorreita constituição da família, a
solidez e estabilidade do lar conjugal, imagine ser possível a construção de
uma sociedade justa.

A razão de tais digressões, adianto,
repousa no fato de que, a seguir, faremos explanar alguns aspectos acerca da possibilidade
jurídica
do casamento da mulher menor de 16 (dezesseis) anos e do homem
menor de 18(dezoito). Para tanto, importante que se faça uma pequena incursão
na história.

Na Roma antiga era exigido, para a
validade do casamento, dentre outros requisitos, o da idade. Analisavam
os romanos o desenvolvimento físico dos nubentes. O critério adotado, em
atenção à escola dos Sabinianos, variava caso a caso,
de indivíduo para indivíduo.

Posteriormente, já no primeiro século a.d., estabeleceu-se um
padrão de idade para a puberdade masculina, fixando-se-a
aos quatorze anos .

Adotou-se então este parâmetro e ficou
determinado que poderiam casar-se o homem de quatorze
anos e a mulher maior de doze anos.

Como se percebe, a visão do casamento
repousava, primariamente, na procriação, uma vez que relevava a questão da
puberdade.

Sob a orientação canônica, no Brasil do
século XVIII, a idade para o casamento era fixada em quatorze anos para o
homem e doze para a mulher.

Com o advento do Decreto nº 181, de 24.01.1890 (Lei do Matrimônio), que regulou o
casamento civil entre nós, exigia-se que os nubentes tivessem uma idade núbil,
ali estabelecida de dezesseis anos para o homem e de quatorze para a mulher (art.
7º § 8º).

De se observar que ali, como nas demais
normas, a fixação de uma idade núbil já atentava, estreme de dúvidas, ao
amadurecimento físico e psicológico dos futuros esposos, que ao
convolarem núpcias, constituem nova célula na sociedade.

Volvendo um pouco mais ao passado,
vamos encontrar no DIREITO CANÔNICO que ali se distingue no matrimônio fins
primários e secundários. Os fins primários são a procriação e a educação da
prole, enquanto que os secundários são o remédio à
concupiscência e a ajuda mútua. (cânone 1.013 §1).

No Direito Canônico, a procriação entra
na definição de casamento como um elemento natural a ele. As definições não
prescindem do fato essencialmente biológico, cuja finalidade é a perpetuação da
espécie. A prole, pois, esteve sempre presente no conceito de casamento. A
família, portanto, esse restrito grupo social voltado ao amor, ao afeto, à
igualdade, propiciando a seus membros o pleno
desenvolvimento de suas individualidades, constitui um sistema tal que sofre e,
ao mesmo tempo, irradia influências na estrutura social básica.

É que essa união física entre o homem e
a mulher, sob o pálio da lei, tem como essência, além de uma estreita comunhão
de vida, a procriação. A exigência de uma idade núbil,
observa-se, é universal, inerente a todos os povos e, de conseqüência,
inserta em todas as legislações. Sua pretensão outra não é, senão a de
assegurar que os noivos assumirão o casamento absolutamente
conscientes de seus direitos e deveres, aptos a assumirem as
responsabilidades advindas de uma vida conjugal.

Ainda na história, vamos encontrar no
DIGESTO que:

O casamento “é a Conjunção do homem e
da mulher que se associam para toda a vida, a comunhão do direito humano e do
direito divino”

(Modestino – Digesto Liv. XXIII).

De salutar relevância essa interação
das “normas divinas” às regras sociais. Entende-se de notável importância a
deferência a ambos os mandamentos. Sem a observância de um, o outro não
prospera. A sociedade atual, sem querer parecer umbroso, padece de um certo menoscabo em relação à família, mormente sob o
aspecto dessa necessidade de se traçar, não raras vezes, um paralelo entre tais
normas.

Porém, felizmente nossos doutrinadores
elaboraram “conceitos” que, de certa forma, buscam estar atentos àquele
posicionamento ‘Modestino’.

