A contradição direito-coação do sufrágio no Brasil e as políticas públicas de cidadania

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Resumo: O Brasil atual passa por um momento de consolidação da democracia, da cidadania e dos direitos do homem. A cidadania, requisito indispensável da democracia, basicamente desmembra-se no sufrágio e na elegibilidade. Neste contexto, é de grande importância avaliar se o sufrágio, nos moldes em que se apresenta no país, é uma política pública de cidadania condizente com os anseios sociais. O presente trabalho descreve o aspecto direito-coação do sufrágio brasileiro, conceitua cidadania e políticas públicas de cidadania, e, por fim, aponta o sufrágio atual como instrumento eficaz de cidadania, haja vista o contexto social brasileiro atual. As discussões a respeito de tornar o voto facultativo e extirpar o aspecto coação do sufrágio devem ser adiadas para um momento em que a democracia, a cidadania e os direitos do homem estejam mais consolidados no país.


Palavras-chave: Cidadania. Sufrágio. Políticas Públicas.


Abstract: The current Brazil is going through a consolidation period of the democracy, the citizenship and the human rights. The citizenship, an essential requirement of the democracy, basically is composed of the suffrage and the eligibility. In this context, it’s important to value if the suffrage, in the terms it’s presented in the country, is an efficient public politic of citizenship in relation with the social wishes. This paper describes the right-coercion aspect of the Brazilian suffrage, presents concepts of citizenship and public politics of citizenship, and, at last, points the current terms suffrage as an efficient tool of citizenship for the actual social context of Brazil. The discussions about optional voting and no-coercion suffrage must be postponed to a time when the democracy, the citizenship and the human rights are more consolidate in the country.


Keywords: Citizenship. Suffrage. Public Politics.


Sumário: 1. Introdução. 2. A contradição direito-coação do Sufrágio no Brasil. 3. O conceito de cidadania e as políticas públicas de cidadania. 4. A relação entre a contradição direito-coação do sufrágio no Brasil e as políticas públicas de cidadania. 5. Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO


A cidadania é um status conferido ao nacional com poderes políticos que compreende o sufrágio, direito político subjetivo ativo, e a elegibilidade, direito público subjetivo passivo. O sufrágio no Brasil apresenta-se como universal, direto, obrigatório, secreto, e de valor único, e é a principal arma do cidadão no cumprimento de seu dever de participar da vida política local, regional e nacional. Pretende-se, assim, analisar o sufrágio no Brasil como política pública de cidadania.


A pesquisa, de cunho bibliográfico, fundamentou-se na coleta de informações por meio da internet e de livros. Apresenta influência explicativa, apesar de ser predominantemente exploratória. Caracteriza-se por buscar esclarecer e modificar idéias e conceitos para facilitar a compreensão e o entendimento do assunto abordado. Informações obtidas no instituto Datafolha são dispostas para enriquecer a obra com dados estatísticos atuais. O estudo utiliza-se do método dedutivo para produzir o conhecimento.


O motivo de escolha do tema é sua grande importância para o Estado, a democracia e a cidadania. Devido a esta amplitude, os conhecimentos acerca do tema encontram-se em diversos ramos como direito Constitucional, Direito Eleitoral, Políticas Públicas, Ciência Política, entre outros. Desse modo, o campo epistemológico do presente trabalho são as ciências sociais aplicadas.


O objetivo geral do presente trabalho é compreender a contradição direito-coação característica do sufrágio brasileiro e seus efeitos em relação à cidadania. Os objetivos específicos são demonstrar a contradição direito-coação do sufrágio no Brasil; conceituar cidadania e políticas públicas; e, verificar se o sufrágio nos moldes direito-coação com que é efetivado no Brasil é um instrumento condizente de cidadania.


Ante o exposto, a pesquisa irá inicialmente versar sobre a característica direito-coação do sufrágio brasileiro. Em um segundo momento irá focar os conceitos e acepções de cidadania e políticas públicas. Finalmente, irá analisar se o sufrágio brasileiro é um instrumento condizente de cidadania. A conclusão do trabalho irá fornecer uma recapitulação do conhecimento produzido.


