Habeas Corpus: De sua formação embrionária até a Constituição Federal de 1988 – Análise histórico-jurídica

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Resumo: Este trabalho tem por escopo realizar uma análise crítica sobre as origens do consagrado instituto do habeas corpus, desde o surgimento do ideal de liberdade física do locomoção do homem com os filósofos gregos, passando por toda sua origem e evolução tanto na Inglaterra quanto em nosso ordenamento jurídico, neste, até a magna carta de 1988, com citações sobre acontecimentos importantes e situações peculiares, citando-se os maiores nomes em sede de Habeas Corpus contidos em nosso ordenamento jurídico. Finalizaremos esta profunda análise histórico-jurídica com uma discussão acerca da etimologia do tema. Palavras-Chave: Habeas Corpus – Liberdade de locomoção do homem – Histórico – Constituição Federal de 1988.


Sumário: Introdução 1. Do surgimento e desenvolvimento da ideia de liberdade física do homem, inspiradora do surgimento do habeas corpus. 2. Da origem e desenvolvimento da estrutura básica do habeas corpus: ambos no direito inglês. 3. Do habeas corpus em nosso ordenamento jurídico: evolução e estruturação até a constituição federal de 1988 4. Da formação etimológica do termo “habeas corpus”. Conclusões. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


Dentro do nosso ordenamento jurídico, o instituto do Habeas corpus, também denominado como writ of Habeas corpus, é um dos mais conhecidos e utilizados em todo planeta.


Diversos autores questionam-se sobre a origem deste consagrado instituto, por isto, nos remeteremos ao surgimento da idéia de liberdade de locomoção do homem, que surgiu com o filósofo grego Heráclito, passando esta idéia entre vários outros mestres, como p. ex., Sócrates, Platão e Aristóteles e, destacando-se durante o período medieval, o filósofo Agostinho, que inspirado nos filósofos gregos, foram o gérmen para a criação do instituto no direito Inglês, passando futuramente por diversas reformas, como os Habeas Corpus Act de 1679 e 1816.


Em nosso ordenamento jurídico, este instituto surgiu com o Código de Processo Criminal de 1832, passando por diversas reformas e situações peculiares, até a presente Constituição Federal de 1988, situações peculiares e reformas que serão analisadas, finalizando-se com a discussão sobre a etimologia do writ.


1. DO SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA DE LIBERDADE FÍSICA DO HOMEM, INSPIRADORA DO SURGIMENTO DO HABEAS CORPUS.


Podemos afirmar que o Habeas corpus situa-se entre os direitos fundamentais do homem, devido ao fato de tutelar o direito de ir, vi e ficar, ou seja, o respeito à liberdade física de locomoção do indivíduo perante não só as autoridades, mas perante também os membros de uma sociedade como um todo, porém, neste momento de profunda análise, paira sobre nós um questionamento, como surgiu esta idéia de liberdade de locomoção do homem com o devido respeito e sujeição do Estado?


Neste momento, nos remeteremos ao filósofo grego Heráclito, fundador das escolas eleática e pitagórica, em que não havia diferenciação entre as leis cósmicas emanadas pelos deuses e as leis estatais, podendo-nos até afirmar com certa segurança, até em vários momentos, a sujeição das leis humanas às “leis divinas”, escolas estas que foram inspiradoras para a ascensão do principal discípulo de Heráclito, o filósofo Sócrates, conhecido como o mestre da razão, que tinha como máxima” nas leis existem um fundamento racional e não-arbitrário”, porém, nesta época, ainda não se cogitava o direito individual de liberdade do homem sobre o Estado, apesar de na vida grega deste momento histórico a individualidade já fazer parte da vida humana, que até então estava ligada a aspectos morais, religiosos, econômicos, havendo a submissão ao Estado sem o mínimo questionamento.


Platão, o qual foi discípulo de Sócrates, responsável pela memória das obras de seu mestre, afirmava em sua obra, “O político”, que deve haver uma submissão do governo às leis, ou seja, não só aos cidadãos gregos, mas também aos governantes, pois se isso não ocorrer, a civilização humana será remetida a tirania, anarquia e enfim, a primitividade.


Posteriormente, Aristóteles, o último filósofo grego, responsável pela fundação da lógica formal e do direito em princípios éticos, cria a “justiça distributiva”, que admite direitos do indivíduo frente ao Estado, afirmando que cada um deve receber honras e bens segundo seus méritos. Nota-se que neste momento já havia a completa formação embrionária da idéia de liberdade do homem juntamente com a sujeição do Estado às leis, apesar de no Estado grego não haver garantia de grandes liberdades ao indivíduo frente ao Estado, sendo que a aplicação do direito só começou a ser aprimorada com os romanos que herdaram a concepção filosófica grega, porém estando mais preocupados com a distinção entre justo e lícito, desenvolvendo brilhantes concepções como o ius civile (direitos entre cidadãos romanos), ius naturale (direitos dos cidadãos romanos, como a vida), ius gentium (direitos que disciplinam as relações entre os romanos e os estrangeiros). Apesar destas brilhantes concepções, segundo o entendimento de Vicente Greco Filho (1989, p. 26), “a preocupação romana, contudo, foi o relacionamento interindividual, alcançando, como se sabe, o processo romano alto grau de evolução ainda hoje admirado. Em suas três fases (das ações da lei, o período formulário e o da cognitio extra ordinem) foi aprimorando a aplicação do direito, mas em nenhum momento o mecanismo judicial se estruturou no sentido de garantir a pessoa contra a vontade do imperador.”.


