A responsabilidade civil aplicada às perícias médicas judiciais

Resumo: A atuação dos peritos médicos é hoje alvo de muitas discussões no campo da responsabilização jurídica. A prova pericial é aquela que depende de conhecimento técnico ou científico e é realizada por perito. Os médicos, que tanto podem atuar como peritos judiciais, oficiais ou assistentes técnicos de processos cíveis, trabalhistas, criminais e previdenciários, precisam se resguardar de possíveis processos de responsabilização, como os temíveis danos morais. O estudo da responsabilidade civil, pela teoria geral e, especificamente, aplicado às perícias médicas, é imprescindível para a prevenção de riscos na atuação profissional, bem como para entender sua aplicabilidade e extensão.


Sumário: 1.Noções gerais. 2.Teoria geral da responsabilidade civil.2.1 Responsabilidade Civil x Responsabilidade Penal. 2.2Responsabilidade Civil Contratual x Responsabilidade Civil Extracontratual.2.3 Ato Ilícito. 2.3.1Culpa. 2.3.2 Dano. 2.3.3 Nexo de Causalidade. 2.4 Abuso de Direito. 3. Prova. 4.Excludentes de responsabilidade. 5. A responsabilização civil. 5.1 Indenização por Danos Morais e Materiais. 6. A responsabilidade civil do perito. Considerações finais. Referências.


1. NOÇÕES GERAIS


A atuação dos peritos médicos é hoje alvo de muitas discussões no campo da responsabilização jurídica.


A prova pericial é aquela que depende de conhecimento técnico ou científico e é realizada por perito.


Os médicos, que tanto podem atuar como peritos judiciais, oficiais ou assistentes técnicos de processos cíveis, trabalhistas, criminais e previdenciários,  precisam se resguardar de possíveis processos de responsabilização, como os temíveis danos morais.


O estudo da responsabilidade civil, pela teoria geral e, especificamente, aplicado às perícias médicas, é imprescindível para a prevenção de riscos na atuação profissional, bem como para entender sua aplicabilidade e extensão.  


2. TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL


Opta-se iniciar a temática situando a matéria historicamente para facilitar a compreensão do instituto da responsabilidade civil, o que se faz com a contribuição doutrinária de Gustavo Tepedino:


“A idéia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico, deve ser reparado. Nas sociedades primitivas, a regra de Talião – dente por dente, olho por olho – absorvida pela Lei das XII Tábuas, determinava o nexus corporal do violador perante o ofendido. Pouco a pouco, todavia, separou-se a responsabilidade civil da criminal, consagrando-se a Lex Poetela Papilia (326 a. C), com a contenção da responsabilidade patrimonial.(…) adquirindo a obrigação civil feição unicamente patrimonial, delineando-se, então, o arcabouço teórico que rege até hoje a responsabilidade civil subjetiva, negocial e extranegocial.” [1]


Localizada historicamente, a responsabilidade civil utiliza, contemporaneamente, o conceito do doutrinador Sérgio Cavalieri Filho que, de forma simples, mas precisa, define a responsabilidade:


“Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”[2]


A responsabilidade ora estudada é a responsabilidade civil, mas para compreendê-la, é preciso diferenciá-la da responsabilidade penal.


2.1  Responsabilidade Civil x Responsabilidade Penal


A responsabilidade aqui tratada refere-se à responsabilidade civil, haja vista que o Direito Penal tem regras próprias que tratam da responsabilidade penal dos peritos judiciais.


O que se infere é que para a responsabilização penal é imprescindível que haja o cometimento de um crime, na esfera civil, diferentemente, a responsabilidade independe da noção de crime, relacionando-se ao dano e sua reparação/compensação.  


Outrossim, enquanto a responsabilidade civil tem por escopo reparar o prejuízo causado pelo agente à vítima, a responsabilidade penal visa a punição do mesmo, a fim de proteger a ordem social.


Enquanto a responsabilização civil acarretará, em regra, na reparação de danos materiais e pagamento de danos morais, a responsabilização penal se efetuará com a privação da liberdade, restrição de direitos ou multa.


“Enquanto a prova em sede criminal tem por objetivo estabelecer a materialidade do fato, mais propriamente falando a verdade real, na área cível, seja judicial ou administrativa, o que se busca é tão somente a verdade formal, isto é, a evidência pertinente às alegações sobre a matéria constante nos autos processuais”.[3]


Para se ter uma noção, o perito pode responder criminalmente por sua atuação na hipótese do artigo 342 do Código Penal:


“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: § 1 As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta”.


Tal conduta, tipificada como crime gera a responsabilização penal, no entanto, o § 2o, do mesmo dispositivo legal determina que: o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.


Nesta hipótese, o perito não poderá ser responsabilizado penalmente, pois  retratou ou declarou a verdade, mas isso não impede que ele seja responsabilizado na esfera civil, pois as esferas são independentes, como dispõe o artigo 935 do Código Civil:


“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”


Note-se, ainda, que a responsabilidade jurídica não se confunde com a responsabilidade moral.


