O consentimento informado é um processo de informação que atinge seu final com a concordância – documentada, se possível com duas testemunhas – do paciente com o tratamento, se for o caso, que lhe está sendo ministrado. Tem reconhecimento mundial a sua necessidade, podendo a não comprovação da sua existência caracterizar um agir culposo do médico no atendimento a um paciente. Nesta explanação vamos nos ater às justificativas legais para o seu emprego na prática clínica diária. Vamos enfocar principalmente as repercussões em nosso ordenamento jurídico.
Não vamos deixar de encontrar relato médico, no início do século XX descrevendo ocasião em que se operou mesmo contra a vontade dos pacientes. Esta visão da atividade médica não mais existe. Com a maior divulgação dos conhecimentos médicos na sociedade e a conscientização dos indivíduos dos Direitos Humanos, os seus direitos na vida em comunidade – seus direitos fundamentais -, abandonou-se a heteronomia, em que prevalecia a decisão do médico e passou a vigorar a autonomia, deve ser decidido pelo paciente o que é o melhor para ele.
Para um entendimento correto do consentimento informado dentro do erro médico, e do que aqui vai exposto, cabe mencionar que na Responsabilidade Penal, competência da Justiça Criminal, o médico, quando lhe imputada uma conduta antijurídica nesta área, estará sendo acusado, geralmente, de um crime, e será acusado, se for o caso obrigatoriamente, pela sociedade, à qual interessa preservar este bem jurídico. O acusador, representando a sociedade, via de regra, será o Promotor de Justiça. Em caso de condenação o médico sofrerá uma pena que poderá ser privativa de liberdade – já existem penas alternativas à privação da liberdade. Quando imputada ao médico uma conduta antijurídica no terreno do Direito Civil, é porque o médico com seu agir causou um prejuízo patrimonial ou extra-patrimonial à algum paciente, estaremos no terreno da Responsabilidade Civil. Opcionalmente – se assim julgar conveniente – o paciente processará na Justiça Civil o médico, através de um advogado, buscando impor ao profissional uma condenação pecuniária, ressarcindo-se do prejuízo que julgue ter sofrido. Se, porventura, a acusação ao médico for de uma infração ética nos encontramos no terreno da Responsabilidade Ética. A competência para decidir se houve realmente uma infração ética é dos Conselhos de Medicina. O paciente, através de um advogado, se assim julgar conveniente, ou o próprio Conselho de Medicina, “ex officio”, acusarão o médico. Este, se julgado culpado, sofrerá uma sanção com repercussão na sua atividade profissional, ou seja, advertência, suspensão, ou até mesmo proibição definitiva do exercício da Medicina.
Nos informa Carlos Alberto Silva (“O CONSENTIMENTO INFORMADO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003, disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3809>. Acesso em: 25 abr. 2004) que a primeira menção nos meios jurídicos à necessidade de consentimento do paciente se dá em 1767, na Inglaterra, quando dois médicos decidem tomar uma conduta médica sem consultar o paciente. O tribunal, naquela ocasião, decidiu que só poderia ter sido realizado o procedimento com o consentimento do paciente. Nos diz também que o termo Consentimento Informado foi utilizado pela primeira vez em sentença nos Estados Unidos em 1957, na Califórnia e que dois anos antes no estado norte-americano da Carolina do Norte a sua Suprema Corte já havia definido como negligente a conduta médica de não dar informação sobre riscos de procedimento cirúrgico. A aceitação gradativa da necessidade de consentimento do paciente para um ato médico, nos meios jurídicos, iniciou, pois, na segunda metade do século XVI. Nos diz ainda Carlos Alberto Silva, no mesmo artigo citado acima, que em 1894 na Alemanha, no “Reichsgericht” – tribunal – ficou bem assentado que a negativa de consentimento do paciente constituía impedimento à execução de um ato médico e, mais, que em 1914, em New York (USA) uma decisão jurídica foi considerada como o embrião da doutrina da autonomia do paciente em tomar decisões – o seu direito a autodeterminar-se quando em tratamento médico. Envolvia a lide jurídica de um paciente com um hospital.