Outro grande período que merece citação durante este surgimento e desenvolvimento da idéia de liberdade física do homem foi durante a idade média, em que a igreja, mesmo respeitando os indivíduos como criação de Deus, infelizmente não respeitou suas liberdades individuais.


Apesar desta falta de respeito aos direitos individuais, podemos citar o filósofo medieval Agostinho, que retomou as rédeas da discussão do desenvolvimento da idéia de liberdade de locomoção do homem, apesar das imposições e repressões da igreja católica, ao elaborar a questão do livre arbítrio, afirmando que, “É necessário que, se queremos, queiramos com o livre arbítrio, indubitavelmente dizemos a verdade e não sujeitamos, a isso, o livre arbítrio, à necessidade que suprime a liberdade”.


As idéias de Agostinho juntamente com as idéias de outros filósofos da idade média, inspirados nas idéias clássicas dos filósofos gregos sobre a liberdade física do homem, foram o gérmen para a criação do “writ of habeas corpus”, que surgiu após a assinatura da Magna Charta Libertatum, em 15 de junho de 1215, que será abordado em momento oportuno.  Segundo ensinamento do mestre Pontes de Miranda (1962, p.5), ”a história humana somente há poucos séculos eliminou a desigualdade perante a lei e fez livres todos os homens. Em verdade, a extensão da liberdade de todos os homens implicou, nesse, a igualdade perante a lei, mas a liberdade tornou-se de todos antes que se pudesse em toda a sua abrangência o princípio da igualdade perante a lei.”.


Em momento algum, pode ser olvidado o comentário elaborado pelo Ilustre Heráclito Mossin (2008, p. 3), ao nos ensinar que, “há de se observar que a idéia de liberdade física do individuo, equacionada em quase toda sua inteireza no direito de ir, vir e ficar advém com maior acentuação da igualdade de todos perante a lei, princípio universal, que torna todo o homem, indistintamente, sujeito da tutela estatal. Indubitavelmente, a liberdade física do cidadão que, efetivamente, nasceu livre diante da natureza, que o acolheu, somente pode ser respeitada quando há regra jurídica a ampará-la. Isso ocorre porque, vivendo o homem dentro de um corpo societário, deve indeclinavelmente, haver regras de conduta a serem observadas para que haja o ideal equilíbrio societário. Ora, se por um lado a liberdade física do ser humano é inquestionável, e a lei deve garanti-la com fundamento na igualdade precedentemente enfocada, por outro, deve haver uma limitação àquela liberdade quando ela se mostrar danosa à comunidade em que vive o homem. Portanto, cumpre à lei estabelecer esse equilíbrio de conveniência de interesse essencialmente social.”   


Em conclusão, esta idéia de liberdade de locomoção física do homem, que surgiu na Grécia antiga e teve grande parte de seu desenvolvimento durante a idade média, somente pode ser respeitada se tiver lei para ampará-la, pois como a liberdade física do homem é inquestionável, certamente deve haver um limite a esta liberdade, cabendo à lei estabelecer o equilíbrio dos limites da liberdade individual do homem como conveniência do desenvolvimento e pacificação social.


2. DA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA ESTRUTURA BÁSICA DO HABEAS CORPUS: AMBOS NO DIREITO INGLÊS.


De acordo com fontes históricas, este consagrado instituto teve origem no direito inglês, sendo chamado pela primeira vez de Habeas corpus ad subjiciendum (Tomai o corpo do detido para submeter ao tribunal o homem e o caso).


Durante o reinado do rei João Sem Terra (assim chamado porque seu pai ao dividir suas terras entre seus filhos, nada lhe atribuiu) ou Lackland, o povo inglês vivia momentos de grande opressão, pois o rei ao afirmar que seu poder tinha lhe sido outorgado por Deus, não aceitava se submeter a nenhum tipo de lei, norma e/ou documento que fosse capaz de drenar seus poderes (neste momento o absolutismo reinava “absoluto” na Europa) frente à população fazendo surgir direitos individuais do cidadão frente ao Estado. Sua ruindade era tamanha, que o Papa Inocêncio III o excomungou e devido ao fato do povo inglês já lutar pelas suas liberdades, o descontentamento foi se tornando cada vez mais crescente, quando, por volta de 1213, na Igreja de São Paulo, em Londres, houve um sermão realizado pelo arcebispo de Cantebury, Etienne de Langton, que serviu para inflamar, cada vez mais os sentimentos libertários dos ingleses.


