Resumo: Trata o presente trabalho da demonstração da ilegalidade das aplicações da Tabela Price. Após tratar de alguns conceitos da ciência matemática que permitem obter uma clara noção da utilização dos juros, bem como suas classificações, é possível constatar o fenômeno da capitalização composta de juros como incidência de juros sobre juros. Ciente de tal fenômeno, observa-se que o termo anatocismo, prática rechaçada no âmbito de proteção comercial, exerce uma relação sinonímia com capitalização composta de juros, tendo maior utilização no âmbito jurídico. Feitas essas considerações, demonstra-se como surge a chamada Tabela Price, também conhecido Sistema Francês de Amortização, que recebeu, no Brasil, o nome de seu desenvolvedor, o reverendo presbiteriano Richard Price. Da análise de trechos da obra do próprio Richard Price, fica clara a construção da tabela com base em juros compostos, à época utilizada em sistemas atuariais. Não bastando as afirmações do próprio desenvolvedor do Sistema Francês de Amortização, é possível partir da análise de economistas que comprovam matematicamente a existência do fenômeno da capitalização composta de juros no uso da Tabela Price como sistemática de amortização de financiamentos. Alcançadas essas conclusões, é possível enquadrar a Tabela Price nas hipóteses do Decreto 22.626/33, conhecida Lei da Usura, e sua proibição à incidência de juros sobre juros (capitalização composta de juros, anatocismo) nos contratos de financiamentos em prazo inferior ao anual. Constata-se, também, tentativas malogradas de minguar a eficácia do referido normativo, que, entretanto, continua em plena vigência, conforme o entendimento dos Tribunais. Além das disposições na lei da Usura, é possível verificar a incongruência da Tabela Price em face dos princípios de proteção ao consumidor. Sendo certo que a utilização de crédito é valioso instrumento de ascensão social, fica claro que a aplicação da Tabela Price, a seu turno, proporciona ganhos elevados e injustificados às instituições financeiras, e, em contrapartida, onera sobremaneira o devedor que por vezes é altamente lesado. Portanto, não obstante as discussões quanto à legalidade da Tabela Price, faz-se necessário refletir sobre sua moralidade, buscando meios para tolher sua aplicação indiscriminada.
Palavras-chave: Tabela Price. Capitalização composta de juros. Anatocismo. Lei da Usura. Decreto 22.626/33.
Sumário : 1. Dos juros e do anatocismo. Histórico, conceitos e classificações. 1.1. Breve histórico. 1.2. Conceito e classificações. 1.2.1. Juros simples e compostos. 1.3. Capitalização de juros. 1.4. Anatocismo. 2. Dos sistemas de amortização. 2.1. Conceito de amortização. 2.2. Do sistema de amortização constante. 2.3. Do sistema de amortização misto. 2.4. Da tabela price, ou sistema francês de amortização. 2.4.1. Breve biografia de Richard Price. 2.4.2. Contexto histórico da época de Price. 2.4.3. Conceituação do sistema francês de amortização, ou Tabela Price. 2.5. A tabela price e a questão da capitalização composta de juros (anatocismo). 3. Tabela price. A prática do anatocismo e suas implicações jurídicas. 3.1. O decreto 22.626/33 – Lei da Usura. 3.1.1. Conceito de usura. 3.1.2. Do contexto histórico da edição do Decreto 22.626/33. 3.1.3. A vigência do Decreto 22.626/33. 3.2. A tabela price e o art. 4º do Decreto 22.626/33. 3.3. A tabela price e o art. 6º do Decreto 22.626/33. 3.4. A tabela price sob a ótica dos artigos 5º, XXXII, 170, V, da Constituição Federal, e do Código de Defesa do Consumidor. 3.5. Os efeitos devastadores da capitalização composta de juros no cidadão brasileiro. O crédito como instrumento de ascensão. 4. Conclusões.
1. Dos juros e do anatocismo. Histórico, conceitos e classificações.
1.1. Breve histórico.
Desde remotas eras, a remuneração pelo capital emprestado é assunto cotidiano. Portanto, registros históricos farão notícia do fenômeno do empréstimo de valor pecuniário em troca de ganhos ou lucro.
A Bíblia já traz normas em que se rechaça e limita o empréstimo de dinheiro visando lucro por juros, como exemplo o livro do Êxodo, capítulo 22, versículo 25, “se emprestares dinheiro ao meu povo, ao atribulado ao teu lado, não deves tornar-te como agiota para ele. Não lhe deves impor juros”[1].
Nesse sentido, desde os primórdios da humanidade vê-se o uso dos empréstimos remunerados por juros, corriqueiramente de forma abusiva por aqueles que detinham grande poder econômico.
Já se há notícias da sistematização de empréstimo remunerado por juros no código de Hamurabi, em 1700 a.C., que autoriza a prática. O Talamude permitia a prática entre judeus e estrangeiros e entre judeus sócios. O código de Justiniano, em 531 d.C., admitia os juros ao limite de 33% ao ano, considerando-se os riscos. Em 1228, Jaime I, rei da Inglaterra e Irlanda, limitou os juros a 20% ao ano e proibiu a composição de juros. (ATALLI, 2003, p. 65, 130, 150, 232)
Em 1800, Napoleão Bonaparte cria o Banque de France, editando em 1803 seu regulamento. Sua política de crédito proibia toda pessoa física a exercer a profissão de prestamista, exceto com a criação de bancos. (ATALLI, 2003, p. 370).
Em todas as épocas é patente que sempre houve uma preocupação em se limitar as elevadas taxas de juros praticadas, e, em contrapartida, encontraram-se formas de burlar as limitações, o que não fora diferente com o Brasil.
Com o Alvará de 5 de maio de 1810, expedido pelo então Príncipe Regente D. João VI, permitia-se a cobrança de prêmio pelo empréstimo de dinheiro para o comércio marítimo, justificado pelo risco que a atividade representava. (SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 44).
As Ordenações Filipinas, vigorando no Brasil, permitia a rescisão de contratos quando presente o “engano além da metade do preço justo” – livro 4, título 13. Contudo, o Código Civil de 1916, seguindo os ideais do liberalismo capitalista, adotou a autonomia da vontade contratual, em que as partes poderiam convencionar o valor que bem lhes aprouvesse, mesmo que acima do limite legal.
Em virtude da crise econômica do café, em 1922, o argumento dos comerciantes era de que a alta remuneração do capital impedia o crescimento econômico do país, produção e geração de empregos.
Dentre essas e outras preocupações, surge o Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, ainda em vigor, que dispõe sobre os juros nos contratos, limitando os juros a 1% ao mês, art. 1º e 4º, e proibindo a prática da incidência de juros sobre juros mensalmente, contudo permitindo-a de forma anual.
Com a promulgação da Constituição da República de 1988, volta-se a limitar as taxas de juros a 12% ao ano, nos termos da antiga redação do art. 192, § 3º, inclusive taxando como crime de usura a cobrança acima do limite especificado, como se depreende de sua leitura, verbis:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (…)
§ 3º – As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”
Pela edição da Emenda Constitucional nº 40/2003, revogou-se o preceito constitucional citado. Entretanto, mesmo ante a limitação constitucional, o § 3º do art. 192, CF, estava fadado ao ostracismo, uma vez que, por tratar-se de norma de eficácia limitada, dependia de posterior regulamentação, regulamentação essa que, até sua revogação em 2003, não sobreveio. Nesse sentido, firmou entendimento o Supremo Tribunal Federal, nos termos da fundamentação da Adin nº 04/DF, de relatoria do Ministro Sydney Sanches, publicado no Diário da Justiça de 25.06.1993, cuja ementa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA DE JUROS REAIS ATÉ DOZE POR CENTO AO ANO (PARAGRAFO 3. DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). (…)
5. COMO O PARECER DA CONSULTORIA GERAL DA REPUBLICA (SR. N. 70, DE 06.10.1988, D.O. DE 07.10.1988), APROVADO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUMIU CARÁTER NORMATIVO, POR FORÇA DOS ARTIGOS 22, PARAGRAFO 2., E 23 DO DECRETO N. 92.889, DE 07.07.1986, E, ADEMAIS, FOI SEGUIDO DE CIRCULAR DO BANCO CENTRAL, PARA O CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR A CONSTITUIÇÃO DE 1988 (E NÃO DO PARAGRAFO 3. DO ART. 192 DESTA ÚLTIMA), PODE ELE (O PARECER NORMATIVO) SOFRER IMPUGNAÇÃO, MEDIANTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR SE TRATAR DE ATO NORMATIVO FEDERAL (ART. 102, I. “A”, DA C.F.). 6. TENDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NO ÚNICO ARTIGO EM QUE TRATA DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (ART. 192), ESTABELECIDO QUE ESTE SERÁ REGULADO POR LEI COMPLEMENTAR, COM OBSERVANCIA DO QUE DETERMINOU NO “CAPUT”, NOS SEUS INCISOS E PARAGRAFOS, NÃO E DE SE ADMITIR A EFICACIA IMEDIATA E ISOLADA DO DISPOSTO EM SEU PARAGRAFO 3., SOBRE TAXA DE JUROS REAIS (12 POR CENTO AO ANO), ATÉ PORQUE ESTES NÃO FORAM CONCEITUADOS. SÓ O TRATAMENTO GLOBAL DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, NA FUTURA LEI COMPLEMENTAR, COM A OBSERVANCIA DE TODAS AS NORMAS DO “CAPUT”, DOS INCISOS E PARAGRAFOS DO ART. 192, E QUE PERMITIRA A INCIDENCIA DA REFERIDA NORMA SOBRE JUROS REAIS E DESDE QUE ESTES TAMBÉM SEJAM CONCEITUADOS EM TAL DIPLOMA. 7. EM CONSEQUENCIA, NÃO SÃO INCONSTITUCIONAIS OS ATOS NORMATIVOS EM QUESTÃO (PARECER DA CONSULTORIA GERAL DA REPUBLICA, APROVADO PELA PRESIDENCIA DA REPUBLICA E CIRCULAR DO BANCO CENTRAL), O PRIMEIRO CONSIDERANDO NÃO AUTO-APLICAVEL A NORMA DO PARAGRAFO 3. SOBRE JUROS REAIS DE 12 POR CENTO AO ANO, E A SEGUNDA DETERMINANDO A OBSERVANCIA DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR A CONSTITUIÇÃO DE 1988, ATÉ O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR REGULADORA DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. 8. AÇÃO DECLARATORIA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE, POR MAIORIA DE VOTOS. (ADI 4, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/1991, DJ 25-06-1993 PP-12637 EMENT VOL-01709-01 PP-00001)”
Portanto, a legislação atual corrobora com a liberdade irrestrita de fixação das taxas de juros, no que concerne as instituições financeiras, como se depreende de vários diplomas legislativos, dentre os quais cito a Lei 4.595/64 e a Medida Provisória 2.170-36, de 23.08.2001, essa última objeto de indagações em outro capítulo.
1.2. Conceito e classificações. .
O conceito etimológico da palavra juros é delimitado como “direito, como corruptela do latim jus, juris” (CUNHA, 1996, P. 78 apud SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 49).
Ainda, Scavone Júnior aduz que:
“Aplicado no plural – juros –, exprime os interesses, ganhos ou lucros que o detentor do capital aufere pela inversão, ou seja, pelo uso por alguém que não possui o capital.(…)
Acorde com a clássica e sempre acolhida lição de Washington de Barros Monteiro, “juros são o rendimento do capital, os frutos produzidos pelo dinheiro. Assim como o aluguel constitui o preço correspondente ao uso da coisa infungível no contrato de locação, representam os juros a renda de determinado capital. De acordo co o art. 60, do Código Civil [de 1916], entram eles na classe das coisas acessórias.” (MONTEIRO, 1999, p. 345 apud SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 49)
Portanto, a inversão do capital gera um acessório, previamente acordado, que garante a remuneração ou lucros auferidos pelo detentor do capital. Está relacionado intimamente com dois fatores: a remuneração do credor e o risco envolvido na operação.
Os juros se classificam como, quanto à origem, convencionais ou legais, quanto ao fundamento, compensatórios ou moratórios, e quanto à capitalização, simples ou compostos, sendo que, comumente, as espécies interagem entre si.
Os juros legais são aqueles devidos por força de lei, independentemente da convenção entre as partes, e podem ser moratórios ou compensatórios. Nas palavras de Serpa Lopes (2000, p.69):
“Os juros legais são aqueles que, por uma razão de equidade, a lei estabelece para certos e determinados casos. Com já o dissemos, dividem-se em moratórios e compensatórios; essa distinção e conceitualmente admissível em nosso direito positivo, onde ela se mostra patente. Mesmo que assim não fora, é inquestionável que, em certos casos, a obrigação ex lege exige o reconhecimento da mora, enquanto, em outras, se funda simplesmente sobre a utilidade daquele que, ou efetivamente ou presumivelmente, segundo a ordem normal das coisas, está privado de um patrimônio.”
Os juros convencionais, segundo Scavone Júnior (2007, p. 96), “são devidos em razão da manifestação volitiva das partes em função da prática de um negócio jurídico. Em outras palavras, decorrem da mora na restituição do capital ou da compensação pelo uso do capital de outrem e, principalmente, da contratação do pagamento de juros.”
Quanto ao fundamento, os juros compensatórios são aqueles devidos em razão da utilização do capital pelo devedor na medida em que se colhem frutos do valor empregado, podendo ser legais ou convencionais, enquanto os juros moratórios, também convencionais ou legais, decorrem do descumprimento das obrigações e retardamento na restituição do capital.
Por fim, quanto à capitalização, frisando que capitalização de juros nada tem que ver com a incidência de juros sobre juros, os juros simples, ou lineares, são aqueles empregados apenas sobre o capital inicial, sem incidência sobre os valores nominais acumulados. Em mão inversa, a capitalização composta de juros é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Nesse regime de capitalização a taxa varia exponencialmente em função do tempo.” (VIEIRA SOBRINHO, 2000, p. 34).
Vale ressaltar que as conceituações supra servem apenas ao fim de dar uma noção geral dos juros, com o intuito de familiarização com o tema discutido. Contudo, sobre a classificação dos juros quanto à capitalização, será abordada de maneira mais específica em momento oportuno.
1.2.1. Juros simples e compostos.
Para uma melhor compreensão do tema, faz-se necessário tecer breves considerações, que, longe de esgotar o assunto, nos dará uma visão ampla sobre as diferenças entre juros compostos e juros simples.
Por juros simples temos a aplicação de determinada taxa, expressa em um percentual, num valor principal, que podemos chamar de capital inicial, ou aplicado.
Como ensina Samanez (2002, p. 2):
“No regime de juros simples os juros de cada período são calculados sempre sobre o mesmo principal. Não existe capitalização de juros nesse regime, pois os juros de um determinado período não são incorporados ao principal para que essa soma sirva de base de cálculo dos juros do período seguinte. Consequentemente, o capital crescerá a uma taxa linear e a taxa de juros terá um comportamento linear em relação ao tempo. Nesse regime a taxa de juros pode ser convertida para outro prazo qualquer com base em multiplicações e divisões, sem alterar seu valor intrínseco, ou seja, mantém a proporcionalidade existente entre valores realizáveis em diferentes datas. A aplicação dos juros simples é muito limitada. Tem algum sentido em um contexto não-inflacionário e no curtíssimo prazo.”
Nesse contexto, o cálculo dos juros simples se dá pela seguinte fórmula:
J = P x i x n
Onde “J” é o valor dos juros ganhos, “P” representa o valor da aplicação, ou capital inicial, “i” é a taxa de juros aplicável na operação e “n” é o prazo pelo qual é utilizado o valor aplicado.
No que concerne ao regime de juros compostos, escreve o citado autor:
“O regime dos juros compostos é o mais comum no dia-a-dia, no sistema financeiro e no cálculo econômico. Nesse regime os juros gerados a cada período são incorporados ao principal para o cálculo dos juros do período seguinte. Ou seja, o rendimento gerado pela aplicação será incorporado a ela, passando a participar da geração do rendimento no período seguinte; dizemos, então, que os juros são capitalizados. Chamamos de capitalização o momento em que os juros são incorporados ao principal. No regime de juros simples não há capitalização, pois apenas o capital inicial rende juros”. (SAMANEZ, 2002, p. 15)
No regime compostos, como se observa, incorporam-se os juros ao capital aplicado, gerando, pois, um montante que resulta dessa aplicação. Para se vislumbrar a exponenciação, ou dos juros pela sistemática composta, basta observar a fórmula de que nos valemos para seu cálculo, qual seja:
S = P (1 + i)n
Em que “S” representa o montante resultante da aplicação do principal, “P” o valor principal aplicado, “i” a taxa referencial de juros e “n” o prazo pelo qual o capital inicial fora aplicado. Nesse aspecto, observamos que o tempo serve como expoente para a multiplicação da base, no caso sendo a taxa de juros, por ela mesma tantas vezes quanto indicar o prazo.
Passemos, pois, a analisar como se dá a capitalização pela sistemática dos juros compostos e pela forma simples. Contudo, antes, faz-se necessário delinear no que consiste a capitalização.
1.3. Capitalização de juros.
Luiz Antônio Scavone Júnior (2007, p. 178) entende que se constata atecnia no uso do termo “juros capitalizados”, no sentido de que a capitalização de juros, por si só, não é sinônimo de juros sobre juros (juros compostos ou anatocismo).
Para tanto distingue a capitalização de juros da forma composta e da forma simples. Note-se que, conforme demonstrado, a sistemática de juros simples, por natureza, não capitaliza juros. Portanto, o que se tem é a capitalização de juros compostos e a capitalização de forma simples, pelo simples ingresso patrimonial decorrente da aplicação de um percentual em função do tempo.
Nesse sentido, leciona:
“Portanto, capitalização de juros é gênero do qual são espécies: capitalização simples (ou linear) e capitalização composta (exponencial ou juros sobre juros).
