Liberdade de expressão e intimidade – adequação, ponderação, interpretação/aplicação – caminhos para um silogismo lógico segundo a regra da proporcionalidade

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Resumo: O presente trabalho objeta trazer um compêndio entre os elementos de solução dos conflitos envolvendo os direitos fundamentais, em especial, o dos direitos à liberdade de expressão e intimidade (num sentido amplo), pugnando pela busca de soluções as mais coerentes possíveis, num sentido de conferir unidade no processo de resolução entre “colisão” de princípios constitucionais fundamentais, segundo uma lógica silogística adequada aos elementos presentes na regra da proporcionalidade.

 Palavras-chaves: Liberdade de Expressão. Intimidade. Lógica Silogística. Regra da Proporcionalidade. Adequação. Ponderação.

 Abstract: This paper objects to bring a compendium of the elements of conflict involving fundamental rights, in particular the rights to freedom of expression and intimacy (in a broad sense), striving for seeking solutions the most consistent possible, a sense of give unity in resolution between "collision" of fundamental constitutional principles, using an appropriate syllogistic logic elements in the rule of proportionality.

Keywords: Freedom of Expression. Intimacy. Syllogistic logic. Rule of Proportionality. Adequacy. Weighting.

Sumário: Introdução 1. Liberdade de Expressão x Intimidade – Aspectos Relevantes 2. Ponderação, Adequação ou Interpretação/Aplicação do Direito – Formação do Silogismo para a Solução dos Casos Concretos – Regra da Proporcionalidade 3. Unidade no Discurso Jurídico – Racionalidade de um Silogismo – Regra da Proporcionalidade para Definição dos Limites e Extensão Adequados da Liberdade de Expressão ou Intimidade 4. Considerações Finais.

Introdução

Inúmeros são os questionamentos e enfrentamentos que a ciência do direito, e em consequência, todos os envolvidos no cenário jurídico de nosso País, se deparam diuturnamente a fim de se estabelecer uma lógica racional de interpretação, argumentação e aplicação do direito que seja o mais uniforme possível segundo uma ordem jurídico-constitucional una, estabelecida e operante.

Desse prisma de instabilidade dogmática, que sobremaneira influencia e interfere na aplicação direta do direito na prática, desdobra-se o eterno embate entre a colisão de princípios entre si, entre princípios e regras e vice-versa, numa escala em que referidas normas jurídicas, pertencem a uma mesma hierarquia normativa, qual seja, a constitucional.

Nessa contenda, e partindo para um ponto mais especifico, busca-se revisitar e analisar os seguintes pontos:

1) os efeitos da colisão havida entre os princípios da liberdade de expressão e da intimidade (neste termo compreendidos, intimidade, vida privada, honra e imagem), e o correlato uso da ponderação ou de uma adequação silogísticas, para se viabilizar uma solução adequada (redundância proposital);

2) seriam esses elementos propostos pela ordem constitucional e pela ciência do direito, suficientes para se chegar a pretendida “solução adequada”?;

3) a conveniência de se adotar uma forma uniforme de solução desses conflitos, como medida própria de efetivação da ordem constitucional;

4) de todos os pontos anteriores, faria presumir a conclusão de existência de uma extensão recomendável de cada princípio segundo cada caso concreto, e qual o papel do uso da regra da proporcionalidade, como forma de auxílio aos instrumentos hermenêuticos/práticos de solução dos conflitos: liberdade de expressão e intimidade;

Postos os problemas dos quais se busca uma breve explanação, importante destacar a posição e definição de cada instituto, bem como expor resumidamente características das teorias – que muitas das vezes se mostram incompatíveis entre si – de interpretação e aplicação, que intentam a resolução dos problemas entre “conflitos” entre princípios, e como no presente caso, a “colisão” entre os princípios da liberdade de expressão e intimidade, ambos princípios da mais alta magnitude constitucional.

1.Liberdade de expressão x intimidade – aspectos relevantes

“Quando os homens discordam sobre os direitos morais, nenhuma das partes tem como provar seu ponto de vista e alguma decisão deve prevalecer, se não quisermos que a anarquia se instale. (…). Podemos exigir que leve os direitos a sério – o Governo –, que siga uma teoria consiste com suas próprias convicções”. [1]

Parecendo paradoxal ao objetivo do presente artigo, mas pertinente aos princípios envolvidos, poderia ser justificado que, “existiria alguma circunstância na qual um homem tenha direito de violar a lei?” [2] E dessa indagação, remeter-se-ia ao questionamento de que “se ele teria direito de violar a lei no sentido forte e se o governo erraria ao detê-lo, prendendo-o ou processando-o? [3]

Indagações desse quilate, sugeririam a viabilidade de um indivíduo, amparado na liberdade de expressão, e portanto, ciente e livre em agir segundo suas plenas convicções, poder em alguma hipótese atentar a intimidade de outra pessoa, sem que o Estado tivesse o dever de barrá-lo.