Contudo, devido às pressões realizadas pelos barões ingleses, na data de 15 de junho do ano de 1215, impuseram ao rei João Sem Terra a assinatura da Magna Carta Libertatum “vel concordia” inter regem Johanem et Barones, nos moldes das petições elaboradas pelos barões, com a ajuda dos clérigos que entendiam de inglês e latim, cujo capítulo XXIX afirmara: “Nullus líber homo capiatur, vel imprisionetur, aut dissaisietur, aut ultragetur, aut exuletur, aut eliquo, modo destruatur, aut sempre eum ibimus, Nec super eum in carcerem mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terrae”. (Nenhum homem livre será detido, feito prisioneiro, posto fora da lei ou exilado nem de forma alguma arruinado (privado de seus bens), nem iremos nem mandaremos alguém contra ele, exceto mediante julgamento de seus pares e de acordo com a lei da terra.).


 O próprio título deste diploma já indicava um acordo entre o Rei e os Barões. Estes não eram considerados nobres, mas cavaleiros que iam às cruzadas e, que ao retornarem recebiam terras denominadas baronias. Devemos destacar também, o Art. 48 deste diploma, citado por Tourinho Filho em sua obra (2003, p.534) “ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento de seus pares, de acordo com as leis do país.”.


Nota-se, que a Magna Charta of Libertatum foi escrita em latim, pois era o idioma oficial utilizado pela corte, devido a influências da igreja católica, influências estas que fizeram surgir à expressão “writ of Habeas corpus” que é um mesclado de inglês e latim (Segundo o doutrinador Tourinho Filho, esta expressão deve-se aos clérigos, pois estes tinham o conhecimento de Direito e de Latim, mas ao que parece a expressão só surgiu após o Habeas Corpus Act de 1679).


Devido aos ideais de liberdades, até inéditos, contidos no Habeas corpus, foram responsáveis pelo surgimento de leis inestimáveis para a sociedade como um todo, evoluídas através dos temas e das lutas populares. De acordo com iluminada lição, do antigo mestre Florêncio de Abreu (1945, p.549), ele afirma que o Habeas corpus, “decorre da common Law, em virtude dos preceitos da Magna Carta, capítulo XXIX, onde se determina que nenhum homem livre pode ser detido, nem preso (nufus líber home capiatur vel imprisionetur), sem que seja condenado por seus pares ou pelas leis do país (nisi per legale iudicium parium suorum, vel per legem terrae). Paladino da verdade, seu fim é evitar, ou remediar, quando impetrado, a prisão injusta, as opressões e as detenções excessivamente prolongadas.”.


Um ensinamento de suma importância sobre o surgimento deste consagrado instituto, é o de Hélio Tornaghi (1989, p.382-3), o qual, com propriedade, nos afirma que, “o habeas corpus é, no direito inglês, do qual se origina, uma ordem de apresentação pessoal de alguém, um mandado de condução. O juiz quer a presença física de alguma pessoa. Por isso expede uma ordem escrita (writ) para que seja apresentado o corpo da pessoa (habeas corpus), isto é, seja feita de corpo presente. Essa apresentação pode ter diversos fins, e, daí, diversos tipos de habeas corpus (ad deliberandum et recipiendum; ad faciendum; ad testificandum). Mas a expressão habeas corpus, sem mais nada, habeas corpus por antonomásia, designa habeas corpus ad subjiciendum, ordem ao carcereiro ou detentor de uma pessoa, de apresentá-la, e de indicar o dia e a causa da prisão, a fim de que ela faça (ad faciendum), de que se submeta (ad subjiciendum) e receba (ad recipiendum) o que for julgado correto pelo juiz. Esse foi o chamando, por William Blackstone, o mais célebre mandado (writ) do Direito Inglês e baluarte permanente de nossas liberdades (the stable balwark o four libertatis).”.


Mesmo após a assinatura da Magna Carta, que gerou uma repercussão bastante positiva frente ao povo inglês, durante inúmeras vezes ela foi violada e desrespeitada pelo rei João Sem Terra, que em 1216, revogou a Great Charter, vindo seu filho, Henrique III a restabelecê-la, e ainda assim continuou ocorrendo violações, o que levou aos barões ingleses, no ano de 1258, por intermédio de 224 membros, constituíram-se numa assembléia que posteriormente receberia o nome de parlamento e, elaboraram as “Provisões de Oxford”, que visavam evitar transgressões na norma com a submissão do governante às leis.


Durante mais de 30 anos, as convocações do parlamento foram tornando-se regulares, fazendo surgir um novo regime de governo, com o escopo da submissão de todos, inclusive o Rei, às leis elaboradas, visando assegurar uma “igualdade” (pois os pobres continuavam vítimas de grande opressão) perante a sociedade.


Em 1297, a parlamento pediu nova confirmação da Magna Carta. Esta se deu após quase 40 anos da primeira reunião desta assembléia, denominada parlamento, já no reinado do Rei Edward Longshanks, o parlamento impôs ao rei a confirmação da Magna Carta, que acabou cedendo, e confirmando-a no dia 05 de novembro de 1298.


Não podemos nos olvidar, que mesmo após a confirmação da Magna Carta que se deu no ano de 1298, garantindo o direito à liberdade individual, com o passar dos tempos ela estava praticamente esquecida, sendo retomada pelo povo, posteriormente, no reinado de Carlos I, devido a sérias e graves opressões sofridas pelo povo neste momento histórico.


