Erro médico: Uma análise frente ao Código de Defesa do Consumidor

“Que os médicos se confortem: o exercício de sua arte não está em perigo; a glória e a reputação de quem a exerce com tantas vantagens para a Humanidade não serão comprometidas pela culpa de um homem que falhasse sob o título de Doutor”.

(Procurador-Geral Dupin, da Corte Civil do Tribunal de Cassação de Paris, início do Século XIX)

ASPECTOS  INTRODUTÓRIOS:

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Primeiramente, salientamos que, por meio desta pesquisa, procurou-se  estudar a relação entre o prestador de serviços da área médica sob a ótica da relação de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor, desde o seu surgimento, vem sendo cada vez mais utilizado e aplicado nas relação jurídicas e nos trouxe, sem dúvidas, inovações significativas e modernidade ao direito brasileiro se comparado a outros tantos países.

E, com grande satisfação estudar-se-á a atuação do profissional da área médica, frente a este novo diploma legal.

Tal estudo nos despertou a atenção principalmente em virtude das peculiaridades e vicissitudes  que tornam a profissão nas áreas biológicas, única e incomparável a outros ramos de atividade exercida por profissionais liberais.

É, sem dúvida, uma atividade oferecida por um prestador de serviço. No entretanto, não se compara à demais por vários motivos: entre os quais, pela participação e atuação do próprio paciente no que tange ao sucesso ou insucesso do tratamento. Ou ainda pelo caráter não exato da ciência médica, que se mostra limitada ao âmbito do conhecimento. Ou, pela própria peculiaridade e resposta diversa apresentada por cada organismo humano, ainda que se lhe apliquem tratamentos uniformes.

Por estes e outros inúmeros motivos que estudaremos adiante, acreditamos que o serviço prestado por este profissional liberal deve ser analisado de forma ímpar, para a apuração de sua responsabilidade na esfera cível.

Miguel Kfoury Neto, menciona que a matéria, em países como França, Itália, Espanha e os vizinhos Uruguai e Argentina, é abordada em obras e tratados volumosos, escritos por civilistas de renome. Entre nós, predominam os trabalhos elaborados por médicos, Professores e Medicina Legal, enquanto os mestres do direito Civil apenas incidentalmente se ocupam da questão, enfocando-a em conjunto com as demais modalidades de responsabilidade civil ou em breves artigos. 1

Não obstante, encontramos assuntos bastante atuais tratados por juristas de renome. porém, não em grande obras, mas em periódicos, CD-ROM, em artigos disponíveis via internet, por intermédio de revistas e Jurídicas on-Line, sites jurídicos e palestras proferidas nos últimos Congressos que traziam como tema o Código de Defesa do Consumidor.

No entretanto, como já dito, procurou-se colacionar diversos posicionamentos, ainda que divergentes de nosso manifesto entendimento.

Sem a pretensão de nos estendermos demais, não se fará  um estudo aprofundado referente à responsabilidade criminal destes profissionais, procurando ainda tecer alguns comentários mais genéricos quanto à responsabilidade administrativa,  frete aos órgãos de classe.

Analisemos pois, com detalhes a relação estabelecida entre este profissional e o consumidor dos seus serviços, os tipos de erros médicos, a forma de responsabilizar e punir tais erros, inclusive quando relacionados a estabelecimentos hospitalares e similares .

1.UM PANORAMA ATUAL:

Com relação às atividades médicas, muita coisa vem mudando.

Enquanto profissão, a Medicina visa a prevenir os males e à melhoria dos padrões de saúde e de vida da coletividade.

É verdade quem nem sempre pode proporcionar a cura, mas, sem dúvida, pode   melhorar a qualidade da sobrevida do enfermo.

Até algum tempo atrás, o dano advindo da atuação do médico era tido como inevitável. Raro, nestes casos, buscar-se reparação.

Daí, passou-se a uma situação totalmente contrária, não só de proteção ao lesado, como também predisposição deste em imputar qualquer mau resultado ao profissional.

Alguns fatores poderiam ser cogitados para se tentar justificar estes fatos:

a) O  despreparo em enfrentar a morte, a perda do ente querido ou uma sequela não esperada.

Este despreparo, em muitas das vezes, conduz a atitudes rancorosas e desorientadas, induzindo o paciente (ou familiares) a acharem uma justificativa  para questões difíceis de serem explicadas.

b) Poder-se-ia  mencionar também a posição vulnerável em que se acha o paciente, entregando sua saúde e muitas vezes sua vida nas mãos de um profissional que exerce uma atividade tecnicamente não compreendida por ele, consubstanciada apenas numa relação de confiança.

Não advindo o resultado esperado, quebra-se a confiança e acarreta, além de uma reação de revolta e desespero, uma sensação de impotência diante do desconhecido ou das perspectivas.

E, não conhecendo os passos técnicos tomados para tentar solucionar o seu problema, o indivíduo tende questioná-los.

c) Poder-se-ia citar ainda como causa, a crescente descrença nas atividades oferecidas pelos serviços hospitalares públicos, sabidamente ineficientes, insuficientes e caóticos.

As péssimas condições de trabalho (acúmulo de pacientes, instalações precárias, morosidade) acabam refletindo nas condições de atendimento ao paciente, que vê no médico o responsável imediato pelo seu sofrimento.

Esta situação deficitária levou ao crescimento dos convênios, planos de saúde e seguros saúde, que intermediam a relação médico paciente, fazendo deste um “assalariado”.

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A concorrência e condições do mercado, levam as empresas da saúde a visar prioritariamente  lucros, adotando, como conseqüência,  uma  política de redução de gastos em todos os sentidos.

Os pacientes e usuários encontram dificuldade em obter  autorização para a execução dos exames solicitados (sobretudo os mais caros).

Exames complementares, solicitados pelos médicos, que poderiam levar a um diagnóstico preciso (ou mais preciso),  são limitadíssimos. Sobretudo os que despendem maiores valores.

O médico conveniado sofre grande e freqüente pressão para que peça cada vez menos exames e onere cada vez menos o sistema, sob pena de ser descredenciado.

Como o médico nos dias atuais  dificilmente consegue sobreviver sem os convênios, posto que  é cada vez menos frequente  a presença do “paciente particular” , acaba ocorrendo uma “subordinação” destes profissionais aos convênios e planos de saúde.

Neste sentido, também manifesta-se Leo Mayer Coutinho, in verbis:

“Qualquer empresa visa o que não é nenhum pecado, o lucro. Mas o que acontece com as empresas que intermediam o trabalho médico?

Vejamos primeiro como ocorrem os gastos:

Se o médico é assalariado, ela procura fazer com que este atenda o maior número de pacientes possível;

Se o médico não é assalariado, mas apenas credenciado e há  livre escolha pelos “segurados”, para a empresa pouco importa quantos ele atende por dia. Procuram entretanto limitar o número de consultas. (omissis)

Entretanto, ambas as categorias ficam submetidas à seguintes pressões:

1) a empresa procura pagar o mínimo possível de salário ou de honorários por consulta, para aumentar o lucro;

2) considerando que um gasto importante, muitas vezes superior  ao próprio valor de uma consulta, está na execução de exames complementares para esclarecimento diagnóstico, a empresa pressiona de toda forma possível, por vezes até ameaçando de demissão ou descredenciamento, o médico que solicita mais exames.

Esses fatores levam à diminuição da qualidade assistencial, com reflexos danosos não apenas ao médico, mas em especial ao paciente.”