Atualmente, em praticamente todos os livros que tratam da responsabilidade médica há abordagem do tema sob as mais diversas formas e manifestações. Isto, já, há um tempo bastante significativo. Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza, em seu livro RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E HOSPITALAR (Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001), abordam e consta no sumário do livro como: DO DEVER DE INFORMAR (p. 50). No seu livro RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO (Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 1998), Felício Zamprogna Matielo, aborda como: AUTORIZAÇÃO PARA TRATAMENTO E ACEITAÇÃO DE RISCOS (p. 105); Jerônimo Romanello Neto, em seu livro: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS (São Paulo: Editora Jurídica Brasileira), fala em: O CONSENTIMENTO (p. 68); em sua publicação denominada PROGRAMA DE CONTROLE DA QUALIDADE DO ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR (São Paulo: Editora Atheneu, 2001), a Associação Médica de São Paulo e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, citam o consentimento entre os DIREITOS DOS PACIENTES (p. 145), como os tópicos: CONSENTIMENTO e RECUSA AO TRATAMENTO; Irany Novah Moraes, em sua obra ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5. ed., 2002), aborda o tema no ítem: PRONTUÁRIO MÉDICO E CONSENTIMENTO DO PACIENTE (p. 527); Hildegard Taggesell Giostri, no livro ERRO MÉDICO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA COMENTADA (Curitiba: Editora Juruá, 1998), se refere ao assunto em: O RISCO. A NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO (p. 131); Philippe Meyer em seu livro A IRRESPONSABILIDADE MÉDICA (São Paulo: Editora UNESP, 2000), traduzido por Maria Leonor Loureiro, trata do consentimento informado como: OS NOVOS DEVERES DO MÉDICO: A INFORMAÇÃO DO DOENTE (p. 113); o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em sua publicação GUIA DA RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE (São Paulo, Impressão: CLY – Companhia Litográfica Ypiranga, 2001) se refere como CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (p. 17); Miguel Kfouri Neto em seu livro RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO (3. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998), trata como INFORMAÇÕES E CONSENTIMENTO: BREVES OBSERVAÇÕES (p. 164); Hildegard Taggesell Giostri, em sua outra obra RESPONSABILIDADE MÉDICA – AS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO: AVALIAÇÃO, USO E ADEQUAÇÃO (Pensamento Jurídico – Vol. V, Curitiba: Editora Juruá, 2002), menciona como: SOBRE O CONSENTIMENTO PARA TRATAMENTO MÉDICO (p.79) – PRESSUPOSTOS, ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONSENTIMENTO (p. 80), O CONSENTIMENTO INFORMADO. OS PROTOCOLOS (p. 82) – O VALOR DO CONSENTIMENTO INFORMADO (p. 84), A PROBLEMÁTICA DO PACIENTE QUE DISSENTE (p. 85) – A PROVIDÊNCIA JUDICIÁRIA PERANTE O DISSENSO DO TITULAR DO DIREITO (p. 87) – O CONSENTIMENTO DO MENOR – POSSIBILIDADE (p. 89) e, eu, em meu livro RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DO MÉDICO (Campinas: LZN Editora, 2. ed., 2003), também me reporto ao assunto no capítulo: O CONSENTIMENTO INFORMADO E A AUTONOMIA DO PACIENTE NA ATIVIDADE MÉDICA (p. 63) .