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Durante o século XVII, devido ao despotismo enorme de Carlos I, o qual gerou grande repúdio de toda a sociedade, inflamou mais uma vez o antigo ânimo de liberdade do povo inglês, fazendo com que o parlamento, no ano de 1628, através a petition of rights (petição de direitos), ressuscitasse a luta pela liberdade, restabelecendo de forma irrecusável o remédio do Habeas corpus.


É de percepção bastante clara, que neste momento o povo inglês percebeu que não bastava apenas a proclamação do Habeas corpus na Magna Carta, mas era indispensável também a sua regulamentação processual. Foi neste momento em que surgiu “a segunda Magna Carta”, denominada de Habeas corpus Act, datado do ano de 1679, com o escopo de regulamentar de forma processual a proteção ao direito de liberdade frente a um insuficiente sistema processual inglês vigente à época. Nas palavras de José Frederico Marques (1965, p.373-4), “demonstrou, no entanto, a experiência, que não bastava à proclamação do princípio contido na Magna Carta, pois se tornava indispensável à regulamentação legislativa de seu processo. Veio então o que Blackstone denominou de Segunda Magna Carta, isto é, Habeas Corpus Act de 1679, destinado a disciplinar processualmente, através de atos legais, a proteção ao direito de liberdade. Os preceitos da Magna Carta se mostravam ineficazes devido ao insuficiente sistema processual: but is been inefficacious for want of a stringent system of procedure.”[1]. João Mendes de Almeida Júnior (1911, p.259 e s.), citado por Tourinho Filho (2010, p.632), sobre a novidade contida no Habeas Corpus Act de 1679 acentua que, “além da eficácia do writ of ‘habeas corpus’ para a soltura da pessoa ilegalmente presa ou detida em uma prisão pública, sua influência, diz blackstone, estende-se a fazer cessar toda a restrição injusta à liberdade pessoal. ’’.


Finalmente, sobreveio o Habeas corpus Act de 1816, exatos 601 anos após a assinatura da Magna Carta, visando sanar as falhas do Habeas corpus Act de 1679, o qual se revelava imperfeito, posto que segundo a visão de Pontes de Miranda (1962, p.71), “só se referia às pessoas privadas de liberdade por serem acusadas de crime, de sorte que não tinham direito de pedir habeas corpus as detidas por outras acusações ou meros pretextos. Nem sequer havia outro remédio com que obtivessem das causas uma decisão qualquer sobre a legalidade de sua encarceração. Foi neste sentido que providenciou o Habeas corpus Act de 1816 (56 Geo. III C. 100).”.


 Outra grande observação que deve ser feita a respeito deste segundo Habeas Corpus Act é que ele ampliou a área de atuação do Habeas Corpus Act de 1679, aumentando a possibilidade de defesa, inclusive contra ato de particular. Apenas a título de curiosidade, antes mesmo deste segundo Habeas Corpus Act, o writ já era conhecido pelos norte-americanos, o qual fora levado pelos colonizadores ingleses. Posteriormente, a Constituição norte-americana adotou este consagrado instituto na Section 9 (…) (2): “(…) The privilege of the Writ of Habeas Corpus shall not be suspended, unless when Cases of Rebellion or Invasion the public Safety may require it.”[2].


Portanto, podemos concluir que o instituto do Habeas corpus surgiu com a Magna Charta of Libertatum do ano de 1215, passando por diversas evoluções em virtude do despotismo dos monarcas, sendo por diversas vezes suspensa e confirmada, finalmente consagrada de forma irrecusável com o Habeas corpus Act de 1679, finalizando então sua estrutura básica quanto à sua aplicação e cabimento com o Habeas Corpus Act de 1816, pois este writ posteriormente foi utilizado por vários países do globo terrestre, surgindo em nosso ordenamento brasileiro no ano de 1832, no Código de Processo Criminal brasileiro, como será abordado posteriormente.


3. DO HABEAS CORPUS EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO: EVOLUÇÃO E ESTRUTURAÇÃO ATÉ A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.


Ao tratarmos do tema de Habeas corpus frente à nossa nação brasileira, podemos afirmar com clareza que durante toda a colonização portuguesa, o tema do Habeas corpus praticamente não foi abordado, vindo a aparecer no Brasil com o Decreto de 23 de maio de 1821, que sobreveio à partida de D. João VI para Portugal, referenciado pelo Conde dos Arcos.


Porém, de uma forma ou de outra, é corretíssimo afirmar que o Habeas corpus não foi conhecido pelo Brasil – Colônia, pois naquela época, a medida utilizada para tutelar o direito à liberdade de locomoção do indivíduo era o interdito “De homine libero exhibendo”. Segundo o ilustre Tourinho filho (2010, p.631), “parte da doutrina faz referência, também às Cartas de Seguro do velho sistema português, que vigorara entre nós durante o tempo do Brasil – Colônia. Entretanto, parecem-nos, elas visavam apenas à concessão de liberdade provisória. Foi, contudo com o habeas corpus que o direito individual encontrou sua maior proteção.”.