Estas circunstâncias, acabam por interferir de maneira significativa no trabalho realizado pelo profissional.

d)Outra questão que contribui para uma piora em todo este quadro, seria a proliferação de escolas e faculdades médicas. Existem hoje, mais de 80 (oitenta)  faculdades de medicina. Formam-se cerca de 10 mil médicos por ano, que se juntam aos 204.500, já em atividade. 2

A Organização Mundial de Saúde preconiza que haja um médico para cada 1.0000(mil) habitantes.3

Não obstante as questões levantadas, não se pretende, contudo, fechar os olhos à existência do médico infrator. Embora achemos improvável que algum erro cometido seja doloso, a simples ocorrência do erro, ainda que culposo, gera o dever de indenizar.

O próprio quadro atual acabou por contribuir para a ocorrência de algumas condutas médicas equivocadas.

Assim, apenas para cita um exemplo, existem profissionais que, percebendo uma profissão cada vez menos rentável e concorrida, tendem a “segurar” o paciente, mais do que deveriam, sem encaminhá-lo ao especialista,  tratando doenças fora de sua área competente, muitas vezes atrasando o tratamento correto, causando prejuízos ao paciente.

Acreditamos que o mau profissional, que age, sobretudo, com displicência e desleixo, traduzindo este comportamento em erro médico, deve ser punido para que a classe inteira não caia em descrédito.

O essencial, é que nas hipóteses de suposto erro médico, sejam levadas em conta as particularidades desta atividade (por alguns chamada   “arte”) e as condições e o panorama atual em que é exercida, analisando-se sempre o caso a caso.

2. FATORES CONCORRENTES PARA O ERRO MÉDICO:

Os fatores concorrentes para o erro médico são aqueles que contribuem para a geração do erro, aumentando sua incidência ou agravando sua expressão.

Júlio César de Meirelles Gomes aponta os seguintes fatores:

– Condições adversas para o exercício da medicina, desde a escassez de recursos materiais, o número excessivo de pacientes ou a limitação dos meios de diagnósticos e cura impostos pelos contratos de medicina de grupo ou seguro- saúde.

– O atendimento em massa, das massas desassistidas de baixa renda; um padrão massificado de cunho social adverso. A medicina a serviço das campanhas ou esmagada nos pequenos centros médicos localizados em comunidades muito pobres;

– A morbi-mortalidade crescente da sociedade brasileira;

– O contato mais frequente com o médico desprovido de recursos adequados na instituição pública; a par da extraordinária dificuldade de acesso ao próprio sistema público ou privado de alto poder resolutivo;

– A formação médica deficiente em nível de graduação, que dispensa comentários. A inexistência de educação continuada na pós-graduação;

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– A utilização crescente na medicina de procedimentos de alta complexidade tecnológica, de difícil controle, além da introdução de procedimentos de alto risco;

– A capacitação tecnológica em descobrir o erro médico, por exemplo: tomografia computadorizada, ecografia, etc;

– O mercantilismo desvairado e selvagem, por iniciativa isolada do médico em especialidades rendosas ou em conjunto por meio de cooperativas ou empresas médicas comprometidas com o lucro. É lícito ainda cogitar sobre o estímulo quantitativo existente na prática dos convênios, forma prevalente de remuneração do ato médico.

Dentre os citados, entendemos que o fator que mais contribui para a ocorrência do erro médico, é o atendimento em massa.

O médico que labuta sobrecarregado, por exemplo, um plantonista de emergência, por certo não poderá despender do tempo necessário e indispensável para oferecer um atendimento de  qualidade a todos os pacientes.

E, se não pode realizar seu trabalho com a perfeição e eficiência que gostaria, é bem possível que deixe passar alguns detalhes importantes que poderiam contribuir na busca da solução à problemática apresentada pelo atendido.

Por certo, assim agindo, pode vir a causar danos a estes pacientes, em algumas vezes, irreversíveis.

3. O PERFIL DO MÉDICO INFRATOR:

Os processos Administrativos junto aos órgãos de classe:

Como estamos tratando, neste trabalho, do erro médico frente ao Código de defesa do Consumidor, convém analisarmos algumas questões  relacionadas ao Código de Ética Médica. Isto porque, na maioria das vezes, os profissionais acusados são processados administrativamente, judicialmente e até criminalmente, ao mesmo tempo.

Ademais, em grande parte das vezes, as infrações dispostas no código de ética, são também infrações sob o ponto de vista da responsabilidade civil e ou penal.
Conheçamos então, um pouco mais as características destes processos:

Recentemente foi realizada uma pesquisa pelo CREMESC (Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina), junto a este Estado,   no intuito de se identificar qual o perfil do médico infrator, levantando-se dados a partir de março de 1958 a dezembro de 1996. 4

Vejamos as conclusões:

Foram levados em consideração para a pesquisa, elementos pessoas como  idade, sexo, tempo de formado, faculdade de medicina de origem, especialidade.

Verificou-se:

denúncias                                                                                   577

médicos envolvidos                                                                    750

processos disciplinares abertos                                                 252 (43,6%)

médicos envolvidos nos processos                                            322 (42,9%)

Importante ressaltar que 283 denúncias (49%) foram recebidas nos últimos três anos (1994 a 1996) e 429 (74,3%) das mesmas, nos últimos 7 anos.

Portanto, percebe-se que as denúncias, junto a estes órgãos de classe, vem crescendo. 

Os Denunciantes:

Os denunciantes foram assim representados:

Pacientes                                                                                             35%

Médicos:                                                                                               26%

Ex oficio                                                                                                10%

Poder Judiciário:                                                                                     9%

Sistema Único de Saúde (SUS):                                                               8%

Direções de Clínicas e comissões de ética dos hospitais:                            7%

Outras entidades:                                                                                   5%

Observa-se que foram originárias da sociedade 75% (setenta e cinco por cento) das denúncias e 43% (quarenta e três por cento) tiveram origem no próprio meio médico.

A Condenação:

Processos julgados                                                                 162

Médicos envolvidos                                                                 208

Condenados:                                                                          105

Absolvidos:                                                                             103

Vê-se que, ao contrário do que dizem alguns, o número de médicos condenados administrativamente, não foi irrisório. Muito pelo contrário, pois, dos processos julgados, praticamente metade dos envolvidos foram condenados.

Características Individuais dos médicos condenados:

Faixa etária                                                                     31 a 40 anos (41,7%)

Média de tempo de formado                                        de 5 a 15 anos (56, 3%)

Especialidades mais envolvidas:

Gineco-obstetrícia                                                             1ª

anestesiologia                                                                  2ª

cirurgia geral                                                                   3ª

oftalmologia                                                                     4ª

neurocirurgia                                                                    5ª

Acrescenta-se que houve o predomínio do sexo masculino, com apenas duas médicas condenadas.

E finalmente, o artigo 29, que aponta o erro médico, do Código de Ética Médica foi o mais infringido após os artigos dos capítulos dos princípios fundamentais.

O PERFIL:

Com a ajuda de todos esses dados, foi possível traçar o perfil  comportamental do médico infrator do Código de Ética Médica:

Jovem, sexo masculino, 15 (quinze) anos de formado, gineco-obstetra e em plena atividade de trabalho.

4. O CONSUMIDOR , O FORNECEDOR E O SERVIÇO:

Estudaremos, a partir de agora, o que vem a ser o consumidor e o fornecedor, à luz do Código de defesa do consumidor.

2.1.O CONSUMIDOR:

O consumidor (art. 2º), “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

José Geraldo Brito Filomeno, citando Othon Guido Sidou, define consumidor como “aquele que compra para gastar em uso próprio”.

E conclui que “consumidor é qualquer pessoa, física ou jurídica, que isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço” 5

Veja-se, por outro lado, que consumidor pode ser pessoa física ou jurídica e quanto a este aspecto abrimos um parêntese  acerca da relação existente entre empresas de previdência privada (pessoas jurídicas), as quais contratam os serviços médicos.