Ainda que de forma geral, cumpre distinguir que, embora a responsabilidade moral e a jurídica não sejam opostas, o campo da moral é muito mais amplo e envolve questões abstratas que nem sempre são reguladas pelo Direito, pois:


“a finalidade da regra jurídica se esgota com manter a paz social, e esta só é atingida quando a violação se traduz em prejuízo. Daí resulta que não se cogita da responsabilidade jurídica enquanto não há um prejuízo.”[4]


Feita a distinção, adentra-se na investigação da responsabilidade civil.


2.2 Responsabilidade Civil Contratual x Responsabilidade Civil Extracontratual


Interessa aqui a responsabilidade civil, cujo fato gerador é o ato ilícito, dentro da perspectiva da responsabilidade extracontratual, ou o descumprimento contratual, pois essa a aplicabilidade às perícias médicas, tendo em vista que pode caracterizar-se como uma conduta que contraria a norma jurídica, ou decorrendo, de um ilícito contratual.


A distinção que se faz, nesta seara, é de que a responsabilidade civil contratual decorre de um descumprimento contratual, do qual decorre o dever de reparar, enquanto na responsabilidade extracontratual decorre de um ato ilícito.


Como a pericia criminal é de responsabilidade do Poder Público, que assume tal obrigação para com a sociedade, a relação jurídica que se forma é entre o Estado e o perito, chamado perito oficial.


No campo civil, tem caráter contratual, pois os honorários do perito são pagos, em regra, pela parte que requisitou a prestação do serviço,


Percebe-se, dessa forma, que a atividade do perito e sua conseqüente responsabilização, ora pode ocorrer na modalidade contratual, ora na extracontratual, como na perícia civil e criminal, respectivamente.


Caso consista no descumprimento de uma obrigação contratualmente prevista, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.[5]


Em se tratando do cometimento de um ato ilícito, também responderá pelos danos causados, na medida de sua culpa, como se verá a seguir.


2.3 Ato Ilícito


A conceituação de ato ilícito vem do Código Civil, mas antes de apresentá-la, utiliza-se a noção trazida pela doutrina:


“O ato ilícito, portanto, é sempre um comportamento voluntário que infringe um dever jurídico, e não que simplesmente prometa ou ameace infringi-lo, de tal sorte que, desde o momento em que um ato ilícito foi praticado, está-se diante de um processo executivo, e não diante de uma simples manifestação de vontade. Nem por isso, entretanto, o ato ilícito dispensa uma manifestação de vontade. Antes, pelo contrário, por ser um ato de conduta, um comportamento humano, é preciso que ele seja voluntário, como mais adiante será ressaltado. Em conclusão, ato  ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade.”[6]


Essa a noção de ato ilícito trazida pelo Código Civil, no artigo 186, ao estabelecer que, comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano, ainda que exclusivamente moral.


“Sempre se disse que o ato ilícito é uma das fontes da obrigação, mas nunca a lei indicou qual seria essa obrigação. Agora o código diz – aquele que comete ato ilícito fica obrigado a indenizar. A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do fato danoso.”[7]


Essa a fórmula da responsabilidade civil, explicitada a seguir em cada um dos seus elementos configuradores.


2.3.1 Culpa


Seguindo a fórmula do ato ilícito, portanto, tem-se como primeiro requisito caracterizador da  responsabilidade civil a culpa, traduzida pela ação ou omissão voluntária, que consiste no comportamento comissivo ou omissivo do agente.


A ação deve ser compreendida como “a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se”[8].


Assim, para verificar a responsabilidade do perito é preciso verificar a vontade de agir (comissão) ou não agir (omissão), bem como uma minuciosa verificação se sua ação ou omissão causadora de dano configura negligência, imprudência ou imperícia.


Tais conceitos podem ser apreendidos da lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:


a) Negligência – é a falta de observância do dever de cuidado, por omissão.


b) Imprudência – esta se caracteriza quando o agente culpado resolve enfrentar desnecessariamente o perigo. O sujeito, pois, atua contra as regras básicas de cautela.


c)Imperícia – esta forma de exteriorização da culpa decorre da falta de aptidão ou habilidade específica para a realização de uma atividade técnica ou científica. É o que acontece quando há o erro médico em uma cirurgia em que não se empregou corretamente a técnica de incisão.[9]


Para exemplificar as situações acima descritas, é possível mencionar um laudo pericial sobre a possível causa do óbito baseado apenas em fotografias do cadáver e não no corpo (que estava à disposição do perito), o que demonstra a negligência do perito.


Outra hipótese seria a do perito que assina conjuntamente um laudo do exame de corpo de delito, sem, contudo, ter participado, assumindo desnecessariamente os riscos, caso haja alguma falha do outro perito.


 Por fim, é possível exemplificar a imperícia quando o perito deixa de aplicar a técnica adequada à apuração dos fatos chegando a um resultado equivocado.


Ressalte-se que o descumprimento de qualquer dos deveres impostos ao perito, na realização da perícia, gera a presunção de culpa, que só será afastada caso o perito consiga provar algumas das excludentes de responsabilidade que serão apresentadas.


3. Responsabilidade Subjetiva X Responsabilidade Objetiva


Constata-se, dessa forma, que a obrigação de reparar/compensar o dano advém da ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia, conforme artigo 186, de cuja leitura verifica-se a necessidade da prova de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido culposo, culpa em sentido amplo, compreendendo culpa, em sentido estrito[10] ou dolo[11].