Sendo assim, a taxa de juros varia linearmente em razão do prazo. Por exemplo: os juros de 1% ao mês aplicados a um determinado capital, pelo prazo de vinte meses, resultam 20% de juros; sobre trinta e seis meses, 36% de juros e assim sucessivamente.(…)
Por outro lado, a capitalização composta é “aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Nesse regime de capitalização a taxa varia exponencialmente em função do tempo” (VIEIRA SOBRINHO, 1997, p. 34 apud SCAVONE JÚNIOR, 2007, p.180)
Portanto, embora não seja objeto principal do presente trabalho oferecer conceitos pertencentes à ciência Matemática, faz-se necessário trazer à baila alguns apontamentos de suma importância para a aferição de juros sobre juros, e, consequentemente, ter a nítida noção do que está açambarcado pelas proibições legais atinentes aos juros.
O primeiro desse conceitos é o de capitalização de juros. Esse instituto é mencionado na grande maioria das doutrinas matemáticas e jurídicas simplesmente como a incorporação dos juros (acessório) no capital inicial.
Contudo, em consulta a outros volumes de Matemática Financeira, foi possível pinçar conceitos mais abrangentes, como os que se descreve abaixo:
“Do ponto de vista matemático, a capitalização é uma operação que tem por fim a pesquisa e a pacificação das leis que regem, em função do tempo, as relações entre o capital e os juros decorrentes da sua aplicação.
Diz-se que a capitalização se processa a juros compostos quando os juros produzidos em cada período são incorporados ao capital para, por sua vez, produzirem juros nos períodos subsequentes. No caso contrário, isto é, quando os juros produzidos são pagos periodicamente ao capitalista, diz-se que a capitalização se processa a juros simples”. (CAVALHEIRO, 1992, p. 06)
“É a operação que tem por fim a formação, por meio de prestações periódicas e constantes, de um capital. Acima dessas prestações, acrescidas de seus juros correspondentes ao número respectivo de períodos de exigibilidade de cada uma, representa o capital final ou montante atingido.
Dois casos devem ser considerados, nesse gênero de operações, segundo os pagamentos sejam fitos no começo ou no fim de cada período, dizendo-se, no primeiro caso, que são antecipados e, no segundo, posticipados.
O montante atingido, nessas condições, por uma série de prestações, calcula-se facilmente, levando em conta que a primeira prestação, se os pagamentos são antecipados, rende juros durante todo o tempo do contrato, enquanto que, para o caso de pagamentos posticipados, pelo contrário, a primeira prestação, depositada no fim do primeiro período, só começa a render juros a partir do segundo, sendo que a última prestação não rende”. (CAVALHEIRO, 1992, p. 107)
Assaf Neto (2003, p. 22/23) ainda vai mais longe no sentido de apresentar dois regimes distintos de capitalização:
“Podem ser identificados dois regimes de capitalização: contínuo e descontínuo.
A capitalização contínua é um regime que se processa em intervalos de tempo bastante reduzidos – caracteristicamente em intervalo de tempo infinitesimal – promovendo grande frequência de capitalização. A capitalização contínua, na prática, pode ser entendida em todo fluxo monetário distribuído ao longo do tempo e não somente num único instante. Por exemplo, o faturamento de um supermercado, a formação de um equipamento etc. são capitalizações que se formam continuamente, e não somente ao final de um único período (mês, ano).
O regime de capitalização contínua encontra enormes dificuldades em aplicações práticas, sendo pouco utilizado.
Na capitalização descontínua os juros são formados somente ao final de cada período de capitalização. A caderneta de poupança que paga juros unicamente ao final do período a que se refere sua taxa de juros (mês) é um exemplo de capitalização descontínua. Os rendimentos, neste caso, passam a ocorrer descontinuamente, somente um único momento do prazo da taxa (final do mês) e não distribuída pelo mês.
De conformidade com o comportamento dos juros, a capitalização descontínua pode ser identificada em juros simples e juros compostos.”
A capitalização de juros pode se dar da forma simples ou composta, conforme já demonstrado. O que nos importará é a capitalização composta de juros. Contudo, interessante é apontar as diferenças entre as citadas sistemáticas.
Embora a capitalização de juros só se proceda da forma composta, as denominações “capitalização simples” e “capitalização composta” podem causar estranheza e confusão.
Já demonstramos anteriormente que os juros simples não importam, por si, em capitalização de juros. Contudo, os doutrinadores matemáticos tratam da capitalização simples de juros com o intuito de se referir ao valor que se agrega ao capital em decorrência da aplicação dos juros. É o que podemos extrair da lição de Abelardo de Lima Puccini (2002, p. 23)
“A rigor o fenômeno da capitalização de juros só ocorre no regime de juros compostos, onde os juros se transformam em capital e passam a render juros.
Entretanto é comum o emprego da expressão “capitalização simples” para se referir ao crescimento do dinheiro no regime de juros simples”.
Feito esse adendo, passemos a análise da capitalização de juros das formas simples e composta.
Assaf Neto (2003, p. 18) discursa que os juros capitalizados de forma simples são lineares em função do tempo, se comportando como uma progressão aritmética:
“Os critérios (regimes) de capitalização demonstram como os juros são formados e sucessivamente incorporados ao capital no decorrer do tempo. Nessa conceituação podem ser identificados dois regimes de capitalização dos juros: simples (ou linear) e composto (ou exponencial).
O regime de capitalização simples comporta-se como se fosse uma progressão aritmética (PA), crescendo os juros de forma linear ao longo do tempo. Neste critério, os juros somente incidem sobre o capital inicial da operação (aplicação ou empréstimo), não se registrando juros sobre o saldo dos juros acumulados”.
Por progressão aritmética entende-se “uma sucessão de números onde cada termo, considerado a partir do segundo, é exatamente igual ao termo anterior somado a um valor constante” (ASSAF NETO, 2003, p. 436).
Para melhor visualização, iremos nos valer de tabela apresentada pelo Professor Abelardo Puccini (2002, p. 13), num exemplo em que um investidor aplica R$ 1.000,00 em determinado banco pelo prazo de quatro anos, com taxa de juros de 8% ao ano, no regime de capitalização por juros simples:
Sobre esse modelo de aplicação de juros, Assaf Neto (2003, p. 18/19) faz as seguintes considerações:
“Os juros, por incidirem exclusivamente sobre o capital inicial, apresentam valores idênticos ao final de cada ano;
Em consequência, o crescimento dos juros no tempo e linear, revelando um comportamento idêntico a uma progressão aritmética;
Se os juros simples, ainda, não forem pagos ao final de cada anos, a remuneração do capital emprestado somente se opera pelo seu valor inicial, não ocorrendo remuneração sobre os juros que se forma no período;
Como os juros variam linearmente no tempo, a apuração do custo total da dívida no prazo contratado é processada simplesmente pela multiplicação do número de anos pela taxa anual.”
Passemos, pois, a demonstrar o sistema composto de capitalização, o que realmente interessará no decorrer desse trabalho.
No regime de capitalização composta o capital se incorpora aos juros, passando, daí, a produzir novos juros. Como assevera José Dutra Vieira Sobrinho (2000, p. 34):
“Capitalização composta é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Neste regime de capitalização, o valor dos juros cresce em função do tempo.”
Ao contrário da capitalização simples, a sistemática composta se comporta como uma progressão geométrica, “sucessão de números positivos em que a divisão de cada número, a partir do segundo, pelo termo imediatamente anterior, produz sempre o mesmo resultado” (ASSAF NETO, 2003, p. 440).
Para melhor visualizar os efeitos da capitalização composta de juros, utilizamos do mesmo exemplo anterior, trazido por Puccini (2002, p. 15):
Sobre o modelo de capitalização composta de juros, o Professor Assaf Neto comenta (2003, p. 19/20):
“No critério composto, os juros não incidem unicamente sobre o capital inicial, mas sobre o saldo total existente no início de cada ano. Este saldo incorpora o capital inicial emprestado mais os juros incorridos em períodos anteriores;
O crescimento dos juros se dá em progressão geométrica, evoluindo de forma exponencial ao longo do tempo.”
De fato, é fácil observar que a sistematização composta de capitalização de juros onera por demais o devedor. São, pois, essas considerações que nos interessarão a fim de aferir o fenômeno da capitalização de juros em diversas tabelas financeiras, especificamente na Tabela Price.
Contudo, a fim de restar plenamente evidenciada a disparidade, e excessiva onerosidade, da sistemática composta de capitalização de juros frente a capitalização simples, poderemos nos valer, mais uma vez, do exemplo trazido pelo professor Alexandre Asssaf Neto (2003, p. 20), imaginando um empréstimo de $ 1.000,00, pelo prazo de 5 anos e com taxa anual de 10%, cuja tabela comparativa resulta em:
Sobre a tabela acima, o referido autor (ASSAF NETO, 2003, p 20/21), tece as seguintes informações:
“a) No primeiro período do prazo total os juros simples e compostos igualam-se ($ 100,00), tornando também idêntico o saldo devedor de cada regime de capitalização.
Assim, para operações que envolvam um só período de incidência de juros (também denominado de período de capitalização), é indiferente o uso do regime de capitalização simples ou composto, pois ambos produzem os mesmos resultados.
b) A diferença entre os critérios estabelece-se em operações com mais de um período de capitalização. Enquanto os juros simples crescem linearmente, configurando um PA, os juros compostos evoluem exponencialmente, segundo o comportamento de uma PG.
I – No regime composto há uma capitalização dos juros, também entendida por juros sobre juros; os juros são periodicamente incorporados ao saldo devedor anterior e passam, assim, a gerar juros. Quanto maior for o número de períodos de incidência dos juros, maior será a diferença em relação à capitalização simples.”
Nesse passo, fica óbvia a gritante diferença entre os juros devidos em cada sistematização num prazo elevado. Nesse sentido, certamente a capitalização composta de juros oferece maior rentabilidade para o credor e pesada oneração ao devedor.
A partir da considerações feitas, é possível tratar acerca da prática do anatocismo.
1.4. Anatocismo.
Atrelada a idéia de juros sempre houve a de abuso. O que se observa é que desde os atos comerciais em tempos mais remotos, sempre buscava-se coibir práticas abusivas no emprego da remuneração por juros. Como já mencionado, o próprio ordenamento jurídico brasileiro já previu meios de tolher a abusividade no emprego de juros.
De todas as práticas abusivas com questão a utilização de juros, talvez a mais nua e escancarada seja o anatocismo. Principalmente no que diz respeito a financiamentos em instituições financeiras, o anatocismo é praticado às claras e, por incrível, aparente usufruir de uma certa chancela, em especial no âmbito do Poder Executivo.
Preliminarmente, então, passemos a considerar as questões envolvidas com o anatocismo, a fim de entendermos o fenômeno da capitalização composta de juros e a iniquidade que essa representa na vida de muitos cidadãos brasileiros.
Etimologicamente, o termo anatocismo “deriva originalmente do grego que reúne o advérbio a n a (ao longo de, através de, durante) + t o k i z w (emprestar a juros)” (PEREIRA, 1976, p. 72, apud KRUSE, 2005, p. 1).
É possível concluir que a prática do anatocismo nada mais é do que a capitalização composta de juros, ou, popularmente, a incidência de juros sobre juros. Tal termo possui maior utilização na seara jurídica, embora seja plenamente possível admitir um como sinônimo do outro.
Nesse sentido, se manifesta o professor José Jorge Meschiatti Nogueira (2008, p. 18/19):
“É importante destacar que, na disciplina Matemática Financeira, a Capitalização de Juro significa a provocação dos mesmos efeitos do juro sobre juro pela aplicação do Juro Composto. Tal prática em Direito è chamada de anatocismo, palavra universal de etimologia grega, com relação de sinonímia com Juro Composto, um termo mais moderno, que não perde sua essência. Neste aspecto, o trânsito interdisciplinar de seu significado é pleno e consolidado numa única relação de signo. Tal condição é passível de compreensão quando “emprestamos” o conceito da pressuposição recíproca entre as disciplinas da Ciência da Informação e aplicamos para esta terminologia, a fim de constatar que a mobilidade da palavra e seus respectivos sinônimos transitam entre as várias disciplinas sem a perda de seu significado e da sua essência.(…)
Deste modo, quando usamos o termo “Juro Composto” para a disciplina de Matemática Financeira, seu significado, quando transferido para a Ciência Jurídica, retorna para a etimologia original da sonoridade grega, ou seja, “anatocismo”. Mudaram-se apenas a palavra e o som, porém o conceito continuou o mesmo: “ o signo linguístico une não uma coisa a uma palavra, mas um conceito [significado] a uma imagem acústica [significante] (…) Esses dois elementos [conceito e imagem acústica] estão intimamente ligados e um reclama o outro”. (SAUSSURE, p. 1972, p. 80 apud NOGUEIRA, 2008, p. 19)
Portanto, não há o que se indagar. O anatocismo resume-se à capitalização composta de juros, tal como é conhecida na ciência jurídica.
Para tanto, podemos utilizar o exemplo trazido pelo citado doutrinador (NOGUEIRA, 2008, p. 19), quando da pesquisa dos termos “juro composto” ou “anatocismo” no âmbito do sistema Tesauro encontrado no sítio do Superior Tribunal de Justiça.
O referido sistema, como conceituado no próprio sítio do STJ, é um “vocabulário jurídico controlado adotado pela Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para elaboração das informações complementares do acórdão. (…) O Tesauro contém aproximadamente 12.200 conceitos jurídicos”[2].
Ao laçar o argumento de pesquisa “juro composto” ou “anatocismo”, obtêm-se os seguintes resultados de sinônimos:
A fim de não se levantar dúvidas sobre o assunto, é possível conferir as definições da mesma palavra, anatocismo, em diferentes idiomas, senão vejamos (NOGUEIRA, 2008, p. 19/20):
“Em inglês
Anatocism. [L. Anatocismus, Gr.; to lend on inetrest.] (Law) compound interest. [R] – Bouvier.
Compound interest significa Juro Composto.
Em espanhol
Anatocismo: Es la capitalización de los intereses, de modo que sumándos e tales intereses al Capital originario pasan a redituar nuevos intereses. Es denominado también interés compuesto.
Interés compuesto significa Juro Composto.
Em italiano
Anatocismo (dal greco anà – di nuovo, e tokòs – interesse) ; L’interesse dell’interesse, cioe la produzione d’interesse dall’interesse scaduto di uma somma di danaro (interesse composto).
Interesse composto significa Juro Composto.
Em francês
anatocisme: nom masculin (latin anatocismus, intérêt composé, du grec anatokismos).
Intéret composé significa Juro Composto.”
Daí podemos extrair o conceito de anatocismo. Essas considerações preliminares serão de suma importância, posto tratarmos adiante da capitalização composta de juros especificamente no âmbito da utilização do sistema francês de amortização, também conhecido com Tabela Price.
Os Tribunais pátrios vêm decidindo reiteradamente pela ilegalidade da capitalização composta de juros nos contratos de financiamento em geral, especificamente alicerçados no art. 4º do Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933, e na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.
Contudo, faz-se necessário tomar emprestado conceitos pertencentes à ciência Matemática, para, daí, concluir se há ou não capitalização composta de juros, ou anatocismo, nos contratos de financiamento pautados pelo sistema francês de amortização.
Passemos, pois, a tecer breves considerações sobre o dito sistema francês de amortização, ou Tabela Price. Desde o contexto histórico para sua elaboração até o levantamento de hipótese como se há, comprovadamente, a capitalização de juros de forma composta, e, consequentemente, se é possível enquadrá-la nos moldes da Lei da Usura (Decreto 22.626/33).
2. Dos sistemas de amortização.
Uma vez familiarizado com os temas tratados anteriormente, intrinsecamente relacionados à Matemática, é possível passar a considerar a Tabela Price, e como esse instrumento de cálculo de amortizações em financiamentos vem causando polêmica nas mais diversas relações jurídicas.
Contudo, antes de passarmos a essa consideração, nuclear no presente trabalho, passemos a discorrer brevemente sobre os vários sistemas de amortização utilizados nos mais diversos financiamentos no Brasil. Familiarizado com esses sistemas, será possível tratar com mais propriedade da sistemática da Tabela Price.
Com base na maior gama de doutrinas matemáticas, é possível constatar a existência dos seguintes sistemas de amortização:
– Sistema de Pagamento único;
– Sistema de Pagamentos variáveis;
– Sistema Americano;
– Sistema Alemão;
– Sistema Price ou Francês;
– Sistema de Amortização Constante (SAC); e
– Sistema de Amortização Misto (SAM – SAC + Price).
Dos modelos acima retratados, apenas alguns interessam para esse estudo, vez que são de utilização mais ampla nos financiamentos em geral e, basicamente, caracterizam-se pela capitalização composta de juros. Portanto, será dada maior atenção aos seguintes sistemas:
– Sistema de Amortização Constante (SAC);
– Sistema de Amortização Misto (SAM – SAC + Price).
– Sistema Price ou Francês;
Logicamente, por demandar maiores considerações, o sistema francês de amortização, ou Tabela Price, será objeto de análise em momento posterior. Passemos, pois, a considerar as características e peculiaridades de cada um dos sistemas, partindo, pois, da delimitação de um sistema de amortização.
2.1. Conceito de amortização.
Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[3], amortização se define como:
“amortização[4]
Datação
1650 cf. DA
Acepções
■ substantivo feminino
1 ato ou efeito de amortizar(-se)
1.1 Rubrica: contabilidade.
parcela anual retirada pelo proprietário de uma empresa para atender à depreciação de bens ativos (máquinas, equipamentos, móveis etc.)
1.2 Rubrica: economia, termo jurídico.
redução de dívida por meio de pagamento parcial ou gradual acertado entre as partes
1.3 cada um desses pagamentos realizados
Locuções
a. acelerada
Rubrica: economia.
amortização de um ativo (maquinaria, equipamentos etc.) realizada num prazo maior que o de sua vida útil
a. da dívida pública
Rubrica: termo jurídico.
resgate de títulos da dívida pública pelo governo
a. de ações
Rubrica: termo jurídico.
pagamento feito por sociedade anônima ao(s) seu(s) acionista(s) da parte que lhe(s) cabe no acervo líquido da sociedade, implicando a perda do valor patrimonial das ações, enquanto o do capital social permanece intacto
a. negativa
Rubrica: economia.
crescimento do principal de uma dívida que se verifica quando as amortizações (pagamentos) não chegam a cobrir o valor relativo aos juros
a. da dívida pública
Rubrica: termo jurídico.
resgate de títulos da dívida pública pelo governo
a. de ações
Rubrica: termo jurídico.
pagamento feito por sociedade anônima ao(s) seu(s) acionista(s) da parte que lhe(s) cabe no acervo líquido da sociedade, implicando a perda do valor patrimonial das ações, enquanto o do capital social permanece intacto
a. negativa
Rubrica: economia.
crescimento do principal de uma dívida que se verifica quando as amortizações (pagamentos) não chegam a cobrir o valor relativo aos juros
a. de ações
Rubrica: termo jurídico.
pagamento feito por sociedade anônima ao(s) seu(s) acionista(s) da parte que lhe(s) cabe no acervo líquido da sociedade, implicando a perda do valor patrimonial das ações, enquanto o do capital social permanece intacto
a. negativa
Rubrica: economia.
crescimento do principal de uma dívida que se verifica quando as amortizações (pagamentos) não chegam a cobrir o valor relativo aos juros
a. negativa
Rubrica: economia.
crescimento do principal de uma dívida que se verifica quando as amortizações (pagamentos) não chegam a cobrir o valor relativo aos juros
Etimologia
amortizar + -ção; ver mor(t)-“
Amortizar significa, portanto, abater o saldo devedor de um determinado capital. A amortização se caracteriza por ato contínuo de minoração de uma obrigação pecuniária.