Para ORLANDO GOMES o casamento é a “união
de um homem com uma mulher para a mais íntima e universal comunhão de
existência
.

CLÓVIS BEVILÁQUA, a seu turno,
conceitua o casamento como “um contrato bilateral e solene, pelo qual um
homem e uma mulher se unem indissoluvelmente
, legalizando por ele suas
relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de
interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole que de ambos nascer”.

O casamento, na definição de LIMONGI
FRANÇA, “é o acordo de vontades, de um homem e de uma mulher, no sentido de
se unirem permanentemente, com um escopo de auxílio mútuo material, moral,
espiritual e afetivo, bem assim, da perpetuação da espécie, através da
procriação e educação da prole”.

Desnecessárias maiores incursões pela
doutrina no tocante a definição de casamento. Todos os conceitos, como dito,
atentam aos arquétipos do matrimônio. Sabe-se o que é o casamento, seus
preceitos e seu fim.

Talvez nosso povo –
conquanto jovem, com apenas 500 anos – ainda bordeje, volto a
frisar, no que concerne à importância do casamento para a constituição da
família e conseqüente robustecimento da sociedade.

Pois bem. Nossa atual legislação,
atenta aos fins primários do matrimônio, estabelece, dentre outras, a proibição
do casamento da mulher menor de 16 (dezesseis) anos e do homem menor de
18(dezoito), observando, entretanto, determinadas situações em que, por
existirem causas justificadas, é permitido que a autoridade competente
dispense os nubentes do impedimento matrimonial, apesar deles não terem
atingido a idade legal para casar.

O NOVO CÓDIGO CIVIL, com seu projeto
“já” aprovado pelo Senado (o projeto foi encaminhado ao Congresso em 1975),
tampouco inovou sob este aspecto. Simplesmente dispõe, em seu artigo 1.514 : A mulher com dezesseis anos de idade pode
casar, mas até que complete dezoito anos é mister a autorização de ambos os
pais, ou de seus representantes legais.

De igual sorte, o artigo 1.517 assim dispõe : Será permitido o casamento de menor incapaz para
evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, ou para resguardo da honra da
mulher, que não atingiu a maioridade.

Releva notar que, pelo projeto do Novo
Código Civil, a menoridade cessa aos dezoito anos (art.5º). Portanto, os
impedimentos persistem…

De nossa parte, entendemos que as
“causas justificadas” poderiam mui bem extrapolar aquele numerus
clausus do art. 214 do Cód. Civil vigente. Em
passando a viger o novo Código, também a letra de seu artigo 1.517 merece
reprimenda.

Mas este pequeno trabalho objetiva, por
ora, tratar apenas a questão basilar. O Novo Código Civil será objeto de
debates futuros.

As razões impeditivas no concernente à
idade núbil, segundo os defensores da proibição, seria a imaturidade patente
dos pretendentes, que certamente levaria a uma separação prematura, resultando
em sério desconforto social.

PORTALIS, citado por WASHINGTON DE
BARROS MONTEIRO, afiança que ‘não seria político permitir a criaturas mal
saídas da esterilidade da infância perpetuar em gerações imperfeitas a própria
debilidade’. Aliás, a tendência no direito moderno manifesta-se
no sentido de elevar a idade nupcial”.

JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA é
categórico em afirmar que “… qualquer solução legislativa que se proponha a
equacionar esse conjunto de exigências de forma coerente com a visão ampla do
ato matrimonial, como ato de vontade livre e pessoal dos noivos, deverá
necessariamente equiparar a nubilidade à capacidade
geral. É a solução das reformas italiana e alemã, que estabeleceram a idade de
18 anos como a idade da maioridade e da nubilidade,
simultaneamente”.

Posicionamentos coerentes e de peso.
Entanto, outras visões nos chegam.