Mas, não só em livros encontra-se registrada a adoção do uso do consentimento informado, em nosso meio, quase como rotina. Também em determinações oficiais do serviço público já se encontra consagrada a presença deste. Como se constata na Portaria da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, de nº437, de 8 de outubro de 2001, que orienta sobre a necessidade, em casos de terapia de anemia em pacientes portadores de insuficiência renal crônica em que se utilize os medicamentos especificados na portaria, da assinatura, obrigatória, pelo paciente de um termo de consentimento informado adequado ao caso. Além de, em certas situações, já haver determinação dos órgãos públicos, diversos serviços de saúde privados já vêm adotando o preenchimento rotineiro do consentimento informado por seus pacientes e neste sentido orientando os seus corpos clínicos. O SIMERS – Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, há algum tempo atrás, tomou a iniciativa de enviar aos seus filiados modelo de formulário de consentimento informado a ser completado pelo médico, com espaço para assinatura do paciente e dois familiares. No site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica, no mês de março de 2004, podia-se encontrar transcrição de Norma Técnica da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, referindo-se ao SUS – Sistema Único de Saúde, determinando o preenchimento do Termo de Aceitação do Tratamento Médico-Cirúrgico Ambulatorial, devendo este ser assinado pelo paciente. A Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão, na mesma ocasião apresentava em seu site modelo de consentimento informado como orientação aos seus associados.
Nos diz José de Aguiar Dias: “Decompondo as obrigações implícitas no contrato médico, verificamos que ele impõe aos médicos estes deveres: 1) conselhos; 2) cuidados; 3) abstenção de abuso ou desvio de poder.” (DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 10. ed. v. 1, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p. 256). Assim o dever de “conselhos” é parte integrante do contrato médico e portanto o sua não-execução, através do consentimento informado, comprovadamente realizado, caracteriza um inadimplemento contratual, com suas repercussões na área jurídica. E, esta afirmação serve de ponto de partida para, a seguir, fracionarmos o consentimento informado em três elementos interpretando José Roberto Goldim (capturado na Internet, em 25 de abril de 2004, no site http://www.bioetica.ufrgs.br/consinf.htm): informação esclarecedora ao paciente ou seu representante prestada pelo médico, presença da capacidade civil da pessoa que consente e concordância do paciente ou de seu representante legal. Portanto, se houver incapacidade mental do paciente ou por não ter este idade cronológica que lhe confira capacidade civil para tanto, deve ser suprida esta incapacidade, sendo substituído o paciente por seu representante legal.
Há diversas denominações usadas, em nosso meio, para se referir ao consentimento informado. Podemos citar: Termo de Consentimento Esclarecido, Termo de Responsabilidade, Termo de Consentimento Informado, Formulário de Autorização de Tratamento, Consentimento Pós-informação, Consentimento Após Informação, Consentimento Livre e Esclarecido, Termo de Esclarecimento e Consentimento, Termo de aceitação do Tratamento Médico-cirúrgico Ambulatorial, Termo de Esclarecimentos, Ciência e Consentimento e inclusive, por vezes, utilizado o termo em inglês: “informed consent”.
Para definirmos consentimento informado vamos utilizar o entendimento de Joaquim Clotet: “Trata-se de uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis consequências.” (O CONSENTIMENTO INFORMADO: UMA QUESTÃO DO INTERESSE DE TODOS. Jornal MEDICINA do Conselho Federal, out/nov, 2000, p. 9). E, também adiciona o conceito de Marilise Kostelnaki Bau: “O consentimento informado é a decisão voluntária de pessoa autônoma e capaz após um processo informativo e deliberativo visando à aceitação de um tratamento médico ou experimentação terapêutica, determinados ou específicos, após saber de suas conseqüências e riscos” (CAPACIDADE JURÍDICA E CONSENTIMENTO INFORMADO. Revista BIOÉTICA, nº 8, v. 2, 2000, p. 285-98). Ou, como nos diz Hildegard Taggesell Giostri: “é o diálogo entre paciente e médico, por meio do qual, ambas as partes trocam perguntas e informações culminando com o acordo expresso do paciente para uma intervenção cirúrgica, ou para um determinado e específico tratamento ou exame”.(RESPONSABILIDADE MÉDICA. As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Pensamento Jurídico – Vol. V, Curitiba: Editora Juruá, 2001, p.83).