O dolo, como ensina Carlos Roberto Gonçalves, consiste na vontade de cometer uma violação de direito e, a culpa, na falta de diligência. Todavia, quando se fala em culpa na esfera civil, a noção abrange dolo e culpa, já que, ao contrário do que ocorre na responsabilização penal, as consequências são idênticas para fins de responsabilidade civil.[12]


A responsabilidade, nesse sentido, apresenta-se como imposição jurídica dirigida a todo aquele que causar dano a outrem, em decorrência de ação ou omissão culposa, ou ainda, em decorrência de previsão legal, como nos casos de responsabilidade objetiva, em que o elemento culpa é prescindível.


O que ocorre é que o legislador ordinário, mantendo o que dispunha o Código Civil anterior, de 1916, adotou como regra geral a teoria da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, fundada na culpa.


De outro modo, ampliou o rol de casos de incidência da responsabilidade civil objetiva, sem culpa, notadamente através da teoria do risco.[13]


Compreende-se, assim, que a necessidade de a lei especificar as hipóteses em que a culpa não será cogitada para ensejar responsabilização demonstra a natureza de exceção pretendida pelo legislador ao tratar da responsabilidade objetiva.


Assim, no sistema jurídico brasileiro, a culpa é regra e, por conseguinte, a regra é a responsabilidade subjetiva, da qual a exceção é a responsabilidade objetiva, na qual a culpa não precisa ser perquirida.


Para efeitos de responsabilização civil, então, tem-se a responsabilidade subjetiva, como é o caso da responsabilização civil do perito.


Até porque, expressamente no Código de Defesa do Consumidor, que é um diploma legal que estabelece a responsabilidade objetiva para privilegiar o consumidor, não o fez em relação aos peritos, como se verifica no artigo 14, § 4°: a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.


Desta feita, a responsabilização civil dos peritos será na modalidade subjetiva, com a devida comprovação da culpa.


2.3.3 Dano


O dano, por sua vez, apresentado como segundo requisito, para fins de responsabilidade civil, é o prejuízo causado a outrem em decorrência de uma diminuição ou destruição do bem jurídico alheio. Prejuízo este que pode ser de ordem patrimonial ou moral, como nos casos de violação ou ameaça aos direitos de personalidade.


Para ser reparável, o dano deve ser certo, decorrente de fato preciso, não em possibilidade remota[14], ainda que seja um dano futuro, mas desde que suscetível de avaliação razoável, para que possa ser reparado ou compensado.


Embora não haja previsão legal, existe hodiernamente, uma discussão acerca da responsabilização por danos morais no que se convencionou chamar de perda de uma chance, como sendo um dano futuro e incerto.


A indenização pela perda de uma chance poderia ser aplicada a um perito, que por negligência, imprudência ou imperícia apresenta um laudo com um erro, erro esse que ocasiona a perda da demanda judicial e a chance de ver os seus pedidos atendidos.


Nesse caso, a parte vencida, que toma conhecimento do erro após o fim do processo judicial, poderia ajuizar uma ação de indenização contra o perito, demonstrando que sua conduta foi negligente, imprudente ou imperita, o que ocasionou a perda processual, pleiteando, na hipótese, o que poderia ter auferido, caso o laudo não contivesse o erro.


Tal modalidade de dano, não é um dano certo do ponto de vista de ganhar a demanda, mas, certo é, que houve um dano à parte que perdeu a chance de sair vencedora da demanda, com o atendimento dos seus pedidos, possível portanto, defender a responsabilização pela perda de uma chance.


O dano pode, ainda, ser de natureza patrimonial ou moral, neste último caso sem repercussão na órbita financeira do ofendido.


Esta a regra preconizada e abaixo confirmada de que a todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.


“Para realizar a finalidade primordial de restituição do prejudicado à situação anterior, desfazendo, tanto quanto possível, os efeitos do dano sofrido, tem-se o direito empenhado extremamente em todos os tempos. A responsabilidade civil é reflexo da própria evolução do direito.” [15]


Sem a prova do dano, portanto, ninguém poderá ser responsabilizado civilmente, tendo em vista que a inexistência do dano é óbice à pretensão de uma reparação, por não haver objeto.


“Entende-se, pois, que os atos ilícitos, ou seja, praticados com desvio de conduta, devem submeter o lesante à satisfação do dano causado a outrem.”[16]


Tem-se, dessa maneira, que demonstrar que a atuação do perito trouxe um dano à(s) parte(s) envolvida(s), para só então falar-se em responsabilização civil.


2.3.4 Nexo de Causalidade


Por último, é necessário o nexo de causalidade como requisito desencadeador da responsabilidade civil.


A relação de causalidade consiste na ligação entre a ação ou omissão do agente e o resultado danoso. É o liame subjetivo necessário entre o evento danoso e a ação que o produziu, de forma que se o dano não foi causado pela ação/omissão de quem se pretende responsabilizar, não há que se falar em responsabilidade do mesmo. Conforme se depreende da lição abaixo:


“O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.”[17]


No entanto, o nexo causal está presente, ainda que o resultado danoso seja causado mediatamente pelo agente. Necessário é que, se demonstre que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido, de forma que ainda que a conduta do agente não seja a causa primeva do dano, sendo apenas a condição, o agente será o responsável.