LECLERCQ afirma que “o catolicismo não
admite que o casamento seja tratado como “uma operação estritamente
fisiológica”, pois o ato matrimonial não é meio de satisfazer os instintos e sim
direito fundamental do indivíduo de procurar sua felicidade no casamento e
na vida familiar
”.

Para FEDELE “os limites para contrair
núpcias por razões eugênicas e de saúde são inconcebíveis por duas razões: a)
porque a Igreja se preocupa com um bem supremo, que não tem igual: a salus animarum, que
poderia ser comprometida por similar proibição para o perigo, ao qual seriam
expostos todos os excluídos do matrimônio, de cair em pecado mortal; b) porque
ao matrimônio, como sacramento, é juntada a comunicação da graça divina
, e
a Igreja não pode privar ninguém do direito de receber esta graça sacramental”.

De se ver, portanto, que não é possível
que hoje, nesta sociedade moderna em que vivemos, conviva-se com uma norma
absolutamente rígida quanto a proibição para casamento
sob uma ótica meramente “etática”.

É fundamental que, sob o sistema legal
vigente, os operadores do direito apliquem a norma “caso a caso”.

Estamos noutra época. Sob o aspecto
fisiológico,  a maturidade de nossos rebentos tem chegado espantosamente
cedo. Se outrora a inocência tardava a se delir, hoje ela se esvanece com cedo.

É preocupante observar que os meios de comunicação, sobretudo a televisão, tem nos assoberbado
de informações desvirtuadas, com toda uma simbologia “sensualizada”.
Não se muda de emissora sem que se veja, numa ou noutra chamada, um apelo à
sensualidade.  Impossível ignorar-se, pois, a noção de que a “idade da
inocência” acaba muito cedo, na mais tenra idade de nossas crianças...

Infelizmente – permito-me anotar – a sociedade
atual não tem propiciado estrutura para que nossas crianças saboreiem, à farta,
sua infância, impingindo-lhes diuturnamente valores absolutamente néscios.

Releva, então, um parêntese nesse
ponto. Temos jovens fisiologicamente aptos ao matrimônio em idade tenra – aos
quatorze, quinze anos – mas e o que dizer-se do preparo psicológico destes
mesmos jovens?

A resposta a esta pergunta traz outra
indagação:  A idade cronológica tem o condão de definir que, aos dezesseis
ou dezoito anos, o jovem já tenha “preparo psicológico” para contrair
casamento?

“O casamento é a comunhão do direito
humano e do direito divino…”

A aptidão que se deve exigir para o
casamento deve atentar para todos os ângulos, sem dúvida, porém, a maturidade
não é sopesada em confronto com o aspecto meramente etário.

Em verdade, frente a todas as
ponderações, sejam de cunho histórico, religioso,
legal ou sociológico, a conclusão a que se chega é que o casamento desempenha
papel fundamental no contexto da sociedade. Pacificu est .

De outro lado, quer-se crer que a
higidez ou solidez do casamento não pode se ater a uma questão meramente etática. Casais novos ou velhos, de pessoas muito jovens ou
maduras, rompem o casamento por uma série de questões outras que não passam,
necessariamente, pelo fator “idade”.

Não podemos afirmar, categoricamente,
que este ou aquele casamento findou-se em razão da extrema juventude do casal.

Em função destas particularidades é que
se faz necessária uma especial atenção de nossos operadores do direito,
essencialmente dos magistrados.

Matrimonium in quantum est
officium naturae statuitur lege naturae; in quantum est sacramentum statuitur jure
divino; in quantum esta officium communitatis
statuitur jure civili.

Aos magistrados, aplicadores
da Justiça, cabe essa apreciação conjugada, observando-se as nuanças
naturais, divinas e legais, ditadas pelo direito romano e, necessariamente,
inserindo-as no contexto sociocultural hodierno já que, não raro, a eles são
encaminhados pleitos que, com a devida vênia, ouso denominar de “equivocados”.

Os equívocos repousam nas premissas
seguintes.