2 A CONTRADIÇÃO DIREITO-COAÇÃO DO SUFRÁGIO NO BRASIL


O sufrágio é um direito público subjetivo ativo dos cidadãos que permite a estes a escolha de seus representantes e a participação em consultas populares, como referendos e plebiscitos. Percebe-se que o exercício do sufrágio em eleições, o voto, é um dos pilares da democracia.


Consoante ao exposto, Rui Barbosa (1872, p.3), grande mestre baiano, ensinava:


“Nos países de governo constitucional representativo é a eleição o ato mais importante, porque, bem que sejam todos os poderes delegações da nação, nunca se afirma tão diretamente a vontade do povo, na direção regular a dar ao Estado, como durante a consulta das urnas. Falseada que seja a eleição, falseado está igualmente todo o sistema pelo vício de sua origem. Se a urna não exprime a vontade popular, a representação nacional nada exprime.”


Neste contexto, é patente a grande importância do estudo do sufrágio e de suas características principais. A expressão da vontade popular é matéria primordial para um regime realmente democrático e um verdadeiro Estado de Direito.


 A Carta Magna de 1988 disciplina no parágrafo único de seu artigo primeiro, e o Código Eleitoral em seu artigo segundo, que o povo é a fonte de todo o poder e o exerce diretamente ou por intermédio de representantes. Estabelecem, portanto, a soberania popular, elemento imprescindível em um Estado Democrático de Direito. Ressalta-se que o Brasil adota a democracia indireta, sendo regra representantes do povo governar em nome deste, e exceção o exercício direto da soberania popular.


O artigo 14 da Lei Maior, ao tratar dos direitos políticos, preceitua que a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal, adotado o voto direto, secreto e de igual valor a todos. Devido a esta sua grande importância, mister se faz o estudo do sufrágio em seus pormenores. A atual pesquisa foca, neste momento, as características do sufrágio no Brasil contemporâneo, pós-Constituição de 1988, mais especificadamente em seu caráter contraditório direito-coação.


O sufrágio, conforme já abordado, é um direito político ativo, ou melhor, permite a ação de votar. O direito político passivo corresponde ao de ser alvo de votos, ou melhor, de possuir elegibilidade, ser elegível.


A respeito do tema, leciona Costa (2006, p. 35-36):


“O direito de sufrágio é o direito público subjetivo de votar em candidatos a cargos eletivos. Nasce do ato jurídico de alistamento, pelo qual o seu titular se insere no corpo de eleitores. Portanto, o alistamento é o ato jurídico do qual dimana o direito de votar (ius singulli), de exercer a cidadania pela escolha livre e soberana dos seus representantes, nas democracias indiretas”.


Em relação à obrigatoriedade do voto, prevista na Constituição Federal e no Código Eleitoral, esta atinge em regra os maiores de 18 anos e menores de 70. O código Eleitoral, no inciso II de seu artigo 6º, excetua da obrigatoriedade: os enfermos; os que se encontrem fora de seu domicílio; os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar.


A Carta Política, por sua vez, determina, no inciso II do §1º do artigo 14 que o voto é facultativo para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Os conscritos e estrangeiros são proibidos de votar.


As penas para quem não vota são severas e diversas, conforme os incisos do §1º do artigo 7º do Código Eleitoral:


I) Perda dos Direitos Políticos por recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou serviço alternativo (CF, art. 15º, IV)


II) Multa de 3 a 10% sobre o salário mínimo da região, se não justificar por que deixou de votar em 30 dias (CE, art. 7º)


III) Sem o comprovante de voto na última eleição, o recibo de que pagou a multa, ou que justificou devidamente seu voto, o eleitor não poderá:


a) inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;


b) receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;


c) participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;


d) obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;


e) obter passaporte ou carteira de identidade;


f) renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;


g) praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.”


O legislador optou por punir rigorosamente aqueles que se abstém de votar. Diversas penalidades e algumas bem pesadas, como não poder estar investido em cargo ou função pública.


Assim, por um lado o cidadão possui o direito ao sufrágio, e por outro, é coagido a votar. É obrigado a se locomover até as seções eleitorais nem que seja apenas para votar em branco. O caráter contraditório direito-coação do sufrágio é uma de suas características mais interessantes.