Desta feita, quanto aos pressupostos para se impor ao perito a responsabilidade civil, é preciso a ação ou omissão culposa, o dano e o nexo de causalidade. Este último caracterizado como o liame subjetivo entre a conduta do agente e o dano causado à vítima.


O laudo pericial, em qualquer uma de suas formas, apresenta-se como uma invasão, legalmente permitida, na esfera jurídica de outrem, devendo limitar-se, portanto, ao permitido, para que o perito não tenha que responder pelos danos advindos de sua conduta.


Cabe esclarecer, que a responsabilidade civil do perito judicial não necessita de novos instrumentos jurídicos, ou legislação específica, pois os fundamentos jurídicos da teoria geral do instituto da responsabilidade civil orientam e resolvem a reparação ou compensação dos danos nesta esfera.  


Daí a necessidade de analisar os elementos e pressupostos da responsabilidade civil, como foi feito, sempre é claro, conjugando com os princípios que regulam a atuação médica e suas implicações.  


2.4 Abuso de Direito


Cumpre elucidar ainda, que o Código Civil atual, amplia o conceito de ato ilícito ao trazer em seu artigo 187 que, também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[18]


Se o perito exceder os limites de sua função, por exemplo, descumprindo o mandamento do artigo 98 do Código de Ética Médica,  que veda ao perito agir sem isenção ou ultrapassar os limites da sua competência/atribuição, o perito cometerá um ato ilícito, na modalidade abuso de direito. Isso porque, o perito tem o direito e o dever de agir para realizar o exame pericial, mas foi além de sua atribuição, manifestando, por exemplo, em relação às questões jurídicas, que devem ser resolvidas pelo juiz e não pelo perito.


3. PROVA


Cabe ao autor do processo judicial provar o fato constitutivo do seu direito. E, ao réu, cabe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, como impõe o artigo 333 do Código de Processo Civil.


Em outras palavras, no ordenamento jurídico brasileiro, o ônus da prova é, em regra, de quem alega.


No entanto, as perícias que não forem realizadas no juízo criminal, por perito oficial, poderão ser equiparadas às relações de consumo, o que enseja a possibilidade de inversão do ônus da prova, como prevê o inciso VIII, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, ao discriminar os direitos básicos do consumidor traz, entre outros, a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;


Tal inversão consiste na possibilidade de o consumidor apontar um dano causado pela realização da perícia, atribuindo a culpa ao perito, mas, sem contudo, apresentar a prova do que alega, deixando tal incumbência ao perito, sempre que o juiz deferir a inversão, por entender que o consumidor (periciando) não tem condições de fazê-lo.


De todo modo, só é possível responsabilizar alguém se ficar comprovado que houve o dano, a culpa e o nexo de causalidade.


4. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE


As causas excludentes de responsabilidade são aquelas capazes de afastar pelo menos um dos elementos essenciais para responsabilização civil.


Tais excludentes estão previstas no artigo 188 do Código Civil:


“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;


II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.


Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”


Além dessas hipóteses, é possível elencar também o caso fortuito e a força maior[19] nos casos de responsabilidade subjetiva, já que são excludentes de culpa.


Acrescente-se ainda, a culpa exclusiva da vítima, por retirar a culpa do agente. A culpa concorrente é capaz de diminuir a responsabilização, por diminuir a culpa, mas não retira integralmente a culpa do agente.


Se o fato foi cometido por terceiro, retira-se não só a culpa, mas, também, o nexo de causalidade, pois deixa de existir a relação entre a ação ou omissão e o dano ocasionado, o que enseja a responsabilidade para o terceiro.


5. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL


Conjugam-se os artigos 186 e 187 com o artigo 927, todos do Código Civil, que determinam que, aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


Constata-se, assim, que a finalidade precípua da responsabilidade civil é restabelecer o status quo ante, de forma a reparar ou compensar o dano suportado pela vítima.


A responsabilização civil pode ser promovida por uma ação de indenização por danos materiais, ou morais, ou ambas.


5.1 Indenização por Danos Morais e Materiais


A indenização deve ser aqui compreendida em seu sentido lato, como gênero, no qual compensação e reparação são espécies, embora o termo indenizar, nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa, signifique tornar indene o prejuízo. Indene é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume.[20] Noção que se confunde com a de reparação.


Mas a indenização pode abranger a compensação, como acontece nos casos de danos morais, em que não há possibilidade de restaurar, restabelecer o que era antes. Nessas hipóteses, a indenização serve para remediar o dano sofrido, de forma a compensar o prejuízo moral suportado pela vítima.


Posto isso, há que se falar também, que tanto no caso dos danos materiais, quanto morais, a possibilidade de indenização existirá, sempre que os requisitos de responsabilidade civil forem preenchidos, como já comentado, o dano, o nexo de causalidade e a conduta culposa, que em última análise correspondem à teoria do ato ilícito.


Os danos materiais, que atingem a esfera patrimonial da vítima, são mais fáceis de ser demonstrados, pois, caracterizam-se pela perda financeira, ou pelo que deixou de ser auferido.