No concernente a idade para casamento,
há consenso no que tange à impossibilidade jurídica do pedido de “suprimento
de idade”
. Naturalmente é vedado ao juiz dizer que uma garota de 15 “passe
a ter dezesseis anos de idade” para fins de se casar. Há uma impossibilidade fática !

Portanto, configura-se erro crasso
requerer da Tutela Jurisdicional o “suprimento de idade”, já que impossível juridicamente .

Doutro lado, o “suprimento de consentimento”
– este sim – previsto na norma, não se aplica ao caso em comento – jovens ainda
inúbeis – uma vez que não há, nestas hipóteses, de
parte dos pais
– ou representantes legais –, denegação injusta para este
fim
. O que se discute é acerca da conveniência, ou não, de se encontrar um
permissivo jurídico para solucionar tais questões.

É importantíssimo que se perscrute a
efetiva vontade dos jovens ! Há que se cuidar para não
se autorizar um casamento imposto pelos pais. De fato, releva a vontade dos nubentes ! Ela,
à luz dos gizados legais, é que haverá de prevalecer,
sem quaisquer vícios de consentimento.

E agora? Impossível juridicamente o
“suprimento de idade”. Suprimento de consentimento, in casu,
não se faz necessário, já que os pais estariam acordes com o matrimônio!

O que se poderia – e se pode –
postular, pois, é uma autorização judicial para que a mulher, menor de
16 (dezesseis) anos, e o homem, menor de 18(dezoito), possam convolar núpcias.
Mas e a senda para este propósito, onde estaria? Razões para a  denegação
desta “autorização”, sob o aspecto meramente formal, são
sobejas. Mas e quais seriam as razões para que o magistrado concedesse o pleito ?

Pelo que se explanou, quer-se crer, já
se antevê a solução, entretanto, um debruço sobre a
legislação estrangeira talvez nos dê uma luz.

O Código Italiano admite,
expressamente, em seu art. 847 (redação dada pela lei de 1975), a dispensa
judicial ao requisito da idade, desde que presentes  motivos graves. O
direito alemão, por sua vez, admite a dispensa judicial da idade de dezoito
anos, com fulcro nos interesses do menor, desde que tenha ele completado
dezesseis anos.

Tem-se ainda, e aí certamente reside um
arrimo aos magistrados, a Convenção sobre Consentimento para Casamento, adotada
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10/12/1962.

O art. II da “Convenção sobre
Consentimento para Casamento, Idade Mínima para Casamento e Registro de
Casamento”, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1962, e posta em vigor no Brasil por meio do Decreto-Lei nº
659/69, assim dispõe:

 “Art. II – Os Estados
Contratantes adotarão as medidas legislativas necessárias para determinar a
idade mínima para contrair casamento. Não poderão contrair casamento legalmente
as pessoas que não tiverem atingido essa idade, salvo dispensa da autoridade
competente ao requisito da idade, por causas justificadas e em interesse dos
futuros cônjuges
”.

Salvo melhor juízo, aquela convenção
determina que os Estados Contratantes disponham a respeito. Aliás, sobre o
tema, oportuno o  entendimento de  MAXIMILIANUS CLÁUDIO AMÉRICO
FÜHRER, do qual comungamos na íntegra, verbis:

“A primeira parte do dispositivo é
programática. Os países signatários deverão ter ou criar lei nesse sentido. No
Brasil, já existe esse limite mínimo de idade (art. 183, XII, CC), não havendo portanto necessidade de se editar lei a respeito. A segunda
parte, referente à dispensa ao requisito da idade, é auto-aplicável, não
necessitando de integração ou complementação legislativa, por conter todos os
elementos para sua perfeita compreensão e incidência direta. Encontra-se,
portanto, derrogado o art. 214 do CC, que só admitia o suprimento de idade para
evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal. Hoje o assunto encontra-se
entregue ao prudente arbítrio do juiz, que pode admitir, ou não, outros motivos
para a dispensa ao requisito da idade.”

