“Euroforce” – implicações e possíveis conseqüências

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Resumo: O
presente artigo tem como objetivo uma argumentação analítica tangente à
possível criação da “Euroforce”, o efetivo militar
conjunto da União Européia, bem como às conseqüências globais engendradas por
tal processo.

Uma das pautas deliberativas em discussão na União Européia é
concernente à criação de uma força militar conjunta no continente. Trata-se,
com efeito, de uma questão delicada e que prerroga
análises criteriosas.

A resposta lógica pertinente à razão pela qual a UE pretende criar uma
força militar conjunta seria a de que se trata de uma “retaliação” à decisão
norte-americana de retomar o projeto Guerra nas Estrelas. Bruxelas não vê a
decisão de George W. Bush com odes de apreciação. Teme, não obstante, que a
desnecessária deliberação desencadeie uma nova corrida armamentista que envolveria, a priori,
Estados Unidos e China. Tratados e Convenções – tais como os acordos
SALT I e SALT II (Strategic Arms
Limitation Talks) –
assinados em parceria com a Rússia (então URSS) seriam violados. Ocorre que, no
meio da tríade da discórdia – Estados Unidos, China e
Rússia -, há o continente europeu, teatro experiente e já malogrado por duas
guerras mundiais. Pode-se, pois, aferir a seguinte conclusão prévia – a de que
o Velho Mundo pretende se prevenir, no intuito de nao
permitir que possíveis conflitos em larga escala
assolem suas vizinhanças. Dir-se-á, entretanto, que há motivos para que se analise as implicações e possíveis conseqüências inerentes à
possível constituição de uma “Euroforce”, bem como outras
razões que podem estar implícitas e/ou subentendidas por entre os desvãos
políticos.

Não constitui novidade o fato de que ambas as guerras mundiais
insurgiram, dentre outros fatores, engendradas em alianças militares ou
similares. Nos silvos lúgubres que prenunciaram a Primeira Guerra, divergiam a
Tríplice Entente e a Tríplice Aliança. Na
magna-catástrofe ensejada durante a Segunda Guerra Mundial, um malogrado pacto
de não-agressão entre Hitler e Stálin resvalou propicialidade
para que o primeiro deflagrasse, ao invadir a Polônia, o embate inicial do
conflito. Na contemporaneidade, entremeada por ensejos de grandeza histórica por parte da Rússia e por mal justificadas
intervenções da OTAN nos Bálcãs, diante da criação de uma força militar
conjunta européia, não constituiria surpresa alguma se o Gigante do Leste
resolvesse alfinetar diplomaticamente seu vizinhos do Ocidente. Analisemos a
pauta.

A debilidade econômico-financeira russa afigura-se, numa primeira
análise, como uma prerrogativa para sua alienação diante das negociações
mundiais relativas à paz e à segurança. A infra-estrutura militar em frangalhos
coaduna-se com a inépcia do governo em deliberar acerca do futuro do país no
cenário geopolítico global. Muito embora a Rússia tenha tido níveis de crescimento
alentadores no ano passado, o persistente déficit orçamentário não permitiu uma
reestruturação de suas forças armadas. E destarte o assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU, Moscou não demonstra força e/ou soluções
imprescindíveis cujos propósitos sejam a cessão dos conflitos intra-regionais e
civis nos rincões de tensão. Em outras palavras, equivale a dizer que o poder
dissuasivo do Kremlin tem como frágil alicerce os mísseis nucleares cujos
projetos foram concebidos nos áureos tempos de despojo da União Soviética.

Tais razões, todavia, não encerram uma prerrogativa para que a Rússia
seja excluída dos fóruns de discussão acerca da pauta em voga na União
Européia. Apesar dos desatinos e malogros da potência eslava, ela ainda ocupa
posição de primeira grandeza nas decisões concernentes ao âmbito militar.
Está-se, pois, incorrendo em periculosidade ao manter os debates restritos ao
eixo Washington-Londres-Paris-Berlim, uma vez que a
reação russa pode ser desastrosa para a etapa final do processo de integração
do Velho Mundo como um todo.

Destarte o empecilho da alienação russa, ver-se-á, não obstante, as
divergências históricas que envolvem os países membros da União Européia.
Apesar das retratações e da inversão doutrinária de cento e oitenta graus que a
Alemanha perfez após a derrocada nazista na II Guerra, britânicos e franceses
podem não ver com bons olhos a criação de uma força militar unitária que, sob
os auspícios de uma virtual posição de destaque alemã, esteja engendrada no
esteio da UE. Diferentemente da estrutura da OTAN, a constituição de uma “EuroForce” implicaria em laços
mais estreitos e de interdependência irrestrita, onde os termos “segredos de
estado” e “pautas confidenciais” teriam de ser riscados do vocabulário
político-militar das nações integrantes. Por óbvio, a virtual liderança da
Alemanha na União Européia também representa um fator de desconfiança em
relação ao projeto – toda e qualquer força militar prerroga
um comando. Seria a Alemanha a nação responsável por exercê-lo? Adiante: em
questões político-históricas, cinquenta e seis anos
não representam um ínterim extenso, o que equivale a dizer que a Europa ainda
não se esqueceu da barbárie perpetrada pelos alemães durante a Segunda Guerra
Mundial.