Estas cartas de seguro, conforme ensinamento de Vicente de Paulo Vicente de Azevedo (1958, p.374), “[…] As cartas de seguro igualmente apresentavam a finalidade de permitir que certos réus se livrassem da prisão, para que os soltos se livrassem, e soltos pudessem se defender, ou recorrer, dentro do tempo por elas concedido. Daí a observação de Paula Baptista: as cartas de seguro tinham alguma coisa de Habeas corpus.”.


Posteriormente, com o advento da proclamação da República, datada do ano de 1822, um espírito liberal tomou conta do povo brasileiro, sendo que em 1824, criou-se a primeira Constituição Federal brasileira, dotada com um grande espírito liberal, porém ainda não tratou do tema de Habeas corpus. Contudo, mesmo não se fazendo menção ao consagrado writ, na Constituição supracitada, tem-se a referência a um mecanismo jurídico com capacidade para tutelar o direito de ir, vir e ficar do individuo, conforme o Art. 179, inciso VII, “Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas, contadas na entrada da prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada fará constar ao réu o motivo da prisão, o nome do seu acusador e os das testemunhas, havendo-as. ’’. Note-se que mesmo não havendo menção ao Habeas Corpus neste diploma legal, o qual é deveras déspota, ainda assim já havia alguma preocupação com a liberdade de locomoção do individuo, contudo, a mesma não era tão levada em prática, pois devido ao fato do diploma legal supracitado ter sido realizado visando atender a interesses políticos do Imperador e de uma elite latifundiária, a vontade do Imperador imperava acima das leis devido ao poder moderador, e também naquela época não existia uma justiça tão estrutura como temos hoje.


Outra valiosa lição que não pode ser olvidada é a de Galdino Siqueira (1930, p.381), trazemos a seguinte consideração, “muito embora inspirada em espírito liberal, a nossa Constituição de 1824 não se referia ao instituto do Habeas corpus. Como meio de recuperar a liberdade física, conhecia-se o interdictum de liberis exhibendis, que na legislação romana entrava na classe dos interditos exibitórios.”.


A expressão Habeas Corpus somente veio a aparecer em nosso ordenamento jurídico nos artigos 183 a 184 do Código Criminal de 1830, entretanto, esta expressão era inócua, pois, devido à falta de regulamentação, não se sabia certificar se ela pertencia ao Direito Processual Penal ou ao Direito Constitucional.


Somente com a entrada em vigor da Lei de 29 de novembro de 1832, conhecida como Código do Processo Criminal de 1832, é que houve a devida regulamentação do habeas corpus, contida no art. 340, in integrum, “todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem o direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”.


Desde este código, já se exigia que a petição de habeas corpus fosse devidamente fundamentada, como expunha o art. 341. Devemos levar em consideração também que neste código, já exigia que a ordem de Habeas corpus devesse, explicitamente, ordenar ao detentor ou carcereiro que dentro de certo tempo e em certo lugar viesse apresentar, perante o juiz ou tribunal, o queixoso, e dar razões de seu procedimento, como regra do artigo 343.


Outra grande previsão, que não pode em momento algum ser “deixada de lado” nesta profunda análise, é a concessão do writ ex officio, que se verificava quando o juiz certificava-se da ocorrência da prisão ilegal de alguém, como regra do artigo 344.


Com efeito, em grande comentário realizado pelo professor Heráclito Mossin (2008, p.38), “previa o artigo 353 desse estatuto processual que a prisão seria ilegal quando: I) Não houvesse uma justa causa para elas; II) quando o réu estivesse na cadeia sem ser processado, por mais tempo do que marcava a lei; III) quando seu processo estivesse devidamente nulo; IV) quando a autoridade que o mandou prender não tivesse o direito de o fazer; V) quando já cessado o motivo que inspirava a prisão.’’.


Podemos concluir neste momento histórico que o Habeas corpus instituído pelo nosso Código de Processo Criminal de 1832, inspirou-se no Habeas corpus Act inglês de 1679 e de 1816.


Deve-se deixar aclarado que com o advento do Código de Processo Criminal de 1832 apenas havia a consagração do Habeas Corpus liberatório, segundo as palavras de Tourinho Filho (2010, p.633), “com as profundas alterações introduzidas com o Código de Processo Criminal de 1832, e isso no decorrer do ano de 1871, estendeu-se o remédio heróico àquelas hipóteses previstas em que o cidadão se encontra simplesmente ameaçado na sua liberdade de ir e vir. Era a consagração do habeas corpus preventivo, sequer conhecido na Inglaterra. A tal ponto chegou o desenvolvimento do instituto entre nós que, logo após a República, quando se organizou a Justiça Federal, o Decreto n. 848, de 11-10-1890, estabeleceu até recurso para a Suprema Corte, em todos os casos de denegação de ordem de habeas corpus”.