Eis uma sustentação jurídico-legal para
a pretensão dos jovens nubentes.  Ocorre que, sob o aspecto meramente
formal, na legislação pátria já existe o dispositivo constitucional do art. 3º,
IV, já transcrito no início deste trabalho. Não é demais lembrar que, dentre os
objetivos fundamentais da nação, encontra-se  o compromisso social de promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

Uma interpretação contrária deste
inciso IV, querendo fazer crer que a imposição de uma dura lex, no concernente a idade núbil, não seja
discriminação, concessa venia,
seria deveras errônea. “A interpretação deve ser objetiva, desapaixonada,
equilibrada, às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas sempre
atenta respeitadora da lei” (FRANCESCO FERRARA. Trattato
di Diritto Civile Italiano. Vol. I. Roma: Athenaeum, 1921, p. 206).

Também na  Lei de Introdução ao
Código Civil encontra-se amparo ao deferimento da pretensão de um casamento
“extemporâneo”:

Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Como se vê, aí reside o que pode ser
tido por espeque jurídico-legal para o deferimento de pretensões deste jaez.

Alguns diriam que o interesse social – bem
comum
– é no sentido de que jovens quase impúberes não se casem. Mas para
isso, o que necessitamos não é de uma norma proibitiva, mas de condições
sociais adequadas a que nossos jovens possam viver dignamente em sociedade. Precisamos
de escola, educação, saúde, condições de trabalho, melhor distribuição de renda
etc.

Os fatos e fatores, estes sim, é que
justificariam, ou não, a aplicação da norma maior para a autorização de
casamento dos inúbeis.

Não apenas os fatos tidos por graves – evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal; ou ainda gravidez –
devem
proporcionar ao magistrado o suporte para o deferimento da pretensão nupcial.

Grave, permissa
venia,
seria – e é – autorizar que se
realizasse o casamento em razão de uma gravidez indesejada, ou “para
resguardo da honra”
, como pretende a redação inserta no Novo Código Civil.

Nessas hipóteses, que me perdoem os que
se situam nesta linha de raciocínio, o casamento virá a que fim?  Para que
a criança seja tida por “legítima”? Para que não seja chamada “espúria ou
bastarda”? Ora, nosso Estatuto Maior não mais permite tal discriminação. Já
“descobrimos” que ilegítimos são os pais, não os filhos…

O casamento realizado nestas condições,
como se vê, não é prematuro, é serôdio!! Consiste apenas e tão-somente num mero
paliativo para os “pundonores” da sociedade!

Em remate, é importante que, sob o
aspecto da permissibilidade de casamento de jovens ainda inúbeis,
esta questão fique – presente a autorização dos pais – ao critério do
magistrado, que sempre atento ao parecer do Representante do Ministério
Público, absolutamente imprescindível no acompanhamento desta questão, haverá
de decidir com acerto.

Papel de relevo para a formação da
convicção do magistrado caberá – e cabe – ao Ministério Público, que
marca presença constante na evolução da sociedade, com ela interagindo, sempre
na defesa daqueles interesses soberanos, almejados por todos e consagrados na
Magna Carta.

Neste ponto, sob esta ótica,
considere-se que a proibição contida no Código Civil não pode prosperar diante
dos permissivos já fartamente expostos. Essa permissibilidade passa,
necessariamente, pelo estado de desenvolvimento de nossa sociedade.

É possível, então, que se estabeleça o
seguinte encadeamento de idéias:

Fisicamente, salvo em casos de retarde
por questões genéticas ou de saúde, nossa juventude encontra-se apta ao
casamento. Isso pode ser atestado, senão pelos envolvidos, a um simples exame
médico.

No que tange ao “preparo psicológico”,
se me permitem, repito, um, dois ou três anos a mais não atestam
convincentemente a existência ou não dele. Isso somente se aufere pela junção dos
vários fatores determinantes da vida do indivíduo em família, em sociedade etc.