Nesse passo, Tocqueville expressa que “se alguém me mostrasse, entre a independência completa e a submissão inteira do pensamento, uma posição intermediária em que eu pudesse esperar manter-me, talvez me estabelecesse nela”.[4]

Em regra, não lhe seria viável – ao indivíduo – extrapolar os limites do proporcional (algo possível de ser mensurado), consoante o estabelecimento de critérios de identificação de fatos específicos – ou discursos práticos – que retratariam o que é licito e ilícito após a formação da premissa maior, objetivamente discorrida (segundo as sub-regras propostas à aplicação da regra da proporcionalidade).

Fundamentalmente, para a definição do espectro de análise dos referidos instrumentos, não se pode olvidar, portanto, do alcance conferido ao princípio consagrador da liberdade de expressão em suas duas vertentes possíveis, quais sejam: tanto pode ser exercido em face do particular (estaria sujeito aos limites da esfera de proteção da respectiva intimidade do mesmo); como em detrimento do Estado, que de toda forma também estaria adstrito a uma linha divisória entre privado e público, em vista de que o poder é exercido por quem também detenha um foro íntimo.

De todo modo, elenca Gilmar Mendes essa dupla perspectiva da liberdade de expressão, aplicada pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão, ao expor que da construção desse conceito de dupla dimensão, enfatiza-se o aspecto subjetivo ou individual dos direitos fundamentais e, por outro lado, a noção objetiva ou o caráter institucional das liberdades de expressão e de imprensa. [5]

Embora se exsurgir contra o Estado gere consequências outras, inarredável que o foco da extensão, e conseguintemente, maior limitação à liberdade de expressão existe quando da colisão com a intimidade (vida privada, imagem, honra, etc.).

A ponderação ou adequação, conforme se escolha uma ou outra teoria, voltam suas aspirações na tentativa de resolução de referidos conflitos – entre raio de extensão dos princípios –, na medida em que os mesmos não deixem de produzir efeitos mesmo que sobrestados em dado caso concreto, seja parcial e temporariamente.

Ambos continuam a irradiar seus efeitos permanentemente no sistema e no cotidiano da sociedade, até que se deparem novamente com situações de “transbordamento” dessa relação de equilíbrio e mútua coexistência.

Inobstante toda essa conjuntura lógica e racional, Ingo Wolfgang Sarlet, ressalta que:

“Como uma das implicações diretamente associadas à dimensão axiológica da função objetiva dos direitos fundamentais, uma vez que decorrente da ideia de que estes incorporam e expressam determinados valores objetivos fundamentais da comunidade, está a constatação de que os direitos fundamentais (mesmo os clássicos direitos de defesa) devem ter sua eficácia valorada não só sob um ângulo individualista, isto é, com base no ponto de vista da pessoa individual e sua posição perante o Estado, mas também sob o ponto de vista da sociedade, da comunidade na sua totalidade, já que se cuida de valores e fins que esta deve respeitar e concretizar.[6]

Em derradeiro, “alguém que sustente que os cidadãos têm um direito contra o governo não precisa chegar ao ponto de afirmar que o Estado nunca está justificado a não dar o devido peso a tal direito”[7]. Para tanto, a ponderação, adequação, ou qualquer outra técnica interpretativa, devem ao máximo enquadrar-se segundo os dogmas e valores máximos fundantes do sistema e da ordem, mantendo-se fiéis a coerência estabelecida pela regra fundamental, a fim de possibilitar tanto a resolução quando princípios entram em conflito, como da viabilização da coexistência recíproca entre tais, quando não violadores do espectro do outro.