Já os danos morais, atingem a honra, a esfera íntima do indivíduo, caracterizam-se pelo constrangimento. 


O dano moral, como atesta Carlos Roberto Gonçalves,[21] é aquele que no campo dos danos não afeta o patrimônio da vítima, também não se confundindo com a dor, angústia, desgosto, aflição espiritual, humilhação, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, a consequência do dano.


Nesta seara, o dano consiste na privação de um bem jurídico, na ofensa a um direito de personalidade do ofendido.


Os direitos de personalidade, como o direito à vida, à honra, à imagem, à liberdade, entre tantos outros, por serem de natureza extrapatrimonial, assim como os danos morais, encontravam séria dificuldade em garantir o dever geral de abstenção aos direitos do outro. Mas foi a incorporação destes últimos, no ordenamento jurídico brasileiro, que consagrou a tutela pretendida para os casos de lesão a esses direitos de personalidade.


Embora não haja norma específica que regulamente os danos morais nos casos de perícia médica, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de normas capazes de fundamentar a compensação pecuniária para a vítima da atuação danosa do perito judicial. 


“A Terceira Turma do Tribunal estabeleceu uma indenização no valor de R$ 200 mil e pagamento de uma pensão de um salário mínimo mensal a uma mulher que, durante o seu parto, sofreu queimaduras causadas por formol utilizado indevidamente.


O ministro Humberto Gomes de Barros, hoje aposentado, considerou adequado o pagamento de R$ 50 mil pelos danos morais, pelo sofrimento e dor causados à mulher, quantia que seria ainda adequada para punir a clínica. Além disso, considerou que os danos estéticos deveriam também ser levados em conta. Ele destacou que o dano estético causa danos materiais e morais, não tendo previsão própria no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto o magistrado admitiu que a orientação da Turma tem sido de conceder a indenização, que fixou em R$ 150 mil (STJ-Resp 899.869).”


Com efeito, para responsabilização do perito, por danos morais, mister se faz a verificação dos fundamentos jurídicos da responsabilidade civil, na perspectiva da cláusula geral da responsabilidade, preconizada no artigo 186 e 187 do Código Civil, já estudados.


Os danos morais, como mecanismos de responsabilização civil, podem sim agir de forma punitiva e preventiva.


O dano corporal, por exemplo, pode ser fundamento tanto para a indenização por danos materiais como por danos morais. Basta imaginar um trabalhador autônomo que sofreu um dano em seu braço, que o impossibilitou para o trabalho, tal dano atinge tanto o lado financeiro, quanto ele deixou de receber por estar sem trabalho, como também atinge sua esfera íntima.


Assim, como nos demais casos de responsabilização civil, para se falar em indenização, inarredável a caracterização do ato ilícito, dano, culpa e nexo de causalidade ou abuso de direito.


Com relação ao quantum, não há como pré-definir um valor, apenas diante do caso concreto o juiz poderá arbitrar uma quantia razoável, mas a extensão do dano será utilizada como parâmetro.


Ao mesmo tempo, não deverá comprometer a dignidade de quem causou o dano, nem deixar de verificar a extensão do dano e a condição da vítima.


Devendo o juiz, no caso concreto, agir com cautela e razoabilidade, a fim de impedir pretensões desonestas, que fujam à finalidade a que o instituto se destina.


Pensando nisso, também, é que se pretende uma responsabilização, seja de forma profilática, ou de forma repressiva, com fixação de quantia pecuniária que vise à compensação do dano causado.


A quantificação do dano moral, ainda hoje, é encarada com dificuldade, tendo em vista que visa compensar um dano que não é patrimonial e, portanto, não tem preço.


Cabe ao julgador, diante de um pedido de indenização por danos morais, valendo-se das normas vigentes, dos parâmetros legais, da jurisprudência e, principalmente da peculiaridade do caso concreto, fixar a indenização adequada à compensação dos danos suportados.  


Na responsabilidade civil por danos materiais, ao revés, é possível reparar propriamente o dano, com o ressarcimento ou a recomposição do prejuízo suportado pela vítima.


6. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO PERITO


A atividade pericial é fundamental no processo judicial, tanto para a análise do fato alegado, mas, principalmente, para o convencimento do juízo.


Exatamente por isso, o perito judicial tem que agir nos limites de sua competência, sem cair na armadilha de fazer qualquer tipo de juízo de valor.


Os processos judiciais envolvem conflitos entre as partes que serão resolvidos  pelo juiz, ao determinar qual delas é a vencedora da demanda. Não cabendo ao perito manifestar-se sobre qual das partes está certa, ou qual deverá ter seu pedido atendido, por mais que ele entenda da matéria de direito envolvida.


A função do perito, como auxiliar da justiça que é, precisa ser exercida de forma  isenta, com a linguagem técnica, mas também permitindo a compreensão do leigo, de forma a evitar dupla interpretação ou ambiguidade.


Ademais, o perito deve atuar de forma imparcial, para isso, deve ater-se à matéria de fato relativa à sua especialidade, respondendo aos quesitos, sem extrapolá-los. Se mais de uma possibilidade surgir, o perito deve apresentar as alternativas e, tecnicamente, as variáveis.