Nesse particular, o magistrado, mais
uma vez, desempenhará papel de relevância. Sua capacitação profissional, antes
de meramente técnica, envolve valores e cognições outras, de toda ordem, que
haverão de conduzir seu julgamento. Portanto, a proibição também sucumbe a este
raciocínio.

Por derradeiro, avulta o aspecto
estritamente social do caso. Reporto-me agora àquele comentário supra, no qual
reputo importante o papel da sociedade na contração do matrimônio.

Aquele jovem que advém de uma estrutura
familiar e social tida por “adequada”, que me corrijam, tem à sua disposição
meios para um constante aprimoramento de suas aptidões. Brinca, estuda, se
entretém e busca, alfim, quando desperta naturalmente
para isso, sua inserção no mercado profissional. O casamento não povoa, a
priori
,  seus pensamentos.

Doutro lado, quando dirigimos nossos olhos
para aquela parcela de jovens que, mercê da enorme desigualdade social que
ainda presenciamos, situam-se à margem do que se tem como “bom”, “adequado”,
deparamo-nos com a face obscura de nosso país. Aí é possível divisar o quão
distante encontramo-nos do país idealizado por Morus.

Nesse lado do país viceja a incerteza,
o desencanto, a desesperança. Isso fomenta a marginalidade, o banditismo, a
prostituição…

Paridade nestes dois contextos sociais?
Naturalmente que não. Daí a sempre presente lição de Rui Barbosa, quando
declarava: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar
desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam”.

Releva aí a interpretação da norma, a
aplicação da lei. Que magistrado poderá, simplesmente sob a égide do legalismo, negar autorização a que um jovem inúbil, advindo das camadas mais singelas da sociedade,
possa convolar núpcias ? Se aquele jovem, com a
aquiescência dos pais, busca constituir nova família, requerendo do Estado-Juiz
que albergue sua pretensão, quod facere?

A constituição de família, quando
verdadeiramente desejada, sem sobejo de dúvidas, é fator importantíssimo na
escorreita formação do ser humano. Ali, naquela célula, é que se começa a
forjar o indivíduo. Privá-lo desse direito é correr o risco de deixá-lo à
margem da evolução salutar da sociedade.

Deixar que se concubinem,
ao argumento de que,  “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida
a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento (art.226, § 3º)
, é simplesmente uma impostura ! Preteríveis os comentários.

Ainda, se o jovem da outra “casta” tem
igual pretensão – o que já se apresenta mais raro, face às razões já elencadas  –  porque não admiti-la ?

Quando a sociedade puder proporcionar
aos jovens uma inserção salutar no mercado de trabalho, conjugada a condições
propícias de ensino, certamente o matrimônio ficará relegado a um segundo
plano. Aliás, já o é.

É que se o jovem encontra um ambiente
bastante agradável no seio familiar, bem como uma interação prazerosa
com a sociedade na qual ele se encontra inserido, questões outras, como
a intenção de constituição de nova família, ficam para depois. Em primeiro
plano estão os estudos, a realização profissional. O
casamento é sempre uma etapa posterior aos projetos que habitam a mente de
nossa juventude.

Portanto, se o jovem inúbil manifesta sua intenção de contrair matrimônio,
contando com o amparo dos pais e escoimado daquelas “exceções permissivas” – art.
214 do Cód. Civil
– deve o magistrado, em ponderando sob o pálio de todas
as premissas aqui grassadas, autorizar que
se realize o matrimônio
, mesmo porque, consoante CARLOS MAXIMILIANO, o juiz
“deve ter o intuito de cumprir a regra positiva, e, tanto quanto a letra o
permita, fazê-la consentânea com as exigências da atualidade”
.

A norma maior,
observou-se, permite; a atual sociedade, sabe-se, exige.

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Informações Sobre o Autor

 

Jesuíno Barbosa Júnior

 

Advogado especialista em Direito Público e Direito Processual Civil;
Professor na Faculdade de Direito do CESUT – Jataí/GO

 


 

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