Embora, tais técnicas se mostrem voltadas a solução do mesmo conflito, e do fato de seus idealizadores reputarem como totalmente incompatíveis, indissociável que, em razão da já tratada magnitude de ditos princípios (e outros), exige-se na maior medida possível que para manutenção da segurança, tão buscada pela ordem regedora do Estado Constitucional Democrático, se unifique, ou que pelo menos se tente impingir o máximo de coerência possível à forma de solução de referidos conflitos, para se evitar que traumas indesejáveis sejam imputados à carga axiológica de ditos princípios, ao passo de atribuir a maior efetividade possível a ambos.

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2.Ponderação, adequação ou interpretação/aplicação do direito – formação do silogismo para a solução dos casos concretos – regra da proporcionalidade

Principalmente para a solução envolvendo a “colisão” entre os princípios da liberdade de expressão e da intimidade, se faz premente o uso da regra da proporcionalidade em uma lógica silogística. Assim, importante tecer algumas considerações acerca da definição da proporcionalidade como regra – e não como princípio –, além de expor as sub-regras presentes na referida regra da proporcionalidade a fim de se viabilizar a aplicação do silogismo pela norma de decisão.

Nessa direção, Virgílio Afonso da Silva esclarece que:

“O chamado princípio da proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações.[8]

Assim, continua os dizeres de Virgílio Afonso da Silva:

“Alexy afirma que os subelementos da proporcionalidade devem ser classificados como regras (…), e que a forma de aplicação da proporcionalidade e de suas sub-regras é a subsunção.[9]

Uma vez considerada a relevância da fixação da proporcionalidade como uma regra apta a ser aplicada segundo uma lógica subsuntiva, inarredável trazer a baila que compõe essa regra, três elementos que a tornam fundamental para solução dos conflitos envolvendo princípios (e primordialmente, os princípios envolvidos nesta “análise de caso”). Desse modo, “subdivide-se a regra da proporcionalidade em três sub-regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”. [10]

Seguindo a exposição dos referidos elementos, os quais devem fluir uma ordem preordenada de incidência, vislumbra-se importante trazer uma breve definição acerca dos mesmos por parte de Humberto Bergmann Ávila:

“Uma medida é adequada se o meio escolhido está apto para alcançar o resultado pretendido; necessária, se, dentre todas as disponíveis e igualmente eficazes para atingir um fim, é a menos gravosa em relação aos direitos envolvidos; proporcional ou correspondente, se, relativamente ao fim perseguido, não restringir excessivamente os direitos envolvidos.”[11]

Como consequência dessa pretensão racional, vislumbra-se na ponderação um possível enquadramento na lógica proposta, figurando como o terceiro elemento da regra da proporcionalidade, como propõe Luís Prieto Sanchís, em percuciente doutrina acerca do tema:

“La ponderación conduce a una exigencia de proporcionalidad que implica estabelecer un orden de preferencia relativo ao caso concreto. Lo característico de la ponderación es que con ella no se logra una respuesta válida para todo supuesto de conflicto, no se obtiene, por ejemplo, una conclusión que ordene otorgar preferencia siempre al deber de mantener las promesas sobre el deber de ayudar al prójimo, o a la seguridad pública sobre la liberdad individual, o a los derechos civiles sobre los sociales, sino que se logra solo una preferencia relativa al caso concreto que no excluye una solución diferente en otro caso.”[12]

E prossegue o mesmo autor:

“El resultado óptimo de un ejercicio de ponderación no habría de ser el triunfo aplastante de uno de los princípios, ni siquiera en el caso concreto, sina la armonización de ambos, esto es, la búsqueda de una solución intermedia que en puridad no diese satisfacción plena a ninguno, sino que procurase la más liviana lesión de ambos.”[13]

Entender a ponderação como a busca de uma manutenção de ambos os princípios postos em “rota de colisão”, como citado no decorrer do texto por Luis Prieto Sanchis, é – embora dar vazão aos prospectos de aplicação de parte da regra da proporcionalidade em uma de suas três escalas (sub-regras), escolhendo dentre a solução mais adequada e necessária, a que seja ajustada ao nível mínimo possível de restrição de intensidade do princípio “preterido”, impende ressaltar que a norma de decisão ao optar pela escolha/consagração de um dos direitos em “conflito” (como no caso de dar prevalência concreta ao princípio da liberdade de expressão ou ao princípio do respeito a intimidade), deve afastar na maior medida possível a solução que opte pela maior lesão do princípio preterido (mesmo que reduzido o impacto de afetação sobre seu espectro), ao sobre valorar o outro.