Sem dúvida estas empresas “consomem” os serviços médicos, porém, jamais poderão ser consideradas consumidores nesta relação, posto que não utilizam o trabalho do médico em benefício próprio, como consumidor final, mas repassam-no através dos planos e seguros de saúde,  ofertados ao mercado, estes sim, utilizados pelos consumidores, os pacientes.

Trata-se, na realidade, de um credenciamento onde o fornecedor do serviço, para com o consumidor, é o plano de previdência privada.

É necessário, pois, que a prestação de serviços seja direta e não intermediada.

2.2. O SERVIÇO:

José Geraldo Brito Filomeno, citando Philip Kotler, dispõe que os SERVIÇOS podem ser considerados como “atividades, benefícios ou satisfações” que são oferecidas à venda.

O   § 2º do art. 3 do CBDC, aponta “serviço” como sendo “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

2.3. O FORNECEDOR:

Fornecedor, conforme conceito estabelecido pelo próprio código (art. 3º), “é toda pessoa física ou jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Assim, o fornecedor (derivado do francês fournir, fornisser) é o responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor.

Alguns Doutrinadores, dentre eles, Genival Veloso de França, entendem esta relação da seguinte forma:

“ …o Código representa um instrumento  de equilíbrio e  disciplina nas relações de consumo entre o prestador de serviços e o usuário.  E ainda, por  revelar-se como uma garantia  de ordem Constitucional (O  Estado  promoverá, na forma da lei, a defesa  do consumidor” art. 5º, inciso XXXII, da Constituição  Federal).6

Na linguagem deste código, o paciente nada mais  é o consumidor para quem se presta um serviço; o médico, o  fornecedor que desenvolve atividades  de prestação de  serviços médicos; e  o ato médico, uma atividade exercida mediante  remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem vínculo empregatício” .

5. A RELAÇÃO DE CONSUMO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS:

Alguns estudiosos do direito  ainda consideram difícil admitir os profissionais  liberais regulados  pelos ditames legais  das relações de consumo.

Entendem que pelo fato de  o trabalho dos  profissionais liberais ser autônomo  e criativo, suas  profissões  não devem ser reguladas pelo  CDC.

O fundamento principal utilizado repousa no fato desses profissionais já  possuírem seus  Códigos regulamentares e de  ética próprios de suas categorias, como  os da OAB,  CNM,  CREA, etc.7

Não  obstante tal entendimento,   parece-nos claro que o paciente ao contratar um serviço (o atendimento, a consulta, uma cirurgia) médico, seja encarado como um consumidor deste trabalho oferecido pelo profissional.

Da mesma forma, o profissional médico, ao ofertar a prestação de um serviços a um mercado consumidor (os paciente), enquadra-se claramente no conceito de fornecedor.

Só para complementar o raciocínio, note-se, quando o CDC se refere ao serviço, depreende-se que trata-se de “qualquer” atividade fornecida ou oferecida ao mercado consumidor.

Os serviços médicos não deixam de ser uma atividade fornecida ao mercado, assim como o é o de um pedreiro, carpinteiro, dentista, advogado, médico veterinário, incluindo, de forma um pouco diversa, as pessoas jurídicas que prestam serviços como as clínicas e escritórios, as quais serão analisados mais adiante.

Analisando-se os aspectos relativos a esses três elementos: consumidor, fornecedor e serviço, podemos chegar às seguintes conclusões:

– o médico, ao colocar o seu serviço à disposição do mercado consumidor, in casu, os potenciais pacientes, estaria ele jungido ao conceito de fornecedor, nos termos do art. 3º do CDC.

– Da mesma forma, o paciente ao utilizar este serviço em benefício próprio ou de algum familiar ou amigo (de outrem) estaria classificado como consumidor.

– E finalmente, o trabalho ofertado ao mercado consumidor (potenciais pacientes), mediante remuneração, encaixa-se no conceito de serviço disposto pelo CDC. Portanto o atendimento médico é um serviço à luz do CDC.

Convém mencionar um ponto interessante com relação à remuneração. Esta, a nosso ver, é considerada condição “sine qua non” para que se configure a relação de consumo, uma vez que o trabalho gratuito descaracteriza tal relação e subtrai os elementos caracterizadores da condição fornecedor do serviço.

6. OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR:

É indispensável que se analise também neste trabalho, os direitos básicos adstritos ao consumidor.

O CDC estabelece três tipos básicos de infringência aos direitos do Consumidor:

A) os configurados dentro da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço;

B) os estabelecidos pelos vícios de consumo e

C) os representados pelas condutas abusivas e práticas abusivas realizadas no mercado pelos fornecedores.

Estão estes direitos dispostos nos arts. 6º e 7º do CDC.

Estudaremos alguns destes direitos, principalmente os afetos à prestação de serviços médicos.

6.1. Da Proteção contra o fornecimento de serviços e produtos nocivos ou perigosos:

Este item do artigo apresenta grande importância quanto à relação médico-paciente.

O paciente (consumidor) está protegido contra a prática de procedimentos médicos que possam vir a lhe causar alguma nocividade.

É sabido, porém, que algumas práticas médicas, ainda que aplicadas com fins de cura, poderiam vir a se revelar nocivas à saúde.

Foi estudado acima (no capítulo referente ao erro médico) o erro deliberado, praticado para tratar mal maior. É este o entendimento que se coloca.

Assim, por exemplo, o médico oncologista,  no intuito de combater o câncer, faz uso de um método de tratamento  – utilizando muitas das vezes, medicamentos bastante tóxicos – extremamente agressivo à saúde do paciente de um modo geral. Porém com a aquiescência deste, posto que é o que apresenta  maiores chances de resultado no combate à doença.

Nestes casos, existe a possibilidade de  nocividade ou periculosidade à saúde do paciente. No  entretanto, o método é empregado,  com  a concordância  do paciente/ou familiares, sempre que inexista outro tratamento que  apresente  os  mesmos  resultados, com menor  grau de  nocividade exatamente porque é o  que  apresenta chances de cura ou  tratamento  no  que  concerne à  doenças de cunho agressivo.

Um outro exemplo paralelo seria a prática do ato médico em momentos de emergência, onde não é dado ao profissional a oportunidade para longas elucubrações acerca da problemática apresentada pelo paciente ou mesmo para a utilização de exames complementares.  Deve apenas agir e rápido. Sob pena de agravar ainda mais o estado de saúde de seu paciente.

Nestas situações, sabemos, é preciso que uma decisão seja tomada e  uma opção de conduta seguida. No entretanto, constata-se, em alguns casos, mais tarde, que aquela não era a conduta “mais adequada”. Mas em um dado instante, a decisão teve que ser tomada. E foi.

Em ocasiões como esta (onde há a necessidade de agilização da conduta médica em virtude da gravidade do caso) entendemos que o profissional não poderá ser responsabilizado da mesma forma pela prática do ato se este for considerado nocivo à saúde do paciente. Excetuadas, é claro, as hipóteses de erro grosseiro.

Sempre que  executar o tratamento tendo em  vista o melhor  para o paciente, ainda que a médio prazo, sua conduta deve ser  isentada de qualquer culpa.

Não obstante as circunstâncias suso narradas, o médico tem o dever de esclarecer ao paciente e/ou familiares, os principais riscos a que aquele está sujeito com o tratamento, medicação e métodos a serem  empregados visando a melhora da saúde.

6.2. Orientação e divulgação sobre o consumo do serviço, asseguradas  a liberdade de escolha:

Como já dito, o médico tem o dever de esclarecer ao paciente o funcionamento do  tratamento a ser empregado.

Trazemos à baila o disposto no Código de Ética Médica, acerca do tema:

“É vedado ao médico:

Art. 46: Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida.”