Em momento posterior, o Habeas corpus completou-se em nossa legislação somente no ano de 1871, quando com o surgimento da Lei n. 2033, de 20 de setembro, como já fora mencionado, que tinha por foco a repressão à ameaça à liberdade individual, determinou não ser o Habeas corpus, apenas um remédio contra o constrangimento já objetivado e, sim, também contra o projetado e iminente. Segundo brilhante comentário de Borges da Rosa (1982, p.766), citado por Heráclito Mossin (2008, p.44-5), aquele afirma que, “a lei 2033, de 20.09.1871, art. 18, declarou, interpretando, liberalmente o Código de Processo, cabível a ordem, ainda quando o impetrante não tenha chegado a sofrer o constrangimento corporal, e se veja dele ameaçado e se veja contra prisões ordenadas pelas autoridades administrativas, mesmo em caso de recrutamento forçado, salvo depois de verificada praça no exército ou na armada. Mandou ao juiz, verificado abuso de autoridade, ou violação flagrante da Lei, fazer efetiva, ordenar ou requisitar a responsabilidade da autoridade que tenha autorizado o constrangimento ilegal. Garantiu a favor de quem o haja sofrido e contra quem dele for responsável o direito a justa indenização. Facultou ao estrangeiro requerer o habeas corpus, matéria em que era vacilante a jurisprudência. E fixou também a inteligência de caber a ordem nos casos de incompetência, mesmo havendo despacho de pronuncia ou sentença.”


Verifica-se após análise desta lei, o remédio do Habeas corpus passou a ser integralmente liberal, pois poderia ser usado tanto pelo nativo como pelo estrangeiro, utilizado para tutelar o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, brasileiro ou não.


Já durante a República Velha, podemos destacar alguns momentos em que o Habeas corpus se destacou como nos dois decretos do Governo Provisório, os quais ostentavam força de lei, previram o habeas corpus: o de n. 510, de 22 de junho, e o de n. 914 – A, de 23 de outubro, ambos de 1890.


Outro ilustre momento foi na nossa Constituição Federal (neste momento, recebíamos o nome de Estados Unidos do Brasil) de 1891, em que o Habeas corpus apareceu pela primeira vez em nossa Lei maior, no §22, de seu art. 72, afirma que: “Dar-se à Habeas corpus sempre que o indivíduo sofre o se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”.


Uma observação a ser feita neste momento é, que pelo fato do Habeas Corpus ter sido erigido à garantia constitucional, o legislador da época o deu maior consistência e durabilidade quanto à segurança à liberdade de locomoção do individuo.


Neste momento houve uma grande polêmica acerca da utilização deste writ, havendo uma forte discussão entre os famosos doutrinadores Rui Barbosa e Pedro Lessa. O primeiro, que possuía o apoio da Suprema Corte, não encontrava limites para a concessão do writ, chegando a afirmar que não importava onde se der a violência, ou onde o indivíduo sofrer ou correr risco próximo de sofre coação, sempre caberá o habeas corpus. Apesar desta visão “mais liberal” acerca do writ, respeitosamente, não acreditamos este ilustre mestre estar com a razão, pois o writ of habeas corpus foi instituído apenas para tutelar o direito de ir, vir e ficar do indivíduo. Já o segundo tinha uma visão menos ampla, afirmando que havia dois tipos de Habeas corpus, um destinado a fazer cessar ou prevenir prisões e outro que procurava resguardar a liberdade individual.


Devemos deixar claro que neste momento histórico, ainda não existia o mandado de segurança, então se utilizava o Habeas corpus para assegurar exercícios de ordem civil, comercial, constitucional, etc.


Em conclusão a este momento histórico, não nos resta à menor dúvida que a legislação republicana, deu uma interpretação mais ampla ao habeas corpus, criando características únicas e diferentes das utilizadas pelo direito inglês.


Um dos momentos mais importantes da história do Habeas corpus em nosso ordenamento jurídico foi durante a reforma constitucional de 1926, em que os constitucionalistas cederam ao apelo do presidente, Artur Bernardes, diminuindo a amplitude de atuação do writ, alterando o Art. 72, § 22 da Lei Maior, fazendo com que o contivesse a seguinte redação, “Dar-se-a habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção”.


Nota-se que com esta reforma, foram alijados mais direitos subjetivos, porém, com o advento da Constituição de 1934, foi suprimida a expressão locomoção, estando claro no Art. 113, inc. XXIII, que dizia, “Dar-se-a habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder”.


Para amparar outros direitos, foi criado o mandado de segurança, dispondo dessa forma no Art. 133, inc. XXXIII, afirmando que, “Dar-se-a mandado de segurança para a defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas corpus, devendo ser sempre ouvida à pessoa de direito público interessada.” Novamente, a título de curiosidade, em 1926, o Deputado Gudesteu Pires apresentou um projeto para que o mandado de segurança fosse acolhido em nossa Constituição Federal, o que veio a acontecer c a Magna Carta de 1934, no art. 133, n.33.


Devemos deixa claro que a Constituição de 1934 adotou aquela interpretação mais elástica, como a que foi utilizada junto à Constituição de 1891, abolindo àquela interpretação mais restrita utilizada junto à reforma Constitucional de 1926. Esta interpretação mais restrita, somente teve lugar com a Constituição de 1937, no governo do presidente Getúlio Vargas.