Existem casos, que a impactação pode ser maior ou menor. Cabe ao juiz, aplicador do direito no caso concreto, tecer e “mediar” o grau de incompatibilidade entre os princípios colidentes, exarando a norma de decisão que atente para os procedimentos lógicos, desde a interpretação da norma primária, até sua efetiva e concreta aplicação segundo a lógica silogística da regra da proporcionalidade formada, colmatando com a “ponderação” final de valores.

Referido pensamento seria mais coerente e adequado frente a realização de todos os princípios na maior medida possível. Contudo, em muitas das vezes não se realiza referida lógica prática, sofrendo os referidos princípios interpretações díspares e alheias à proporcionalidade.

Como no exemplo da liberdade de expressão quando afeta a imagem e intimidade de tal forma que venha a maculá-la fortemente, e de maneira altamente negativa (que a pessoa estaria tolhida de tal forma de suas plenas liberdades, pela macula sofrida em sua imagem), se revela imperante a adoção desse silogismo proporcional.

Diante da distinção operada para os casos envolvendo a liberdade de expressão subjetiva e objetiva, sempre se faz relevante a atenção à regra proposta, devendo o julgador ater-se ao fato de se tratar de figura pública que não tenha o poder de reverter dita situação por outros métodos, ou mesmo no caso de uma pessoa não pública que embora exposta à sociedade, sofresse uma afronta de tal forma grave que a retomada de sua real imagem, pudesse ser promovida apenas por meios que demandassem um tempo sem precedentes, e que por derradeiro acabariam por tolher de um modo ou de outro, o uso de suas plenas faculdades e liberdades, tornando assim o convívio entre os dois princípios (assim como entre todos os demais princípios existentes na ordem jurídica nacional e internacional) plenamente inviabilizado e consequentemente, ineficiente.

Para Karl Larenz:

“O “ir e vir da perspectiva” entre a situação de fato e a proposição jurídica não deve conceber-se como se o observador mudasse apenas a direção do seu olhar, mas trata-se antes de um processo de pensamento em cujo decurso a “situação de fato em bruto” será conformada enquanto situação de fato acabada (como enunciado) e o texto da norma (como que a norma em estado bruto), na norma suficientemente concretizada para a apreciação desta situação de fato. Este processo está de tal modo condicionado pela colocação da questão de direito, que encontra o seu termo com a resposta definitiva – em sentido afirmativo ou negativo – a esta questão. Para a análise metodológica é, no entanto, necessário considerar de per si cada uma das fases deste processo que é em si mesmo concatenado. Daqui não pode deduzir-se que estas fases se pudessem sempre separar no processo de aplicação da norma, que é, de igual modo, um processo de concretização da norma.” [14]

Afinal, retratar a posição de equilíbrio de forças advindo da relação silogística do caso concreto a partir da presença elementar da regra da proporcionalidade (e suas sub-regras – dentre as quais a da adequação), revela-se fundamental para compor o mínimo axiológico que cada princípio fundamental (como os envolvidos no presente artigo) deve desempenhar na ordem constitucional e democrática vigente.

3.Unidade no discurso jurídico – racionalidade de um silogismo – regra da proporcionalidade para definição dos limites e extensão adequados da liberdade de expressão ou intimidade

A ponderação entendida como aplicação da discricionariedade valorativa a partir da norma já formatada pela interpretação do texto constitucional/legal, por um lado almeja carregar a segurança pretendida, em vista de que para cada uma das soluções escolhidas, estariam estas calcadas e amparadas no próprio ordenamento jurídico devidamente interpretado e “adequado” ao fim constitucional esperado para cada princípio ou regra envolvido.

Todavia, essa busca por uma consonante solução constitucional presente na ponderação, deve-se pautar na regra da proporcionalidade devidamente incidente – como dito, principalmente para o caso dos princípios em apreço.

Cada caso concreto reclama uma decisão. Porém, tratar a mudança constante de posicionamentos acerca da forma como referidas “colisões” entre princípios são resolvidas, é de fato preocupante, face ao que busca a Constituição ao instituir o máximo de eficiência possível – e realizável – aos princípios fundamentais nela consagrados.

O cenário jurídico nacional deve evitar os constantes equívocos acerca dos institutos utilizados, em razão do perigo de se estipular e pacificar entendimentos transviados da ordem material de ditos princípios. Em vista da pretendida unidade constitucional, se defende a tentativa de unificação do método/técnica interpretativa/aplicativa de solução de citados conflitos entre princípios, e não uma simples delimitação de um posicionamento ou entendimento acerca da carga axiológica/substancial de referidos princípios.