Não obstante, deve se levar em conta o grau de discernimento deste paciente e/ou de seus responsáveis. Principalmente no concerne às regras que devem ser seguidas pelo próprio paciente para o sucesso do tratamento, bem como os possíveis e potenciais riscos.

Até mesmo para prescrever os medicamentos o médico deve informar a respeito das finalidades.

Que fique claro que somente em iminente risco de vida é que se pode intervir, clinica ou cirurgicamente, contra ( ou sem) a vontade do paciente ou seus familiares.

No intuito adequar o serviço oferecido por este profissional ao Código de Defesa do Consumidor e de buscar uma menor exposição do profissional aos riscos e possíveis processos jurídicos, sugerimos a confecção e entrega de uma cartilha ou manual ou, contendo as principais informações para o adequado tratamento.

Ou, caso isto não seja viável, sugerimos um completo e prévio esclarecimento (no próprio consultório ou mesmo Hospital) ao paciente e familiares, com a assinatura de um termo, atestando o recebimento das orientações necessárias.

Concordamos que, à primeira vista possa parecer uma orientação que propiciaria uma imagem um pouco antipática aos olhos leigos, porém, na medida em que as ações contra estes profissionais crescem, como vem de fato ocorrendo, justificam-se atitudes como esta, visando a proteção cada vez maior, no intuito de se evitar problemas futuros no âmbito jurídico.

A  sugestão acima referida é de grande valia, haja vista a possibilidade, ao menos em tese, da aplicação da inversão do ônus da prova, em casos de processo por  erro médico.

A inversão do ônus da prova,  se aplicada ao processo, significará que o médico é que vai ter que provar que não falhou, ou seja, terá que provar que não agiu com negligência nem imprudência e, nesta circunstância, todas as provas serão indispensáveis.

Neste sentido o esclarecimento de Oscar Ivan Prunx:8

“quando ocorrem danos por falta ou insuficiência de informações, o consumidor não tem como provar que não as recebeu, enquanto, de outra parte, o fornecedor tem considerável facilidade de demonstrar tê-las fornecido, bastando, por exemplo, que apresente o recibo declarando a entrega das mesmas por escrito.”

Assim, visando um enquadramento dos serviços médicos ao código de defesa do Consumidor, bem como uma maior proteção sob o aspecto legal, entendemos que o profissional desta área, deve informar ao paciente as condições, o prognóstico e os tratamentos disponíveis para a doença que o acomete  sem lhe retirar o direito de decidir, indicando, é claro a conduta mais apropriada tecnicamente.

7. A RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL LIBERAL PELO FATO DO SERVIÇO:

Cumpre-nos ressaltar que na legislação civil até então dominante, o exercício das atividades profissionais tanto podia ser executado exclusivamente pelo profissional contratado, quanto por outrem cuja intervenção fosse aceita.9

Tal discussão tem fundamento. Entendem alguns juristas, como anteriormente mencionado, que a relação entre médico e paciente, nada mais é do que um contrato intuitu personae. Significa dizer que o profissional fora “escolhido” pelo paciente, exatamente porque dotado de qualidades, condições técnicas, boa fama  e o “serviço” somente por ele deve ser executado.

Esta é uma das significativas inovações trazidas pelo CDC.

Cabe-nos inspecionar, então,  a possibilidade ou não de haver a integração de terceiro na execução das atividades contratadas a um determinado profissional; ou mesmo a substituição por outro profissional da área, ainda que por um determinado período, à luz do CDC.

Apenas para nos aproximarmos um pouco das práticas médicas, é importante mencionar que é comum um médico contratado ou “escolhido” por um paciente para uma determinada conduta médica, solicitar que outro colega assista seu paciente (enquanto estiver internado no Hospital ou Clínica, por exemplo), ainda que por um período determinado.

Isto ocorre principalmente em casos em que o profissional necessite se ausentar, como em viagens.

A respeito deste fato corriqueiro, é preciso que se diga que só será possível esta substituição (ainda que temporária), com a aquiescência do paciente ou  dos familiares, de forma escrita ou verbal.

Entendemos desta forma, porque ao médico não é vedado se ausentar da cidade, desde que deixe seu paciente acompanhado por outro profissional capacitado e de sua confiança.

Assim prescreve o código de ética médica em seu art. 36, no Capítulo referente à Responsabilidade Profissional, senão vejamos:

É vedado ao médico:

“Art.36: Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes em estado grave.”

Então, em casos de viagem ou mesmo doença do médico, mesmo admitindo-se a peculiaridade do contrato médico- paciente (intuitu personae) acreditamos que seja indispensável o profissional tomar o cuidado de se fazer substituir, com a concordância do paciente e/ou familiares.

Nas demais hipóteses, uma vez escolhido o profissional e contratados seus serviços, ele mesmo deve desempenhar para alcançar os objetivos almejados. Exceto se acordado que o profissional apenas supervisionará o trabalho de uma equipe (ou residentes). Mas neste caso é indiscutivelmente necessário que o contratante saiba deste “detalhe”.

8. ANÁLISE DO ART. 14 § 4º DO CDC – A FORMA DE SE APURAR A CULPA DO PROFISSIONAL LIBERAL

Como já dito, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, entrou em vigor em março de 1991, visto como um diploma moderno, que veio revolucionar enfoques tradicionais na esfera da responsabilidade civil.

De início, inovou ao trazer como sua linha mestra a responsabilidade objetiva (conceituada o tópico acima) .

No entretanto, tal perspectiva não passou sem exceção e uma delas está explicitada no art. 14 § 4º do Código que menciona:

“Art. 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4º : a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

Depreende-se que o referido diploma abandonou, com relação aos profissionais liberais, a responsabilidade objetiva (regra geral). Na verdade, houve uma manutenção desse tipo de responsabilidade, anteriormente disciplinada pelo Código Civil brasileiro.

Mas, qual seria a justificativa para este tratamento diferenciado relativo aos profissionais liberais?

Analisando as lições de Oscar Ivan Prux vemos que a justificativa prende-se em que os profissionais liberais, realizam ou realizariam, generalizadamente, contratos com obrigações de “meio” e não de “resultado”.10

Ou seja, a eles caberia envidar todos os esforços e perícia técnica para realizar o que lhes é pedido pelo cliente; mas não estaria ao seu alcance assegurar o resultado objeto do serviço.

E continua o citado autor: “Os resultados desses serviços estariam sempre na dependência de fatores alheios ao empenho e à competência do profissional, de modo que uma completa garantia de perfeição do resultado do serviço estaria fora do alcance de seu esforço e de sua própria vontade.

Do profissional liberal, por esse critério, é de se esperar apenas o labor diligente, pois o resultado pode estar alheio ou além do alcance de suas forças.”

Não obstante Ter o autor exposto todo este entendimento, considera esta exceção posta pelo parágrafo citado, em desconformidade com as legítimas exigências atuais, acabando por frustrar as expectativas sociais.

Sustenta que a teoria da culpa não é adequada para ser aplicada em todos os casos de responsabilidade civil de ordem pessoal dos profissionais liberais.

Aponta que nas obrigações de resultado ela se mostra inadequada e, nas agressões aos direitos dos consumidores que são perpetradas através de condutas e práticas de mercado (na oferta, na propaganda enganosa, na cobrança de dívidas, no uso de práticas e cláusulas abusivas, etc) ela se revela, além de inadequada, quase impertinente.

Apresenta pois, sua “fórmula” para resolver a questão:

Salienta a necessidade de um exame prévio para se averiguar se a obrigação é de meio ou de resultado.

Em sendo de meio, a responsabilização deverá fazer-se respeitando os critérios estabelecidos pela teoria subjetivista, ou seja, com a demonstração antecipada da culpa do profissional (art. 14 § 4º).

(Esta modalidade é basicamente pertinente aos casos de acidentes de consumo e vícios de serviços).