Resta saber se o sufrágio nestes moldes é condizente com a realidade brasileira e os anseios de uma nação cidadão. A legitimidade da corrente estrutura depende se ela é um instrumento eficaz de cidadania e colabora com o estabelecimento e aperfeiçoamento da democracia.


3 O CONCEITO DE CIDADANIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CIDADANIA


A cidadania é uma qualidade que torna uma pessoa membro da sociedade, com poder de participar das decisões e do futuro desta. Possui como requisitos a nacionalidade brasileira e o exercício dos poderes políticos, e compreende o sufrágio – objeto do presente trabalho – e a elegibilidade. Todos que possuem a qualidade, o status de cidadão, são iguais em direitos e deveres perante a sociedade.


A teoria sobre a cidadania do sociólogo T.H Marshall é apontada pelos estudiosos como a mais influente da cidadania moderna. Em sua conferência seminal ministrada nos anos 40, ele lecionou:


“A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida” (MARSHALL, 1967, p.76).


A cidadania compreende o direito de votar e o direito de ser eleito representante popular. Desse modo, apenas é cidadão o nacional que esteja em dia com suas obrigações eleitorais, e tenha se listado, e possa, assim, exercer tais atos. Ressalta-se que ambos são direitos públicos subjetivos, sendo o primeiro ativo e o último passivo.


A respeito do acima explanado:


“A cidadania compreende: o direito de votar, ius sufragii, direitos públicos políticos subjetivos ativos, e o direito de ser votado, ius honorum, direitos públicos subjetivos passivos. Os direitos de cidadania se adquirem mediante o alistamento eleitoral na forma da lei, pois somente de posse do título eleitoral a pessoa adquire o status jurígeno legal de cidadão. É preciso insistir também no fato de que o direito de cidadania é muito amplo, abrangendo uma universalidade de direitos e deveres conquistados ao longo da história, que refletem a plenitude de se exigir do Estado prestações positivas e se defender do arbítrio” (RAMAYANA, 2005, p. 20).


Estudiosos e cientistas sociais observam que a participação política e a democracia exigem algumas condições objetivas e subjetivas. O cientista social Daniel Júnior (2008, p. 30) acerca das primeiras, que são jurídicas, sociais e econômicas, elenca duas condições: a “existência de leis que assegurem a todos a liberdade e o direito de participar, emitindo suas opiniões e defendendo seus interesses com a garantia de não sofrerem nenhum tipo de represália” e uma igualdade econômico social que permite aos cidadãos o acesso aos seus direitos individuais e sociais, e ao conhecimento.


A respeito desta última condição, leciona:


“Nas sociedades em que as desigualdades são muito grandes e, por conseqüência, a maioria da população precisa conviver com a miséria, o desemprego, a discriminação, a falta de educação e saúde etc., os direitos civis e políticos se transformam em mero formalismo, letras destituídas de qualquer conteúdo concreto” (DANIEL JÚNIOR, 2008, p. 30).


As condições subjetivas são: o saber crítico, ou melhor, o saber que possibilita o conhecimento da realidade; e a ética, que não permite o desvio de finalidade e enseja a prática daquilo que é melhor para a coletividade.


Destarte, as condições objetivas sozinhas não garantem sozinhas a cidadania. Esta prescinde das condições subjetivas, pois aquelas podem ser burladas, sabotadas e transformadas se os indivíduos não as derem o devido valor nem as preservarem.


A cidadania no cenário jurídico atual se estabeleceu como um direito do homem. Ninguém deve ser excluído do status da cidadania, como eram os escravos, por exemplo, senão por critérios justos e objetivos.


Neste contexto, como todo direito do homem, ela decorre de fenômenos históricos e é variável. Não é um direito irredutível que uma vez alcançado não pode ser restrito. É possível que a cidadania seja restrita no futuro e, conseqüentemente, a democracia seja mitigada.


No mesmo sentido é o entendimento de Bobbio (2004, p.38):


“Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou; e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental e outras épocas e em outras culturas.”


Como todo direito do homem, a cidadania também representa uma conquista que se deve proteger sob pena de perdê-la. Observou Bobbio (2004, p.25):


Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. […]


A liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos.”


Desse modo, vislumbra-se que a cidadania decorre de um processo social. Um direito humano construído aos poucos por meio do amadurecimento da sociedade, em virtude da luta de movimentos de excluídos.


Resta conceituar e definir políticas públicas. As políticas públicas são ações do Estado-Administração que visam atender ao interesse público e conceder eficácia a direitos abstratos.


O seu campo epistemológico é rico e amplo, envolvendo diversas ciências e seu campo de interesse também abriga diversas matérias jurídicas, como Constitucional, Teoria do Estado, Administrativo, Financeiro e outros. Bucci (2006, p.1), estudioso do tema, destaca:


“As políticas públicas constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública. Seu campo de interesse – as relações entre a política e a ação do Poder Público – tem sido tratado até hoje, na Ciência do Direito, no âmbito da Teoria do Estado, do direito constitucional, do direito administrativo ou do direito financeiro. Na verdade, o fenômeno do direito, especialmente o direito público, é inteiramente permeado pelos valores e pela dinâmica da política”.


Acerca da classificação das políticas públicas, a doutrina aponta três conjuntos principais: políticas públicas preventivas – as ações governamentais que evitam desigualdades; políticas públicas compensatórias – que visam compensar desequilíbrios existentes; e políticas públicas strictu sensu – que intentam distribuir renda de benefícios.


“Propõe-se o estudo de três conjuntos específicos de políticas classificadas como preventivas, compensatórias e social strictu sensu. Por políticas preventivas entende-se o conjunto de medidas governamentais que, se bem adequadas, deveriam, no limite, produzir o mínimo de desigualdades sociais. Por políticas compensatórias são entendidas aquelas medidas destinadas a remediar desequilíbrios gerados pelo processo de acumulação. Finalmente, políticas sociais strictu sensu são aquelas explicitamente orientadas, ao menos em intenção, para a redistribuição de renda e de benefícios sociais” (DOS SANTOS, 1994, p.52).


Destarte, as políticas públicas de cidadania, ações por parte do Estado-Administração que visam dar eficácia real ao direito de cidadania, são um misto dos três tipos de políticas públicas sociais: strictu sensu, preventivas e compensatórias. Isto ocorre devido sua grande importância e pelo fato de serem orientadas para garantir os benefícios do exercício de todos os direitos e deveres de cidadania a todos os cidadãos. Previnem desigualdades sociais, remediam desequilíbrios de direitos e deveres e visam uma redistribuição mais equânime da renda e benefícios sociais. Facilmente se nota a grande importância de seu estudo.


Analisar a adequação do sufrágio no Brasil como instrumento de política pública de cidadania é verificar se este está de acordo com a orientação dos princípios constitucionais e se auxilia na obtenção do Estado Democrático de Direito. Já se demonstrou a grande importância do exercício do poder popular por meio do sufrágio, não é difícil notar a necessidade deste direito político ser regulado da melhor maneira possível.


4 A RELAÇÃO ENTRE A CONTRADIÇÃO DIREITO-COAÇÃO DO SUFRÁGIO NO BRASIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CIDADANIA


O objetivo geral do presente trabalho, conforme foi exposto na introdução, é compreender a contradição direito-coação do sufrágio brasileiro e seus efeitos em relação à cidadania. Empenha-se em verificar se a referida contradição é um instrumento condizente de cidadania. Logo, é primordial que se estabeleça a relação entre o sufrágio nos moldes atuais e as políticas públicas de cidadania.


Os direitos sociais, como a cidadania, no contexto jurídico contemporâneo, visam garantir uma maior igualdade social e econômica entre as classes sociais. Consoante ao exposto no capítulo anterior, a cidadania e a democracia exigem o acesso dos cidadãos ao conhecimento e aos seus devidos direitos.