De um modo ou de outro, inevitável o desdobramento advindo do uso de expressões que apresentem um cunho mínimo de subjetividade. Justiça, equidade, ponderação, adequação, invariavelmente expressam algum mínimo de subjetivismo que de per si elevam a possibilidade de contrariamente ocasionar injustiça, inequidade, ausência de ponderação ou inadequação. A presença em si, de instrumentos pragmáticos de máxima conferência objetiva/instrumental, fulcradas num processo de interpretação e aplicação das regras e princípios expressos e consagrados no texto da Constituição, conferem a segurança que do sistema e ordenamento se espera.

Diametralmente, é imperioso que só com a presente solução ao caso concreto (resolvido silogisticamente), calcados na regra da proporcionalidade, que se obtém o equilíbrio que o uso desmedido de cada princípio pode gerar/afetar ao outro e, portanto, à relação de “mútua convivência” entre princípios que quedou desatendida.

Dentro desse contexto, importante passagem traz Eros Grau acerca do momento de efetivação da ponderação entre os princípios – para fundamental compreensão desse instrumento de realização de princípios, em especial entre os princípios em discussão:

“A ponderação entre princípios se dá no momento da formulação da norma de decisão, não no quadro de produção da norma jurídica resultante da interpretação. (…). A interpretação do direito é inicialmente produção de normas jurídicas gerais.” [15]

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Não menos importante, esclarece Eros Grau acerca dos efeitos da aplicação da regra da proporcionalidade, segundo uma visão mais pragmática:

“Uma e outra, proporcionalidade e razoabilidade, não são princípios, porém pautas de aplicação do direito, (…), tendentes a qualificarem-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.” [16]

Porém, é de se inferir de referido pensamento, que em certo aspecto não pode a adoção desse procedimento ser considerada como uma mera escolha de opção pelo poder aplicador e solucionador das contendas, pois que será esse processo de enquadramento da norma de decisão – proferida segundo uma lógica silogística resultante de uma interpretação dentre a mais adequada dentre os princípios afetados no caso concreto, segundo a regra da proporcionalidade – apto a conferir uma maior efetividade aos princípios constitucionais, mesmo que postos em confronte perante cada caso concreto.

Seguir um raciocínio de que tratam os conflitos entre princípios de escolha de hipóteses meramente valorativas – ou de indiferentes jurídicos postos a escolha do julgador –, é o mesmo que relegar à interpretação e à própria regra de formulação das premissas (após proceder à correta interpretação dos princípios aplicáveis ao caso concreto), ao vazio, visto que “indiferentes” e escolha meramente valorativas, não poderiam ser atribuíveis ao processo de determinação da melhor solução impingida ao caso concreto – diversamente do pretendido pelo uso das sub-regras expostas na proporcionalidade (latu sensu), que determinariam a escolha que afete com a menor intensidade possível o princípio temporariamente relegado.

Desse modo, a escolha do magistrado não pode vislumbrar indiferentes jurídicos, eis que deve destrinchar dentre todos os possíveis princípios aplicáveis ao caso (ou que propugnem efeitos ao caso em análise) a partir de suas corretas interpretações, destacando “partes objetivas e determináveis” de seus conteúdos axiológicos, e adequando-as aqueles efeitos que mais se coadunem proporcionalmente ao caso concreto, ou em outras palavras, aquele que seja o mais adequado, necessário e ponderável (proporcional) para a medida que reclame solução.

Nesse prospecto, “o conflito não é resolvido definitivamente: cada solução vale para uma só controvérsia particular, já que não se pode prever a solução do mesmo conflito no quadro de diversas controvérsias futuras”. [17]

Para tanto, “cada decisão é diferente e requer uma interpretação absolutamente única, que nenhuma regra existente ou codificada pode nem deve absolutamente garantir”. [18]

Inobstante essa análise mista[19] envolvendo interpretação, adequação e ponderação, dentre as escolhas possíveis ao caso concreto posto em disputa, não queda de todo desarrazoado a possibilidade de se realizar a interpretação dos “princípios colidentes”, e objetivando seus elementos e efeitos consequentes, vinculá-los ao caso concreto, a partir de um dentre aqueles que seja o mais adequado para se atingir uma decisão justa e proporcional.