Ainda que o perito tenha alcançado o ponto central da questão pela perícia, está vinculado aos quesitos, devendo responder somente ao que foi perguntado, ainda que tais quesitos só atinjam a superficialidade da questão.


Nesse sentido o Código de Ética Médica impõe que médico atue com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, vedando que ele ultrapasse os limites de suas atribuições e de sua competência.[22]


“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.


MULTA AFASTADA. HIPOACUSIA BILATERAL. PROVA EMPRESTADA. ADMITIDA NA CONDIÇÃO DE DOCUMENTO. MALTRATO AO ART. 332 DO CPC. INOCORRÊNCIA.


COMPROVAÇÃO DO DANO. SÚMULA 07/STJ. INIDONEIDADE DO PERITO.


DISSÍDIO. AUSÊNCIA DE CONFRONTO.


1. A oposição de embargos de declaração com a finalidade de prequestionamento não rende ensejo à imposição de multa.


2. O laudo pericial produzido na ação acidentária foi admitido na qualidade de prova documental, de sorte que sua autenticidade poderia ter sido questionada na forma do art. 390 do CPC, providência não implementada pela CSN.


3. Nos autos foi produzida nova prova pericial, com respeito integral ao contraditório, não havendo como se falar em cerceamento de defesa.


4. Acolher as alegações da recorrente no sentido de não ter sido comprovada sua culpa ou mesmo os danos experimentados pelo recorrido é providência que encontra óbice na súmula 07/STJ.


5. Não tem pertinência nesta sede o pleito de nulidade das decisões proferidas nas instâncias ordinárias em face da inidoneidade do perito. Com efeito, a questão não foi objeto de debate nos autos, carecendo a um só tempo de prequestionamento e submissão ao contraditório.


Nesse passo, não há como conhecer do recurso especial no particular.


7. Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, provido.”


(REsp 772.595/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 16/02/2009)


O julgado acima demonstra que, o perito deve ser idôneo, sob pena de ser substituído, enquanto o advogado tem o dever de contestar a perícia, quando apresenta qualquer tipo de falha. No entanto, tal decisão serve de prova para que a parte prejudicada utilize-a em um processo de responsabilização civil do perito.


Do mesmo modo:


“PROCESSUAL: 1) CERCEAMENTO DE DEFESA; 2) APELAÇÃO JULGADA PREJUDICADA; 3) RECURSO EXTRAORDINÁRIO PREMATURO; 4) INEXISTÊNCIA DE PROVA DO DISSIDIO JURISPRUDENCIAL, SEGUNDO A REGRA FIXADA PELA JURISPRUDÊNCIA, CONFORME VERBETE DA SÚMULA 291. 1) NÃO HÁ QUE FALAR-SE EM CERCEAMENTO DE DEFESA SE O PERITO INDICADO PELO RECORRENTE, EMBORA TENHA FUNCIONADO NA DEMANDA, DEIXOU DE RESPONDER A QUESITOS FORMULADOS.SE O RECORRENTE ESCOLHEU MAL O SEU PERITO, NÃO PODE ISSO SER ALEGADO COMO CERCEAMENTO DE DEFESA, E NEM PODE COMO TAL CONSIDERAR-SE NÃO HAVER O JUIZ NOMEADO DESEMPATADOR, POIS SOMENTE DEVE FAZE-LO SE ENTENDE NÃO POSSUIR ELEMENTOS SUFICIENTES PARA DECIDIR”.
(RE 78825, Relator(a):  Min. ALDIR PASSARINHO, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/1982, DJ 22-04-1983 PP-05000 EMENT VOL-01291-02 PP-00431 RTJ VOL-00105-02 PP-00606)


Assim, por mais que o laudo pericial possa atestar sobre determinada questão jurídica e ser utilizado para condenar determinada parte, não cabe ao perito diretamente fazê-lo, ou opinar, até porque, tanto o Código de Processo Civil quanto o Código de Processo Penal determinam que o juiz não está adstrito ao laudo pericial.[23]


“Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Laudo pericial no sentido de que inexistente o nexo entre a doença e a atividade laboral. Conclusão da perícia afastada pelo julgador, que declarou sua incerteza sobre o nexo causal e, na dúvida, decidiu em favor da parte menos favorecida.


I – Nas ações de indenização fundadas no art. 159 do Código Civil, cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, cumprindo-lhe demonstrar a culpa do agente, o dano e o nexo causal entre o ato culposo e o prejuízo.


II – O julgador não está vinculado ao laudo pericial, podendo apreciar livremente a prova (CPC, arts. 131 e 436). Porém, ao recusar as conclusões do perito, deve expor as razões de seu convencimento (CPC, art. 458, II).


III – Recurso especial conhecido e provido.”


(REsp 442.247/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2003, DJ 18/08/2003, p. 203).


Por ser a perícia uma prova com condão de convencer e revelar a verdade dos fatos, o juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não parecer suficientemente esclarecida, destinando-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. A segunda perícia, no entanto, não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra como determinam os artigos 437, 438 e 439 do Código de Processo Civil.