Assim, a obtenção do consentimento do paciente para a realização de um determinado ato médico se traduz numa concordância, revogável (à qualquer instante), precedida de uma informação com clareza, referindo-se a um determinado procedimento e momento, abrangente e satisfatória para o entendimento de sua real condição de saúde. É, o consentimento informado um direito do paciente, incluído nos direitos da personalidade, expressando a autonomia – o contrário de heteronomia, em que prevalece à vontade do médico – do paciente em relação à sua integridade física e psicológica, e que se manifesta com o poder de decidir esclarecidamente acerca de qualquer concordância com o tratamento ou a respeito do diagnóstico médico.
Nos diz Claudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva (FORMULÁRIOS DE AUTORIZAÇÃO DE TRATAMENTO: PROTEÇÃO OU COAÇÃO? capturado na Internet, em 25 de abril de 2004, no site www.tj.sc.br/cejur/doutrina/bioetico_autonomia1510.rtf) que nos Estados Unidos da América do Norte a PATIENT SELF ACT DETERMINATION (PSDA), Lei Federal de 1961, converteu o consentimento informado (informed consent) em norma jurídica e que a mesma PSDA, adicionou no texto da Lei, as ADVANCE DIRECTIVES – AD, ou seja, as decisões de uma pessoa sobre o que ela quer que lhe seja feito, em termos de tratamento médico no futuro, se, em qualquer situação, não possa vir a se autodeterminar.
Em situações, como doenças graves, ou no caso de diagnósticos e tratamentos que possam se prolongar no tempo, o contato entre o médico e o paciente, ou seu responsável, com o objetivo de transmitir-lhe informações, esclarecendo-o, sobre a sua situação clínica, não deve ficar circunscrito a uma entrevista. Também, as informações fornecidas é necessário que se adaptem aos possíveis quadros psicológicos dos pacientes, que venham a ocorrer, naquele determinado momento. Pode se informar de diversas maneiras. Uma conduta uniforme não existe, a que mais se ajuste adequadamente a determinado paciente deve ser a utilizada.
E, ao decidir, o paciente, em relação aos rumos de seu tratamento, não se pode falar em decisão consciente e voluntária quando a vontade está eivada de um vício como a ignorância. Em caso da ignorância há ausência de conhecimento sobre o objeto da decisão que o paciente vai tomar. O consentimento pode ser considerado inválido pela existência deste erro substancial – desconhecimento sobre o que vai decidir – que consiste em uma declaração de vontade viciada, por insuficiente, e até incorreta, noção sobre as características da investigação, diagnóstico, tratamento e prognóstico da sua doença.
Quando se tratar de cirurgia, ressalte-se, a informação fornecida ao paciente, deve ser a mais completa possível, até exaustiva, abordando técnicas e medicamentos novos. Se, se tratar de cirurgia plástica estética até complicações raras do procedimento cirúrgico devem ser mencionadas. Fica dispensado o procedimento, excepcionalmente, quando nos depararmos com casos de atendimento de emergência, até com inconsciência do paciente, quando haja iminente risco de vida ou de dano físico irreversível a este, ou quando, – durante uma cirurgia, houver o surgimento de uma situação nova, que exija imediata tomada de uma conduta médica, sem tempo para suspender o procedimento e consultar os representantes legais do paciente. A intervenção médica, pois, via de regra, há de, sempre, vir antecedida da prévia concordância do paciente ou de seu responsável.