Em sendo de resultado, alega que a inversão do ônus da prova deverá ser obrigatória, devendo o profissional liberal responder, com presunção de culpa, fórmula cujos efeitos práticos são idênticos à responsabilidade objetiva que é aplicada pelo CDC aos demais fornecedores.

Datíssima vênia, discordamos do autor, na sua visão e aplicação desta “fórmula” aos profissionais liberais da área médica e exporemos os motivos de nosso entendimento, apontando, para tanto, três premissas:

Faremos uma análise crítica acerca do posicionamento do autor:

Análise Crítica:

Primeiramente, salientamos que  a ciência médica e o trabalho realizado pelo profissional desta área, apresentam características diferentes dos demais profissionais liberais, as quais serão vistas mais adiante.

O segundo ponto a ser levado em conta, deve-se ao fato de observamos que a  análise acerca de um contrato médico, no intuito de se desvendar se a  obrigação é “de meio” ou “de resultado” não é – e não poderia ser –  tarefa tão fácil.

Não queremos com isto, inadmitir a possibilidade do contrato “ onde haja obrigação de resultado”, no âmbito da área médica.

Porém, pensamos que os elementos que são levados em consideração para se atribuir a um contrato uma obrigação de resultado, estão equivocados.

E terceiro, porque a atividade médica é a única atividade liberal onde o contratante tem participação significativa, senão definitiva.

Vejamos detalhadamente os Argumentos:

Argumentos:

a)Analisemos sob alguns aspectos (poucos conhecidos) a atividade Médica:

Primeiramente, é preciso que se diga, que este profissional, para atuar, necessita da complementação de outras áreas técnicas e estrutura física, nem sempre com resultados perfeitos. Nos referimos a esta fato como um erro técnico.

Segundo, que este profissional normalmente, não tem hora para o trabalho. O realiza aos sábados, domingos, feriados e madrugadas, basta a necessidade de sua presença, e lá estará ele junto ao paciente.

Sob esta perspectiva, deve-se levar em conta a capacidade fisiológica do próprio organismo, necessária ao bom mister.

Sabe-se que quem trabalha cansado, pode não apresentar a mesma precisão de resultado de outro profissional, em condição diversa.

Ainda que seja um profissional “liberal”,  mesmo cansado, não lhe é dado o direito de não atender a um chamado, sobretudo, se em caráter de urgência, posto que, assim agindo, poderá vir a ser responsabilizado por este ato. Diferentemente do que ocorre com os demais profissionais liberais.

Um outro fator subjetivo, mas não menos importante, resulta da conduta dos próprios familiares.

Muitas vezes sem compreender os procedimentos médicos e levados pela dor e pelo desespero motivadas pela perda ou danos a um ente querido, tendem a procurar “um culpado”, que muitas vezes vem a ser o próprio profissional médico que, atuando no caso, não pôde evitar o resultado, ainda que agindo dentro das normas técnicas que a profissão requer.

Este inconformismo com a morte ou com a sequela, muitas das vezes ocorrido de forma inexplicável, induz à procura de respostas, em alguns casos, pelas vias judiciais.

Outra questão que se faz pertinente mencionar, está relacionada ao erro escusável, que não é o resultado da falta de observação das regras e princípios que a ciência sugere e sim o que advém da precariedade dos conhecimentos humanos.

Assim, só para citar, suponhamos que o mau resultado tenha advindo de um erro de diagnostico, possível sob o ponto de vista estatístico.

Se estatisticamente é possível e aceitável este erro,  sabendo-se que não se conhece a causa de 25% a 30% das doenças, então o profissional não deve  responder pelo erro,  se não atuou com negligência ou imprudência, ou imperícia, mas apenas teve o seu trabalho limitado sob o ponto de vista da limitação da própria ciência.

Conforme estudo em capítulo anterior, é o chamado Erro profissional: aquele decorrente de falha não  imputável ao médico e, que depende das naturais limitações da medicina que não possibilitam sempre e com  certeza o estabelecimento de um  diagnóstico exato.  A  omissão de dados e informações pelo  paciente também  contribuem para  este  tipo  de erro  médico.

Um outro ponto ainda a ser colocado, diz respeito a natureza individual e capacidade de resposta ao tratamento, diferenciada de paciente para paciente.

Tanto, que é uma afirmação clássica de que “existem doentes e não doenças”.

Isto porque dois pacientes com a mesma doença podem apresentar sintomas e sinais diferentes, reagir também de forma diversa a um mesmo tratamento, e, finalmente um pode morrer e outro ficar curado, sem que se cometa qualquer erro de diagnóstico e terapêutica.

Mais alguns aspectos poderiam ser levantados, porém, correríamos o risco de adentrarmos por um caminho que nos distanciaria do tema central deste trabalho.

Ainda, para maiores esclarecimentos, sugerimos a leitura do primeiro capítulo, com o subtítulo: “Panorama Atual”.

b) Segundo argumento: Os contratos e a obrigação de meio ou de resultado: Pressupostos.

Nos colocamos contrários aos argumentos do autor porque discordamos de alguns entendimentos defendidos por ele, buscando a identificação dos contratos onde haja obrigação de resultado, sem ampla análise e de forma imediatista.

Assim, por exemplo, acreditamos ser incorreto o entendimento da jurisprudência (elencado em sua obra) em apontar como contrato com obrigação de resultado, o executado pelo cirurgião plástico, pelo simples fato de ser esta a especialidade. Ou seja, pelo fato de ser um cirurgião plástico, seu ato obrigaria a um  resultado pré definido.

Exemplificando, se este cirurgião plástico, agindo negligentemente e prudentemente, adverte seu paciente das possíveis falhas que poderiam advir de sua intervenção, mesmo que não desejadas, haja vista inúmeros fatores alheios ao seu domínio técnico e o paciente concorda em correr este risco, não vemos motivo para este contrato ser considerado obrigação de resultado.

Mas, se por outro lado, promete o resultado objetivado pelo paciente, sem lhe mencionar as possibilidades de falhas, ainda que potenciais, então este contrato é um contrato dito de resultado, onde o profissional deve arcar com a não obtenção do resultado prometido.

Em suma, os pressupostos para se atribuir a um contrato médico uma obrigação de resultado, deveriam levar em conta  em primeira análise, a “promessa ” feita pelo profissional. E se este alertou o paciente sobre os riscos a que estaria sujeito com a opção que fez.

Se devidamente orientado o paciente, ciente dos riscos e mesmo assim concordante com o ato médico, então acreditamos que não deva haver para o profissional, uma obrigação de resultado, mas de meio.

c) Terceiro Argumento: A interveniência do contratante nos contratos médico-paciente:

A assistência médica é a única atividade prestadora de serviços em que o usuário, o paciente, é partícipe e muitas vezes o principal responsável pelo êxito do tratamento. Essa participação é voluntária ou involuntária, mas sempre decisiva para o êxito terapêutico.11

Vejo com preocupação o caminho que está sendo percorrido. O excesso promocional dos recursos da Medicina, com declarações bombásticas que criam expectativas infundadas, levam a sociedade e o cidadão a esperar mais do que o possível. Por consequência, a responsabilizar o médico pelo milagre que não pode realizar.12

Como colocado, o paciente desempenha muitas vezes, papel importante e decisivo no resultado terapêutico.

Sendo ele um partícipe do tratamento, cabe ao próprio a responsabilidade, ao menos concorrente, para o resultado.

E ao médico, muitas vezes vítima de expectativas infundadas ou mal interpretadas, não pode ser responsável por condutas milagrosas.

Com supedâneo na visão deste dois autores, cremos que o contrato médico apresenta características tão peculiares que indispensável a prova inequívoca da culpa do profissional, pelo paciente, conforme corretamente estabelece o artigo 14 § 4º.