Quando se tratar de perícia em processo criminal, os artigos 181 e 182 do Código de Processo Penal estabelecem que no caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo. Podendo também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.


Nos processos penais, a perícia será sempre obrigatória para o exame de corpo de delito, no entanto, poderá ser afastada quando não for necessária ao esclarecimento da verdade, assim como ocorre nos procedimentos de natureza civil.


Em sua atuação nos processos os peritos deverão abster-se de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos.[24]


O respeito aos prazos também deve ser observado pelos peritos,[25] assim como ao material probatório, que pode ser utilizado para novas análises.


Ressalte-se, ainda, que o laudo pericial deverá ter todas as páginas, fotografias, esquemas e desenhos rubricados pelo perito, como forma de assegurar a veracidade das informações prestadas.


A ética profissional no exercício da perícia deverá ser observada pelo perito, sob pena de ser responsabilizado pelo respectivo Conselho Profissional.


Desse modo, o perito tem o dever de informar, no prazo de 5 dias, se carece de conhecimento técnico ou científico para aquele determinado laudo, em outras palavras, se aquele caso foge à sua competência, para que não prejudique as partes envolvidas, evitando, desse modo a responsabilização.


Não sendo a perícia pertinente à sua competência, o perito será substituído pelo juiz.


No entanto, o Código de Processo Civil dispõe que se o perito, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado, não apenas será substituído, mas o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo ainda compeli-lo a pagar multa, fixada tendo em vista o valor da causa e do possível prejuízo decorrente do atraso no processo.[26] 


“A culpa, como fundamento da responsabilidade dos profissionais de saúde e por extensão à função pericial, exige a apuração rigorosa da conduta sobre a figura das três modalidades de culpa: imprudência, imperícia ou negligência.”[27]


O Código de Ética Médica, por exemplo, na mesma linha do que faz o artigo 186 do Código Civil ao estabelecer o cometimento de ato ilícito, veda ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência, esclarecendo ainda que a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.[28]


O mesmo código veda ainda, no artigo 93, que o médico seja perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.


Consubstanciado ainda, na noção de responsabilização civil do perito, o Código de Processo Civil dispõe em seu artigo 147 que: o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 (dois) anos, a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer.


Assim, no que tange à responsabilidade civil dos peritos, a culpa deve estar presente, pois a responsabilidade que incide nesses casos é a responsabilidade subjetiva, como já mencionado.


Se o perito, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho, pagará indenização, sem prejuízo do pagamento das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido, no caso de lesão ou outra ofensa à saúde. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.[29]


Tanto a atividade médica quanto a atividade odontológica são, em regra, obrigações de meio, não gerando responsabilização caso não haja a plena recuperação do paciente, pois o restabelecimento ocorre por uma conjugação de fatores, contando, inclusive, com a colaboração do próprio paciente.


Diferentemente ocorre quando o tratamento médico ou odontológico tem fins estéticos, nesse caso, a obrigação é de resultado, pois o paciente só irá se submeter ao tratamento para garantir o resultado almejado e, portanto, o profissional da saúde deverá alcançar o resultado esperado para que não seja responsabilizado.


Na tentativa de evitar esse tipo de responsabilização, levando em consideração que não se trata de ciência exata, o médico ou dentista deverá elaborar um termo de consentimento informado, que nada mais é que um contrato, no qual o profissional informa quais os riscos e possíveis resultados do procedimento, quais os cuidados e como o paciente deverá proceder. Este termo promove assim uma “divisão” das responsabilidades, fazendo com que o paciente também assuma, conscientemente, os riscos da intervenção médica. O termo, no entanto, não excluirá a responsabilidade do profissional por erro médico.


Em se tratando de perícias, a obrigação é de meio, não podendo o perito ser responsabilizado por não trazer o resultado, mesmo porque, o perito deve atuar dentro da sua competência e atribuições, respondendo apenas, caso descumpra algum dos deveres impostos, ocasionando dano ao periciando ou às partes envolvidas.


“Assim, nas obrigações de meio, com a ocorrência de dano na atividade profissional, para responsabilizar o agente, é preciso, ao deduzir os elementos da responsabilidade civil, provar também o elemento culpa ou, então, aí sim, o descumprimento de um dever contratual, fazendo incidir a presunção.”[30]


Um médico perito do INSS, por exemplo, que grava sua consulta sem autorização do periciando, pode ser compelido a responder civilmente por sua conduta, haja vista que viola um direito à intimidade, causando dano ao paciente, ao expor indevidamente sua imagem.


Por conseguinte, com a constatação do dano, em decorrência de uma ação ou omissão culpável do perito é possível caracterizar os danos morais e, consequentemente, ajuizar uma ação de indenização a fim de compensar os danos sofridos.


Dessa forma, o bem jurídico tutelado deve ser protegido de qualquer ameaça ou lesão, encontrando na responsabilidade civil, por danos morais, proteção jurisdicional, cuja natureza é ressarcitória, mas, também, preventiva e coercitiva.[31]


Isso porque, em se tratando de danos morais, atinentes aos direitos de personalidade do lesado, a responsabilidade civil tem caráter compensatório, vez que não é possível restabelecer a situação anterior, como já mencionado.