E, o tempo, geralmente, considerado como conveniente, para que a informação – todos os aspectos – do médico seja fornecida ao paciente antecedendo qualquer procedimento, permitindo a este uma tomada de decisão após a suficiente meditação acerca das peculiaridades do que lhe foi informado, é de 24 horas, segundo nos transmite Christian Gloger no artigo: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E HOSPITALAR – A importância da informação segundo os direitos brasileiro e alemão, capturado em 25 de abril de 2004, no site www,ahmg.com.br. Sobre a necessidade de informação, no pré-operatório cirúrgico, pode-se complementar com o expresso no escólio de Paulo Roque Khouri: “Se o profissional deixar de informar corretamente o paciente, inclusive, sobre os riscos de uma seqüela em função do ato cirúrgico, independentemente do mesmo ter sido ou não diligente na execução da atividade advindo a seqüela, o médico será obrigado a indenizar o paciente, pois agiu culposamente ao negligenciar uma informação importante, que poderia influir na sua decisão de se submeter à cirurgia. Anote-se que ainda que a seqüela seja inerente ao risco de determinado ato cirúrgico, o paciente tem o direito de ser informado corretamente. O médico ou o hospital só não serão obrigados a indenizá-lo se este direito do paciente tiver sido claramente respeitado, tendo o mesmo sido amplamente informado sobre este risco da cirurgia.” (ERRO MÉDICO. Revista Consulex, ano III, nº36, dezembro, 1999, p. 21). Portanto, constituindo-se em dever do médico o consentimento informado, a inobservância de efetuá-lo, dentro da relação médico-paciente, evidencia um agir culposo do profissional. Será, pois, devida a indenização pelos danos que, eventualmente, venham a ocorrer em decorrência de ato médico que não seja antecedido pelo respectivo consentimento informado. Deve-se averiguar até que ponto o paciente foi informado, objetivamente, acerca da possível ocorrência de determinadas complicações e suas conseqüências, caso as mesmas acontecerem em um caso em concreto. Apenas a anuência do paciente calcada em um conhecimento integral – específico – de todos os eventos danosos que poderiam ocorrer pode ser expressão de sua autodeterminação – sua decisão – e pode ser admitida como válida e eficaz no sentido de justificar um procedimento cirúrgico do médico. Aquelas complicações que surgirem, mesmo previsíveis e até habituais, se não devidamente esclarecidas ao paciente no pré-operatório, se ocorrerem efetivamente, o profissional será responsabilizado pelos danos ao paciente causados pelas referidas complicações. Ressalte-se, não basta bem informar, é importante também, documentar que foi realizado o dever de informar, aconselhando, o paciente, se possível com a assinatura de 2 (duas) testemunhas. Assim o consentimento informado, sendo documentado, estará, como nos ensina Marcos Bernardes de Mello [TEORIA DO FATO JURÍDICO (Plano da Existência). São Paulo: Saraiva, 1995, p. 78] entrando no plano da existência como fato jurídico, podendo, assim, ter efeitos jurídicos se apresentado, nos tribunais, em uma lide, que porventura venha a se instalar, em decorrência do ato médico efetuado. Para procedimentos muito complexos ou que exijam informações muito detalhadas, é usado, atualmente, em determinados países um protocolo, também devidamente assinado pelo paciente e testemunhas, anexado ao consentimento informado, onde se descreve mais extensamente o procedimento que vai ser realizado no paciente.
Como embasamento legal para a necessidade de se obter o consentimento informado de um paciente na execução de procedimentos médicos e na adoção de medidas médicas, durante sua doença, podemos citar, inicialmente, o Código de Defesa do Consumidor – CDC – Lei nº8078, de 11 de setembro de 1990, que em seus artigos 6, em seu inciso II, 31 e 39, aborda a necessidade de ser informado o consumidor de serviços – e o serviço médico-hospitalar é um destes serviços prestados ao consumidor. Diz, em seu inciso II, o artigo nº6 do referido Código: “ Art. 6º – São direitos do consumidor: (…) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (…)”; o artigo 31, do mesmo Código determina: “A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa (…), bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores.”; e o artigo 39, também do CDC reza: “Art.39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas: (…) VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, “. Portanto, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro é rico em determinações sobre a necessidade de informar o paciente – consumidor de serviços médico-hospitalares – e obter seu consentimento previamente à efetivação de qualquer conduta médica que envolva o mesmo. Mas não é, o CDC, o único que emite comandos legais neste sentido.