As diferenças atinentes à estrutura de uma aliança como a OTAN e a de
uma força militar conjunta e integrada são, uma vez
criteriosamente observados os aspectos, gritantes. A título de exemplo,
mencione-se o fato de que há diversos países europeus que não são membros da
Aliança do Atlântico – vede Suécia, Irlanda, Finlândia, Áustria – sem que isso
implique (ou, nos tempos da bipolaridade, implicasse) em prejuízos e/ou
discriminações para suas relações com os demais países que fazem parte da
organização. Numa eventual “Euroforce”, as
circunstâncias afigurar-se-iam de maneira distinta. A não-adesão de um país
poderia resvalar espaço para argumentações perniciosas e veladas retaliações socio-econômico-diplomáticas. No caso da OTAN, a questão
desdobra-se num cerne menos integrado e mais independente – observe-se que a
Aliança é constituída por nações de três continentes diferentes: América,
Europa e Ásia (parte da Turquia).

Um outro fator preponderante concerne à posição norte-americana diante
da proposta. Os Estados Unidos teriam, dadas as circunstâncias geopolíticas, poucos
– ou nenhum – interesse em endossar e apoiar a força
militar conjunta da Uniào Européia, mesmo tendo em
vista a afrontadora e desnecessária retomada do
projeto Guerra nas Estrelas, cujo mote engendra a estruturação de um sistema de
defesa anti-mísseis. Poderiam, não obstante, argumentar um distanciamento e um
rompimento político-doutrinário para com as relações Estados
Unidos – Europa. E, veja você, não lograria exagero se Washington
rotulasse os europeus de ingratos. Sim, ingratos. Afinal, quem os salvou da
ensandecida égide nazista e, posteriormente, dos auspícios do totalitarismo
comunista?

Numa inferência mais alarmante e pessimista, faz-se passível de
afirmação o fato de que a existência da OTAN seria posta em xeque com a
eventual criação de uma “Euroforce”, visto que uma
parcela substancial da organização é composta por países-membros da UE. Logo, arqueariam os EUA a argumentação de que não há razão para
que se crie um “Exército Europeu”, posto que a OTAN – e os EUA, obviamente – suprem
as necessidades concernentes à segurança do Velho Mundo. E, uma vez subjugada
tal argumentação, a força militar européia substituiria a OTAN na “manutenção
da paz e da segurança” no continente.

Um
último argumento prévio é concernente às improváveis – mas
não impossíveis – conseqüências internas e externas na hipótese de
surgirem divergências incontornáveis entre países constituintes da “Euroforce” após a criação da mesma. De que maneira seriam contornadas as contendas? Quem seria o
responsável pelo arbitramento e deliberação acerca de eventuais divergências?

Perfazem um número bastante extenso as dúvidas e demandas explicativas
acerca da utilidade e da finalidade de uma força militar conjunta na Europa.
Afinal, de quem o Velho Mundo pretende se defender? Estarão os europeus
desconfiados do sistema de defesa anti-mísseis dos
EUA, a ponto de não confiarem na OTAN? Quanto à esta,
sua existência não seria posta em xeque com a criação da “Euroforce”?
Qual seria a reação de Moscou diante de uma deliberação da UE favorável à
constituição de uma força conjunta?

Por óbvio, não se esgotam aqui os argumentos, prerrogativas, hipóteses
e conseqüências advindas da eventual criação de uma “Euroforce”.
Não obstante, as argumentações expostas podem ser laicas ou até mesmo
exacerbadas, visto que as possibilidades reais de um conflito global são parcas
e escassas. Far-se-á necessária, entretanto, uma maior observância do
desenrolar político acerca da pauta de discussão em voga em Bruxelas. E muito embora
as previsões expostas neste artigo possam ser consideradas volúveis e
momentâneas, não logra sensatez exclui-las
integralmente de um catálogo de possibilidades, pois, em se tratando de Europa,
não se pode prescindir de quaisquer precauções no intuito de evitar o
recrudescimento de conflitos generalizados no eternamente conturbado Velho
Mundo.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Lindolpho Cademartori

 

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Goiás e colunista da Revista Autor (www.revistaautor.com.br), do Mídia Sem Máscara (www.midiasemmascara.org), d’O Debatedouro (www.odebatedouro.com.br), do DupliPensar (www.duplipensar.net) e do Jornal Opção.

 


 

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