“O objetivo dos direitos sociais constitui ainda a redução das diferenças de classe, mas adquiriu um novo sentido. Não é mais a mera tentativa de eliminar o ônus evidente que representa a pobreza nos níveis mais baixos d sociedade. Assumiu o aspecto Fe cão modificando o padrão total da desigualdade social. Já não se contenta mais em elevar o nível do piso do porão do edifício social, deixando a superestrutura como se encontrava antes. Começou a remodelar o edifício inteiro e poderia até acabar transformando um arranha-céu num bangalô. È, portanto, importante considerar-se se tal objetivo final se encontra implícito na natureza desse desenvolvimento ou de, como assinalei acima, há limites naturais à tendência contemporânea para uma maior igualdade social e econômica” (MARSHALL, 1967, p.88 e 89).


Em relação ao processo histórico de estabelecimento da democracia e da cidadania no Brasil, pode-se afirmar que ele ainda está em curso no país. Não se observa saudade do período da ditadura militar, contudo, a crença na democracia representativa está em baixa.


A incapacidade dos governos democráticos do pós-ditadura em garantir e sustentar a distribuição de renda, o crescimento econômico e o amadurecimento das instituições ocasionou a descrença na classe política.


“Percorremos um longo caminho, 178 anos de história do esforço para construir o cidadão brasileiro. Chegamos ao final da jornada com a sensação desconfortável de incompletude. Os progressos feitos são inegáveis mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda falta percorrer. O triunfalismo exibido nas celebrações oficiais dos 500 anos da conquista da terra pelos portugueses não consegue ocultar o drama dos milhões de pobres, de desempregados, de analfabetos e semi-analfabetos, de vítimas da violência particular e oficial. Não há indícios de saudosismo em relação à ditadura militar, mas perdeu-se a crença de que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade” (CARVALHO, 2004, p. 219).


Outra característica peculiar é a desvalorização do Poder Legislativo e a valorização exacerbada do Poder Executivo. A população encara, em regra, a classe política como um antro de larápios que ao invés de lutarem pelo país, apenas desejam satisfazer pretensões pessoais. Perdeu-se a crença de que os políticos, principalmente os do Poder Legislativo, possam resolver a mazelas da nação.


Os cidadãos se sentem acuados e muitos preferem votar em algum político que garanta algum benefício imediato. A política nacional corre o risco de se tornar um mercado de troca de favores em que os políticos e os eleitores lutam tão-somente em angariar mais benefícios e consolidar os existentes.


“Uma conseqüência importante é a excessiva valorização do Poder Executivo. Se os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em que o Legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a imagem, para o grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo aparece como ramo mais importante do poder, aquele do qual vale a pena aproximar-se” (CARVALHO, 2004, p.221).


Carvalho (2004, p.222) complementa: “A contrapartida da valorização do Executivo é a desvalorização do Legislativo e de seus titulares, deputados e senadores. As eleições legislativas sempre despertam menor interesse do que as do Executivo”.


A nova ordem constitucional instaurada com a Constituição Federal de 1988 ajudou a reforçar os interesses corporativos. A sociedade mal organizada não faz frente aos interesses corporativos. A representação política não procura resolver os grandes problemas sociais.


“A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos consigam prevalecer. A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o deputado apóia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores. Cria-se uma esquizofrenia política: os eleitores desprezam os políticos, mas continuam votando neles na esperança de benefícios pessoais” (CARVALHO, 2004, p. 224).


Diversos estudos nacionais e internacionais apontam que as pessoas não participam politicamente em peso quando possuem a faculdade de votar. Há grande desinteresse e desinformação da maioria dos eleitores. Tal fato não é interessante ao interesse público e à democracia, pois fortalece ainda mais a prevalência dos direitos corporativos.


“Vale a pena comentar a dimensão ‘participação política’. Tomando por base a vasta maioria dos estudos eleitorais nos Estados Unidos e na Europa, é possível concluir, como já se concluiu, que o desejo de participar politicamente não é um bem desejado pela comunidade humana, em sua grande maioria, por isso mesmo os resultados de razoável número de pesquisas revelam a total desinformação e desinteresse da maioria dos cidadãos” (DOS SANTOS, 1994, p.49).


O Instituto Datafolha realizou uma pertinente pesquisa em âmbito nacional acerca do Voto Obrigatório, em 21 e 22 de agosto de 2006, e constatou que se o voto fosse facultativo, metade do eleitorado se absteria de votar. Foram ouvidos no total 6279 eleitores brasileiros, em 272 municípios do país. A pergunta não foi feita para os eleitores com idade entre 16 e 17 anos e para os que têm mais de 70 anos porque, para eles, o voto é facultativo. Assim, os resultados se referem a eleitores com idade entre 18 e 69 anos (5917 entrevistados).