Somente em um caso específico, quedamos convencidos de que a tese apresentada pelo autor encontra alicerce.

Assim, por exemplo, quando o médico faz publicidade enganosa e abusiva, ou utiliza métodos comerciais coercitivos ou desleais não deveria ser beneficiado pela exceção contida no mencionado parágrafo, mas sim responsável da mesma forma que o fornecedor de serviços, ou seja, objetivamente. Isto porque seu ato  infracional ao código não resulta de limitações ou peculiaridades advindas da natureza da atividade que exerce, mas de uma conduta equivocada, pela qual não deveria dispor de privilégios no âmbito de sua responsabilidade.

Finalmente, discorremos sobre estes contrapontos, porque nos preocupamos com as conseqüências que a proteção jurídica excessiva possa vir a causar às relações sociais.

Fazendo nossas as palavras do autor, cremos que o direito do consumidor deve ser respeitado, mas não deve ser instrumento de inviabilização de qualquer atividade que seja benéfica e necessária à vida em sociedade.

Fundamentos Complementares: Outro ponto de vista pode ser levantado para justificar a aplicação da teoria da culpa aos profissionais liberais, exposta por um dos autores do ante projeto, vejamos:

Zelmo Denari  explica a diversidade de tratamento em razão da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais. De fato, os médico e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais liberais – são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos respectivos clientes.13

Entendemos que só este fator já seria justificativa bastante para que seja necessária a  comprovação da culpabilidade do profissional liberal, causador do dano.

Isto porque qualquer outro fornecedor de serviços pode-se fazer substituir ou mesmo realizar o trabalho por meio de uma equipe, o que dificultaria a comprovação do ato culposo.

Mas tal não ocorre com o profissional liberal, que deve ele próprio executar o que lhe fora contratado.

Ademais, o cliente o escolhe, devido a atributos conquistados por méritos próprios.

É certo que no campo das provas, é possível que se tenha certa dificuldade, com relação ao profissional da área médica, haja vista a possibilidade de ocorrer (ainda que cada vez menos frequente)  o que  chamam de corporativismo, onde o perito é um colega de profissão, com tendência a “proteger” o suposto infrator.

Mas, não obstante este fato, destacamos que a mesma dificuldade de se arrecadar provas, pode ser sentida tanto pelo paciente como pelo médico.

Explicamos: a prática médica se baseia muito na relação de confiança entre paciente e médico. E pouco ou quase nada do que é acertado nos consultórios ou Hospitais, fica registrado.

Este costume pode acarretar dificuldades tanto ao autor da ação como ao suposto infrator.

Destarte, salientamos que pelo fato de o profissional liberal desta área, ser responsabilizado com base na teoria da culpa, uma excludente à regra geral do código, não significa dizer que isto retiraria a possibilidade de sua condenação pelos atos faltosos.

Ademais, se o juiz entender que há desequilíbrio entre as partes, poderá laçar mão da inversão do ônus da prova, instrumento processual,  possibilitado pelo código.

9. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: UM GRANDE AVANÇO:

A maior inovação que nos trouxe o diploma em comento, foi a possibilidade de inversão do ônus da prova.

É apontada no art. 6º, inciso VIII, que estatui:

Art. 6º: São direitos do consumidor

(…)

I- “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência;

A inversão  do ônus  da prova, como o próprio nome  diz, obriga a inversão do ônus de provar a alegação que é feita no processo civil. Significa  dizer que o acusado do dano  é que terá que provar que não obrou com culpa, negligência ou imprudência. Ao  Autor da demanda, caberá  provar apenas a ocorrência do dano e o nexo  causal entre o ato  e  este dano.

Como se sabe, era princípio consagrado do direito pertencer o ônus da prova a quem alegasse, inclusive respaldado no Código de Processo Civil que menciona caber o ônus probatório ao autor.

Assim, tal regra garantia que, sendo negado pelo autor e não provados os fatos, fosse a ação julgada improcedente.

Hoje, com o advento do Código, se for considerado difícil ao paciente pré constituir prova sobre seus direitos, poderá se inverter o ônus da prova.

Ademais, entende-se que o paciente (autor), enquanto perdura a relação, está em sua boa-fé, e mesmo apresentando fatos verossímeis, teria inimagináveis obstáculos para obter material probante.

Qual seria então o objetivo de se inverter o ônus da prova?

A possibilidade de inversão do ônus da prova – diante de fatos verossímeis ou quando o consumidor for hipossuficiente –  facilita sobremaneira a defesa de seus direitos. Caberá então ao profissional, Réu, provar que a alegação não é verdadeira.

Não poderíamos deixar de mencionar, que esta inversão do ônus probatório, em última  análise acabaria por provocar os mesmos efeitos da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, na apuração da culpa deste profissional,  vetada  pelo CDC. Seria no mínimo um contra senso.

Continuando, segundo o mesmo autor, o objetivo desta inversão é “equilibrar as partes na demanda judicial”, sempre que o consumidor for economicamente insuficiente ou quando a alegação for verdadeira ou cuja presunção permitir ao juiz formar sua livre convicção.

O que se vê na prática, é que o consumidor muitas vezes, perde-se diante do emaranhado de termos médicos e técnicos, sem compreender  o significado e objetivo exato de muitos procedimentos.

Isso, sem dúvida,  faz com que tenha muitas dificuldades para levantar e organizar o material probatório num possível processo judicial.

A inversão do ônus probatório, indiretamente, deixa ao encargo do profissional a inclusão de muitos documentos que serão juntados aos autos, haja vista que ele próprio (no caso de se aplicar a inversão) terá que comprovar a ausência de negligência, imprudência ou imperícia.

Não obstante, notamos que em  muitas  das vezes, não  ocorre  exatamente este almejado equilíbrio. A relação acaba desequilibrada,  de qualquer forma, para um dos pólos da relação, ainda que, ante uma primeira e superficial análise, não apresente características de hipossuficiência.

Em muitas circunstâncias, o profissional da área médica, encontra dificuldades de reunir provas a seu favor.

Isto porque, em grande parte dos casos, a medicina ainda é exercida, com base na confiança mútua entre médico e paciente, como já mencionado.

Assim, muito do que é tratado ou esclarecido entre as quatro paredes do consultório, por exemplo,  não está registrado e acaba sendo a palavra de um contra o outro.

Citamos como exemplo um caso real em que o paciente, apresentando um quadro de câncer em estágio intermediário,  afirma que não fora comunicado sobre a cirurgia que lhe seria feita para retirada dos testículos. E alega que, sem sua autorização, a mesma não poderia Ter sido realizada.

O médico que o tratou, de fato não dispunha de nenhum documento onde constava a assinatura do paciente (ou familiares, em alguns casos) alegando a aquiescência deste, embora alegasse que tal autorização teria sido dada de forma informal e verbal.

Vemos que, neste caso, com a aplicação da inversão do ônus probatório, ficaria praticamente impossível a defesa do profissional.

Nestes momentos, a justiça deve levar em conta o caráter informal em que este tipo de contrato entre médico e paciente acontece, onde pouca coisa, ao menos até os dias atuais, permanece registrada.

Por isso, com o crescente número de ações nesta área, mais uma vez se menciona a importância de o profissional se resguardar documentalmente.

TÍTULO III:  A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO ERRO MÉDICO:

1. A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES:

Primeiramente, examinemos o estabelecimento:

1.1 O ESTABELECIMENTO:

Hospital é o estabelecimento público ou particular, devidamente aparelhado com recursos médicos e cirúrgicos para o tratamento dos doentes. Neste contexto, incluem-se não só hospitais, mas, sanatórios, clínicas, casas de saúde ou similares.