Assim como define Carlos Patrício Samanez (2004, p. 207):
“A amortização é um processo financeiro pelo qual uma dívida ou obrigação é paga progressivamente por meio de parcelas de modo que ao término do prazo estipulado o débito seja liquidado. Essas parcelas ou prestações são a soma de duas partes: a amortização ou devolução do principal emprestado e os juros correspondentes aos saldos do empréstimo ainda não amortizados
PRESTAÇÃO = AMORTIZAÇÃO + JUROS
Essa separação permite discriminar o que representa devolução do principal (amortização) do que representa serviço da dívida (juros). Ela é importante para as necessidades jurídico-tributáveis, têm um efeito fiscal.
O termo carência designa o período que vai desde a data de concessão do empréstimo até a data em que será paga a primeira prestação. Em geral, esse período é negociado entre o credor e o mutuário. Qualquer sistema de amortização pode ter, ou não, prazo de carência.”
São, pois, parcelas de trato sucessivo que visam, somadas a remuneração pelo capital envolvido, alcançar a liquidação de operações financeiras por atingir o saldo devedor igual a 0 (zero).
2.2. Do sistema de amortização constante.
Feitas essas breves considerações sobre amortização, passemos, pois, a analisar uma das sistemáticas de amortização de financiamentos, qual seja, o sistema de amortização constante, também conhecido pelo acrônimo SAC.
Tal sistema consiste em um “plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, sucessivas e decrescentes em progressão aritmética (…), em que o valor de cada prestação é composto por uma parcela de juros e outra parcela de capital.” (VIEIRA SOBRINHO, 2000, p. 230).
Segundo Samanez (2004, p. 214):
“Pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), o principal é reembolsado em quotas de amortização iguais. Dessa maneira, diferente da Tabela Price, em que as prestações são iguais, no Sistema SAC as prestações são decrescentes, já que os juros diminuem a cada prestação. A amortização e calculada dividindo-se o valor do principal pelo número de períodos de pagamento. Esse tipo de sistema às vezes é usado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), pelos bancos comerciais em seus financiamentos imobiliários e também, em certos casos, em empréstimos às empresas privadas através de entidades governamentais.”
Para melhor visualizar a aplicação prática da referida sistematização, poderemos utilizar do exercício proposto pelo professor José Dutra Vieira Sobrinho (2000, p. 230/231), em que se busca elaborar um plano de pagamentos, com base no sistema SAC, correspondente a um empréstimo de $ 100.000,00, à taxa de juros de 3% ao mês, a ser liquidado em 10 prestações mensais, cujo resultado é observado na seguinte tabela:
Observe-se que nesse sistema as prestações são decrescentes, sendo apenas a amortização do capital principal envolvido na operação constantes em função do tempo.
Muito se questiona acerca da legalidade da aplicação do SAC em contratos de financiamentos em geral, sob o argumento de que tal sistematização incorreria em capitalização composta de juros, demonstrado sinônimo de anatocismo, e se incluiria no óbice legal da prática prevista no art. 4º do Dec. 22.626/33.
Embora não seja objeto do presente estudo, vale colacionar decisão oriunda do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios sobre o assunto, verbis:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SISTEMA FRANCÊS DE AMORTIZAÇÃO (TABELA PRICE). CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS DEMONSTRADA. DOUTRINA. VEDAÇÃO LEGAL. DECRETO Nº. 22.626/33. ARTIGO 4º. SÚMULA 121 DO STF. ARTIGO 591, CCB/2002. ARTIGO 5º, MP 2.170-35/2001. CONSUMIDOR. PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA INFORMAÇÃO. ARTIGOS 6º, II, 46, 52 E 54, §4º, CDC. SUBSTITUIÇÃO DA TABELA PRICE PELO SAC – SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE. DESCABIMENTO. DOUTRINA. AMORTIZAÇÃO E PRESTAÇÃO. DISTINÇÃO. REGIME DAS RENDAS CERTAS OU DETERMINADAS. ADOÇÃO DO REGIME DA CAPITALIZAÇÃO SIMPLES. CAPITALIZAÇÃO SIMPLES E CAPITALIZAÇÃO COMPOSTA DE JUROS. DISTINÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS. ABUSIVIDADE. PRECEDENTES.(…) 3 – Igualmente ilícita é a substituição da Tabela Price pelo SAC – Sistema de Amortização Constante (Sistema Hamburguês), que também importa a capitalização composta de juros vedada por lei, vez que o cálculo dos juros incide sobre o salvo devedor.(…) (20050111330253APC, Relator CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, julgado em 07/02/2008, DJ 07/04/2008 p. 92).”
2.3. Do sistema de amortização misto.
Trata-se de um sistema misto entre o sistema francês de amortização (sistema Price) e o sistema de amortização constante (SAC). Elaborado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1979. Basicamente, consiste num plano de “pagamentos composto por prestações cujos valores são resultantes da média aritmética dos valores das prestações dos planos SAC e Price, correspondente aos respectivos prazos.” (VIERIA SOBRINHO, 2008, p. 239). As prestações e juros resultam da aplicação da mesma regra.
Segundo complementa Assaf Neto (2003, p. 365):
“O Sistema de Amortização Misto (SAM) foi desenvolvido originalmente para as operações de financiamento do Sistema Financeiro de Habitação. Representa basicamente a média aritmética entre o sistema francês (SAF) ou Price e o sistema de amortização constante (SAC), daí explicando-se a sua denominação. Para cada um dos valores de seu plano de pagamentos, deve-se somar aquelas obtidos pelo SAF com os do SAC e dividir o resultado por dois.”
O professor Assaf Neto (2003, p. 351) lança mão de uma tabela exemplificativa, resultante de um exercício em que se propõe a elaboração de um plano de pagamentos com base no sistema de amortização misto, correspondente a um empréstimo de $100.000,00, a uma taxa de 30% ao ano, a ser liquidado em 10 prestações semestrais:
Segundo explica o referido autor (ASSAF NETO, 2003, p. 351):
“Conforme foi comentado, o SAC determina que a restituição do principal (capital emprestado) seja efetuada em parcelas iguais. Assim, o valor de cada amortização devida semestralmente é calculada pela simples divisão entre o principal ($ 100.000,00) e o número fixado de prestações (1 semestres), ou seja:
Os pagamentos desses valores determinam, como é natural, decréscimos iguais e constantes no sado devedor em cada um dos períodos, ocasionando ainda reduções nos valores semestrais dos juros e das prestações.
Para o cálculo dos juros trabalhou-se, como é mais comum nessas operações de crédito de médio e longo prazos, com a taxa equivalente composta. Assim, para uma taxa nominal de 30% ao ano, conforme considerada no Exemplo Ilustrativo Geral, a taxa equivalente semestral atinge:
Taxa Equivalente
Os juros, por incidirem sobre o saldo devedor imediatamente anterior, apresentam valores aritmeticamente decrescentes, conforme são apuradas na penúltima coluna do Quadro 12.1. Para o final do primeiro semestre, os encargos financeiros somam: 14,0175% x 100.000,00 = $ 14.017,50; ara o final do segundo semestre: 14.0175% x 90.000,00 = $ 12.615,80; para o final do terceiro semestre: 14,0175% x 80.000,00 = $ 11.214,00; e assim por diante.
Somando-se, para cada período, o valor da amortização do principal com os respectivos encargos financeiros, tem-se o valor da prestação semestral do financiamento. Assim, para o primeiro semestre a prestação atinge: $ 10.00,00 + 14.017,50 = $ 24.017,50;para o segundo semestre: $ 10.000,00 + $ 12.615,80 = $ 22.615,80; e assim sucessivamente.
Pode ser observado, uma vez mais, que a diminuição de $ 1.401,70 no valor dos juros em cada período é explicada pelo fato de as amortizações (fixas) reduzirem o saldo devedor da dívida (base de cálculo dos juros) semestralmente em $ 10.000,00. esta diminuição provoca, em consequência, uma redução nos juros equivalente: 14,017% x $ 10.000,00 = $ 1.401,70.”
Observa-se que esse sistema de amortização é utilizado mais amplamente nos contratos de financiamento imobiliário, principalmente pela Caixa Econômica Federal. Ao que tudo indica, ao utilizar a sistemática da Tabela Price, o sistema de amortização misto incide na prática do anatocismo.
Contudo, trata-se de objeto diverso, sendo que nos limitamos a esclarecer as características principais da sistemática de financiamento mencionada.
2.4. Da tabela price, ou sistema francês de amortização.
O sistema francês de amortização é conhecido no Brasil como Tabela Price, em razão do desenvolvedor da sistematização Richard Price (1723 – 1791), Reverendo Presbiteriano.
Primeiramente, é interessante tecer apontamentos sobre o criador da referida tabela, o contexto histórico em que se encontrava quando da elaboração da sistemática em estudo, e as implicações para que se propunha.
2.4.1. Breve biografia de Richard Price.
Richard Price nasceu na Inglaterra, em Tynton, Llangeinor, Glamorgan, em fevereiro de 1723. Filho de Rhys Price, fazendeiro e Ministro Religioso Calvinista de linha extremamente puritana e disciplinador. (NOGUEIRA, 2008, p. 08)
Após a morte de seu pai, em 1740, mudou-se para Londres, para então morar com seu tio Samuel Price, vindo a completar seus estudos na C. Academy, em Tenter Ailey, Moorfields, adquirindo instrução e influência de John Eames, matemático e amigo muito próximo do então falecido Isaac Newton. (NOGUEIRA, 2008, p. 08)
Seguiu seus estudos até 1748, momento em que se formou Ministro Presbiteriano, se tornando capelão de George Streatfiel, sendo que possuía a liberdade de oficiar como Ministro em outras paróquias presbiterianas.
Casou-se com a filha de um arruinado especulador e comerciante do ramo marítimo, Sarah Blundell, em 1758, mesmo ano em que publica uma de suas principais obras, Review of the Principal Questions in Morals, em que propõe a revisão das principais questões morais da época.
Funda, juntamente com Joseph Priestely, Ministro Protestante e descobridor do processo da fotossíntese e da água carbonada, um grupo conhecido por Dissidentes Racionais, e, em 1766, publica Importance of Christianity, obra em que rejeita ideias católicas tradicionais.
Embora tenha sido mais conhecido como filósofo e teólogo, seus estudos matemáticos vinham de antes das suas publicações de cunho filosófico. Relacionava-se intimamente com Thomas Bayes, expoente do Teorema Fundamental na Estatística, e ministro não-conformista, assim como Price. (NOGUEIRA, 2008, p. 09).
Bayes escreveu, em 1736, um importante artigo, An introduction to the doctrine of flucions, and a defense of the mathematicians agaisnt the objections of the autor of the analyst, e, embora não se conheça seus vínculos acadêmicos, em 1742 foi elevado à condição de companheiro da Sociedade Real Inglesa.
Segundo os biógrafos de Price, após a morte de Bayes, esse encontra um manuscrito intitulado Essay towards solving a problem in the Doctrine of Chances, divulgado em 1763. Até hoje, tal trabalho é conhecido como Teorema de Bayes, influenciador da estatística moderna, que foi conhecido mundialmente graças ao caráter de Price.
Admite-se que Price tenha desenvolvido grande parte de seu conhecimento matemático com Bayes. Vale lembrar, também, que Price produziu a aplicação prática do citado Teorema de Bayes no campo atuarial, vez que haviam falhado em combinar tabelas de mortalidade com anuidades ou pagamentos parcelados. (NOGUEIRA, 2008, p.10)
Em 1769, Richard Price elaborou famosa obra de estatística para o ramo de seguros, Northampton Mortality Tables, a pedido da Equitable Society da Inglaterra. (NOGUEIRA, 2008, p.10)
Segundo José Jorge Meschiatti Nogueira (2008, p. 10):
“A partir desse estudo e da elaboração das tabelas de mortalidade, em 1771 seria publicada a obra final sobre o assunto, que viria a ser editada até 1812, sob o título Observations on Reversionary Payments (Observação sobre Devolução de Pagamentos Reversíveis). Nessa obra, Price explica os esquemas de provisão de anuidades a viúvas e idosos, o método para o cálculo dos valores de seguros de vida, a dívida interna, ensaios sobre aritmética e diferentes assuntos na doutrina de rendas vitalícias e, principalmente, a coleção das “Tabelas de Juro Composto”, batizada no Brasil como Tabela Price, como já explicado.
É nessa obra que Price expõe seu conceito e seu método utilizado no sistema de pagamentos periódicos com direito a remuneração em benefícios, ou seja, para se calcular o valor de uma série uniforme de pagamentos consecutivos e durante um certo tempo, para receber uma remuneração futura pelo pagamento de rendas certas, em aposentadoria e seguros. Confecciona também a fórmula que produz a recuperação do Capital, a “Juro Composto”, que é a mesma coisa que juros sobre juro pelo sistema de pagamentos parcelado. Por ela, pode-se comparar e notar que o prestamista detentor do Capital terá recebido no final, pelo sistema de pagamento, na aplicação de um Capital do mesmo valor, a “Juro Composto” (juro sobre juro), que neste caso e ao final produzirá os mesmos efeitos, com os mesmos resultados.”
O ponto alto para o estudo que se pretende será justamente a publicação da obra Observations on Reversionary Payments, em que Richard Price lança mão de suas Tabelas de Juro Composto, utilizadas até hoje para financiamentos.
Ressalte-se que as Tabelas de Richard Price foram originalmente publicadas com objetivo atuarial, uma vez que eram previstas para o cálculo de benefícios previdenciários e de seguridade social.
O ano de 1789 marca a personalidade de Price como defensor do pensamento liberal. Nesse ano, faz o último de seus controvertidos sermões em que defende a Revolução Francesa, produzindo repercussão na sociedade conservadora inglesa, informando que os ingleses também poderiam destronar um rei caso esse fosse cruel. O Rei George III qualificou-o como ateu, financiando panfletos para seus adversários ideológicos, chegando a ser caricaturado como louco e ateu. (NOGUEIRA, 2008, p. 12)
Price manteve fortes vínculos com colonos norte americanos rebeldes, dentre os quais Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, sendo partidário da independência das colônias americanas, o que desagradava a monarquia e os setores conservadores.
Price falece em abril de 1791, com 68 anos de idade (NOGUEIRA, 2008, p. 12).
2.4.2. Contexto histórico da época de Price.
As primeiras publicações estatísticas começaram a surgir no final do século XVIII, relativas a população e impostos, dentre outros assuntos. O mercantilismo, acompanhado das grandes explorações além mar, haviam avariado a economia das grandes potências européias. (NOGUEIRA, 2008)
Quanto às limitações técnicas, e a justificativa de utilização das tabelas de Price até um passado recente, salienta Gilberto Melo[5]:
“Importante ainda salientar que na época em que foi criada a Tabela Price, no século XVIII, não existiam nem mesmo calculadoras, sendo os cálculos realizados por instrumentos rudimentares que não permitiriam o cálculo exponencial dos juros compostos. Esta tábua de fatores chamada Tabela Price veio possibilitar que os cálculos fossem feitos com simples operações matemáticas, adequadas aos instrumentos disponíveis à época, caso contrário seriam necessárias calculadoras científicas que não existiam àquele tempo.
Para melhor ilustrar a dificuldade do homem médio de se elaborar cálculos financeiros, em 1971, quando cursávamos o primeiro ano de Engenharia na UFMG, somente dois alunos em nossa classe possuíam calculadoras manuais. Todos os outros alunos se utilizavam da régua de cálculo para fazer todos os cálculos, desde os mais simples até os mais complexos. Nesta ocasião já havia o curso de programação Fortran na Escola de Engenharia, mas o computador era único, situado na Reitoria da UFMG, funcionava a cartões perfurados e ocupava parte apreciável da enorme sala onde se localizava.
Com a elaboração da Tabela Price de fatores para diferentes situações de taxas e de prazos possibilitou-se ao leigo o acesso à evolução de sua operação de crédito ou arrendamento mercantil. Em 1970 o Prof. Abelardo de Lima Puccini publicou um livro intitulado “Tabela Price – Impressa em Computador”, onde apresentou fatores para taxas de juros variando de 5% a 36% ao ano e prazos de financiamento de um a vinte anos. Até então e ainda por algum tempo consultava-se na Tabela Price os fatores necessários para se fazer os cálculos de financiamentos ou arrendamento mercantil neste sistema. Com a grande disponibilidade, a custos acessíveis, de calculadoras financeiras e computadores pessoais, deixou-se de consultar os referidos fatores e passou-se a usar estes equipamentos, onde se entra com os parâmetros necessários e se obtém imediatamente os valores procurados.”
Nesse momento histórico, iniciou-se a famigerada Revolução Industrial, com raízes na Inglaterra. As colônias britânicas situadas na América do Norte lutavam pela liberdade.
A França passava por profundas modificações em razão da eclosão de ideologias liberais, em que se destronavam reis cruéis e buscava-se a implementação de ideais democráticos, influenciados fortemente pelo movimento iluminista que movia a burguesia à ascensão.
Economicamente, Adam Smith propunha um modelo de progresso e riqueza. Não eram decretos reais ou leis que equilibravam a oferta e demanda de bens. A força motriz era o egoísmo humano, transmutado de pecado à virtude, resquícios que fomentam a economia até os dias atuais.