Acerca do voto obrigatório, 50% são contrários e 45% são a favor. Percebeu-se com a pesquisa que cada vez mais, em uma singela variação, ressalta-se, as pessoas são favoráveis ao voto obrigatório: em 1994, 42% eram a seu favor; em 1998, 44%; e em 2006, 45% dos entrevistados.


Destarte, sem embargo desse pequeno crescimento do percentual a favor do voto obrigatório, a tendência é a participação política diminuir muito se o caráter coação do sufrágio não se mantiver. O Brasil é um país que ainda tem poucos anos de democracia, haja vista os tempos da ditadura militar serem recentes, e não é interessante diminuir a participação política dos cidadãos.


A cidadania é a instituição através da qual se realiza a democracia e sem a qual a democracia efetivamente não existe. É fundamental que os cidadãos passem um longo período de tempo exercendo o sufrágio para que se adaptem ao processo eleitoral e este evolua. Após houver um amadurecimento eleitoral, com o interesse público mais presente na vida política, que se deve discutir a viabilidade de eliminar o elemento coação do sufrágio brasileiro e deixá-lo facultativo. Deve-se privilegiar no momento a ordem social.


Bobbio (2004, p.42) alegava que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. Deve-se proteger a democracia, a ordem social e o modelo de participação política até que estes se tornem valores intrínsecos à sociedade brasileira.


O sufrágio brasileiro se mostra eficaz como instrumento de cidadania e consoante com as políticas públicas de cidadania, haja vista que colabora com a ordem social. Esta é um direito social importantíssimo que deve ser reconhecido e protegido. As discussões acerca da não obrigatoriedade e coação do voto devem ser adiadas.


5 CONCLUSÃO


O sufrágio é um direito basilar em uma sociedade democrática, assim como a cidadania. Desse modo, o estudo da eficácia do sufrágio brasileiro como meio de inclusão cidadã é de grande interesse social. Não basta adotar as medidas tomadas no exterior, onde o voto é facultativo, deve-se adaptá-las à realidade nacional.


O objetivo geral deste trabalho foi exatamente avaliar se o modelo atual de sufrágio, de caráter contraditório direito-coação, é uma eficaz política pública de cidadania. Se ele está condizente com os anseios sociais por uma sociedade mais justa, livre e igualitária.


Demonstrou-se como se dá a contradição direito-coação no Brasil moderno, apontando as variadas medidas punitórias previstas. Conceituou-se cidadania e políticas públicas, enfatizando o entendimento dos grandes estudiosos no assunto. Por fim, relacionou-se o aspecto direito-coação com as políticas públicas que visam estabelecer e garantir a cidadania.


Pesquisas nacionais e internacionais demonstram que as pessoas não participam politicamente em peso quando possuem a faculdade de votar, ou melhor, quando não existe a obrigação de votar. O desinteresse e a desinformação reinam e a maioria dos eleitores se abstém de votar. Tal fato não é interessante à consolidação da democracia e da cidadania no país.


Em vista do período democrático no país ser pequeno ainda, e a democracia não estar consolidada, percebe-se que o sufrágio como direito-coação se encaixa nas necessidades atuais de garantir e firmar a ordem democrática. Discussões acerca da alteração do aspecto coação, com a conseqüente aproximação ao modelo dos países ocidentais desenvolvidos, devem ser adiadas para um momento em que a cidadania, a democracia e a ordem social estiverem consolidadas.


 


Referências

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DOS SANTOS, Wanderley Guilherme. A Política Social na Ordem Brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

DUARTE, Eduardo Damian. Noções de Direito Eleitoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2007.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2008. 2. ed. Livros I, II e III.

ROZICKI, Cristiane. Cidadania: reflexo da participação política. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/>. Acesso em 10 de maio de 2008.


Informações Sobre o Autor

Renan Pinto Teixeira

Analista Judiciário – área judiciária do TRT da 2ª Região. Bacharel em Direito


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