4.Considerações finais

Nessa direção, a importância de uma solução voltada à uma medida adequada proporcionalmente, que se ajuste e minimizasse ao máximo o nível de restrição ao princípio parcialmente tolhido, encontra plena satisfação na ordem constitucional vigente.

Assim, de todo o modo pensar a “adequação” como uma sub-regra da regra da proporcionalidade aplicada ao caso concreto, em sintonia com essa “ponderação” de valores eleitos, aplicáveis incisiva e objetivamente na prática, não se mostra de todo incompatível.

Pelo contrário. Deve o jurista intérprete realizar os princípios e regras constitucionais, consoante suas precípuas finalidades, sem ater-se às discussões de ordem puramente retórica entre compatibilidade ou não entre ponderação e adequação, ou entre outras que se revelem constantes e impertinentes para uma devida e correta solução no mundo jurídico.

O processo da concretização da norma constitucional como um todo, reclama a busca por uma unidade metodológica para solução dos conflitos, principalmente pela natureza dos direitos envolvidos.

Nesse diapasão, o cuidado em se enfrentar citados “conflitos” principiológicos, em especial os de gradação constitucional fundamental, deve ser bastante a não possibilitar o esvaziamento de quaisquer dos princípios e garantias constitucionais, os quais atingiram um nível de força e proteção ao indivíduo que jamais deve se perder ou confrontar.

Todos os princípios (aqui incluídos os direitos e garantias fundamentais) e regras constitucionais, em hipótese alguma podem perder a efetiva essência de suas aplicações (de seus núcleos substanciais), sob pena de se enveredar a um retrocesso indesejado e inaceitável para a ordem nacional e internacional.

Referências:
 ÁVILA, Humberto Bergmann. A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de Proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Ano I, v. I, nº 4, julho, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2014.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 5ª Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
MENDES, Gilmar Ferreira. O Significado da Liberdade de Imprensa no Estado Democrático de Direito. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wofgang; CARBONELL, Miguel (orgs.). Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Salvador: Editora JusPodium, 2011.
SANCHIS, Luis Prieto. El Juicio de Ponderación Constitucional. In: LAPORTA, Francisco J. (Org.). Constitución: problemas filosóficos. Madrid: Ministerio de la Presidencia. Secretaria General Técncia – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 11ª Edição, revista e atualizada. Porto Alegra: Livraria do Advogado Editora, 2012.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Leis e Costumes. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
 
Notas:
[1] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 286.

[2] DWORKIN, Ronald. Op. cit. 2002. p. 291

[3] Idem.

[4] TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Leis e Costumes. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 207

[5] MENDES, Gilmar Ferreira. O Significado da Liberdade de Imprensa no Estado Democrático de Direito. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wofgang; CARBONELL, Miguel (orgs.). Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Salvador: Editora JusPodium, 2011 . p. 506.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 11ª Edição, revista e atualizada. Porto Alegra: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 145.

[7] DWORKIN, Ronald. Op. cit. 2002. p. 294.

[8] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 (2002). p. 23-50 (3)

[9] Idem.

[10] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, 798, p. 23-50, 2002. (12)

[11] ÁVILA, Humberto Bergmann. A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de Proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Ano I, v. I, nº 4, julho, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2014.

[12] SANCHIS, Luis Prieto. El Juicio de Ponderación Constitucional. In: LAPORTA, Francisco J. (Org.). Constitución: problemas filosóficos. Madrid: Ministerio de la Presidencia. Secretaria General Técncia – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003. p. 234.

[13] SANCHIS, Luis Prieto. Op. cit. 2003. p. 235.

[14] LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 395-396.

[15] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 5ª Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 284

[16] GRAU, Eros Roberto. Op cit. 2009. p. 298 – 308.

[17] GRAU, Eros Roberto. Op cit. 2009. p. 284

[18] GRAU, Eros Roberto. Op cit. 2009. p. 287.

[19] O que desde já, deixa-se oportunamente salientada a observação acerca da incompatibilidade entre as teorias envolvendo a ponderação com as teorias da adequação entre princípios (presente na teoria estruturante do direito), assim como da impossibilidade de exclusivo processo de sopesamento/ponderação envolvendo regras ou regras e princípios, ou também, em contrapartida, seguindo-se uma visão estrita, a aplicação exclusiva do silogismo ao conflito entre princípios.


Informações Sobre o Autor

João Bosco de Barros Wanderley Neto

Advogado Professor de Direito na Universidade Anhanguera Especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP


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