Conforme bem salienta José Jorge Meschiatti Nogueira (2002, p. 24):
“Era esse modelo de justificação de Adam Smith que iniciava o impulso burguês na corrida pelos lucros. Nele a trilogia liberdade, fraternidade e igualdade assemelhava-se à transformação de Cinderela, cujo sonho sempre acaba com a volta para o mundo da dura realidade: trabalho com árduas jornadas de 15 horas, sem o relativo aumento dos salários, nenhuma segurança e exploração infantil. Nascia o Capitalismo!
É na seguinte frase que podemos resumir esta realidade:
“para formar a sociedade Feliz…, é necessário que grande número de pessoas continue a ser Ignorante e Pobre.” (Bemard Mandeville, séc. XVIII)
Daí podemos mensurar as revoluções ocorridas e contextualizadas na época do Reverendo Price, bem como a ilusão causada por alguns dos ideais “libertadores” que, por fim, trariam duras agruras, principalmente para as classes menos favorecidas, e, consequentemente, hipossuficientes.
2.4.3. Conceituação do sistema francês de amortização, ou Tabela Price.
A Tabela Price, ou sistema francês de amortização, consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, dentro de um conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas, a saber, juros e capital, que configura a amortização da dívida originária. (VIERA SOBRINHO, 2000, p. 220/221).
Não necessariamente o sistema em questão implica em prestações mensais, podendo ser em qualquer período de tempo (trimestral, semestral, anual) e ser elaborado com base em qualquer taxa de juros, não se limitando a 1% ao mês.
Segundo José Dutra Vieira Sobrinho (2000, p. 221), o valor das prestações é determinado utilizando-se a mesma fórmula para séries de pagamento com termos vencidos, qual seja:
Sendo “P” o principal capital; “i” a taxa de juros,”n” o prazo considerado exponencialmente, e “R” as parcelas (em igual valor).
Como ensina o citado autor (VIEIRA SOBRINHO, 2000, p. 221)
“A parcela de juros é obtida multiplicando-se a taxa de juros (mensal, semestral ou anual) pelo saldo devedor existente no período imediatamente anterior (mês, trimestre, semestre ou ano). A parcela de amortização é determinada pela diferença entre o valor da prestação e o valor da parcela de juros. Assim, o valor da parcela de juros referente à primeira prestação de uma série de pagamentos mensais é igual à taxa mensal multiplicada pelo valor do capital emprestado ou financiado (que é o saldo devedor inicial).”
Para melhor visualização do funcionamento da referida tabela, o Professor José Dutra Vieira Sobrinho utiliza um exemplo ilustrativo didático, em que se propõe o cálculo das parcelas de juros e amortização referentes a primeira prestação, de um empréstimo de $ 8.530,20, à taxa de 3% ao mês, para ser liquidado em 10 prestações iguais. Eis a resolução do problema proposto (VIEIRA SOBRINHO, 2000, p. 221/222):
“a) Valor da prestação
R = P x FRC (i, n) = 8.530,20 x FRC (3%, 10)
R = 8.530,20 x 011723 = 1.000,00
b) Valor da parcela de juros (J)
J = i x P = 0,03 x 8.530,20 = 255,91
c) Valor da parcela de amortização (A)
A = R – J = 1.000,00 – 255.91 = 744,09”
Para que possamos determinar as parcelas de juros e as parcelas de amortizações correspondentes às demais prestações, é necessário convencionar o seguinte:
Jt = parcela de juros referente ao período de ordem t (t = 1, 2, 3, …, n)
At = parcela de amortização referente à prestação de ordem t (t = 1, 2, 3, …, n)
Pt = Saldo devedor referente ao período de ordem t (t = 1, 2, 3, …, n – 1)
Assim, o valor da parcela de juros referente à primeira prestação será representado por J1, da segunda por J2, da quinta por J5, e assim sucessivamente; idem para as parcelas de amortização. Quanto ao saldo devedor, o saldo inicial será representado por P0; o saldo devedor no final do primeiro período após a dedução da primeira amortização (A1) será representado por P1; o saldo devedor no final do segundo período após a dedução da segunda amortização (A2) será representado por P2. e assim por diante.
Voltemos ao exemplo em pauta para calcular as parcelas de juros e amortização referente à segunda prestação.
J2 = i x P1
P1 = P0 – A1 = 8.530,20 – 744,09 = 7.786,11
J2 = 0,03 x 7.786,11 = 233,58
A2 = R – J2 = 1.000,00 – 233,58 = 766,42
Para a terceira prestação:
J3 = i x P2
P2 = P1 – A2 = 7.786,11 – 766,42 = 7.019,69
J3 = 0,03 x 7.019,69 = 210,59
Operando da mesma forma para as demais prestações, teremos os valores resumidos na Tabela 8.1 para a série de 10 prestações, que vamos denominar plano de pagamento do empréstimo.”
Dado o exemplo acima, o ilustre professor demonstra de forma muito minuciosa como se dá a aplicação da Tabela Price em financiamentos. Da operação em questão, surge uma tabela a fim de se visualizar o plano de pagamentos, que se transcreve abaixo (VIERA SOBRINHO, 2000, p. 220/221):
Por fim, é interessante a comparação efetuada por Alexandre Assaf Neto (2003, p. 366/367), entre os três sistemas de amortização considerados, levando-se em consideração uma operação de $ 100.000,00, com uma taxa de juros de 30% ao ano, a ser liquidada em 5 anos, em 10 prestações semestrais, cujo resultado, levando-se em conta as fórmulas utilizadas para cada sistema de amortização, resulta nas tabelas seguintes:
É possível observar, de forma clara e sem maiores complicações, que, de todos os sistemas de amortização, a sistemática da Tabela Price apresenta maior onerosidade ao devedor. No Sistema de Amortização Constante, tomando o exemplo citado, o total de juros da operação é de $ 77.096,50, enquanto no Sistema de Amortização Misto $ 84.470,80, e, por fim, pela Tabela Price $ 91.844,00.
A diferença da Tabela Price em razão do sistema SAC é de $ 14.747,50, e em função do Sistema Misto de Amortização é de $ 7.373,20. As diferenças são maiores ainda quando a prestação se estende ao longo de um prazo mais elastecido, haja vista os juros comportarem-se de forma exponencial em função do tempo, e não de forma linear.
Aos olhos leigos, característica da grande maioria populacional que possui financiamentos em instituições financeiras que utilizam a Tabela Price, os juros, por si só, são abusivos. Contudo, ultrapassado o primeiro momento de surpresa, é possível observar outros abusos constantes da sistemática Price de capitalização composta de juros, mormente em razão da prática do anatocismo, o que se verá adiante.
2.5. A tabela price e a questão da capitalização composta de juros (anatocismo).
Segundo Luiz Antonio Scavone Júnior (2007, p. 195), a Tabela Price, também conhecida como sistema francês de amortização, “pode ser definida como o sistema em que, a partir do conceito de juros compostos (juros sobre juros), elabora-se um plano de amortização do capital em parcelas periódicas, iguais e sucessivas, considerando o termo vencido.”
Segundo ainda o referido autor:
“Com fundamento em Mário Geraldo Pereira (tese de doutorado), ensina José Dutra Vieira Sobrinho “que a denominação tabela price se deve ao matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no século XVIII e que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A denominação ‘sistema francês’, de acordo com o autor citado, deve-se ao fato de o mesmo ter-se efetivamente desenvolvido na França, no Século XIX. Esse sistema consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e uma de capital (chamada amortização). (PEREIRA, 1965, p 176 apud SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 195)
Nesse sistema de amortização as parcelas são compostas de um valor referente aos juros, calculado sobre o saldo devedor amortizado, e outro referente a própria amortização.
Os juros são compostos na exata medida em que, sobre o saldo amortizado, é calculado o novo saldo, com base nos juros sobre aquele aplicados, e, sobre este novo saldo amortizado, mais uma vez os juros sobre todo o capital e não sobre a parcela devida, e assim por diante. (SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 195/196)”
Portanto, observa-se que a Tabela Price, por natureza, é construída com base em tabelas preexistentes de juro composto.
Mais uma vez, vale frisar que, conforme demonstrado, para os efeitos jurídicos, capitalização composta de juros implica, necessariamente, em anatocismo, uma vez que são palavras sinônimas utilizadas em diferentes ciências.
Frente a outros sistemas de amortização, parece ser mais vantajosa, uma vez que as parcelas são invariáveis, periódicas e sucessivas, o que normalmente não ocorre com outras tabelas de financiamento.
Para chegar a essa conclusão, faz-se necessário ir ao âmago da questão, utilizando-se da publicação dos manuscritos do próprio Richard Price a fim de aferir se há ou não capitalização de juros, ou anatocismo, em sua sistemática de amortização de dívidas. Como, certamente, esbarra-se no óbice da indisponibilidade de tamanha preciosidade, é satisfatório saber que o já citado professor José Jorge Meschiatti Nogueira (2008, 27-47) traz em sua obra trechos das traduções juramentados do livro Observations on Reversionary Payments, em que Price publica suas tabelas.
Nesses livros, é possível confirmar que o próprio Price, faz menção às suas tabelas como capitalização composta de juros, até mesmo batizando-as de tabelas de Juro Composto. Passemos, pois, a analisar a construção das tabelas pelo próprio Price, ressaltando que as traduções juramentadas reproduzidas por Nogueira, e colacionadas no presente trabalho, foram encomendadas por ele e registradas no 2º Registro de Títulos e Documentos de Campinas, por microfilme sob o n.º 119.798, literalmente:
“CONSTRUÇÃO das quatro tabelas precedentes
ESTAS Tabelas podem ser encontradas na maioria dos livros que tratam de Juro Composto e anuidades; mas tem sido, neste estudo, tantas vezes necessário consultá-las, que foi preciso poupar o leitor o trabalho de recorrer a outros livros por causa delas.
O 1º, 2º, 3º, &c. números na primeira tabela correspondem aos quocientes de unidade divididos pela 1ª, 2ª, 3ª &c. potências respectivamente de £1 acrescida de seu juro para um ano; ou 1.023, 1.025, 1.03, 1.035, 1.04, 1.05, &c. de acordo com o juro correspondente de 2, 2 ½, 3, 3 ½, 4, 5, &c. por cento.
O 2º, 3º, 4º &c. números na segunda tabela correspondem às somas do 1º e 2º; do 1º, 2º e 3º; do 1º, 2º, 3º e 4º, &c. &c. números respectivamente na primeira Tabela.
Os números na 3ª Tabela correspondem às potências de £1 acrecidas do seu juro para um ano. Ou seja, r, r2 r3, &c.
o 2º, 3º, 4º &c. números na segunda tabela correspondem às somas do 1º e 2º; do 1º, 2º e 3º; do 1º, 2º, 3º e 4º, &c. números da 3ª Tabela, acrescidos da unidade. (PRICE, 1803, p. 286 apud NOGUEIRA, 2007, p. 28).”
Primeiramente, podemos observar às claras, que o próprio Richard Price admite que suas tabelas são construídas com Juro Composto, o que vimos tratar-se de anatocismo, sendo sinônimos.
Expõe-se abaixo sistemática de construção das tabelas de juro composto confeccionada por Richard Price, conforme notas explicativas (PRICE, 1803 apud NOGUEIRA, 2007, p. 30/33.
“Tabela I
O presente Valor (Valor Presente) de £1 a ser recebido ao final de qualquer número de Anos, não excedendo a 100; descontado a Taxas de 2, 2 ½, 3, 3 ½. 4, 4 ½, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 porcento de Juro Composto. (…)
Tabela II
O valor Presente da Anuidade sobre Uma Libra qualquer Número de Anos não excedendo a cem.(…)
Tabela III
Mostra a quantia a qual o Capital de £1 crescerá a Juro Composto em qualquer Número de Anos não excedendo a cem.(…)
Tabela IV
Mostra a Quantia a qual £1 anual crescerá a Juro Composto em qualquer número de Anos não excedendo a cem.” (PRICE, 1803, p. 262, 263 apud NOGUEIRA, 2007, p. 30, 32).
É fácil ver que, por questão de nomenclatura, Price atribui a todas as suas tabelas a sistemática de juros compostos. Portanto, sob esse enfoque, é inquestionável a capitalização composto de juros, ou anatocismo conforme observado, nas tabelas de remuneração de capital do Reverendo Price.
Mais interessante ainda, sob esse argumento, é observar a forma didática em que Price (1803, p.287 apud NOGUEIRA, 2007, p. 34/36) explica a utilização de suas tabelas de juro composto na forma de perguntas e respostas, que passa-se a transcrever:
“Questão I – A que montante ou anuidade uma determinada quantia ou anuidade aumentará, em um determinado número de anos, a uma determinada taxa de Juro Composto?
Resposta. Multiplique o número na 3ª Tabela, referente a determinada taxa e contrário ao determinado número de anos, pela determinada quantia ou anuidade, e o produto obtido será a resposta.
Exemplo. O produto de £40 em 2.0258 (ou seja, £81.032) corresponde ao montante ao qual o Capital de £40 crescerá em 18 anos, considerando- se o juro a 4 por cento; e o mesmo produto corresponde igualmente à anuidade a qual uma anuidade de £40 crescerá no mesmo período, considerando-se o mesmo juro.(…)
Questão II – A que montante uma determinada anuidade equivalerá a uma determinada taxa de Juro Composto por um determinado número de anos?
Resposta: Multiplique o numera na quarta Tabela, referente à taxa e contrário ao determinado número de anos, pela determinada anuidade, e o produto obtido será a resposta.
Exemplo. O produto de £40 em 25.6454 (ou seja, £1025.826) corresponde ao montante ao qual £40 anuais equivalerão em 18 anos, considerando-se o juro a 4 por cento.(…)
Questão VIII
Admitindo-se que o esquema de uma sociedade para concessão de anuidades a viúvas seja tal que, caso um membro viva um ano após sua admissão, sua viúva terá direito a uma renda vitalícia de £20. No caso de sete anos, a mais £10, ou £30 no total. No caso de quinze anos, a um outro adicional de £10, ou £40 ao todo. Quais deveriam ser os pagamentos anuais dos membros com idades de 30, 40 e 50 anos, supondo-se que eles tenham a mesma idade que suas esposas, e considerando-se o Juro Composto a 4 por cento?
Resposta
De acordo com a hipótese, explicada na p. 2, e portanto, muito próximo, de acordo com as Tabelas de Observação para Breslaw e Norwich, ou Tabelas V e VIII no início do Vol. II:
£8.44; £8.69; £9.05.”
Mais uma vez, percebe-se que o próprio Richard Price denomina suas tabelas como de juros composto.
Portanto, pela leitura do livro Observations on Reversionary Payments é possível visualizar perguntas e respostas em que Price explica o uso das tabelas, que ele mesmo denomina de juros composto.
Não bastassem os argumentos pelo próprio Price, é possível observar a questão da capitalização composta de juros em suas tabelas da leitura de várias doutrinas Matemáticas, dentre as quais, pode-se citar:
“14. Amortização a Juros Compostos
14.1 Método francês ou de amortização progressiva
Por esse método, pelo qual as prestações destinadas à amortização da dívida são periódicas e constantes, os juros incidem somente sobre o saldo devedor, no final de cada período. A prestação empregada na amortização gradual da dívida compreende duas parcelas variáveis, segundo lei conhecida, cujas somas porém são: uma constante, crescente, destinada à amortização do capital, e a outra, decrescente, destinada à cobertura dos juros. (grifos não constam do original) (CAVALEIRO, 1992, p. 137)
O sistema price consiste em colocar um capital a juros compostos capitalizados mensalmente a uma taxa anual (FRANCISCO, 1976, p 44 apud SACAVONE JÙNIOR, 2007, p. 196)
A tabela Price já teve grande aceitação no mercado brasileiro e ainda é utilizada atualmente, principalmente nos financiamentos imobiliários. A sua grande característica é ter a taxa nominal como elemento de entrada, ao passo que os fatores são calculados com a taxa efetiva dela decorrente. Por exemplo, uma tabela com a taxa nominal de 36% ao ano capitalizados mensalmente terá as seguintes características:(…)
Conforme visto no problema anterior, a taxa efetiva anual é de 42,58 %, muito maior que a taxa nominal de 36% ao ano. Assim, muito cuidado deve ser tomado com a tabela price, pois a taxa nominal de juros de cada tabela é sempre menor do que a taxa efetiva anual correspondente, podendo essa diferença alcançar valores bastante significativos. (PUCCINI, 1999, p. 74)
Devido ao fato de ser bastante usual financiamentos a longo prazo, considerando-se taxas anuais com capitalização mensal a serem resgatados ao longo de anos por meio de prestações mensais, resolveu-se tabelar a fórmula, para diversos valores de juros e de capital, de tal modo que tivéssemos o valor da prestação correspondente ao caso do empréstimo de um capital unitário. Tais tabelas são denominadas Tabelas Price.” (FARO, 1998, p. 74 apud SCAVONE JÚNIOR, 2007, p.214)
É possível observar que as condições díspares da Tabela Price são objeto de cautela até mesmo entre os doutrinadores, uma vez que lhe é reconhecida que a taxa efetivamente cobrada supera a taxa nominal prevista contratualmente.
Ainda, pode-se acrescentar a perícia noticiada por Luiz Antônio Scavone Júnior (2007, p. 210/212), nos autos do processo 418/96, que tramitou perante a 8ª Vara Cível de Aracaju – SE, nos seguintes termos:
“Queira o Sr. Perito informar se a metodologia price, bem como qualquer tipo de metodologia de cálculo que se utilize juros compostos, prestigiam a contagem de ‘juros sobre juros’. Justifique a resposta.”
“Resposta: À guisa de intróito, afigura-se-nos de bom alvitre trazer a lume algumas observações conceituais sobre o ‘sistema price’, resgatadas do já mencionado livro Matemática financeira objetiva e aplicada, de Abelardo de Lima Puccini, e da apostila Curso de matemática financeira básica, que editamos em junho de 1996:
Sistema price: Série Uniforme (Prestações Iguais)
1.1 Considerações Preliminares
Bastante difundido nos meios comerciais brasileiros, o sistema price tem por característica primordial a igualdade absoluta do valor monetário de suas prestações, nas quais se enclausuram, além das verbas amortizadoras do principal financiado, os juros cobrados pelos agentes emprestadores.