O Código Civil brasileiro, também, em seu artigo 422 estabelece: ”Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, e, não só a boa-fé subjetiva, aquela da qual está impregnada a vontade dos contratantes, médico e paciente, por ocasião de firmarem, tácita ou expressamente o contrato de serviços médicos, deve estar presente nesta relação, mas, também, a boa- fé objetiva, aquela que se constata existir através de manifestações em concreto durante a execução da obrigação contratada. No caso, do consentimento informado, ele é uma manifestação objetiva da boa-fé do policitante – médico, contratado – frente ao oblato, contratante – paciente –, pois aquele ao cumprir com o dever – obrigação contratual – de “conselhos” objetivamente a demonstra. Mais ainda se documenta em formulário específico, redigido da maneira adequada, o consentimento informado por parte do paciente com assinatura de testemunhas. Entra no mundo fático o documento comprovando a boa-fé objetiva do contratado – o médico.
Já o artigo 15, do mesmo Código Civil determina: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou à intervenção cirúrgica”. Serve este artigo como um reforço na determinação de se obter um consentimento informado, obviamente esclarecido (senão estaria com o vício da ignorância sobre o assunto por parte do paciente), já que exige o consentimento do mesmo para a execução de tratamentos e medidas que atuem, com risco de vida, no corpo humano. Como se vê, as leis em nosso direito se direcionam no sentido de exigir o consentimento informado dos pacientes quando em tratamento médico.
No mesmo sentido vai o Código de Ética Médica (Resolução nº1.246, de 8 de janeiro de 1988, do Conselho Federal de Medicina) em seus artigos 46, 48, 56 e 59 a saber: “CAPÍTULO IV – Direitos Humanos – É vedado ao médico: Art. 46 – Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida. Art. 48 – Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou bem-estar. CAPÍTULO V – Relação com Pacientes e Familiares – É vedado ao médico: Art. 56 – Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida. Art. 59 – Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.” Assim, do ponto de vista ético fica bem patente a necessidade de se obter o consentimento informado do paciente nas mais diversas situações da relação médico-paciente.
Do Parecer Consulta nº 24/97, aprovado em 12/06/97, em sessão plenária do Conselho Federal de Medicina, tendo como Relator o Conselheiro Sérgio Ibiapina Ferreira Costa extraímos o texto abaixo por expressar com legitimidade uma visão jurídica e esclarecedoramente didática da necessidade da presença do consentimento informado na relação médico-paciente: ‘A Assessoria Jurídica do CFM, ao manifestar-se sobre a matéria, enfatizou os seguintes pontos:
1 – O médico tem o dever de informar o paciente acerca dos riscos do ato médico e das conseqüências dos medicamentos que forem prescritos;
2 – Além disso, o médico tem responsabilidade civil, penal e disciplinar sobre seus atos, devendo essa responsabilidade ser avaliada em cada caso;
3 – O chamado “termo de consentimento esclarecido” tem como finalidade “formalizar” ou “documentar” o médico e, também, o paciente sobre as conseqüências que poderão advir do ato médico e da prescrição de medicamentos, inclusive hipóteses de caso “fortuito” e “força maior” desconhecidas da “Ciência” e que escapam ao controle da Medicina. Dessa forma, o aludido termo ou autorização não tem a virtude de excluir a responsabilidade do médico. Não pode ser entendido, pois, como excludente de responsabilidade ou cláusula de não-indenização.
4 – O aludido “documento” cumpre finalidade ético-jurídica e pode ser apreciado como “prova” da lisura do procedimento médico;
5 – Assim, o “termo de consentimento esclarecido” jamais deverá ser de cunho impositivo, devendo ser sempre grafado em linguagem acessível e simples para entendimento do paciente que subscreverá o “documento”, ou de seu representante legal.’
Não pode ser o formulário que documenta o consentimento informado sempre o mesmo, ou seja, não há possibilidade de se redigir um documento padrão, para todos os procedimentos, como bem diz o Jornal do SIMERS – Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, já em abril de 2001, em sua página 7: “Os médicos, que têm a prática da profissão, devem unir sua experiência ao bom senso e à linha de defesa, pois a gama de situações na Medicina é tamanha que a previsão delas num único documento especificamente é impossível”.
Nota:
Autor do livro RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DO MÉDICO – 2003 – LZN Editora – Campinas – SP Telefone da editora: 0xx19.3236.7788.
Informações Sobre o Autor
Neri Tadeu Camara Souza
Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN