Inseminação Artificial no Ordenamento Jurídico Brasileiro: A omissão presente no Código Civil e a busca por uma legislação específica

Resumo: Trata-se de uma análise referente à inseminação artificial no ordenamento jurídico brasileiro. Verificando-se a omissão apresentada pelo Código Civil Brasileiro e a atuação do Conselho Federal de Medicina torna-se necessária uma legislação específica para o assunto. Todavia o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional não apresenta todas as possibilidades, dessa forma é um projeto de  lei extremamente importante, mas que já nasce com deficiências e gerando mais transtornos para aquelas pessoas que precisam recorrer a essa forma para concretizar o princípio da paternidade e do planejamento familiar expresso em nossa Constituição Federal.


Palavras-chave: Inseminação artificial. Omissão Código Civil. Possibilidades. Projeto de Lei no. 1184/2003.


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Sumário: 1. Introdução. 2. Reprodução Assistida. 3. O Código Civil e a reprodução assistida. 4. As novas técnicas de reprodução assistida. 5. A Reprodução Assistida no Direito Comprador. 6. Gestação de Substituição. 7. Conclusão. Anexos


1. Introdução


O presente artigo se propõe a fazer uma análise sobre a inseminação artificial em nosso ordenamento jurídico. Objetiva-se assim, construir um caminho para que possamos verificar as possibilidades existentes para aquelas pessoas que almejam a paternidade/maternidade.


Desde os primórdios valorizamos a ideia de concepção sendo que o nascimento, via de regra, representava uma benção para a família. E dentro dessa visão, o conceito de família – para muitas pessoas – parece atrelado a possibilidade de ter uma prole. Apesar de modernamente o conceito de família ter por base a afetividade e a solidariedade familiar ao invés de mera perpetuação da espécie.


Arraigados ainda ao conceito anterior, ou apenas refletindo um desejo sincero e ardente de poder conceber uma criança, busca-se a inseminação como uma forma de saciar esse anseio.


E com isso nos deparamos com as diversas possibilidades que a medicina ora nos apresenta. Ocorre porém, que nem todas as possibilidades científicas encontram respaldo em nossa cultura ou em nosso ordenamento jurídico, que ainda está muito ligado à ideia da filiação biológica esquecendo da filiação socioafetiva.


2. Reprodução Assistida


Num primeiro momento faz-se necessário uma breve introdução terminológica, já que a expressão “reprodução assistida” significa as diversas técnicas de interferência no processo natural, ou seja, aquele realizado por meio do ato sexual.[1][2]


A reprodução medicamente assistida ou simplesmente reprodução assistida, o gênero do qual deriva duas espécies: a inseminação artificial e a fertilização in vitro ou fertilização na proveta.  Enquanto que a inseminação artificial é o procedimento em que se realiza a concepção in vivo, no próprio corpo da mulher. Nesse caso o médico, irá preparar o material genético a ser implantado no corpo da mulher onde irá ocorrer a fecundação. Em contrapartida temos a fertilização artificial onde a concepção é realizada de forma laboratorial, ou seja, fora do corpo feminino, onde apenas irá ocorrer a implantação dos embriões já fecundados[3].


Dessa forma temos que a fecundação artificial que é resultante da reprodução medicamente assistida, é utilizada em substituição da concepção natural, quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos gerar. [4]


Outra importante distinção é com relação as expressões homóloga  e heteróloga. Vejamos:


A denominação Homóloga ocorre quando estamos diante da manipulação de gametas masculinos e femininos do próprio casal. Ocorre, por exemplo, quando a fecundação ocorre in vitro, o óvulo é implantado na mulher, que leva a gestação a termo.


A denominação Heteróloga ocorre quando se utiliza o esperma de um doador fértil. Assim temos que a concepção ocorre mediante o material genético de outrem. Caso a mulher seja casada, o marido então será considerado o pai, por presunção legal, caso tenha consentido na realização da inseminação.


Por sua vez aqueles embriões que foram concebidos por manipulação genética e que não foram implantados no ventre de uma mulher são denominados de embriões excedentários.


Como no procedimento de fertilização são gerados diversos embriões, em decorrência da necessidade de realizar diversas tentativas para que a implantação e a gestação transcorra normalmente. Os embriões que não foram utilizados ficam armazenados nas clínicas que realizaram o procedimento.


O Código Civil de 2002 foi extremamente tímido ao abordar esse tema, e assim podemos afirmar que nosso Código Civil não trata da reprodução assistida, já que, ele não autoriza bem como não regulamenta a reprodução assistida, o que ele faz apenas é tratar do aspecto da paternidade, e assim, mesmo, não o fez de forma plena,  regulamentado apenas algumas situações.


Encontra-se tramitando na Câmara dos Deputados o PL 1184/2003, classificado como projeto com prioridade na tramitação, sendo que apensado a esse projeto de lei existem outros nove. Esse projeto de lei que se encontra tramitando na Câmara dos Deputados tem como autoria o Senado Federal, assim, foi encaminhado pelo Senador José Sarney – Presidente do Senado Federal à época.


Doutrinariamente há divergência quanto a admissibilidade da reprodução assistida. Para Eduardo de Oliveira Leite e outros doutrinadores favoráveis à utilização das técnicas de reprodução assistida defendem que o direito de procriar é de foro íntimo e absoluto, haja vista que (…) ter o meu próprio filho, e a não inserção de um estranho no grupo familiar, até prova em contrário, é um direito absoluto que, no presente momento, nenhum legislador do mundo civilizado se arriscou a negar.[5]


Em contrapartida encontramos doutrinadores que defendem que essas técnicas somente podem ser utilizadas de forma terapêutica e não pelo ângulo da conveniência, excluindo assim a possibilidade deste recurso as mulheres celibatárias ou solteiras. Essa regra restringe apenas as pessoas solteiras ou sozinhas, já que somente aquelas pessoas que possuem alguma dificuldade ou deficiência em conceber é que poderiam utilizar-se desse procedimento.[6]


3. O Código Civil de 2002 e a Reprodução Assistida


Como vimos a reprodução assistida pode ocorrer na forma homóloga e na forma heteróloga, dessa forma iremos analisar a previsão dessas formas no Código Civil com relação à presunção de paternidade ali apresentada.


3.1 Fecundação Artificial Homóloga


Como colocado anteriormente a fecundação homóloga ocorre quando estamos diante da manipulação dos gametas feminino e masculino do casal.  Assim, nas palavras de Paulo Lobo temos que


A inseminação artificial homóloga é a que manipula gametas da mulher (óvulo) e do marido (sêmen). A manipulação, que permite a fecundação, substitui a concepção natural, havida por meio da cópula. O meio artificial resulta da impossibilidade ou deficiência para gerar de um ou de ambos os cônjuges. [7]


Para Gustavo Tepedino a procriação homóloga ocorre normalmente mediante a introdução do sêmen diretamente na cavidade uterina da mulher ou por meio de inseminação in vitro , nesse caso a fecundação irá ocorrer fora do corpo da mulher e posteriormente o embrião será implantado no útero feminino. Assim, ambas as hipóteses estão contempladas no art. 1.597 do CC, onde se acompanhou a verdade biológica para determinar a paternidade.[8]


O art. 1.597 do Código Civil nos traz que:


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Art. 1.597 Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


III- Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.


IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.


Analisando esses incisos verificamos importantes aspectos:


3.1.1 Presunção de Paternidade no caso de Fecundação Artificial Homóloga


Na hipótese de reprodução medicamente assistida na modalidade homóloga a presunção legal que nos deparamos é de que o marido é o pai da criança que foi concebida. Assim, para que seja possível afastar essa presunção, já que a participação do marido é ativa é necessário que venha a demonstrar que o sêmen que foi utilizado não é o seu, ou seja, estaríamos diante de uma hipótese de erro médico.[9]


3.1.2 Fecundação após o falecimento do marido:


A outra novidade que nos deparamos é com a possibilidade de que a fecundação venha a ocorrer após o falecimento do marido. Antes do Código Civil de 2002 a presunção que tínhamos era apenas com relação ao filho nascido na constância do casamento, em que o pai era o marido e a segunda presunção tradicional é que se atribui a paternidade ao marido da mãe em relação ao filho nascido dentro dos 300 dias após a morte do marido.[10] Assim, a possibilidade é que a fecundação venha a ocorrer de forma diferente, num prazo diferente desse estipulado em lei, já que irá persistir a presunção da paternidade do falecido, desde que se prove que foi utilizado seu gameta, por parte da entidade que se incumbiu do armazenamento.[11]


O objetivo não é estimular a prática de inseminação ou fertilização in vitro após a morte, mas preservar a escolha realizada pelo casal, e especificamente pelo marido falecido.[12]


Quando analisamos outros ordenamentos jurídicos, verificamos que nem todos aceitam pacificamente a possibilidade de inseminação post mortem, assim podemos citar a Lei Espanhola de 1988 que veda expressamente essa possibilidade  sendo que posteriormente foi revista e a Lei Espanhola n. 14/2006, em seu art. 9.2 continua vedando expressamente a inseminação artificial post mortem.


3.1.3 Necessária Autorização do Falecido


Buscando esclarecer o significado desse inciso a I Jornada de Direito Civil nos trouxe o Enunciado 106 com o seguinte conteúdo:


106 – Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.


Assim, no entendimento do Conselho de Justiça Federal, é necessário que a esposa esteja viúva e que haja uma prévia autorização do marido para que ela possa realizar a inseminação após o seu falecimento. Esse entendimento é também defendido por nossos doutrinadores e dentre eles podemos destacar a posição de Maria Berenice Dias já que apesar do marido ter fornecido o sêmen em vida não significa que ele queria consentir que essa fecundação viesse a ser realizada após o seu falecimento. Tal posição encontra-se fundamentada no princípio da autonomia da vontade posto que para esse princípio é necessário o expresso consentimento para a utilização desse sêmen. Entende-se assim, que a viúva não tem direito de requerer que a clínica realize o procedimento caso não haja a autorização para esse procedimento.[13][14]


Posição essa compartilhada por Paulo Lôbo, haja vista que o princípio da autonomia dos sujeitos, que é um dos fundamentos do biodireito, condiciona que a utilização do material genético deixado pelo falecido deve necessariamente ter um consentimento expresso para que realize a inseminação após o seu falecimento.[15]


Para Rolf Madaleno o uso do sêmen do marido somente é permitido diante de sua expressão de vontade e enquanto estiver vivo, porque é só sua a titularidade de partes destacadas de seu corpo.[16]


Importante exemplo vem da França em decorrência do caso Parpelaix[17], vejamos em um breve relato o que ocorreu:


Foi ajuizada uma ação perante o Tribunal da Grande Instance de Créteil – França, mas na realidade o problema começou antes…


Alain Parpelaix vivia em união estável com Corinne R. quando foi diagnosticado  com câncer nos testículos. Seu médico informou da probabilidade de vir a ser acometido de esterilidade em decorrência do tratamento quimioterápico que seria realizado.


Diante dessa possibilidade Alain decidiu depositar o produto de uma coleta no banco de Esperma no Cecos, no ano de 1981. Nos anos seguintes – 1982 e 1983 – submeteu-se a diversos tratamentos com objetivo de eliminar a doença que o acometia.


Porém, apesar de todos os cuidados médicos dispensados, veio a falecer em 25 de dezembro de 1983, deixando assim Corinne viúva.


Corinne e os parentes de Alain solicitaram ao Cecos que providenciassem a devolução do esperma coletado para que fosse realizada a inseminação artificial em Corinne. Porém, Cecos não fez a entrega do material coletado.


Dessa forma, não restou outra possibilidade senão o ingresso em juízo para a obtenção e realização da inseminação artificial.


Diante da lide submetida ao judiciário o Tribunal assim se manifestou:


“Cabe fixar os limites da questão:


Tal questão se refere a devolução à viúva do esperma de seu falecido marido, a questão relativa a inseminação dependeria obviamente do pedido ser acolhido e, mais particularmente da consciência da viúva e do médico que lhe assistirá para a dita inseminação.
A questão quanto a filiação da criança ainda por nascer, não se encontra presente no caso. Sobre a interpretação das vontades de Alain Parpelaix e do Cecos: as diferentes declarações apresentadas nos debates e especialmente as de Pierre e Danielle R., pais de Corinne P. e atitude de Alain que durante a doença, e com a concordância da companheira, quis preservar sua chances de procriar; atitude solenemente confirmada dois dias antes de sua morte através de um casamento religioso civil; a tomada de posição dos pais de Alain neste procedimento, que tiverem condições de conhecer as intenções profundas de seu filho, constituem um conjunto de testemunhos e de presunções que estabelecem, com certeza, a vontade formal do marido de Corinne P., de tornar sua esposa mãe de um filho comum, quer a concepção dessa criança ocorresse em vida ou após sua morte.


Cecos não provou e nem alegou que preveniu Alain sobre sua oposição a devolver o esperma, após a sua morte, aceitou a vontade de Alain.


Aliás, houve a respeito do tema uma mudança de de atitude dessa associação que só começou a advertir os doadores de sua posição a respeito sobre este ponto, aproximadamente dois anos após a aceitação do esperma de Alain.


Igualmente o acordo estabelecido entre Alain e Cecos, não poderia se submeter ao regime jurídico da doação de órgãos, previsto pela Lei francesa de 22.12.1976, tendo em vista a diferença da natureza entre o esperma e os órgãos do corpo humano.


Tudo indica que o acordo fechado de 1991 entre Alain e o Cecos constitua um contrato específico comportando para Cecos a obrigação de conservação e de restituição ao doador, ou devolução do esperma a quem era destinado.


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Nem as condições de conservação ou de devolução do esperma de um marido falecido, nem a inseminação de sua viúva são proibidas ou mesmo previstas por um texto legislativo ou regulamentar. Além disso, eles não se chocam com o direito natural, um dos fins do casamento sendo a procriação. “[18]


Assim, ao final o Judiciário Francês se manifestou no sentido de devolução do esperma e ainda da realização da inseminação artificial, já que este era o desejo de Alain e de seus familiares.


Buscando sanar  essas discordâncias foi proposto o Projeto de Lei no. 7701/2010 que se encontra apensado ao Projeto de Lei no.1184/2003 cujo objetivo é estabelecer o prazo máximo para a realização da fecundação e a obrigatoriedade da autorização expressa do marido para a realização da fecundação pós mortem, apresentando assim, a introdução do seguinte artigo:


“Art. 1.597-A. A utilização de sêmen, depositado em banco de esperma, para a inseminação artificial após a morte do marido ou companheiro falecido,  somente poderá ser feita pela viúva ou ex-companheira com a expressa anuência do marido ou companheiro quando em vida, e até trezentos dias após o óbito.”


A Deputada Dalva Figueredo ao apresentar esse projeto apresenta como justificativa o art. 227, § 7º da Constituição Federal argumentando que o planejamento familiar é de responsabilidade do casal, e não apenas de uma das pessoas envolvidas. Assim, é necessário que haja uma autorização expressa do marido para que ocorra a inseminação artificial e que prevalece o prazo de 300 dias após o óbito, haja vista que se deve preservar também os interesses hereditários desse filho.


Cumpre ressaltar que apesar de não ter a expressa autorização do marido que faleceu para a realização da fecundação, e caso tenha ocorrido o nascimento da criança, não há incidência da presunção da paternidade, mas será caso de determinação biológica da filiação, sendo assim, apesar de não incidir nessa hipótese de presunção legal, faz-se assim, necessário ingressar com a ação de reconhecimento de paternidade post mortem e requerer que se proceda a análise do exame de DNA. Dessa forma, essa criança não ficará sem pai.[19]


O Conselho Federal de Medicina ao regulamentar o assunto se posiciona no sentido da possibilidade da reprodução assistida post mortem desde que haja prévia autorização do marido.


Cumpre ressaltar que encontra-se tramitando em nossos tribunais um caso específico em que o noivo veio a falecer e a noiva com os pais do noivo ingressaram no judiciário requerente a retirada do material genético do noivo para a realização da inseminação artificial. Assim, o nosso judiciário decidiu de forma liminar para a retirada do sêmen do noivo e aguardamos o resultado do trâmite desse processo.


3.1.4 Embriões Excedentários


O inciso IV do art. 1597 do Código Civil nos traz os embriões excedentários, mas do que se trata ?


Embrião é o ser humano durante as primeiras oito semanas de seu desenvolvimento, seja intra-uterino ou em proveta e depois no útero. O nosso Código Civil não apresenta essa definição assim, utilizamos o conceito apresentado na seara médica.[20]


Como normalmente são gerados vários embriões haja vista que nem sempre é possível na primeira tentativa obter o êxito esperado. Dessa forma, gera-se diversos embriões e alguns são implantados no útero enquanto que outros são descartados ou excedentários. Assim, os embriões excedentários são aqueles que não foram implantados no útero materno. O que se questiona é até que momento esses embriões excedentários podem ser implantados no útero.


Como regra os embriões excedentários serão preservados pelo prazo mínimo de três anos, se outro maior não for convencionado – contratualmente – pelas partes, conforme o art. 5º  da Lei de Biossegurança.


Cumpre ressaltar o que poderá ocorrer com esses embriões excedentários existam quando do término da sociedade conjugal.


Buscando solucionar esse intrigante dilema o Conselho de Justiça Federal em 2002, na I Jornada de Direito Civil aprovou o seguinte enunciado:


107 – Art. 1.597, IV: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.


Para Debora Gozzo o consentimento não pode ser revogado, ou seja, a partir do momento em que ocorreu a efetivação do procedimento de inseminação, em decorrência de consentimento expresso anteriormente, esse não poderá ser revogado agora que a mulher se encontra gestante. Ou seja, não é somente o direito do marido que se encontra agora protegido, mas também o da esposa, a de levar a termo essa gestação e também da criança que foi gerada de ter um pai.[21]


3.2 Fecundação Artificial Heteróloga


Para Maria Berenice Dias a fecundação artificial heteróloga ocorre por meio de doação de sêmem de um homem que não seja o marido, contando com a sua concordância[22].


Assim, a I Jornada de Direito Civil nos traz o Enunciado 104 com o objetivo de nos nortear quando nos deparamos com essa possibilidade.


104 – Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento.


4. As novas técnicas da reprodução humana assistida


Com o passar do tempo e com o desenvolvimento da medicina hoje podemos mapear as seguintes possibilidades de reprodução assistida, vejamos[23]:


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Cumpre ressaltar que a medicina não está parada e que continua pesquisando novas possibilidades, assim, o quadro ora apresentado pode ser visto como apenas as hipóteses disponíveis no momento. Ou seja a engenharia genética não parou …


Assim, faz-se necessário uma legislação específica que venha a se manifestar sobre as possibilidades apresentadas pela medicina.


5. A Reprodução Assistida no Direito Comparado


E assim, as legislações dos diversos países apresentam posições diferenciadas sobre o tema:


5.1 Inseminação Artificial post mortem


Como vimos a Espanha é contrária à inseminação post mortem  e seguindo essa linha encontramos também a Alemanha, a Suécia e a França. No caso específico da França caso exista o consentimento manifestado em vida, esse perderá os seus efeitos diante do evento morte.


Por outro lado, além do Brasil, a Inglaterra se manifesta favorável à inseminação post mortem, mas apresenta ressalva com relação ao direito sucessório, já que esse filho somente iria se tornar herdeiro mediante expressa previsão testamentária.


5.2 De quem será a paternidade ?


Assim, em termos de direito comparado percebemos que


No ordenamento jurídico australiano temos que o filho nascido pelas técnicas de reprodução assistida será do casal que consentiu com a realização do procedimento. Nos Estados Unidos, 28 estados norte-americanos se posicionam da mesma forma, ou seja, aquele casal que consentir com a reprodução assistida serão os pais da criança que vier a nascer. Posição essa também externada pelo ordenamento jurídico espanhol, com o agravante de que uma vez realizada a inseminação artificial não é possível qualquer forma de impugnação, já que houve o consentimento do casal.


A França apresenta uma restrição a mais, ou seja, somente é possível realizar a inseminação artificial caso o casal seja casado, não se admitindo assim, a inseminação artificial para aqueles que vivem sob a união estável. Dessa forma, considera-se que somente os casais casados é que podem realizar a inseminação artificial e uma vez que ocorreu o consentimento não há possibilidade de qualquer impugnação referente à filiação. E para que tenha validade faz-se que o casal se manifeste perante o judiciário francês. O magistrado irá ouvir cada o casal de forma separada e os informará das conseqüências do consentimento caso venha a ser dado. Somente depois de um prazo para reflexão – uma semana – é que o magistrado irá liberar o casal para a realização da inseminação artificial mediante a entrega da documentação que autoriza a realização da inseminação artificial Esse documento ficará armazenado no Centro de Reprodução Assistida[24]. Essa documentação autoriza apenas um nascimento.


O Código Civil Português, em seu art. 1839, se posiciona pela impossibilidade de impugnação da paternidade caso o marido tenha concordado com a inseminação artificial homóloga. [25]


No Canadá, a Lei de 17 de maio de 1984, seção 14, do Território de Yukon, considera pai o doador do sêmen caso a inseminação seja homóloga, mesmo que tenha ocorrido a mistura de esperma, mas se for heteróloga, o marido ou companheiro somente será considerado como pai se houver autorizado expressamente a prática da inseminação artificial.[26]  Caso ocorra a fertilização heteróloga será o necessário consentimento do marido, que não poderá posteriormente impugnar a filiação.


Com relação à inseminação heteróloga é necessário analisar a posição do doador do esperma se ele tem direito ou deveres com relação a essa criança que irá nascer.


Assim, na Inglaterra temos que o doador de esperma não possui nenhum direito ou dever com relação a essa criança que irá nascer, devendo ser preservado o anonimato.


Nos Estados Unidos, na Austrália, no Canadá, na Espanha sendo a inseminação heteróloga caso o marido tenha consentido é que será considerado o pai da criança.


Na Alemanha a posição é a mesma, ou seja na fertilização heteróloga é necessário o consentimento informado por escrito e deverá ocorrer mediante instrumento público, dessa forma, o pai não poderá questionar posteriormente a paternidade. Pela Lei alemã de 1989 para que ocorra a fertilização artificial heteróloga é necessário o consenso do marido por escrito realizado na presença do notário.


5.3 De quem será a maternidade ?


No ordenamento jurídico francês, australiano e alemão a presunção é de quem deu a luz é que deve ser considerada a mãe da criança.


Na Inglaterra é possível que haja a gestação em substituição, ou seja, a barriga de aluguel, assim, a criança deverá ser entregue a quem pretendeu o nascimento daquele bebe.


Alemanha, Espanha, Austrália, Canadá e Brasil vedam a locação de útero.


No Brasil existe a possibilidade da gestação em substituição no caso de parente próximo, sem a cobrança de valores. Devendo o médico que realizou a inseminação artificial acompanhar o parto, caso isso não ocorra será informado o nome da parturiente como sendo a mãe da criança. A gestação de substituição ou doação temporária do útero está prevista na Resolução no. 1.957/2010 do CFM dessa forma, é necessário que a doadora genética tenha parentesco com a doadora temporária do útero até o segundo grau. Estabelecendo ainda que a doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. E somente nas hipóteses em que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética.


Nos Estados Unidos a regra é a presunção de que a mãe é aquela que deu à luz, porém, permite que haja a locação de útero, assim, o casal contratante deverá adotar a criança logo após o nascimento.


5.4 Transexual ou homossexual


No caso dos transexuais ou homossexuais venham a pretender que o companheiro ou companheira obtenha filho por meio de inseminação artificial.


No caso da Lei Sueca n. 1.140/80 temos a vedação dessa possibilidade porém, outros países como por exemplo, na Iugoslávia isso pode ocorrer.


Com a equiparação de união estável entre heterossexuais a união estão entre pares homoafetivos então deve-se estender a mesma proteção existente para que o princípio da igualdade seja preservado, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.


6. Gestação de substituição


A gestação de substituição ou doação temporária do útero  ou gestação por outrem é a técnica utilizada pela medicina para permitir que uma paciente, que esteja biologicamente impossibilitada de gestar ou de levar a gravidez até o final, possa ter um filho. Dessa forma, temos a fecundação do seu óvulo porém será gestado em um útero de uma terceira pessoa.


Conforme Laura Dutra de Abreu no caso da gestação de substituição temos a maternidade dividida ou dissociada: assim, a mãe genética, por impossibilidade física recorre a outra mulher, que será a mãe gestacional, para que esta leve a termo a gravidez que é impossível para a mãe genética.[27] Dessa feita, a mães hospedeira renuncia à sua maternidade em favor da pessoa que cedeu o projeto biológico.


Enquanto que a Resolução do Conselho Federal de Medicina nos permite que ocorra a gestação de substituição criando limites para que ocorra, como por exemplo, somente na impossibilidade da doadora de gestar, a necessidade de que essa gestação seja realizada mediante doação e ainda que a pessoa que irá realizar a gestação seja parente da mãe doadora até segundo grau.


Em contrapartida o Projeto de Lei 1184/2003 veda toda e qualquer forma de gestação de substituição.


O Enunciado 129 da Jornada de direito Civil propõe uma nova redação para o art. 1.597-A do Código Civil: a maternidade será presumida pela gestação. Parágrafo único. Nos casos de utilização das técnicas de reprodução assistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que forneceu o material genético, ou que, tendo planejado a gestação, valeu-se da técnica de reprodução assistida heteróloga.


Na atual formulação pelo  Conselho Federal de Medicina somente seria possível pensar em gestação de substituição quando a mãe biológica encontre-se comprometida com alguma doença ou não consegue desenvolver a gestação até o final. Trata-se aqui de preservar o direito à saúde e ainda assim o direito à  escolha da família e a paternidade responsável.


Ocorre porém, que faz-se necessário analisar outros direitos fundamentais que também estão em choque como por exemplo o caso da necessidade de que  mulher não venha a engravidar no caso de isso vir a comprometer o seu desempenho profissional, como no caso dos esportistas e das modelos. O direito ao trabalho também deve ser preservado.


Cumpre relembrar o caso Baby M. Nos Estados Unidos – Nova Jersey, o casal Elizabeth e William Stern, não querendo levar adiante uma gestação que poderia prejudicá-la profissionalmente. Dessa forma, o casal contrata Mary Beth Whitehead para que, fecundada artificialmente com o sêmen dele, lhes entregasse a criança concebida, após o nascimento. Em contrapartida, receberia uma remuneração de dez mil dólares. Mary Beth aceitou o acordo financeiro e assim foi realizado o procedimento. Ocorre porém, que com o nascimento da criança Mary Beth se recusou a entregá-la alegando que foi estabelecido um vínculo afetivo com a criança que ela não teria como prever no momento da realização do contrato.


Esse caso chegou à Corte Suprema de Nova Jersey e o tribunal considerou que o contrato sob remuneração neste caso deveria ser considerado ilegal, já que é direito da gestante manter o seu filho. Dessa forma, a guarda foi definida para ficar com o pai permitindo porém que a mãe hospedeira detivesse o direito de visitação, regulando assim, as visitas. [28]


7. Conclusão


A reprodução assistida ainda tem muito que ser analisada e ponderada. Apesar do Projeto de Lei apresentado pelo Senado Federal que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados não abranger todas as hipóteses é preferível do que não termos nenhuma legislação sobre o assunto. E diante da omissão legislativa acaba o judiciário tendo que decidir as questões que são submetidas a ele. E muitas vezes, o que temos de parâmetro não é suficiente para termos uma decisão que seja segura e justa.


Em âmbito internacional podemos perceber que não está pacificado qual o melhor caminho quando se trata de reprodução assistida e quais são os direitos e deveres oriundos dela. Enquanto que temos países como a Turquia que veio a criminalizar a realização da reprodução assistida, outros países são mais liberais e permitem inclusive a barriga de aluguel.


Precisamos nos posicionar informando quais são os efetivos direitos das pessoas que queiram se submeter a reprodução assistida e ainda as implicações decorrentes desses direitos. Afinal, se nos posicionarmos como favoráveis à inseminação artificial faz-se necessário permitir que todas as pessoas tenham acesso a essa possibilidade, inclusive casais de baixa renda, o que nos leva que o Sistema único de Saúde também deverá participar dessa discussão.


Esperamos assim, contribuir com o debate dessa questão que é extremamente importante para todos os envolvidos e para a sociedade em geral.


 


ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10


NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS


TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA


I – PRINCÍPIOS GERAIS


1 – As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.


2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.


3 – O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.


4 – As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.


5 – É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.


6 – O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.


7 – Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.


II – PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA


1 – Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.


III – REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA


As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:


1 – um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.


2 – um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões.


3 – um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.


IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES


1 – A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.


2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.


3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.


4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.


5 – Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.


6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.


7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RA.


V – CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES


1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões.


2 – Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados.


3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.


VI – DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES


As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica


1 – Toda intervenção sobre embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.


2 – Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões “in vitro” não terá outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.


3 – O tempo máximo de desenvolvimento de embriões “in vitro” será de 14 dias.


VII – SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)


As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.


1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.


2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.


VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM


Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.


PL 1184/2003


Dispõe sobre a Reprodução Assistida.


O Congresso Nacional decreta:


CAPÍTULO I


DOS PRINCÍPIOS GERAIS


Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida (RA) para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in vitro, no organismo de mulheres receptoras.


Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:


I – embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento;


II – beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego da Reprodução Assistida;


III – consentimento livre e esclarecido: ao ato pelo qual os beneficiários são esclarecidos sobre a Reprodução Assistida e manifestam, em documento, consentimento para a sua realização, conforme disposto no Capítulo II desta Lei.


Art. 2º A utilização das técnicas de Reprodução Assistida será permitida, na forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifique infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde que:


I – exista indicação médica para o emprego da Reprodução Assistida, consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, segundo o disposto em regulamento;


II – a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei, que tenha solicitado o tratamento de maneira livre, consciente e informada, em documento de consentimento livre e esclarecido, a ser elaborado conforme o disposto no Capítulo II desta Lei;


III – a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação que leve em conta sua idade e outros critérios estabelecidos em regulamento;


IV – o doador seja considerado apto física e mentalmente, por meio de exames clínicos e complementares que se façam necessários.


Parágrafo único. Caso não se diagnostique causa definida para a situação de infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Reprodução Assistida, prazo mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a idade da mulher receptora.


Art. 3º É proibida a gestação de substituição.


CAPÍTULO II


DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Art. 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes esclarecimentos:


I – a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso específico, com manifestação expressa dos beneficiários da falta de interesse na adoção de criança ou adolescente;


II – os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em cada uma delas;


III – os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;


IV – os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e prevalência dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em geral e no serviço de saúde onde esta será realizada;


V – as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;


VI – os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 13 desta Lei;


VII – as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas, inclusive postumamente;


VIII – demais requisitos estabelecidos em regulamento.


§ 1º O consentimento mencionado neste artigo será também exigido do doador e de seu cônjuge ou da pessoa com quem viva em união estável e será firmado conforme as normas regulamentadoras, as quais especificarão as informações mínimas que lhes serão transmitidas.


§ 2º No caso do § 1º, as informações mencionadas devem incluir todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a identificação do doador vir a ser conhecida.


CAPÍTULO III


DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E PROFISSIONAIS


Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida são responsáveis:


I – pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e oportunidade para o emprego da técnica de Reprodução Assistida;


II – pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material biológico humano utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se a transferência de sêmen doado a fresco;


III – pelo registro de todas as informações relativas aos doadores e aos casos em que foi utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;


IV – pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de Reprodução Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em união estável, na forma definida no Capítulo II desta Lei;


V – pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados;


VI – pela obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança junto ao órgão competente;


VII – pela obtenção de licença de funcionamento a ser expedida pelo órgão competente da administração, definido em regulamento.


Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.


Art. 6º Para obter a licença de funcionamento, os serviços de saúde que realizam Reprodução Assistida devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:


I – funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente capacitado para realizar a Reprodução Assistida, que se responsabilizará por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;


II – dispor de equipes multiprofissionais, recursos técnicos e materiais compatíveis com o nível de complexidade exigido pelo processo de Reprodução Assistida;


III – dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a Reprodução Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;


IV – dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos após o emprego do material biológico;


V – encaminhar relatório semestral de suas atividades ao órgão competente definido em regulamento.


§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo será válida por até 3 (três) anos, renovável ao término de cada período, desde que obtido ou mantido o Certificado de Qualidade em Biossegurança, podendo ser revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.


§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter a identificação dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual, quando imprescindível, na forma do art. 15 desta Lei, a ocorrência ou não de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.


§ 3º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de material celular.


§ 4º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos casos especificados nesta Lei.


§ 5º No caso de encerramento das atividades, os serviços de saúde transferirão os registros para o órgão competente do Poder Público, determinado no regulamento.


CAPÍTULO IV


DAS DOAÇÕES


Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.


 § 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.


§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:


I – não haver doado gameta anteriormente;


II – as doenças de que tem conhecimento ser portador, inclusive os antecedentes familiares, no que diz respeito a doenças genético-hereditárias e outras.


§ 3º Poderá ser estabelecida idade limite para os doadores, com base em critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas doados, quando da regulamentação desta Lei.


§ 4º Os gametas doados e não-utilizados serão mantidos congelados até que se dê o êxito da gestação, após o quê proceder-se-á ao descarte dos mesmos, de forma a garantir


que o doador beneficiará apenas uma única receptora.


Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e beneficiários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações sobre a pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.


Art. 9º O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas, mantido o segredo profissional e, quando possível, o anonimato.


§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça.


§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida ou a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas ao doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir a celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma da legislação civil.


§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no § 2º, resguardar-se-á a identidade civil do doador mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores informações sobre sua saúde.


Art. 10. A escolha dos doadores será de responsabilidade do serviço de saúde que pratica a Reprodução Assistida e deverá assegurar a compatibilidade imunológica entre doador e receptor.


Art. 11. Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de equipes, ou seus parentes até o quarto grau, de serviço de saúde no qual se realize a Reprodução Assistida.


Parágrafo único. As pessoas absolutamente incapazes não poderão ser doadoras de gametas.


Art. 12. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar ao órgão competente previsto no art. 5º, incisos VI e VII, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.


§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar esse fato ao referido órgão no prazo estipulado no caput deste artigo.


§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais a multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e dezessete centavos) a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e cinco centavos), na forma do regulamento.


§ 3º A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para cadastramento de óbito, conforme modelo aprovado em regulamento.


§ 4º Deverão constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes informações relativas à pessoa falecida:


I – número de inscrição do PIS/Pasep;


II – número de inscrição do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, se contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário – NB, se a pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS;


III – número do CPF;


IV – número de registro de Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor;


V – número do título de eleitor;


VI – número do registro de nascimento ou casamento, com informação do livro,


da folha e do termo;


VII – número e série da Carteira de Trabalho.


CAPÍTULO V


DOS GAMETAS E EMBRIÕES


Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser produzidos e transferidos até 2 (dois) embriões, respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.


§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos, obedecido ao critério definido no caput deste artigo.


§ 2º Os embriões originados in vitro, anteriormente à sua implantação no organismo da receptora, não são dotados de personalidade civil.


§ 3º Os beneficiários são juridicamente responsáveis pela tutela do embrião e seu ulterior desenvolvimento no organismo receptor.


§ 4º São facultadas a pesquisa e experimentação com embriões transferidos e espontaneamente abortados, desde que haja autorização expressa dos beneficiários.


§ 5º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em regulamento.


Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos definidos em regulamento.


§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização.


§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:


I – quando solicitado pelo depositante;


II – quando houver previsão no documento de consentimento livre e esclarecido;


III – nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação de


sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.


Art. 15. A pré-seleção sexual será permitida nas situações clínicas que apresentarem risco genético de doenças relacionadas ao sexo, conforme se dispuser em regulamento.


CAPÍTULO VI


DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA


Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.


§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais biológicos.


§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo profissional e, sempre que possível, o anonimato.


§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.


Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.


Art. 18. Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-se, sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de resguardar a saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se, no que couber, as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).


CAPÍTULO VII


DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES


Art. 19. Constituem crimes:


I – praticar a Reprodução Assistida sem estar habilitado para a atividade:


Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


II – praticar a Reprodução Assistida sem obter o consentimento livre e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta Lei ou em desacordo com os termos constantes do documento de consentimento por eles assinado:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa;


III – participar do procedimento de gestação de substituição, na condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


IV – fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer pessoa que não o próprio depositante, ou empregar esses gametas sem sua prévia autorização:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


V – deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, não as fornecer nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não autorizados, consoante as determinações desta Lei:


Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


VI – utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos, salvo na hipótese em que tenha sido autorizada, em documento de consentimento livre e esclarecido, ou em testamento, a utilização póstuma de seus gametas:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


VII – implantar mais de 2 (dois) embriões na mulher receptora:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


VIII – realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o disposto nesta Lei:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


IX – produzir embriões além da quantidade permitida:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


X – armazenar ou ceder embriões, ressalvados os casos em que a implantação


seja contra-indicada:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


XI – deixar o médico de implantar na mulher receptora os embriões produzidos, exceto no caso de contra-indicação médica:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


XII – descartar embrião antes da implantação no organismo receptor:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


XIII – utilizar gameta:


a) doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe do serviço de saúde em que se realize a Reprodução Assistida, ou seus parentes até o quarto grau;


b) de pessoa incapaz;


c) de que tem ciência ser de um mesmo doador, para mais de um beneficiário;


d) sem que tenham sido os beneficiários ou doadores submetidos ao controle de


doenças infecto-contagiosas e a outros exames complementares:


Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.


Parágrafo único. Ao aplicar as medidas previstas neste artigo, o juiz considerará a natureza e a gravidade do delito e a periculosidade do agente.


Art. 20. Constituem crimes:


I – intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das permitidas nesta Lei:


Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa;


II – utilizar o médico do próprio gameta para realizar a Reprodução Assistida, exceto na qualidade de beneficiário:


Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa;


III – omitir o doador dados ou fornecimento de informação falsa ou incorreta sobre qualquer aspecto relacionado ao ato de doar:


Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;


IV – praticar o médico redução embrionária, com consentimento, após a implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de vida para a


mulher:


Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos;


V – praticar o médico redução embrionária, sem consentimento, após a implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de vida para a mulher:


Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.


Parágrafo único. As penas cominadas nos incisos IV e V deste artigo são aumentadas de 1/3 (um terço), se, em conseqüência do procedimento redutor, a receptora sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, pela mesma causa, lhe sobrevém a morte.


Art. 21. A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste Capítulo acarretará a perda da licença do estabelecimento de Reprodução Assistida, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.


CAPÍTULO VIII


DAS DISPOSIÇÕES FINAIS


Art. 22. Os embriões conservados até a data de entrada em vigor desta Lei poderão ser doados exclusivamente para fins reprodutivos, com o consentimento prévio dos primeiros beneficiários, respeitados os dispositivos do Capítulo IV.


Parágrafo único. Presume-se autorizada a doação se, no prazo de 60 (sessenta) dias, os primeiros beneficiários não se manifestarem em contrário.


Art. 23. O Poder Público promoverá campanhas de incentivo à utilização, por pessoas inférteis ou não, dos embriões preservados e armazenados até a data de publicação desta Lei, preferencialmente ao seu descarte.


Art. 24. O Poder Público organizará um cadastro nacional de informações sobre a prática da Reprodução Assistida em todo o território, com a finalidade de organizar estatísticas e tornar disponíveis os dados sobre o quantitativo dos procedimentos realizados, a incidência e prevalência dos efeitos indesejados e demais complicações, os serviços de saúde e os profissionais que a realizam e demais informações consideradas apropriadas, segundo se dispuser em regulamento.


Art. 25. A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 8º-A:


“Art. 8º-A. São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de clonagem radical através de qualquer técnica de genetecnologia.”


Art. 26. O art. 13 da Lei nº 8.974, de 1995, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV, renumerando-se os demais:


“Art. 13(…)


IV – realizar experimentos de clonagem humana radical através de qualquer técnica de genetecnologia; (…)” (NR)


Art. 27. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias a partir da data de sua publicação.


Senado Federal, em de junho de 2003


Senador José Sarney


Presidente do Senado Federal


 


Notas:

[1]  O Enunciado 105 da I Jornada de Direito Civil  – Art. 1.597: as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida”.

[2]  O Enunciado 258  da III Jornada de Direito Civil – Art. 1.597: as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados ou a gestação de substituição.

[3]  FARIAS, Cristina Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 2010, Editora Lumen Juris, p. 570.

[4]  DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.333.

[5] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais,1995, p. 139.

[6] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 999-1000.

[7]  Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 200.

[8]  TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3ª Edição. São Paulo: Editora Renovar, p. 475.

[9]  JOAZEIRO, Virgínia Araujo. O bio direito no novo Código Civil e as relações de parentesco. Questões controvertidas no estabelecimento da paternidade in Direito de Família e Sucessos. Notadez, 2007, p. 398. APUD OLIVEIRA, James Eduardo. Código Civil: Anotado e comentado. Rio de Janeiro: Editora Forens4e, 2010, p. 1440.

[10]  Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 201.

[11]  Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 201.

[12]  DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.334.

[13]  DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.334.

[14]  GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A reprodução assistida heteróloga, p. 270.

[15]  Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 201.

[16]  MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 387-388.

[17]  LEITE, Eduardo de Oliveira. Dos direitos da esposa sobre o esperma do marido in Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Editora RT, 1995.

[18]  LEITE, Gisele. Conseqüências jurídicas da fertilização assistida da viúva após a morte do depositante. Disponível em http://jusvi.com/artigos/701.

[19]  FARIAS, Cristina Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 2010, Editora Lumen Juris, p. 576.

[20]  Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 202.

[21]  GOZZO, Debora. Dignidade humana, inseminação artificial heteróloga e contestação da paternidade in Direitos Humanos Fundamentais: positivação e concretização. Edifieo, 2006, p. 224.

[22]  DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 335.

[23]  DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 499-500.

[24]   DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 499-507.

[25]  DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 499-504.

[26]  DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 499-505.

[27] ABREU, Laura Dutra de. A renúncia da maternidade: reflexão jurídica sobre a maternidade de substituição: principais aspectos nos direitos português e brasileiro. In Revista Brasileiro do Direito das Famílias e das Sucessões – 2009 RBDFamSuc. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, n. 11, ago./set. de 2009,  p. 98.

[28] FARIAS, Cristina Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 2010, Editora Lumen Juris, p. 551.


Informações Sobre o Autor

Renata Malta Vilas-bôas

Advogada, Graduada em Direito pelo Uniceub – Brasília/DF, Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco, Autora dos Livros: Ações Afirmativas e o Princípio da Igualdade (América Jurídica), Introdução ao Estudo do Direito, Manual de Teoria Geral do Processo (já na sua 2ª. Edição), Metodologia de Pesquisa Jurídica e Docência Jurídica (Editora Fortium) e Hermenêutica e Interpretação Jurídica (Editora Universa). Autora do artigo: Cláusula Compromissória: Sua importância no âmbito da arbitragem in Dez Anos da Lei de Arbitragem: Aspectos Atuais e Perspectivas para o Instituto (Lumen Juris). Professora das disciplinas de Direito Civil, Processo Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outras, na graduação, também lecionando na Pós-graduação. Membro do IBDFAM e membro da Comissão dos Direitos da Infância e da Juventude do IBDFAM-DF. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília.


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