Constitui-se, deste modo, relação fundamental do modelo em estudo: Prestação = Amortização + Juros.
Para a obtenção dos valores relativos a cada uma das parcelas integrantes da precitada relação, deve-se observar, com rigor científico, a seguinte sequencial:
a) em primeiro lugar, calcula-se o valor da prestação constante, podendo –se, para tanto, contar com o auxílio da calculadora financeira HP-12C;
b) a seguir, efetua-se o cálculo dos juros do período , aplicando-se a taxa contratual sobre o saldo devedor acumulado (montante) existente no início do período correspondente;
c) por fim, calcula-se o valor da amortização do principal financiado, ou seja, a diferença entre o valor da prestação constante (a) e o valor dos juros do período (b).
Com o passar do tempo, ao passo em que o valor dos juros vai decrescendo gradativamente,as amortizações, inverso modo vão se tomando cada sempre resulte no valor da prestação constante (…).
Sistema price: Série Uniforme (Prestações Iguais)
1.2 Propriedades
O exemplo acima permite-nos, também deduzir as duas propriedades essenciais do sistema price:
– qualquer termo da amortização é igual ao seu antecedente multiplicado por (1 + i);
– o saldo devedor remanescente será sempre o valor presente das prestações vincendas.
É de todo proveitoso que se confira a exatidão das propriedades enunciadas, empregando-se, para tanto, os valores constantes da tabela acima.
Rememoremos os postulados básicos que informam o modelo francês de amortização, a conhecida tabela price e passemos à questão nuclear que motivou a formulação do quesito em análise, qual seja, se a metodologia price, bem como qualquer tipo de metodologia de cálculo que se utilize de juros compostos, prestigiam a contagem de juros sobre juros (…).
O que até aqui dissemos já permite depreender ser afirmativa a resposta deste vistor, na medida em que, quer no bojo do sistema price, em particular, quer no das demais hipóteses metodológicas especuladas, a base de cálculo sobre o qual incidirá a taxa de juros será sempre o saldo da principal acrescido dos juros acumulados ate o período imediatamente anterior, em síntese, o montante.
Em acréscimo, relembramos que nos domínios da Matemática Financeira a capitalização composta de juros (contagem de juros sobre juros) se verifica sempre que se emprega fórmula onde se embute a expressão (1 + i)n, por isso mesmo denominada de fator de capitalização ou fator de acumulação de capital, cabendo, por oportuno, reavivar que:
a) o dinheiro cresce mais rapidamente a juros compostos do que a juros simples;
b) a juros compostos o dinheiro cresce exponencialmente e em progressão geométrica ao longo do tempo;
c) em síntese: no regime de juros simples tem-se como base de cálculo o principal; no de juros compostos, o montante.
No âmbito do modelo price, especificamente, a capitalização de juros se faz incontroversa quando se contempla a fórmula utilizada para o cálculo das prestações constantes da série postecipada, dentro da qual se encastela, sem nenhum pudor, o fator exponencial (1 + i)n.” (grifos não constam do original)
Portanto, sendo o juiz, na maioria das vezes, leigo nas questões matemáticas, utiliza-se de expert no assunto a fim de suprir esse déficit, o que implica na resolução da matéria fática.
Nesse passo, verifica-se que o perito supramencionado põe fim a discussão afirmando que a sistemática Price capitaliza efetivamente juros da forma composta, cerne da discussão nos autos mencionados.
Para não restar dúvidas, convêm ainda colacionar tabela explicativa, em mínimos detalhes, do professor Luiz Antônio Scavone Júnior (2007, p. 207/208), através de um exemplo que consiste em calcular o financiamento de R$ 11.255,08, a ser pago em 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, com juros de 1% ao mês de acordo com a Tabela Price, cujo resultado são parcelas de R$ 1.000,00.
Conforme salienta o próprio autor (SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 207/208):
“Pelo que se observa, os R$ 11.255,08 iniciais transformaram-se em R$ 12.000,00. Pagou-se, assim, R$ 744,92 de juros.
Com efeito, na coluna da direita é possível visualizar perfeitamente os juros aplicados uns sobre os outros, vez que sempre incidentes sobre o novo valor de capital, antes da amortização que, aliás, não representa uma parcela igual ao capital em razão do prazo, restando parcela extra de capital para incidência de novos juros. A título de comparação, imaginemos a cisão do capital em várias parcelas iguais, sobre as quais é aplicada a fórmula para cálculo do montante, de acordo com a fórmula para cálculo do montante, de acordo com a fórmula que aplica capitalização simples, ou seja: “S = P x (1 + i x n)”, na qual P – Principal; i = taxa de juros; n = prazo; S = valor futuro; para o mesmo valor e prazo e cada parcela representada por um doze avos do capital inicial, as parcelas com vencimentos mais distantes teriam juros maiores em razão do prazo estipulado para a devolução da parcela de capital correspondente e o resultado é o que segue:”
Portanto, nesse pequeno exemplo, usando a tabela price, o devedor pagaria R$ 744,92 de juros, e, ao revés, utilizando juros simples sobre cada parcela de capital, o pagamento seria menor, ou seja, R$ 731,55.
Reforçando os argumentos econômicos de que a Tabela Price capitaliza juros de forma composta, Scavone Júnior (2007, p. 208/210), sustenta que é possível visualizar tal prática na medida em que se aplica o “fator de valor atual” (FVA) a cada parcela obtida pela sistemática da Tabela Price. Tal aplicação gera um resultado que, somados, indicam o valor do capital inicial. O FVA e encontrado tomando-se a termo a seguinte fórmula:
Em que P = principal; i = a taxa de juros; n = o prazo; e R = prestações. A fórmula aplicada inversamente resulta em valor idêntico ao da prestação apurada pela Tabela Price, o que comprova a aplicação de juros compostos para esse sistema.
Para facilitar essa visualização, dispomos do exemplo do citado autor, com base em estudo da obra de José Dutra Vieira Sobrinho (Scavone Júnior, 2007, p. 209/210), assim descrito:
“Nesse sentido, aplicando o FVA (fator de valor atual) de acordo com os juros capitalizados de forma composta às prestações apuradas pelo sistema francês, no mesmo exemplo da nota anterior, com capital inicial de R$ 11.255,08 para pagamento em doze parcelas e juros de 1% ao mês, o resultado obtido é o seguinte:
Tendo em vista que fórmulas matemáticas são abstrações e, por conseguinte, requerem comprovação, podemos utilizar a fórmula para obtenção do montante pela sistemática dos juros compostos, ou seja, S = P x (1 + i)n sobre qualquer dessas parcelas de valor presente, eu o resultado será, exatamente a prestação obtida pelo sistema francês.(…)
Vejamos, por exemplo, a sexta prestação, cujo valor presente (P) equivale a R$ 942,05. aplicados juros de 1% ao mês (i), pelo prazo de sis meses (n). O resultado, por evidente, será de R$ 1.000,00, ou sejam aquela prestação apurada pelo sistema francês.
Não resta dúvida, assim, que há juros compostos na tabela price.” (grifei)
Por fim, lançando uma pá de cal no assunto, é possível reunir vários eminentes cientistas da Matemática e Economia signatários de manifesto em que se atesta a ocorrência da capitalização composta de juros na Tabela Price, litteris:
“DECLARAÇÃO EM DEFESA DE UMA CIÊNCIA MATEMÁTICA E FINANCEIRA[6]
Nós, abaixo identificados, professores de matemática financeira, autores de livros e de outros trabalhos sobre essa importante ciência, preocupados com posições equivocadas assumidas por pessoas e entidades, freqüentemente divulgadas pela imprensa ou contidas em laudos periciais envolvendo cálculos financeiros, declaramos que a fórmula utilizada para o cálculo das prestações nos casos de empréstimos ou financiamentos em parcelas iguais, de aplicação generalizada no mundo, e que no Brasil é também conhecida por Tabela Price ou Sistema Francês de Amortização, é construída com base na teoria de juros compostos (ou capitalização composta), sendo a sua demonstração encontrada em todos os livros de matemática financeira adotados nas principais universidades brasileiras.
A capitalização composta é a base dos cálculos utilizados nas operações de empréstimos, financiamentos e seguros, nas aplicações em cadernetas de poupança, títulos públicos e privados, FGTS, fundos de investimentos, fundos de previdência, fundos de pensão, títulos de capitalização e em todos os estudos de viabilidade econômica e financeira realizados no Brasil e nos demais países do mundo. Assim, com base nesse fato incontestável, é imprescindível que a Justiça brasileira faça um reexame das interpretações das leis e decretos que levaram alguns tribunais do nosso país a proibir esse critério de cálculo. E, permanecendo o impasse jurídico, é dever do legislativo votar uma lei que corrija definitivamente esse equívoco histórico.
São Paulo, julho de 2004.
ADEMAR CAMPOS FILHO Professor autônomo – SP
ADEMIR CLEMENTE Professor da UFPR
ALEXANDRE ASSAF NETO Professor da USP
ANTÔNIO CARLOS LOPES Professor da PUC–SP
ANTÔNIO CORDEIRO FILHO Professor da PUC–SP
ARMANDO JOSÉ TOSI Professor autônomo – SP
CARLOS ROBERTO VIEIRA ARAÚJO Professor da UNIFEI–SP
CLÓVIS DE FARO Professor da FGV-RJ
JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO Professor autônomo – SP
JOSÉ NICOLAU POMPEO Professor da PUC-SP, da USP e da Fundação Santo André
JOSÉ MARIA GOMES Professor autônomo – SP
SAMUEL HAZZAN Professor da FGV e da PUC-SP
UDIBERT REINOLDO BAUER Professor da FURB-SC
WALTER DE FRANCISCO Ex-Prof. da Univ. Metodista de Piracicaba (SP) – UNIMEP
WASHINGTON FRANCO MATHIAS Professor da USP
WILSON VILANOVA Professor da PUC – SP”
Portanto, impossível tentar divergir da irrefutável prova matemática da capitalização de juros ocorrida nos financiamentos construídos com base na Tabela Price.
Outro aspecto interessante de se observar na dita sistemática é o fato de os juros incidirem antes da amortização. Tal prática implica na antecipação da cobrança de juros, o que, por si só, desvirtua o caráter acessório desse. Desta forma, os juros são cobrados antes do vencimento do capital, e, numa primeira análise, constitui, ao menos, no enriquecimento ilícito do credor, sem se falar nas terríveis conseqüências de se onerar o devedor além do devido.
Nesse sentido, discursam os professores Luiz Antônio Scavone Júnior e Pedro Afonso Gomes[7] (2000):
“O artifício utilizado pelos credores para mascarar a prática do anatocismo é, na tabela price, fazer com que os juros “desapareçam” do total da dívida, cobrando-os na parcela vencida. Ocorre que os juros não são exigíveis mês a mês sobre o débito integral, porque parcelas de capital ainda se vencerão. A tabela price antecipa os juros vincendos, de forma a onerar mais o mutuário”.
Portanto, em análise aos doutrinadores que procederam ao estudo Técnico da sistemática Price de amortização de empréstimos e financiamentos podemos chegar a conclusões lógicas, quais sejam, de que a referida Tabela capitaliza juros de forma composta e que possui artifícios que desnaturam os juros tal qual acessório, imprimindo-lhes o caráter de obrigação principal.
Para estimular ainda mais a discussão, faz-se necessário, antes mesmo de proceder ao estudo jurídico da Tabela Price colacionar declaração entusiasta do próprio Richard Price, acerca da remuneração do capital pela sistemática composta de capitalização de juros:
“Um penny posto a juros capitalizados do dia do nascimento de nosso Salvador a cinco per cent, até 1781, produz um crescimento equivalente à duzentos milhões de globos de outro sólido, iguais ao do tamanho da terra. Mas se fosse posto a juros simples, no mesmo período, produziria uma quantia igual ou não maior do que sete shilings e seis pences”[8] (SCAVONE JÚNIOR, 2007, p. 214)
Nesse passo, passemos, pois a analisar as implicações jurídicas que orbitam a prática da capitalização composta de juros, especificamente na Tabela Price. É importante ressaltar que essas questões transcendem qualquer fria discussão oscilante entre legalidade e ilegalidade.
Mais do que isso, a capitalização composta de juros influi diretamente na vida de incontáveis brasileiros que se valem unicamente de instrumentos de concessão de crédito para alcançar uma vida digna em vários aspectos.
Registrado, à analise jurídica da Tabela Price.
3. Tabela price. A prática do anatocismo e suas implicações jurídicas.
Como já dito anteriormente, a prática de juros está, quase sempre, ligada a abusividade e ilegalidade. Ao beneficiar o consumidor, as taxas de juros são sempre calculadas com base em risíveis patamares, como, por exemplo, a ridícula taxa de 0,500%[9] ao mês para a remuneração da poupança no mês de outubro de 2009, enquanto 9,05% ao mês de juros para o cheque especial do Banco Rendimento S.A.[10]
Portanto, houve-se por bem, ao longo de vários períodos, instituir medidas protetivas a quem depende de crédito remunerado a juros, via de regra a parte mais frágil da relação. Foi nesse espírito que surge na legislação brasileira o Decreto nº 22.262, de 07 de abril de 1933, também conhecido por Lei da Usura, pelo então presidente Getúlio Vargas.
O referido Decreto fora expedido em um panorama histórico de revoluções, com a instituição de políticas de modernização do país promovidas pelo presidente Vargas durante o governo provisório. Dessa feita, iremos tecer algumas considerações acerca do mencionado diploma.
3.1. O decreto 22.626/33 – Lei da Usura.
3.1.1. Conceito de usura.
Como adendo, necessário se faz trazer o conceito gramatical e etimológico da palavra usura:
“Usura[11]
Datação
sXIII cf. FichIVPM
Datação
sXIII cf. FichIVPM
Acepções
■ substantivo feminino
1 juro, renda ou rendimento de capital
2 Rubrica: economia, termo jurídico.
contrato de empréstimo com cláusula de pagamento de juros por parte do devedor
3 Rubrica: termo jurídico.
empréstimo de dinheiro a juros superiores à taxa legal; agiotagem
4 Derivação: por extensão de sentido.
juro exagerado, extorsivo; onzena, agiotagem
5 Derivação: por extensão de sentido.
lucro excessivo
6 Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal.
qualidade ou característica de quem é avarento, mesquinho, tem apego excessivo ao dinheiro, aos bens materiais; avareza, mesquinharia, sovinice
7 Derivação: por extensão de sentido. Regionalismo: Nordeste do Brasil. desejo exacerbado de poder ou riquezas, honras ou glórias; ambição, cobiça
Etimologia
lat. usúra,ae ‘uso de alguma coisa; emprestar dinheiro a juros’, do rad. de usum, supn. de utor,utèris,usus sum,uti ‘usar’; ver us(u)-; f.hist. sXIV husuras
Sinônimos
ver sinonímia de lucro
Homônimos
usura(fl.usurar)”
(grifos não constam do original)
Portanto, o termo “usura” indica a aplicação exarcebada de juros, de forma abusiva, beirando as raias da extorsão. Ainda, Luiz Antônio Scavone Júnior (2008, p. 317) entende que:
“A usura é conceituada a partir da percepção de juros exorbitantes e lucros excessivos, resultando, daí, duas espécies no sistema pátrio: usura pecuniária, relativa aos juros exorbitantes e usura real, que se refere aos lucros excessivos e corresponde ao conceito de lesão.
Uma visão etimológica do vocábulo “usura” leva a considerá-lo como o interesse ou proveito extraído do uso ou posse de coisa emprestada. A usura em excesso resulta no foenus, ou seja, a ganância ou lucro exagerado, que é reprimido pelo direito pátrio em algumas modalidades”.
Como noticiado pelo referido autor, a usura pode ser apresentada em duas espécies: real e pecuniária. Tal distinção surge da própria legislação pátria, nos termos da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que versa sobre crimes contra a economia popular, a qual, em seu artigo 4º, prescreve:
“Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.”
Portanto, segundo o citado diploma legal, a usura pecuniária caracteriza-se pela cobrança exorbitante de juros, acima dos limites impostos pela lei. Já a usura real, que engloba o conceito de lesão, seria a configuração de lucro exorbitante em face do montante cobrado do devedor.
Segundo argumenta Caio Mário da Silva Pereira (1999, p. 323), acerca da lesão ocasionada pelo lucro exarcebado do credor:
“Pode-se genericamente definir lesão como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes. Nosso direito pré-codificado concebeu, portanto, o instituto da lesão com estas duas figuras, caracterizando-se a lesão enorme, como defeito objetivo do contrato: o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava na injustiça do contrato em si; já a lesão enormíssima fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que do negócio tirava o proveito desarrazoado, porém dolo presumido ou dolo ex re ipsa, que precisava ser perquirido na intenção do agente. Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade”.
Daí é possível perceber a intenção de criar mecanismos de freio aos abusos que lesionavam os devedores, pretensões alcançadas em razão da expedição do Decreto 22.626/33.
Outro fator decisivo para que se inserisse tal norma no ordenamento jurídico brasileiro foi, sem dúvida, o contexto histórico que caracterizava o país em meados do século XX, o que será visto logo adiante.
3.1.2. Do contexto histórico da edição do Decreto 22.626/33.
Como já mencionado, o referido diploma legal nasce numa época de grande revolução social brasileira. A enciclopédia virtual Wikipédia, de forma condensada e precisa, nos dá uma idéia do escorço histórico da gênese da citada norma:
“Governo Provisório (1930 – 1934)
Nomeado presidente, Getúlio Vargas usufruía de poderes quase ilimitados e, aproveitando-se deles, começou a tomar políticas de modernização do país. Ele criou, por exemplo, novos ministérios – como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde -, e nomeou interventores de estados. Na prática, os estados perdiam grande parte da sua autonomia política para o presidente. Continuou com a Política de Valorização do Café (PVC) e criou o Conselho Nacional do Café e o Instituto do Cacau, atendendo assim a algumas das reivindicações das oligarquias cafeeiras.