No entanto, a mesma conduta pode não gerar responsabilização, quando se depara com uma perícia em processo judicial criminal, por exemplo, pois o Código de Processo Penal, em seu artigo 165, autoriza que o perito junte fotografias, esquemas ou desenhos que sejam necessários ao esclarecimento dos fatos.


Dúvida recorrente em relação às perícias médicas e à possível responsabilização refere-se ao sigilo profissional, direito e dever do médico, que deve ser interpretado adequadamente no que toca às perícias médicas.


Não há dúvidas que o exame pericial é um ato médico, mas tal ato médico pressupõe o relato e a exposição do que se apurou. Ao contrário de um consulta médica de rotina que revela um estado de saúde para o próprio paciente, a perícia é um ato que visa esclarecer para terceiros a realidade daquele paciente ou o que ocorreu com determinada pessoa antes de falecer.


O que há na perícia é apuração da verdade, para que seja possível atribuir ou retirar direitos de alguém, motivo pelo qual não há qualquer comprometimento ao sigilo profissional, mesmo porque, presume-se o consentimento do paciente à revelação dos fatos pelo perito, no exato momento em que se submete à perícia.


Note-se, todavia, que subsiste o sigilo funcional, estando limitado o perito a revelar tão somente o que foi arguido e o que é pertinente à sua função, sob pena de abuso de direito e, por isso, responsabilização.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A responsabilização do perito judicial ocorrerá nas hipóteses de violação a um dever legal, se houver o cometimento de um ato ilícito ou abuso de direito.


Como foi analisado, a responsabilidade do perito é subjetiva, portanto, além do dano, será preciso demonstrar sua culpa, que poderá ser verificada pela negligência, imprudência ou imperícia.


A fim de evitar sua responsabilização, o perito judicial deve estar atento às normas referentes à sua atuação, tanto às normas processuais, já que atua em juízo, quanto às obrigações pertinentes ao conselho profissional, como o Código de Ética, por exemplo, uma vez que o descumprimento de qualquer desses deveres gera a presunção de culpa do perito.


Atuar com isenção, imparcialidade e de forma técnica, respeitando os prazos e todas as imposições legais, bem como esclarecendo ao periciando sua atuação, nos limites de sua competência e atribuições é a maneira de se resguardar e evitar ações indenizatórias.


 


Referências bibliográficas:

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

DIAS, José de Aguiar. Da irresponsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 7. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FIGUEIREDO, Antônio Macena de. Perito Judicial: Responsabilidade Civil e Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 8 ed. rev.  e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

TEPEDINO, Gustavo. A Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal. In: Temas de Direito Civil. 4 ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. vol. 4. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

Notas:

[1] TEPEDINO, Gustavo. A Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal. In: Temas de Direito Civil. 4 ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2008. p. 202-203.

[2] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 24.

[3] FIGUEIREDO, Antônio Macena de. Perito Judicial: Responsabilidade Civil e Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 111.

[4] DIAS, José de Aguiar. Da irresponsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 7.

[5] Artigo 389 do Código Civil.

[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 34

[7] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 25-26.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 7. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44.

[9]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 8 ed. rev.  e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 170-171.

[10] Negligência, imprudência ou imperícia.

[11] Intenção de agir, ação ou omissão voluntária.

[12] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[13] Noção depreendida do comando legal do parágrafo único, do artigo 927, do atual Código Civil, que estabelece que haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[14] Embora não haja previsão legal, existe a responsabilização por danos morais no que se convencionou chamar de perda de uma chance, como sendo um dano futuro e incerto.  Como este tema não tem aplicação no presente estudo, aos interessados, recomenda-se a leitura do artigo de BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. Disponível em: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988. Acesso em 06 jan. 2009.

[15] DIAS, José de Aguiar. Da irresponsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 25.

[16] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 129.

[17] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. vol. 4. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 45.

[18] Comando legal conhecido como abuso de direito.

[19] O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, parágrafo único, do artigo 393, do Código Civil.

[20] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. vol 4. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 274.

[21] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[22] Artigo 98, do Capítulo XI, do Código de Ética Médica. Res.1931/2009.

[23] Artigo 182 do Código de Processo Penal:  O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Artigo 436 do Código de Processo Civil: O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

[24] Artigo 112 do Código de Processo Penal.

[25] Artigo 160 do Código de Processo Penal: Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.  Parágrafo único.  O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. Artigo 433 do Código de Processo Civil: O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento.

[26] Artigo 146 do Código de Processo Civil. O perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que Ihe assina a lei, empregando toda a sua diligência; pode, todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo.

[27] FIGUEIREDO, Antônio Macena de. Perito Judicial: Responsabilidade Civil e Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 133.

[28]  Artigo 1º, do Capítulo III, do Código de Ética Médica. Res.1931/2009.

[29] Nesse sentido os artigos 949 a 951 do Código Civil.

[30] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 8 ed. rev.  e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 250.

[31] Recomenda-se a leitura de MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, para um maior aprofundamento do tema.


Informações Sobre o Autor

Luciana Fernandes Berlini

Mestre e Doutora em Direito Privado pela PUC/Minas. Coordenadora da Pós Graduação em Direito e Adjunta do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá. Professora de Direito de Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Advogada


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