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Tratando-se da Constituição de 1937, em seu Art. 122, n. 16, havia a seguinte redação a respeito do writ: “Dar-se-à Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”. Nota-se que neste período histórico, a exemplo do eu ocorreu com a reforma constitucional de 1926, o habeas corpus fora colocado como protetor apenas da liberdade de locomoção do individuo.


Em relação à Constituição de 1946, houve uma adoção mais liberal do Habeas corpus, permitindo-se que a coação não fosse iminente. Em lição neste vértice, o memorável ensinamento de Hélio Tornaghi (1989, p. 385), afirmando que, “[…] a Constituição de 1946 voltou ao regime democrático. No art. 141, §XXIII, previu o habeas corpus e já não exigiu que a coação fosse iminente, contentando-se em que houvesse ameaça de constrangimento: Dar-se-à habeas corpus sempre alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe Habeas corpus.”.


Em momento posterior, com a Constituição de 1967, em seu Art. 150, § XX, conservou a redação dada ao Habeas corpus pela de 1946. Futuramente, houve a promulgação da emenda n. I, de 17/10/1969, repetindo o regramento dado pela Constituição de 1967.


Devemos destacar neste momento, que o Habeas corpus durante este momento histórico, em pleno período de ditadura militar, foi sempre ameaçado. Um exemplo forte disso foi o AI – 5 (Ato Institucional n. 5), de 13 de dezembro de 1968, que em seu Art. 10, durante afirmava que, “fica suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular”.


Mesmo com a redação da outrora citada emenda constitucional de 1969, o AI – 5 foi mantido, sendo revogado somente no ano de 1978.


Finalmente, com a nossa atual Constituição Federal, datada do ano de 1988, houve a adoção do mesmo “liberalismo” adotado na Constituição de 1967, modificando a redação insculpida na Lei Maior anterior, dispondo eu seu Art. 5, inc. LXVIII, “Conceder-se-à Habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”.


Nota-se, aqui, que a nossa atual Lei Maior, suprimiu o termo utilizado pela primeira vez pela Constituição de 1946, “nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus”, nos levando a uma final conclusão que não importa o tipo de ameaça ou lesão, desde que sejam relativas ao direito de ir, vir e ficar (Jus Manendi, Eundi, Veniendi, Ultro Citroque), sempre caberá o writ em questão.


Finalmente, em breve consideração, no texto constitucional atual, o qual é de cristalina clareza, ao afirmar a palavra “violência”, faz menção a vis corporalis, representando a violência material ou física, utilizada visando constranger a pessoa.


Quando faz menção a palavra “coação”, implica violência moral, vil compulsiva, utilizando-se medo ou intimidação.


Portanto, embora os termos já citados (vis corporalis e vis compulsiva) representem violência física e moral, o legislador utilizou-se dos termos “violência” ou “coação” para não gerar uma interpretação restritiva.


Finalmente, devemos deixar aclarado que o Habeas Corpus é um direito e não uma garantia constitucional que se possa suspender, sendo um exemplo disto, no caso de estado sítio, pois, por se um direito, jamais poderá ser suspenso.


4. DA FORMAÇÃO ETIMOLÓGICA DO TERMO “HABEAS CORPUS”.


Após todo este período de conturbadas evoluções, tanto no Brasil, como em vários países do mundo, podemos claramente chegar uma definição pacífica deste renomado e consagrado writ, que tem por escopo proteger ao direito de locomoção do indivíduo.


Etimologicamente, o Habeas corpus que como já fora mencionado, visa tutelar o direito de ir, vir e ficar (jus manendi, eundi, veniendi, ultro citroque), ou seja, a liberdade de locomoção do indivíduo pode-se neste primeiro momento, afirmar que Habeas, de habeo, habes, habui, habitum, habere, que significa ter, possuir, apresentar e, corpus, significa o corpo, a pessoa.


Segundo o mestre Hélio Tornaghi (1989, P.382-3), “[…] Mas expressão habeas corpus, sem mais nada, habeas corpus por antonomásia, designa habeas corpus subjiciendum, ordem ao carcereiro ou detentor de uma pessoa para apresentá-la e de indicar o dia e a causa da prisão, a fim de que ela faça (ad finiendum), de que se submeta (ad subjiciendum) e receba (ad recipiendum) o que for julgado correto, pelo juiz. […].”.


Não podemos nos olvidar de Pontes de Miranda (1962, p.265), que em seus dois famosos tomos sobre o Habeas corpus, afirma que, “Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula no mandado que o Tribunal concedesse endereçados os quantos tivessem em seu poder, ou guarda o corpo do detido. A ordem era do teor seguinte: “Toma literalmente: (tome, que no subjuntivo, habeas, de habeo, de habere, ter, existir, tomar trazer etc.) o corpo deste detido em vem submeter ao Tribunal o homem e o caso”. Por onde se vê que era preciso produzir e apresentar-se à corte o homem e o negócio, para que pudesse a justiça, convenientemente instruída, estatuir, com justiça, sobre a questão, e velar pelo indivíduo.”.


Portanto, conclui-se que o Writ of Habeas corpus, é um remédio constitucional que vista tutelar o direito à liberdade de locomoção do indivíduo, seja em relação a uma situação ilegal, ou a risco de dano eminente.


CONCLUSÕES.


Podemos afirmar com clarividência que a idéia embrionária do Habeas corpus teve sua origem junta aos filósofos gregos, com o surgimento da idéia de liberdade individual do homem com Heráclito, e a idéia de liberdade do homem frente ao Estado criada por Sócrates e aperfeiçoada com Platão e Aristóteles, criando este uma justiça distributiva, reconhecendo os direitos do cidadão frente ao Estado, apesar de no Estado grego não existir submissão do mesmo às leis.


Outra grande evolução da idéia de liberdade que levou ao surgimento deste consagrado writ, foi durante a idade média com o filósofo Agostinho que, ao contrário da igreja católica deste período histórico, reconhecia os direitos individuais do homem, como, por exemplo, o livre arbítrio.


Após todo este desenvolvimento sobre a idéia de liberdade do homem, não só frente ao particular, mas frente ao Estado como um todo, e as severas imposições arbitrárias feitas pelo rei absolutista João Sem Terra, fizeram com os barões ingleses o obrigaram, em 15 de Junho de 1215, a assinar a Magna Charta of Libertatum, escrita em Latim, pois era o idioma oficial da Corte, cujo capítulo XXIX afirmava que, nenhum homem livre será detido, feito prisioneiro, posto fora da lei ou exilado nem de forma alguma arruinado (privado de seus bens), nem iremos nem mandaremos alguém contra ele, exceto mediante julgamento de seus pares e de acordo com a lei da terra.


Contudo, mesmo após a assinatura deste consagrado documento, continuaram havendo os arbítrios do governante, que levaram à imposição dos Habeas corpus Act de 1679 e, finalmente de 1816.


Já em relação ao nosso ordenamento jurídico, podemos afirmar que durante o período do Brasil – Colônia, praticamente não houve o conhecimento do Habeas corpus, pois, a medida utilizada para tutelar o direito à liberdade de locomoção do indivíduo era o interdito “De homine libero exhibendo” e as cartas de seguro, do velho sistema judiciário português. O habeas corpus só entrou em nosso ordenamento jurídico com o Código de Processo Criminal de 1832, nos Artigos 340 e seguintes, completando-se em nossa legislação somente no ano de 1871, quando com o surgimento da Lei n. 2033, de 20 de setembro, que tinha por foco a repressão à ameaça à liberdade individual, determinou não ser o Habeas corpus, apenas um remédio contra o constrangimento já objetivado e, sim, também contra o projetado e iminente.


Em relação a nossa Constituição Federal, o Habeas corpus surgiu pela primeira vez no ano de 1891, no §22, de seu art. 72, afirma que: “Dar-se à Habeas corpus sempre que o indivíduo sofre o se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”. Porém, nesta época havia grande dúvida entre o que seria tutelado pelo Habeas corpus, se era apenas o direito à liberdade de locomoção ou qualquer outro direito, desde que líquido e certo, sendo que houve delimitação da abrangência do campo delimitador do habeas corpus durante a reforma constitucional de 1926 e com a criação do instituto do Mandado de Segurança, com a Constituição Federal de 1934.


Durante o período de vigência da Constituição Federal de 1967, foi instituído o AI – 5 (Ato Institucional n. 5), de 13 de dezembro de 1968, que em seu Art. 10, suspendia a garantia de Habeas corpus a quem cometesse crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular, sendo este ato revogado apenas n ano de 1978. Atualmente, com a nossa atual Constituição Federal, datada do ano de 1988, houve a adoção do mesmo “liberalismo” adotado na Constituição de 1967, modificando a redação insculpida na Lei Maior anterior, prevendo o Habeas corpus em seu Art. 5, inciso LXVIII.


Quanto ao conceito de Habeas corpus, inspirados nos ensinamentos de vários mestres, como Pontes de Miranda, afirmaremos que o Writ of Habeas corpus, é um remédio constitucional que vista tutelar o direito à liberdade de locomoção do indivíduo, seja em relação a uma situação ilegal, ou a risco de dano eminente, não importando se a coação advém de um particular ou de um Estado.


 


Referências bibliográficas.

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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. História e Prática do Habeas corpus. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962.

ROSA, Borges Da. Comentários ao Código de Processo Penal. 3. Ed. Atualizada por Angelito A. Aiquel. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982

SIQUEIRA, Galdino. Curso de processo criminal. 2 ed. São Paulo: Magalhães, 1930

TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1989.

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VICENTE DE AZEVEDO, Vicente de Paulo. Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva 1958

 

Notas:

[1] mas foi ineficaz por falta de um rigoroso sistema de processo.

[2] O privilégio de Ordem de Habeas Corpus não pode ser suspensa, a não     ser quando os casos de rebelião ou invasão a Segurança pública assim o exigir.


Informações Sobre o Autor

Diogo Souza Costa

Advogado, formado pela Universidade Federal de Uberlândia, membro da comissão de Direito Penal/Penitenciário da OAB – subseção – Uberlândia/MG


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