A responsabilidade dos hospitais em face de seus pacientes, internos ou não, é apontada por alguns como contratual.

Como mostra José de Aguiar Dias, trata- se de obrigação semelhante à dos hoteleiros, pois na realidade, essa obrigação compreende tanto deveres de assistência médica como de hospedagem.

Admitido o doente como contribuinte, forma-se entre ele e o hospital um contrato, que impõe ao último a obrigação de assegurar ao primeiro, na medida da estipulação, as visitas, atenções e cuidados reclamados pelo seu estado.

Sob a ótica do CDC, o hospital enquadra-se entre os fornecedores de serviço e responde, independentemente da existência de culpa (ART. 14)

Entre os doutrinadores, no entretanto, várias corrente se formam com opiniões diversas.

Caio Mario da Silva Pereira, argumenta:

“A instituição – lembra HODJA – se obriga implicitamente a prestar determinados serviços que constituem sua própria finalidade.

A atividade envolve a participação de trabalhadores de diferentes categorias e qualificações. É óbvio e lógico que, neste caso, a responsabilidade subjetiva é inadmissível posto que tornaria inviável à vítima exigir a reparação do dano. Provar a culpa, o responsável, e o momento em que ocorreu o ato causador do dano consiste num ônus inexigível.

Num primeiro momento, portanto, não deve importar a identidade do agente ou seu grau de culpa; recorre-se à responsabilidade objetiva, respondendo pelos danos o estabelecimento através de seus representantes legais.”14

Antes de elencarmos os diversos posicionamentos e, visando aclarar mais o tema, primeiramente, a nosso ver, deve-se examinar o posicionamento do profissional da área  médica,  dentro da complexa  estrutura hospitalar, bem como a espécie de vínculo que possui com o nasocômio.

1.2 A POSIÇÃO DO MÉDICO NA ESTRUTURA HOSPITALAR:

O médico insere-se nos três setores básicos de qualquer hospital:

a) o pronto atendimento;

b) o internamento e

c) o de atendimento ambulatorial.

No setor de pronto atendimento ou pronto socorro, o facultativo canaliza seus esforços no sentido de prestar os primeiros cuidados clínicos. Se o indivíduo tiver dado entrada em estado de risco iminente de vida, importará apenas a manutenção ou o restabelecimento de seus sinais vitais.

O setor de internamento comporta uma subdivisão: a unidade de terapia intensiva, em que se colocam os pacientes em estado grave ou egressos de cirurgia que lhes debilitou fortemente o organismo; a ala de enfermagem, onde se concentram os casos de internamento de pequeno risco e os de fácil convelescença; e a sala cirúrgica.

Já o setor ambulatorial é utilizado basicamente para a realização de consultas regulares e exames rotineiros.

Cumpre-nos acrescentar que o setor  que  apresenta maior  número  de  denúncias relativas a erros médicos é o setor de  pronto  atendimento, seguido  do setor de internamento, comportando os setores  cirúrgicos e a unidade de terapia intensiva.

Não  obstante,  não  é o setor que  define maior ou menor  culpabilidade  pela ocorrência do  erro médico. Mas, sem dúvida, contribuem para a sua ocorrência  haja vista uma série  de circunstâncias que  de  uma forma  ou de outra  dificultam  um trabalho  exemplar.

1.3. O MÉDICO COMO PREPOSTO:

Sendo o médico contratado do hospital, há que se analisar a forma de responsabilizar tanto o profissional quanto a entidade.

Quanto à entidade, para muitos e de conformidade com o nosso entendimento, aplica-se a regra da responsabilidade objetiva, disposta no Código do Consumidor, em seu art. 14 “caput”, vejamos:

“Art. 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Isto porque, a relação que se forma entre o estabelecimento hospitalar e os seus usuários, sem sombra de dúvida, é uma relação de consumo e como tal, deve ser tratada, pois nada mais faz o hospital do que oferecer seus serviços aos que dele necessitem.

Conforme Nelson Nery Jr., quando o profissional integra pessoa jurídica ou presta serviços a pessoas jurídicas, a responsabilidade é destas e objetiva, já que não se pode falar nesse caso em responsabilidade pessoal.15

Conclui Antônio Benjamin que se um médico trabalhar para algum hospital, responderá o profissional por culpa, responsabilidade subjetiva do § 4º, art., 14, e o hospital responderá, naturalmente, objetivamente (Antonio Herman V. Bernjamin.16

Genival Veloso  de França, em sua obra, direito médico, também dispões a respeito:17

“Destarte, fica bem claro que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema alicerçado na culpa, enquanto a responsabilidade civil das empresas seria arguida pela teoria objetiva do risco, tendo no montante do dano o seu elemento de arbitragem.”

Concluindo, neste caso específico, acreditamos que a entidade hospitalar responderá objetivamente com supedâneo no art. 14 “caput” do CDC).

Quanto ao profissional, se for concomitantemente acionado, responderá com base na teoria da culpa, disposta no mesmo artigo,  § 4º.

1.4. MÉDICO COMO TERCEIRO NÃO CONTRATADO PELA ENTIDADE HOSPITALAR:

Existem casos em que o  médico não é  preposto, mas um profissional liberal, independente, que usualmente utiliza  as dependências do nosocômio por interesse ou conveniência do paciente ou dele próprio, em razão de aparelhagem ou qualidade das acomodações. Na visão de alguns, o terceiro suso referido.

Nestes casos, discute-se se o Hospital deve ou não  ser responsabilizado objetivamente pelo erro ocasionado pelo profissional da saúde.

Exemplificando, se o paciente sofreu danos em razão de conduta negligente, imprudente ou imperita do médico e, não sendo este um preposto ou empregado do estabelecimento de  saúde, entendem alguns, não deve o estabelecimento responder com base na responsabilidade objetiva, estabelecida pelo CDC. Apenas o médico responderia de forma culposa.

Genival Veloso de França, afirma:

“quando se tratar de assistência médica prestada pelo hospital, como fornecedor de serviços, a apuração da responsabilidade independe da existência de culpa (princípio da responsabilidade sem culpa). Basta o nexo causal e a prova do dano sofrido.

E continua: a não ser que exista culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros não prepostos, representantes ou empregados do fornecedor ou prestador de serviços. Neste particular, só há culpa in eligendo e in vigilando.18

Reportemo-nos ao CDC para analisar a questão mais detidamente:

Assim preceitua o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 14 §3º: “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Vemos que o CDC admitiu uma hipótese de excluir o fornecedor de serviços de responder objetivamente – ou seja, sem a necessidade de provar a culpa do estabelecimento – desde que prove a culpa exclusiva de terceiro.

Alegam estas entidades que este terceiro seria o médico não contratado, circunstância que, na realidade, ocorre com a maioria dos médicos que laboram junto aos hospitais.

Miguel Kfoury Neto, citando Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin assevera, citando o código do consumidor: “em todo o seu sistema, prevê uma única exceção ao princípio da responsabilização objetiva para os acidentes de consumo: os serviços prestados por profissionais liberais – dentre eles o médico – para os quais se manteve o sistema tradicional baseado na culpa.”19

E continua: “a exceção não atinge as pessoas jurídicas (…) se o médico trabalha para um hospital, responderá ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente” (…) “Destarte, fica bem claro que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema fundado na culpa, enquanto a responsabilidade civil das empresas seria avaliada pela teoria objetiva do risco”.

Não obstante os diferentes  posicionamentos, referentes à forma de responsabilizar o estabelecimento, levando-se em conta a condição de preposto ou não do profissional da área médica, existe ainda entendimento que leva em consideração somente o exercício da profissão liberal e, por conseguinte, isenta o hospital de responder objetivamente, se o erro causado for originado por serviço médico sem a contribuição do estabelecimento.

Vejamos  decisão recente do TJSP:

Miguel K. Neto relata: “O autor e vítima buscou indenização junto ao hospital, sustentando que, nos termos do art. 14 § 3º do CDC, não teria a obrigação de provar a culpa do médico, funcionário do nasocômio, pelo dano que sofrera. Colhe-se da ementa: Responsabilidade Civil – Hospital – Ajuizamento com base no Código de Defesa do Consumidor – Responsabilização objetiva – Inadmissibilidade – Hipótese de exercício de profissão liberal, na medida em que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico – Necessidade de prova de que o Réu agiu com culpa ou dolo – Art. 14   § 3º,    do referido Código – Recurso não provido.20

Muito provavelmente a discussão permanecerá entre doutrinadores e tribunais. Nossa humilde posição é no sentido de responsabilizar o estabelecimento hospitalar de forma objetiva, conforme preceitua o CDC em seu art. 14.

– Fundamentos:

Fundamentamos nosso entendimento com supedâneo nas seguintes colocações: quando um médico tem a intenção de trabalhar junto a um estabelecimento hospitalar, em regra, tem que ser aceito pelo corpo clínico, que é o grupo de médicos que laboram junto àquela casa. Este corpo clínico, possui um diretor clínico que é um médico que os representa e responde, juntamente com o diretor técnico perante o Conselho Regional de Medicina pelo descumprimento dos princípios éticos, ou por deixar de assegurar condições técnicas de atendimento, sem prejuízo da apuração penal ou civil (Lei n. 3.999, de 15 de dezembro de 1961, resolução CFM n. 1342, de 08/08/94 e Resolução CFM n. 1445/94).

Dentre as atribuições deste Diretor clínico estão:

a) Dirigir, coordenar e orientar o Corpo Clínico da Instituição;

b) Supervisionar a execução das atividades de assistência médica na instituição;

c) Zelar pela fiel observância do Código de Ética Medica;

d) Promover e exigir o exercício ético da medicina.

Somente por meio destas resoluções percebe-se que os médicos pertencentes ao corpo clínico de uma casa de saúde – nestes casos, em regra,  não há relação empregatícia ou vínculo contratual –  precisam ser aceitos pelo corpo e são frequentemente orientados, fiscalizados e supervisionados pelo diretor clínico que possui ampla responsabilidade.

Vê-se então que o profissional precisa ser aceito – analisando-se aí as qualidades e formação profissional deste prestador –  e sofre uma constante “vigilância” e o dever de seguir normas ditadas pelo regimento interno.

Isto, a nosso ver, retira-o da condição de mero terceiro, adjetivo usado para justificar uma das excludentes na aplicação da responsabildade civil objetiva, apontada pelo código (art. 14 § 3º), que relembramos abaixo:

§ 3º:   “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar

I- (…)

II- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

O médico, na realidade, é um ente ligado ao estabelecimento, ainda que de maneira indireta. Sob a nossa ótica, de forma alguma um terceiro.

Justifica-se, desta feita,  a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva aplicada às referidas instituições, haja vista a grande ingerência que exerce ou deveria exercer sobre o trabalho do profissional que atende no local.

Aplicável ainda e concomitantemente, a responsabilização do estabelecimento, com supedâneo na culpa in eligendo e in vigilando, que será mais detidamente estudada adiante.

Finalizando, salientamos que o hospital, contudo, terá direito, em qualquer das hipóteses suso levantadas, de reaver o que desembolsar, através da ação regressiva contra o causador direto do dano (art. 13, parágrafo único do CDC).

2. A RESPONSABILIDADE POR ERRO DA EQUIPE MÉDICA:

A responsabilidade da Casa de Saúde ou similar, por erro da equipe médica, é outro fator interessante a mencionar neste trabalho.

Na mesma linha dos argumentos que expusemos outrora, entendemos que a equipe médica nada mais é que um grupo de profissionais que, por sua vez, faz parte do corpo clínico da entidade e, como tal, segue regras estabelecidas por esta.

A responsabilidade pelo erro desta equipe é do hospital, que responderá conforme o art. 14 “caput” do CDC, ou seja, objetivamente.

Não podemos deixar de mencionar que os juristas que atuam em defesa destas pessoas jurídicas, manifestem-se em sentido diverso.

Alegam que o ato que provocou o erro e consequentemente o dano, fora, na verdade, um ato médico e, como tal, deve ser apurado mediante a verificação de culpa do profissional, enquadrando o caso nos termos do art. 14 § 4º  do CDC.

Não podemos nos furtar de lembrar a jurisprudência do TJSP, suso apontada, decidindo neste sentido.

Não obstante, o CDC é claro  – e os inúmeros juristas também – ao estabelecer que a regra do art. 14 § 4º  do CDC, não se aplicaria às pessoas jurídicas.

Enquanto não existir um consenso, nos manteremos filiados a esta corrente, pelo menos até que o direito evolua ao ponto de nos fazer repensar nossa posição 

NOTA:

1 Responsabilidade Civil do Médico, 3 ed. São Paulo: RT, 1998, p. 17.
2 Fonte: CRM-PR.
3 Segundo dados do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina.
4  Jornal  da Cremesc, abril/1998,  p. 6.
5 In: Responsabilidade Civil (atividade Médico-hospitalar)/ coordenador, Paulo Sergio da Costa Lins [et all]. Rio de Janeiro: Esplanada: ADCOAS, 1993.   p. 602).
6 França, Genival Veloso de. “Direito Médico. 6 ed. São Paulo: Fundação BYK, 1994, p. 108.
7 Entre eles, Tupinambá M. C. do Nascimento e João Batista de Almeida.
8 In: Revista Direito do Consumidor. N. 19/1996. p. 226.
9 In: Direito do Consumidor, vol. 10. “Responsabilidade do profissional liberal pelo fato do serviço no Código de Proteção e Defesa do Consumidor”. p. 144.
10 In: Um Novo enfoque quanto à responsabilidade civil do profissional liberal. Revista Direito do Consumidor n. 19. 1996. P. 202.
11 Leo Mauer Coutinho. Responsabilidade ética, penal e civil do médico. Brasília : Brasília Jurídica. 1997.p.17.
12 Bittar, Carlos Alberto. In: “Responsabilidade Médica Odontológica e Hospitalar. São Paulo: Saraiva. 1991. P. 103.
13 In: CDC comentado pelos autores do anteprojeto. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 161.
14 Responsabilidade Médica.. In: CD-ROM jurídico: Doutrinas.: Plenum, 1998.
15 Nery Júnior, Nelson. Os Princípios Gerias do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor, vol. 3. São Paulo: RT, 1992.  P. 60.
16 Op. Cit. P.80.
17 Op. Cit. P. 109.
18 Ainda com Genival V. Op. Cit. P. 109.
19 Miguel Kfouri Neto. Responsabilidade Civil do Médico. 3 ed. ver., ampl., e atual. São Paulo: RT, 1998.P. 179-180.
20 Resolução CREMESC n. 011/95.

Bibliografia:

– ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de,  Responsabilidade Médica, Konfino,         Rio, 1971, 237 pp.
– ALMEIDA, Marcos de e MUÑOZ, Daniel Romero. A Responsabilidade  Médica: Uma visão Ética. In: Revista Bioética. Brasília. Vol. 2, 1994.  P. 147 – 150.
– PEDROTTI, Irineu Antônio. Responsabilidade Civil (atividade Médico- hospitalar)/ coordenador, Paulo Sérgio da Costa Lins [et all]. Rio de  Janeiro: Esplanada: ADCOAS, 1993.
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Informações Sobre o Autor

 

Silvia de Liz Waltrick Bernardi

 

Advogada e Professora de Direito Comercial na Universidade do Contestado

 


 

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