A Getúlio Vargas também é creditado, nesta época, a Lei da Sindicalização, que vinculava os sindicatos brasileiros indiretamente – por meio da câmara dos deputados – ao Presidente. Vargas pretendia, assim, tentar ganhar o apoio popular, para que estes apoiassem suas decisões (a política conhecida como populismo). Assim sendo, houve, na Era Vargas, grandes avanços na legislação trabalhista brasileira, muitos deles não devidos exatamente a Vargas – a quem cujo crédito maior é o estabelecimento da CLT – mas sim por parte de parlamentares constituintes do período. Mudanças essas que perduram até hoje”[12]
Portanto, é possível observar que as tendências populistas do presidente Vargas não só aceleraram o desenvolvimento da tutela estatal em âmbito trabalhista como, também, o desenvolvimento de medidas protetivas ao hipossuficiente, principalmente no âmbito da remuneração do capital emprestado.
É nesse momento que surge o Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933. A finalidade maior do referido Decreto é aferida da leitura de seu próprio preâmbulo[13], que preceitua:
“O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:
Considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;
Considerando que é de interesse superior da economia do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras;
Decreta:” (grifos não constam do original)
Portanto, a preocupação de Vargas era instituir freios ao apetite voraz caracterizador do capitalismo, embora suas motivações sejam interpretadas por muitos como mera demagogia ditatorial, nos resguardando a não entrar nesse mérito.
As medidas adotadas pelo Decreto visavam limitar a aplicação dos juros, e proibir determinadas práticas que oneravam sobremaneira o devedor. Nesse passo, observa-se a instituição de penas para o caso de prática da Usura, como se observa abaixo:
“Art. 13. É considerado delito de usura, toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento.
Penas – prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas de cinco contos a cinqüenta contos de reis.
No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao dobro.
Parágrafo único. Serão responsáveis como co-autores o agente e o intermediário, e, em se tratando de pessoa jurídica, os que tiverem qualidade para representá-la.
Art. 14. A tentativa deste crime é punível nos termos da lei penal vigente.
Art. 15. São consideradas circunstâncias agravantes o fato de, para conseguir aceitação de exigências contrárias a esta lei, valer-se o credor da inexperiência ou das paixões do menor, ou da deficiência ou doença mental de alguém, ainda que não esteja interdito, ou de circunstâncias aflitivas em que se encontre o devedor.”
3.1.3. A vigência do Decreto 22.626/33.
Não obstante a sua expedição no ano de 1933, tudo indica que referida norma foi recepcionada pela Carta da República de 1988.
Sobre o instituto da recepção do ordenamento jurídico diante de nova ordem constitucional, extrai-se trecho da obra do professor Pedro Lenza (2006, p. 74/75):
“Todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contraria a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Como exemplo lembramos o CTN (Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172/66), que, embora tenha sido elaborado com quorum de lei ordinária, foi recepcionado pela nova ordem como lei complementar, sendo que os ditames que tratam sobre matérias previstas no art. 146, I, II e III, da CF só poderão ser alterados por Lei Complementar.
Pode-se afirmar, então, que, nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, como vimos, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, por falta de recepção.”
Nesse sentido, e tomando emprestadas como paradigma as idéias do respeitável autor supramencionado, tem-se que não seria de todo absurdo arguir, inclusive, que o Decreto 22.626/33 não foi apenas recepcionado pelo texto constitucional vigente, uma vez que não houve qualquer incompatibilidade material entre a Constituição Federal de 1988 e a norma anti-usura, bem como foi alçado ao status de Lei Complementar, levando-se a efeito o art. 192, CF, que versa:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”
Sendo certo que o Decreto 22.626/33 fornece diretrizes para limitação dos juros e inibição de práticas consideradas abusivas, conclui-se que, de certa forma, regulamenta o Sistema Financeiro Nacional, sendo, portanto, norma com status de Lei Complementar, assim como o Código Tributário Nacional. Portanto, a referida norma somente poderia ser alterada, derrogada ou ab-rogada, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mediante Lei Complementar.
Nesse passo, observa-se tentativas malfadadas de ab-rogação ou derrogação do referido normativo, pela edição de Medidas Provisórias de dúbia constitucionalidade.
Dentre as tentativas mencionadas, podemos citar a edição das Medidas Provisórias 2.170-36[14], de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, e 2.160-25[15], também de 23 de agosto 2001, que dispõe sobre a Cédula de Crédito Bancário e institui a alienação fiduciária em garantia de coisa fungível ou de direito, futuramente convertida na Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004.
As mencionadas espécies normativas preceituam:
“MP 2.170-36/01
Art. 5º – Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Lei 10.931/04
Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2o.
§ 1o Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:
I – os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação;” (grifo nosso)
Tais normativos estão em franco desacordo com o art. 4º da Lei da Usura, Dec. 22.626/33, que preceitua:
“Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.”
Portanto, patente o choque legislativo, uma vez que em uma das espécies normativas, qual seja, o Dec. 22.626/33, norma com status de Lei Complementar, se proíbe e contagem de juros dos juros (exaustivamente demonstrada capitalização composta de juros) enquanto, nas normas hodiernas, Medida Provisória e Lei Ordinária, fica expressamente permitida a capitalização de juros.
Primeiramente, urge salientar a natureza da Medida Provisória. Conforme o art. 62 da Constituição Federal, a Medida Provisória é cabível em casos de relevância ou urgência, quando, em razão da celeridade, o Presidente da República vale-se do referido instrumento normativo para disciplinar determinadas matérias. Ressalte-se que a Medida Provisória tem eficácia por prazo determinado, 60 dias, podendo permanecer em vigor em casos específicos, como durante o recesso parlamentar.
O mesmo art. 62, em seu § 1º, inciso III, preceitua que é vedada a edição de Medida Provisória versando sobre matéria reservada a Lei Complementar, que exige quorum privilegiado e maiores formalidades para sua promulgação.
Nesse passo, a referida MP 2.170-36/01 fora declarada inconstitucional, incidenter tantum, em várias ações oriundas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, dentre as quais podemos citar a mais expressiva, que julga arguição de inconstitucionalidade nos autos do processo 2006.00.2001.774-7, de Relatoria do Desembargador Lécio Resende, publicada no DJ de 15/08/2006, cujo extrato:
“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2170-36. OPERAÇÕES REALIZADAS PELAS INSTITUIÇÕES INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. MATÉRIA PREVISTA EM LEI COMPLEMENTAR. ART. 192, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40.
A matéria inserida em Medida Provisória que dispõe sobre “a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional”, consolidando e atualizando a legislação pertinente, não pode dispor sobre matéria completamente diversa, cuja regulamentação prescinde de Lei Complementar. Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 5º, da Medida Provisória 2170-36.(20060020017747AIL, Relator LÉCIO RESENDE, Conselho Especial, julgado em 04/07/2006, DJ 15/08/2006 p. 69)(…)
Constata-se, pois, que o sistema financeiro nacional é regulado por intermédio de leis complementares, sendo vedada a edição de medidas provisórias em temas reservados à lei complementar, conforme dispõe o item III, do § 1º, do art. 62, da Constituição Federal, verbis:(…)
As matérias que regulam o Sistema Financeiro Nacional devem ser previstas em Leis Complementares, que deverão dispor sobre a relação existente entre ele e as instituições financeiras.
Permito-me transcrever parte do ilustrado Parecer da douta Procuradoria de Justiça, ofertado aos autos, verbis:
“Segundo José Afonso da Silva Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 804), o Sistema Financeiro Nacional é um sistema financeiro parapúblico, que, ao contrário do sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos, é responsável pelas “instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização”, de forma a garantir o controle do Poder Público sobre tais instituições.
A regulamentação desse sistema, ensina José Afonso da silva, dá-se com a disposição sobre as “relações institucionais do sistema financeiro”, ou seja, as relações do Poder Público com as instituições financeiras públicas ou privadas, excluindo-se as relações entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços, que serão tratadas por normas próprias.
Por fim, salienta o autor que, “embora o controle do Poder Público sobre as instituições financeiras possa também amparar interesses dos usuários, isso não interfere diretamente com as relações destes com aqueles, que se regem por outras normas (…), de sorte que as leis complementares só são exigidas na disciplina das relações institucionais”.”
A referida Medida Provisória tem como objeto fixar regras sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro nacional, consolidando e atualizando a legislação pertinente ao assunto.
Portanto, a matéria inserida por contrabando em Medida Provisória que dispõe sobre “a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional” consolidando e atualizando a legislação pertinente, não pode dispor sobre matéria completamente diversa, cuja regulamentação prescinde de Lei Complementar.(…)
Sendo patente que o art. 5º, da Medida Provisória em questão, dispõe sobre a relação existente entre o Sistema Financeiro Nacional e as Instituições Financeiras, inquestionável é a aplicabilidade do artigo constitucional que exige o emprego de lei complementar, ou seja, art. 192, caput, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 40.
Assim, incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do art. 5º, da Medida Provisória 2170-36.”
Ressalte-se, ainda, que, conforme já mencionado, o referido normativo padece dos requisitos ensejadores de edição de Medida Provisória, nos termos do art. 62 da Constituição Federal, quais sejam, relevância e urgência. Além do mais, o prazo de vigência, conforme o citado artigo, é de apenas 60 (sessenta) dias, até a edição de norma definitiva da matéria.
Portanto, injustificadas as várias reedições da MP para tratar de assunto que não represente relevância ou urgência em sua apreciação. Ao contrário, tal projeto exige prévio estudo de viabilidade econômica e social, possibilitando implementar medidas econômicas justas, e não apenas legais.
Portanto, a referida Medida Provisória nasce morta, na medida em que está fadada à inconstitucionalidade, como bem decidido pela Justiça do Distrito Federal, embora o Superior Tribunal de Justiça insista na aplicação fria e distante do mencionado normativo. Registre-se, por oportuno, que se encontra em trâmite perante o Pretório Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 2316-1, em que se discute a aplicação da Medida Provisória 2.170-36/01, sendo certo que, não obstante não exista qualquer julgamento, os Ministros vêm se posicionando pela suspensão da eficácia da MP até o julgamento final da Ação, como se observa dos Informativos do Supremo Tribunal Federal de número 262[16] e 413[17].
É certo o grande interesse público que orbita a matéria, como demonstrado pelo Ofício 2008/DPS da Defensoria Pública do Distrito Federal, Núcleo de Sobradinho, assinado pelo Defensor Público Dr. Cláudio Ribamar Santana, protocolizado nos autos referenciados, nos seguintes termos:
“Solicitamos a Vossa Excelência informações acerca do julgamento da ADIN 2316-1, proposta pelo Partido Liberal em face do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36, de 23 de agosto de 2003, que permitiu às instituições financeiras a prática da capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano.(…)
Ressalto a urgência da definição da matéria por essa Corte Constitucional, uma vez que inúmeras pessoas hipossuficientes de todo país serão beneficiadas por eventual declaração de inconstitucionalidade.[18]
Quanto à aplicação da Lei 10.931/04, interessante citar julgado do TJDFT, nos autos do processo, nos termos do voto do Desembargador Relator Flavio Rostirola, litteris:
“ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISO I, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DO ARTIGO 28 DA LEI N. 10.931/2004. AUTORIZAÇÃO EM LEI ORDINÁRIA DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. MATÉRIA AFETA AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. TEMA A SER PREVISTO EM LEI COMPLEMENTAR. AFRONTA DIRETA ÀO ARTIGO 192, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM REDAÇÃO CONFERIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 40. 1. Ao autorizar a capitalização de juros em cédula de crédito bancário, o inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da lei n. 10.931/2004 afronta diretamente o artigo 192, caput, da Constituição Federal de 1988, que determina caber à lei complementar a regulamentação de matéria afeta ao Sistema Financeiro Nacional. 2.Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da lei n. 10.931/2004.” (AIL 2008.00.2.000860-8, Relator Desembargador Flavio Rostirola, Conselho Especial, julgado em 20.05.2008, DJ 05.09.2008).
As matérias que disciplinam o Sistema Financeiro Nacional devem ser reguladas por diploma legal complementar, inclusive, quanto à participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.(…)
Acerca da regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, cumpre ressaltar que este não se confunde com o sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos. Vale trazer à baila contribuição do douto representante do Ministério Público, ao citar o augusto doutrinador José Afonso da Silva:
Segundo José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 804), o Sistema Financeiro Nacional é um sistema financeiro parapúblico, que, ao contrário do sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos, é responsável pelas ‘instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização’, de forma a garantir o controle do Poder Público sobre tais instituições.
A regulamentação desse sistema, ensina José Afonso da Silva, dá-se com a disposição sobre as ‘relações institucionais do sistema financeiro’, ou seja, as relações do Poder Público com as instituições financeiras públicas ou privadas, excluindo-se as relações entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços, que serão tratadas por normas próprias.
Por fim, salienta o autor que, ‘embora o controle de Poder Público sobre as instituições financeiras possa também amparar interesses dos usuários, isso não interfere diretamente com as relações destes com aqueles, que se regem por outras normas (…), de sorte que as leis complementares só são exigidas na disciplina das relações institucionais.
Dessa forma, as leis complementares exigidas pelo artigo 192 da Carta Magna devem dispor sobre a relação entre o Sistema Financeiro Nacional e as instituições financeiras. Nota-se que tal conteúdo é o apresentado pelo dispositivo da lei ora impugnada. (fl.117).
Diante desse panorama, constata-se, sem dificuldades, que o rechaçado artigo 28, parágrafo primeiro, inciso I da Lei n. 10.931/2004 trata de capitalização de juros, matéria esta afeta ao Sistema Financeiro Nacional, cuja regulamentação deve ocorrer por meio de lei complementar.
Em outras palavras, o dispositivo combatido autoriza, em sede de lei ordinária, a capitalização mensal de juros em cédulas de crédito bancário, quando tal tema deveria ser normatizado por lei complementar. Resta, de tal sorte, flagrante a afronta aos ditames constitucionais.
Neste momento, convém enfatizar a vigência do princípio da supremacia da Constituição, por meio do qual as situações jurídicas devem conformar-se com a Carta Magna, considerada lei fundamental. O texto constitucional serve como norte na elaboração do ordenamento jurídico pátrio, repelindo-se, dessarte, a introdução de novéis diplomas legais que contrariem os ditames constitucionais.
Nessas condições, DECLARO a inconstitucionalidade incidenter tantum do inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da Lei n. 10.931/2004, em decorrência da estampada violação direta ao artigo 192 da Constituição Federal de 1988. (grifamos)
Mais uma vez, é possível notar a prudência do TJDFT em declarar a inconstitucionalidade da MP 2.170-36/01 e da Lei 10.931/04, na medida em que ambas enfrentam matérias alheias à sua seara, afrontando o art. 192 da Constituição Federal, sendo óbvia, pois, em contrapartida, a aplicação plena do Decreto 22.626/33, vez que se adéqua materialmente à Constituição Federal, não configurando vício formal de constitucionalidade por ter sido introduzida no ordenamento jurídico pátrio sob a égide de outra ordem constitucional.
3.2. A tabela price e o art. 4º do Decreto 22.626/33.
Conforme amplamente demonstrado, o Decreto 22.626/33 visa coibir práticas lesivas à economia popular. Dentre essas práticas, podemos destacar a capitalização composta de juros. Tal vem sendo tão deletéria quanto os empréstimos feitos à elevadas taxas de juros, intimamente relacionados a agiotas e seus pouco ortodoxos métodos de cobrança.
O que difere os agiotas dos bancos e instituições financeiras em geral é, unicamente, os métodos de cobrança, menos incisivos, contudo, de igual abusividade.
Nesse sentido, preceitua o já citado art. 4º do Decreto 22.626/33:
“Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.”
Nessa esteira, restou exaustivamente comprovado pela melhor doutrina que a contagem de juros sobre juros é o mesmo que capitalização composta de juros, e, por sua vez, sinônimo de anatocismo[19].
Portanto, a mencionada norma proíbe a prática da contagem de juros sobre juros (capitalização de juros – anatocismo) em periodicidade inferior a um ano.
Mais uma vez, trazemos a notícia de que a Tabela Price é construída com base em tabelas precedentes de capitalização composta de juros, e por sua vez, é uma tabela cuja sistemática é eminentemente a capitalização composta de juros, na maioria esmagadora das vezes em periodicidade mensal, conforme seu próprio criador, o Reverendo Richard Price, nos termos seguintes:
“ESTAS Tabelas podem ser encontradas na maioria dos livros que tratam de Juro Composto e anuidades; mas tem sido, neste estudo, tantas vezes necessário consultá-las, que foi preciso poupar o leitor o trabalho de recorrer a outros livros por causa delas.” (PRICE, 1803, p. 286 apud NOGUEIRA, 2007, p. 28).
Portanto, não há conclusão mais lógica senão que a sistemática da Tabela Price, aplicada a financiamentos em geral, é totalmente ilegal. Nesse sentido, prudentemente vêm decidindo alguns Tribunais país a fora.
O entendimento, contudo, não é unânime entre as turmas e câmaras dos Tribunais de Justiça, dentre os quais, é possível citar entendimento favorável à aplicação da Tabela Price oriundo do TJDFT:
“CIVIL. PROCESSO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. VEDAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. APLICAÇÃO ISOLADA. REPETIÇÃO DE INDEBITO. POSSIBILIDADE. FORMA SIMPLES.
1. Não obstante questionável constitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17/2000 e suas sucessivas reedições, o julgador deve ainda verificar caso a caso a ocorrência de efetivo anatocismo, prática que difere da capitalização per si, para só então afastar a cláusula que o estabelece de forma sorrateira.
2. A prática defesa é a que evidencia a contagem de juros sobre juros não vencidos – o anatocismo. Dessa forma, a mera aplicação da Tabela Price não denota a prejudicialidade na contagem dos juros.
3. É admitida a incidência da comissão de permanência, desde que não incida cumulativamente com correção monetária, juros remuneratórios, moratórios e/ou multa contratual, e desde que calculada a base da taxa de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
4. É cabível a repetição do indébito dos valores vertidos em excesso, desde que na forma simples, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do consumidor.
5. Apelo parcialmente provido tão-somente para determinar que a comissão de permanência incida de forma isolada e seja calculada à taxa média do mercado, limitada à taxa do contrato.” (20080110123565APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 17/09/2009, DJ 28/09/2009 p. 97)
“PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EMPRÉSTIMO CONTRAÍDO JUNTO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA PARA A AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. APLICAÇÃO TABELA PRICE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO E EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO
A matéria relativa à capitalização de juros, pelas instituições financeiras, não demanda Lei Complementar, uma vez que, com a alteração da redação do art. 192 da Constituição Federal pela EC 40/03, especificamente em relação ao pretérito parágrafo terceiro, não há mais a exigência desse rito legislativo para autorizar a citada capitalização.
A jurisprudência do Col. Superior Tribunal de Justiça admite ser possível a capitalização mensal dos juros para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001. Logo, em se tratando de contratos firmados posteriormente à edição da citada norma, a cobrança de juros capitalizados em períodos inferiores a um ano afigura-se perfeitamente possível.
Não há qualquer restrição legal que impeça o uso do sistema francês de correção, denominado tabela price.
É admitida a incidência da comissão de permanência após o vencimento da dívida, desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual. Precedentes do STJ.
Com a entrada em vigor da nova regulamentação do Conselho Monetário Nacional – CMN (Resolução n. 3.518/2007), a TAC e a cobrança pela emissão de boletos bancários foram extintas, uma vez que não estariam mais previstas nas regras que padronizaram as cobranças feitas pelos diferentes bancos e financeiras. Logo, são nulas de pleno direito a cobrança dessas taxas, consoante, inclusive, a legislação consumerista.
O simples ajuizamento de ação revisional de contrato não é suficiente para obstar a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito. Precedentes do STJ. Recurso conhecido e provido parcialmente.” (20080111254253APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 22/07/2009, DJ 16/09/2009 p. 56)
Alguns magistrados e doutrinadores sustentam ainda que deve prevalecer o direito de livre estipulação contratual entre as partes. Entretanto, em regra os contratos bancários são adesivos, não cabendo ao devedor opinar sobre as suas condições. Nesse aspecto, não há como prevalecer o princípio da liberdade contratual, eis que apenas é exercida pela instituição financeira.
Há, ainda, o entendimento de que o Decreto 22.626/33 não se aplica às instituições financeiras, conforme demonstrado a seguir:
“O CÍVEL. – AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL COM PEDIDO DE LIMINAR. – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. – NOVAÇÃO. – CONFISSÃO DE DÍVIDA. -APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 22 .626/33 ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. – IMPOSSIBILIDADE. – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. – EXCLUSÃO. – TBF. – AINDA QUE PACTUADA NÃO É POSSÍVEL A SUA INCIDÊNCIA. – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. É pacífico o entendimento jurisprudencial que a Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras, II. Quanto à comissão de permanência, é nula a cláusula que a autoriza por sujeitar o devedor ao exclusivo arbítrio do credor, e se verificando a sua cumulação com outros consectários, sua exclusão se faz necessária. III. A TBF, ainda que pactuada, é vedada sua utilização como índice de correção monetária, pois foi instituída para ser utilizada exclusivamente como base de remuneração. Há, portanto, vedação legal para a sua aplicação como encargo moratório ou fator de utilização monetária.” (TJPR – Apelação Cível – 0200859-7. Relator: Lidio José Rotoli de Macedo. Julgamento: 29/10/2002. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível (extinto TA). Publicação: 14/11/2002 DJ: 6250)
“DIREITO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LIMITAÇÃO DE JUROS.
I. A capitalização de juros é permitida nos contratos celebrados com instituições financeiras, posteriormente à edição da Medida Provisória n° 1.963-17/2000, perenizada sob o n° 2.1270-36/2001 pela EC 21/2001.
II. A controvérsia sobre a aplicação dos juros foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do enunciado da Súmula nº 596, do seguinte teor: “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”
III. Ausente previsão contratual que estabeleça a cobrança de comissão de permanência, carece a parte de interesse processual, nesse aspecto.
IV. A mera propositura de ação judicial pelo devedor visando à discussão de cláusula contratual não pode se erigir em obstáculo à inclusão de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Precedentes STJ.
V. Negou-se provimento ao recurso.” (20080111575384 APC, Relator JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, julgado em 07/10/2009, DJ 21/10/2009 p. 184)
Tal argumento tem por base a Súmula 596 do STF, que entende pela impossibilidade de aplicação da Lei da Usura às instituições que compõem o sistema financeiro nacional.
No entanto, conforme entendimento também do TJDFT, essa tese sumular aplica-se tão somente à limitação dos juros, devendo, contudo, serem restritos às taxas médias praticadas no mercado. Quanto à capitalização, é entendimento jurisprudencial no sentido de que é vedada, ainda que expressamente convencionada, sendo a autorização apenas aos recursos do Tesouro Nacional, litteris:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. AFASTAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 5º MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/01. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULADA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA MORATÓRIA.
1. As instituições financeiras não se submetem à limitação de juros compensatórios sobre o capital mutuado (Enunciado 596 do excelso STF). Todavia, isso não significa que estão autorizadas a estipular juros exorbitantes, que devem ser ajustados à taxa média de mercado praticada ao tempo do contrato, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
2. É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, salvo nos casos previstos em lei, como na cédula de crédito rural, industrial e comercial. A autorização dada pela Medida Provisória 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, somente diz respeito à administração dos recursos do Tesouro Nacional, não podendo ser aplicada a qualquer contrato bancário, uma vez que o sistema financeiro nacional somente pode ser regulado por leis complementares.
3. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 294), é legal a previsão contratual de cobrança, na hipótese de inadimplência, de comissão de permanência à taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato, desde que não cumulada com correção monetária, multa e juros moratórios.” (20070110903460APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/07/2009, DJ 10/08/2009 p. 119) (grifo nosso)
Verifica-se que até o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo contra o fluxo, admitindo a aplicação da Tabela Price mediante fria e distante análise mecânica da lei, donde podemos destacar o seguinte julgamento:
“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO BANCÁRIO – FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – CONTRATO POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP 2.170-36 – PREVISÃO CONTRATUAL – DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAL CONSTITUCIONALIDADE – IMPOSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DO STF – JUROS MORATÓRIOS – LIMITAÇÃO EM 1% AO MÊS – AFASTAMENTO DOS EFEITOS DA MORA – MANUTENÇÃO DA POSSE DO BEM – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME – INOVAÇÃO EM SEDE DE REGIMENTAL – DESPROVIMENTO.
1 – Inicialmente, cumpre asseverar que, em sede de recurso especial, a competência desta Corte Superior de Justiça se limita a interpretar e uniformizar o direito infraconstitucional federal, a teor do disposto no art. 105, III, da Carta Magna. Assim sendo, resta impossibilitado o exame de eventual inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17 (atualmente MP 2.170-36), sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal.
2 – Sob o ângulo infraconstitucional, a eg. Segunda Seção deste Tribunal Superior já proclamou o entendimento de que, nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente pactuada. In casu, além da pactuação ser posterior à edição da referida medida provisória, o próprio agravante reconheceu, ainda na inicial, a expressa previsão da capitalização mensal dos juros.
Desta forma, resta incontroversa a efetiva pactuação no contrato em tela.
3 – Em relação à limitação dos juros moratórios, a v. acórdão recorrido limitou-os em 1% ao mês, a teor dos artigos 1º e 5º do Decreto 22.626/33. Todavia, os efeitos da mora foram afastados pelo Tribunal a quo.
4 – Incabível eventual discussão acerca da manutenção da posse do bem em nome do autor, porquanto tal matéria não foi discutida em nenhum momento, desde a prolação da sentença, não cabendo inovar a tese jurídica em sede de agravo regimental.
5 – Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 788.068/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006 p. 236)
Contudo, o que o Colendo STJ não levou em consideração foi a edição de Súmula pelo Supremo Tribunal Federal, enunciado nº 121, sobre o tema, inadmitindo a capitalização composta de juros nos contratos de financiamento, o que transcende a edição de norma posterior, mormente se eivada de vício de constitucionalidade.
Nesse aspecto, é a tese da Súmula 121 do Pretório Excelso:
“SÚMULA Nº 121
É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA.”
A referida tese sumular é cristalina, não admitindo interpretação diversa. Uma vez configurada a capitalização de juros, ilegal é o contrato.
Como já noticiado, tramita no Pretório Excelso Ação Direta de Inconstitucionalidade, de nº 2316-1, ajuizado pelo Partido Liberal (PL) em 19 de setembro de 2000. Na referida ação pretende-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/01 (à época MP 1.963-22/00), que permite a capitalização composta de juros em periodicidade inferior a um ano, cujo julgamento pelo Pleno do STF ainda não ocorreu, embora os Ministros venham se posicionado pela inconstitucionalidade como demonstrado.
Enquanto o julgamento definitivo da lide não se conclui, valemo-nos das reiteradas decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no sentido da ilegalidade da aplicação da Tabela Price por sua natureza de capitalização composta de juros, em que podemos citar:
“CIVIL. APELAÇÃO. REVISÃO DE CLÁUSULAS DE CONTRATO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LIMITAÇÃO E CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE.
I – As instituições financeiras não estão adstritas a limites pré-definidos de juros, não sendo abusiva a cláusula contratual que os fixa em patamar superior a 12% (doze por cento) ao ano.
II – Conforme jurisprudência majoritária neste Tribunal, está vedada a capitalização mensal de juros” (20070111422559APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 18/05/2009 p. 61)
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO. VEÍCULO AUTOMOTOR. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PRELIMINAR: CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. MÉRITO: CAPITALIZAÇÃO INCONTROVERSA. MP 2.170-36/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
I – Não há afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa se contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial a parte não se insurgiu no momento oportuno, operando-se a preclusão.
II – A capitalização de juros só é permitida nos casos expressamente autorizados por norma específica, não sendo admitida em contratos bancários de abertura de crédito direto ao consumidor, encontrando, em regra, vedação expressa no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 4º do Decreto nº 22.626/33.
III – O Superior Tribunal de Justiça já decidiu não ser razoável a interpretação de que o art. 5° da Medida Provisória n° 2.170-36, que permite a capitalização de juros em período inferior a um ano teria aplicação em qualquer operação financeira, na medida em que se destinou a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, acrescentando ainda que se deve “ter em conta que a Constituição Federal, no art. 192, dispõe que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por leis complementares, e, no § 1º do art. 62, veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar” (AGREsp 609379/RS), fundamento este que, inclusive, respaldou a declaração incidental de inconstitucionalidade do referido art. 5º por esta Corte (AIL 2006.00.2.001774-7).
IV – Recurso provido.” (20070110225596APC, Relator NÍVIO GERALDO GONÇALVES, 1ª Turma Cível, julgado em 19/12/2007, DJ 04/03/2008 p. 16)
“AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL – REVISÃO DE CONTRATO – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA.
1- O art. 557, do Código de Processo Civil, autoriza o relator a negar seguimento ao recurso manifestamente improcedente, inadmissível, prejudicado ou em confronto com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
2 – Desnecessária perícia para comprovar que a conhecida Tabela Price implica capitalização de juros. O próprio criador da Tabela, identificada com seu nome, assim o diz em 1.781, no título da obra: “Tabela de juros compostos”, in: “Observations on Reversonary Payments” Ed. Tcadell – Londres.
2.1 – Exigir tal providência é determinar a realização de provas sobre circunstâncias públicas e notórias (art. 334, I, do CPC).
2.2 – É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, conforme enunciado nº 121 do Supremo Tribunal Federal.
3 – As cláusulas abusivas são nulas de pleno direito, conforme disposição do caput do art. 51 do CDC.
4 – Negou-se provimento Agravo Regimental.” (20070111276592APC, Relator JOÃO MARIOSA, 3ª Turma Cível, julgado em 16/09/2009, DJ 30/09/2009 p. 34)
“APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO HABITACIONAL. SFH. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO. TABELA PRICE JUROS. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. A amortização da prestação paga deve ocorrer antes da correção do saldo devedor, sob pena de se outorgar ao credor injustificada vantagem na relação com o seu devedor (vencido o Relator).
2. É ínsita à Tabela Price a capitalização mensal de juros, proibida pelo ordenamento jurídico (STF 121), salvo hipóteses excepcionais (STJ 93) estranhas ao caso concreto.
3. Restando caracterizada a sucumbência recíproca em igual proporção, impõe-se a divisão dos ônus respectivos.
4. O saldo devedor deve ser corrigido conforme previsão contratual.” (20020111150406APC, Relator FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, julgado em 20/05/2009, DJ 10/06/2009 p. 78)
“EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE COBRANÇA. PREVI. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. AMORTIZAÇÃO DAS PRESTAÇÕES E ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. TABELA PRICE. ATO JURÍDICO PERFEITO.
1. Na ausência de lei complementar sobre a ordem de amortização das prestações pagas, prevalece a regra inserta na Lei n. 4.380/64, seja porque o contrato em epígrafe não diz respeito ao Sistema Financeiro de Habitação, seja porquanto mister privilegiar a interpretação mais favorável ao consumidor. Vale dizer: correta a prévia amortização do saldo devedor.
2. O sistema Price foi importado da França, o qual possui uma realidade econômico-jurídica completamente diversa da nossa. Sua aplicação implica necessariamente o cálculo de juros exponenciais, que esbarram no art. 4º do Dec. n. 22.626/33, assim como no verbete n. 121 da súmula do STF (“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.”).
3. “Não há que se falar em violação ao ato jurídico perfeito, uma vez que o nosso ordenamento jurídico permite a revisão de cláusulas contratuais a qualquer tempo” (APC 20010110385538, Rel. SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, DJU 09/04/2003, p. 46).
4. Recurso conhecido e desprovido. Maioria.” (20040111024307EIC, Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Câmara Cível, julgado em 10/11/2008, DJ 05/03/2009 p. 28) (grifos não constam do original)
Portanto, a corrente mais expressiva da matéria é no sentido da ilegalidade da aplicação da Tabela Price em contratos de financiamento, nos termos do art. 4º do Decreto 22.626/33, mesmo após a superveniência de norma revogadora, na medida em que essas normas padecem de vício de inconstitucionalidade, conforme demonstrado.
3.3. A tabela price e o art. 6º do Decreto 22.626/33.
Outra questão que implica na ilegalidade da Tabela Price vem a ser sua exigibilidade antecipada dos juros.
Nesse sentido, demonstra o professor Scavone Júnior (2008, 215):
“Nesse sistema, os juros são recebidos sobre todo o capital acumulado e não sobre a parcela de capital correspondente. Apenas o resíduo do valor da prestação total é utilizado para amortização do capital.
Por conseguinte, o valor total pago a título de juros suplanta aquele devido em razão dos juros capitalizados de forma simples na exata medida em que a taxa é aplicada, a cada período, sobre todo o capital.”
Portanto, conforme se depreende da observação do referido professor, e conforme demonstrado em itens anteriores (precisamente o item 2.5), a capitalização de juros pela Tabela Price se dá de forma antecipada, antes do vencimento, confrontando o art. 6º da Lei da Usura, litteris:
“Art. 6º. Tratando-se de operações a prazo superior a (6) seis meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o calculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda a que produziria a importância liquida da operação no prazo convencionado, as taxas máximas que esta lei permite”. (grifamos)
Nesse aspecto, de forma objetiva e pragmática, o citado doutrinador discorre:
“Em suma, o ponto fundamental para a conclusão da proibição da tabela price pelo critério do art. 6.º do Decreto 22.626/33, pode ser resumido no seguinte exemplo: o capital de R$ 100.000,00 pelo prazo de quinze anos e amortizações mensais, iguais e sucessivas, com taxa de juro de 1% ao mês, pela tabela price equivalerá ao pagamento total, a titulo de juros, de R$ 116.029,63.
Todavia, considerando uma “série de pagamentos”, decompondo o mesmo capital em razão de idêntico prazo, o pagamento total de juros importa em R$ 90.500,00.
Por outro lado, as parcelas obtidas pela aplicação da tabela price correspondem à taxa de juros de 1,2821% ao mês, de forma simples, incidindo sobre cada parcela de capital tendo em vista o prazo para restituição.
Portanto, considerada a série de pagamentos e a fórmula para obtenção do montante (valor futuro) com capitalização simples sobre cada parcela de capital em razão do prazo, o sistema francês oculta taxas de juros maiores que aquelas declaradas.
Em outras palavras, como a tabela price antecipa os juros vincendos, acaba ocultando uma taxa maior de juros capitalizados de forma simples”. (SCAVONE JÚNIOR, 2008, p. 218/220)
Portanto, a Tabela Price, cobrando os juros por antecipação, mascara a real taxa de juros, uma vez que o valor total de juros suplanta os que seriam devidos se aplicada a capitalização simples. Nesse passo, patente sua ilegalidade, dessa feita, ante o critério do art. 6º, Dec. 22.626/33.
3.4. A tabela price sob a ótica dos artigos 5º, XXXII, 170, V, da Constituição Federal, e do Código de Defesa do Consumidor.
A Constituição Federal assegura, no rol dos direitos e garantias fundamentais, a defesa ao consumidor (art. 5º, XXXII, CF) como meio de repressão ao abuso de poder econômico.
Mais adiante no texto constitucional, observa-se a instituição de princípios que regulam a Ordem Econômica e Financeira, prescrevendo, no art. 170, V:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
V – defesa do consumidor;”
A fim de conferir eficácia ao citado dispositivo constitucional, surge o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. O referido diploma legal busca proporcionar a proteção da parte mais fraca da relação, o consumidor, em face de eventuais abusos por parte do fornecedor de serviços, normalmente detentor de grande capital, e, consequentemente, poder.
Cumpre registrar o pacífico entendimento de que o CDC aplica-se às relações bancárias. Tal conclusão parte do art. 3º, § 2º, do próprio Código na medida em que se considera serviço qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.
Consolidando tal entendimento, surge a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
“297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
Partindo desse pressuposto, o art. 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, prescreve:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;” (grifamos)
Comentando esse trecho, Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 182):
“São abusivas as cláusulas que exigem do consumidor prestações desproporcionais ao valor da aquisição ou que tentam anular as normas legais de proteção ao consumidor.
Esse Código resistiu ao fascínio da definição de uma cláusula abusiva. Limitou-se a enumerar, no art. 51, as hipóteses que fazem configurar a abusividade do ajuste com o consumidor. Temos para nós que essa relação de hipóteses não é exaustiva.
Em se tratando de caso concreto a que não se reporte o precitado art. 51, em que sejam perceptíveis cláusulas em desacordo com os princípios informativos e basilares deste código é inquestionável que elas, mesmo assim, não deixa de ser abusivas.”
Cabe questionar: seria abusiva taxa que sobreleva a taxa de juros, utilizando-se de sistemática de capitalização composta? Fica claro que a amortização da dívida por intermédio da Tabela Price onera excessivamente o devedor. Prova disso são as tabelas comparativas lançadas ao longo desse trabalho (vide itens 1.3 e 2.4.3).
Portanto, seria aplicável a hipótese do art. 6º, IV, do CDC, na medida em que se traduz em verdadeira cláusula abusiva a que estabelece a sistemática composta de juros pela Tabela Price para cálculo de amortização de um capital.
Ainda, o art. 51 do referido diploma consumerista, conforme esposado por Eduardo Gabriel Saad, complementa o art. 6º, estabelecendo hipóteses de cláusulas abusivas, dentre as quais destacamos:
“IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade;”
Tratando desse inciso, o referido autor:
“Quando e onde as obrigações forem consideradas iníquas e colocarem o consumidor em desvantagem exagerada ou forem incompatíveis com a boa-fé e a equidade, a respectiva cláusula é nula. Esse inciso é um prolongamento do inciso VIII do art. 6º:”a facilitação da defesa de seus direitos (do consumidor), inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência”. (SAAD, 2002, p. 462)
Ainda Cláudia Lima Marques (2004, p. 796) comenta:
“As expressões utilizadas, boa-fé e equidade, são amplas e subjetivas por natureza, deixando larga margem de ação ao juiz; caberá, portanto, ao Poder Judiciário brasileiro concretizar através desta norma geral, escondida no inciso IV do art. 51, a almejada justiça e equidade contratual. Segundo renomados autores, o CDC ao coibir a quebra da equivalência contratual e considerar abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em “desvantagem exagerada” está a resgatar a figura da lesão enorme e a exigir um dado objetivo de equilíbrio entre as prestações. Parece-nos que a norma do inciso IV do art. 51 do CDC, com a abrangência que possui e que é completada pelo disposto no § 1º do mesmo art. 51, é verdadeira norma geral proibitória de todos os tipos de abusos contratuais, mesmo aqueles já previstos exemplificativamente nos outros incisos do art. 51.”
Portanto, pautando-se nos princípios da boa-fé, os contratos em geral não podem estipular cláusulas que onerem excessivamente o consumidor. Nesse passo, volta-se a perguntar: seria o caso de aplicar o citado inciso nos contratos que estabelecem a Tabela Price como sistemática de amortização?
Sobre a utilização da capitalização composta de juros, Dallagnol (2002), citando Antônio de Pádua Collet e Silva, no seu artigo “Entendendo os Aspectos Legais dos Juros”, descreve:
“Parte o autor de um exemplo básico para que se possa “sentir” a diferença. Parte do valor do principal de R$ 1.000,00, taxa de juros de 8% ao mês, de período mensal.
Primeiro considera período inferior a um ano, com prazo de um semestre (seis meses), do que resultaria ao fim um total com juros legais somando R$ 1.480,00. O valor do principal e o valor do montante de juros não variam a cada mês, sendo o principal ao longo dos seis meses de R$ 1.000,00, e o valor dos juros de R$ 80,00 em cada mês. Já do cálculo com juros capitalizados resultaria um total de R$ 1.586,87. A cada mês o valor do principal se altera, somando-se os juros do período anterior, o que resulta numa alteração do valor dos juros a cada mês, pois embora a taxa de juros não varie o principal aumenta (R$ 80,00 no primeiro, R$ 86,40 no segundo,…).
Daí concluiu que, neste primeiro exemplo, comparando os valores obtidos, os juros capitalizados resultaram uma remuneração para o capital em + 58%, enquanto os juros legais resultaram uma remuneração para o principal em + 48%. Deste modo os juros capitalizados proporcionaram um ganho comparativamente maior em + 7,22% sobre os juros legais.
Em seguida, considera o autor para os mesmos dados básicos um período superior a um ano (o que muda um pouco porque os juros legais podem ser capitalizados de ano a ano), um prazo de cinco anos (60 meses). O total com juros legais após o período de 5 anos soma R$ 27.888,25. O valor do principal e a remuneração mensal de juros não varia dentro de cada ano. Somente ao completar cada ano o montante de juros do ano é acrescido ao valor do principal (juros compostos em períodos anuais). Já o total com juros capitalizados após o período de 5 anos é de R$ 101.257,06. Não é erro de digitação, é este absurdo mesmo. A cada período mensal varia o valor do principal, incorporando-se o valor dos juros do período anterior, bem como a cada período varia o montante de juros, pois embora a taxa de juros seja a mesma o valor do principal aumenta.
Conclui o autor, após comparar os valores totais obtidos com os dois critérios de cálculo, que os juros capitalizados aumentaram a remuneração para o principal em + 10.025,7%, enquanto os juros legais proporcionaram um aumentaram a remuneração para o principal em + 2.288,8%. A aplicação dos juros capitalizados geraram um ganho comparativamente maior em +263,08% sobre o ganho proporcionado pelos juros legais.
Cientes da restrição de tal intuição, especialmente pelos menos favorecidos, os preceitos bíblicos condenam a usura desde o Antigo Testamento. Talvez já soubessem, naquela época, dos resultados em se depositar um único grão de trigo no primeiro quadrado de um tabuleiro de xadrez, dobrando esta quantia nos quadrados seguintes. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128,… mas quando chega no 64° quadrado, o resultado é quase 18, 5 quintilhões de grãos!”
Além do exemplo alistado acima, fazemos remissão às tabelas e cálculos colacionados nesse trabalho para que se chegue a uma conclusão óbvia: a Tabela Price é iníqua, na medida em que estabelece obrigações extremamente desvantajosas ao devedor.
Nesse passo, o art. 6º, V, do CDC, assegura ao devedor o direito à modificação destas cláusulas que venham a estabelecer prestações desproporcionais, caso típico da aplicação da Tabela Price, conforme demonstrado acima.
Portanto, observa-se que, não bastassem as disposições frontais constantes da Lei da Usura, Decreto 22.626/33, a Tabela Price pode ser enfrentada pelas vias do Código de Defesa do Consumidor e seus princípios garantidores da proteção aos direitos da parte hipossuficiente. Nesse aspecto, conta-se com a subjetividade do julgador para aferir a abusividade da cláusula que estipule a utilização da Tabela Price como sistema de amortização.
Nos termos ainda dos artigos 4º, III, e 6º, II, estão insculpidas, além do artigo 46, 52 e 54, do Código de Defesa do Consumidor, normas que garantem o direito do prévio conhecimento do conteúdo dos contratos. O direito a plena informação sobre o negócio é crucial a fim de que o devedor esteja a par de suas obrigações e encargos. A responsabilidade da informação é do fornecedor, pautado na boa-fé que norteia os contratos consumeristas.
Nesse sentido, observa Scavone Júnior (2007, p. 229/230) acerca da aplicação da Tabela Price nos contratos de financiamento:
“Ademais, já escrevemos alhures que o sistema francês é utilizado para mascarar o preço real pretendido, principalmente nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis.
De fato, mesmo aqueles que conhecem o significado, dificilmente sabem demonstrar os labirínticos cálculos envolvidos e prever o alcance dos aumentos que serão carreados Às parcelas em decorrência da aplicação da tabela price. (…)
Sendo assim, ainda que o sistema francês fosse considerado legal diante do Decreto 22.626/33, restaria inviável sua utilização no âmbito das relações de consumo no curso da contratação.”
Portanto, a simples menção da amortização não é suficiente para colocar o contratante a par de todas as implicações do Sistema Francês de Amortização. Assim, impõe-se medida de esclarecimento cabal de todas as implicações da aplicação da Tabela Price, conforme, inclusive, entendimento do TJDFT, in litteris:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – REVISÃO DE CONTRATO – APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE MÚTUO – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: APLICABILIDADE. As disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) são aplicáveis aos contratos bancários. É o teor do enunciado na Súmula nº. 297 do STJ.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MP 2.170/01. A capitalização de juros só é admitida quando autorizada por lei específica, incidindo a vedação geral contida no enunciado da Súmula 121 do Pretório Excelso, nos casos em que inexistente o permissivo legal.
O Conselho Especial desta Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº. 2.170/01, o qual trouxe previsão autorizativa da capitalização mensal de juros nos contratos bancários em geral, invadindo matéria reservada a Lei Complementar.
Mesmo quando autorizada por lei específica, a capitalização mensal de juros só pode ser empregada nas relações de consumo se constar, expressamente, do contrato, sob pena de ferir o direito de informação do consumidor, previsto no art. 6º, incisos III e IV do CDC.
TABELA PRICE: INAPLICABILIDADE. O emprego da Tabela Price como método de amortização do débito, promove a capitalização de juros, devendo ser substituído pelo Sistema de Amortização Constante.
PRECEDÊNCIA DA ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR SOBRE A AMORTIZAÇÃO DAS PRESTAÇÕES. (1) O critério de prévia correção do saldo devedor e posterior amortização das prestações pagas constitui procedimento lógico e justo, porquanto a primeira prestação do financiamento é paga apenas um mês após o empréstimo do capital, de maneira que, se a amortização das prestações anteceder a correção do saldo devedor, a atualização monetária não incidirá sobre o valor total do capital emprestado, mas apenas de parte dele; (2) O art. 6º, letra ‘c’, da Lei nº. 4.380/64, que determinava o reajuste do saldo devedor somente após o amortização das parcelas pagas, foi revogado diante de sua incompatibilidade com a nova regra ditada pelo art. 1º do Decreto-lei nº. 19/66, o qual instituiu novo sistema de reajustamento dos contratos de financiamento e atribuiu competência ao BNH para editar instruções sobre a correção monetária dos valores. Precedentes do STJ. Ademais, referido dispositivo não determinava que a amortização das prestações deveria anteceder à correção monetária, mas apenas fixava critérios para a aplicação do disposto no artigo anterior, ou seja, previa em que casos se aplicaria o art. 5º da Lei nº. 4.380/64 aos contratos do Sistema Financeiro de Habitação, deixando claro que tais disposições não se aplicavam indistintamente a todos os contratos, como pretendem alguns.
CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR. SUBSTITUIÇÃO DO IPC-R PELO PES/CP: IMPOSSIBILIDADE. Muito embora o contrato de financiamento imobiliário submeta-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, o emprego do IPC-r na correção do saldo devedor do financiamento não se afigura abusivo, nem acarreta onerosidade excessiva a justificar sua substituição pelo plano de equivalência salarial que foi adotado apenas para a correção das prestações.(20040111139386APC, Relator LUCIANO VASCONCELLOS, 3ª Turma Cível, julgado em 12/03/2008, DJ 29/04/2008 p. 35)” (grifamos)
Portanto, é claro que, não obstante as normas diretas sobre a proibição da capitalização composta de juros, a aplicação da Tabela Price poderia ser enfrentada, ainda, pelas vias do Código de Defesa do Consumidor. As cláusulas abusivas que compõem os contratos de financiamento pela sistemática Price, bem como a supressão de informações, segundo as normas de defesa consumeristas, implicariam em sua nulidade, sem, ao menos, ser necessário suscitar a ilegitimidade da operação.
3.5. Os efeitos devastadores da capitalização composta de juros no cidadão brasileiro. O crédito como instrumento de ascensão.
A maioria esmagadora dos trabalhadores brasileiros possui uma renda muito aquém do que se espera para satisfazer suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene. Transporte e previdência social (art. 7º, IV, da Constituição Federal).
O crédito financeiro é de alta valia, uma vez que garante ao assalariado alcançar objetivos e sonhos que de outra forma não seria possível, mesmo tratando-se de anseios básicos inerentes ao homem, quais sejam, moradia, transporte, lazer.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa, previsto no art. 1º, inciso III do texto constitucional, garante que toda e qualquer pessoa alcance seus anseios citados acima. E uma das formas de se alcançar a tão sonhada casa própria, um automóvel, a viajem de férias, é justamente valendo-se de financiamentos ou empréstimos.
Contudo, esses instrumentos são, na verdade, meio de lucros estratosféricos por parte de quem detém o capital, bancos e instituições financeiras, que aplicam o mesmo capital de muitos usuários de crédito que depositam seus salários nos referidos bancos, que os utilizam remunerando por intermédio de taxas baixíssimas para conceder a outros empréstimos e financiamentos com taxas de juros imorais.
Ao que parece, o Poder Público, e incluam-se segmentos do Poder Judiciário, cruzam os braços quanto a essas práticas, insistindo o Poder Executivo Federal em editar normas flagrantemente inconstitucionais chancelando a deletéria e usurária prática da capitalização composta de juros, flagrante anatocismo, agiotagem, que se praticada por qualquer um de nós, pessoas físicas, importa em crime. É cruel impor tamanha onerosidade como obstáculo ao anseio de uma pessoa, que muitas vezes não se concretiza justamente pelo embaraço e desestruturação financeira causada pela incidência de juros sobre juros.
É justamente o que ocorre com a adoção do sistema Price de amortização. Nesse sentido, Karl Marx já tecia críticas ao referido sistema, principalmente ante a já descrita declaração de Richard Price da mágica transformação de um centavo de Libra, £ 0,01, em milhões de esferas de ouro sólido como o globo terrestre. Nesse aspecto, cita-se trecho de O Capital:
“A concepção de o Capital ser valor que se reproduz a si mesmo e aumenta na reprodução, graças à propriedade inata de durar e acrescer por toda a eternidade – a virtude infusa dos escolásticos –, levou Dr. Price a fabulosas idéias que deixam muito para trás as fantasias dos alquimistas; idéias em que Pitt acreditava piamente, fazendo delas, em suas leis sobre o fundo de amortização da dívida pública, os pilares da política financeira.(…)
Price ficou simplesmente deslumbrado com a monstruosidade do número resultante da progressão geométrica. Pondo de lado as condições da reprodução e do trabalho, considerava o Capital um autômato, mero número que acresce (como Malthus via o homem em sua progressão geométrica), e assim podia pensar que descobrira a lei de seu crescimento, com a fórmula s = c (1+J)n, onde s = capital + juros compostos, c = Capital adiantado, j = taxa de juro (expressa em partes-alíquotas de 100) e n = número de anos que dura o processo.” (MARX, p. 454/456, apud NOGUEIRA, 2008, p. 39)
Como bem dito, o capital não deve se reproduzir de forma exarcebada por si só. Sendo certo que há riscos na concessão de crédito e que esse deve ser remunerado, as taxas de juros deveriam ser elaboradas a fim de atender a esses requisitos, de forma simples, objetiva e justa. Não servir como instrumento alquímico para alcançar assombrosas quantias que, de outro lado, esmagam alguém impossibilitado de suportar a amortização da dívida adquirida e a cumulação dos juros vencidos e vincendos, conforme demonstramos ocorrer na Tabela Price.
Portanto, essas considerações concludentes demonstram quão deletéria para o consumidor brasileiro é a aplicação das tabelas de amortização na sistemática da capitalização composta de juros, mormente no que atine à aplicação da Tabela Price. O que ocorre, contudo, é uma certa medida de reparação a lesões, ainda que tardia, por parte do Poder Judiciário, embora não unanimemente.
Esperamos que, daqui em diante, possa-se estabelecer um diálogo não apenas sobre a legalidade fria e distante das normas reguladoras do Sistema Financeiro Nacional, e passemos a questionar a moralidade dessas normas.
4. Conclusões
De todo o exposto, é possível observar que a capitalização composta de juros ocorre na Tabela Price, conforme amplamente comprovado por seu próprio desenvolvedor, além de profissionais da área econômica e matemática. Tal prática, também conhecida como capitalização composta de juros ou anatocismo, é extremamente lesiva ao devedor, vez que o onera sobremaneira.
Cientes dessa lesividade, o Poder Executivo Federal, à época chefiado pelo Presidente Getúlio Vargas, expediu Decreto regulando a matéria, Dec. 22.626/33, em que se proíbe expressamente a capitalização composta de juros em periodicidade inferior a anual bem como a cobrança antecipada desses. Percebe-se, em um passado recente, medidas para mitigar sua aplicação, como a edição de Medidas Provisórias que enfrentam matéria que desafia Lei Complementar, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Contudo, essas normas vêm sendo paulatinamente consideradas inconstitucionais mediante controle difuso, apresentado vício formal em sua elaboração, aguardando uma decisão definitiva oriunda do Pretório Excelso.
Os Tribunais, principalmente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, entendem, em regra, pela aplicabilidade do Decreto 22.626/33 aos contratos de financiamento em geral, sendo certa sua ilegalidade face a incidência de juros sobre juros. Portanto, partindo do pressuposto de que a Tabela Price capitaliza juros de forma composta, não resta dúvida quanto à sua ilegalidade no sistema jurídico brasileiro, não obstante a insistência das instituições financeiras em aplicá-la como sistemática de amortização de capital, sendo passível de nulidade por cláusulas abusivas nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Mesmo sendo possível a aplicação da Tabela Price, sua elaboração é por demais complexa, criando óbice ao devedor conhecer todos os aspectos que a orbitam, incidindo sua aplicação, pois, na infringência ao direito de informação ao consumidor.
Portanto, certo de que a Tabela Price é ilegal, impõe-se seu expurgo da prática financeira. Ressalte-se que os fundamentos basilares da República incluem a dignidade da pessoa humana, e, por extensão, a concretização de anseios dentre os quais à moradia, lazer, saúde, vestiário, transporte, e que, por vezes, se alcance mediante a concessão de créditos e financiamentos, que obstaculizam tais objetivos ao invés de promovê-los, mediante a utilização de práticas altamente lesivas.
Contudo, a Tabela Price não pode ser deixada de aplicar tão somente por falta de amparo legal. Sendo certo que o Poder Legislativo representa a voz coletiva, estaria remando contra a maré se elaborasse normativo que permita a aplicação indiscriminada da Tabela Price, na medida em que estaria fazendo prevalecer o interesse de classes, não o interesse popular, raiz da democracia.
Esperamos, assim, que o entendimento de que a Tabela Price deve ser extirpada em contratos de financiamento e empréstimo seja consolidado de uma vez por todas, a ponto de não restar dúvida sobre sua ilegalidade e, acima de tudo, abusividade.
Informações Sobre o Autor
Bruno Matias Lopes
Advogado em Brasília – DF