1. Introdução
Observa-se no Brasil em sua contemporaneidade um pavor social em torno da crescente criminalidade praticada por menores inimputáveis.
São episódios que, quando emergem na mídia, reacendem calorosos debates em torno da redução da maioridade penal. Um dos mais conhecidos casos que reacendeu as discussões foi o caso da sucessão de crimes hediondos (seqüestro, estupro e morte) praticada por um menor de 16 anos contra um casal de estudantes em uma cidade da Grande São Paulo. Existem inúmeros outros que acontecem todos os dias e que não chegam ao conhecimento da maioria da população, como um caso que ocorreu na cidade de Catanduva, interior do Estado de São Paulo, onde um menor de 15 anos que entrou na casa de uma amiga com o pretexto de “tomar um copo de água e utilizar o banheiro” e a esfaqueou por motivo fútil; e outras atrocidades cometidos pelo menor, até então menor, cujo apelido é “Batoré”.
Emergidos pela mídia, faz-se um alvoroço em torno da questão e, quando o assunto já está “gasto” é jogado no arquivo do esquecimento, ficando a população apenas com a indignação momentânea e retraindo-se em sua aflição amedrontada, sem poder expressar sua vontade em relação a quais providências deveriam ser tomadas em relação ao delinqüente juvenil.
2. Da pena
A origem da pena é tão antiga quanto a origem da humanidade, extremamente remota. Porém, as penas nasceram para tornarem possível a convivência social, pois era necessária para gozar de uma verdadeira liberdade.
Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos[1]. Nossa Lei Maior estabelece, por seu art. 5º, XLVI, as seguintes penas: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.
O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo[2]. A função preventiva da pena designa-se no sentido em prevenir que o autor punido não volte a causar novos danos à sociedade e que outros, também, não se inspirem à cometer o mesmo delito. A função retributiva designa-se, por sua vez, na obrigação em que o autor condenado tem em reparar penalmente o dano social causado por sua infração legal. O art. 59, caput, do Código Penal Brasileiro dispõe em sua primeira e última parte que “O Juiz, (…), conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime;”. Com isso, a pena passou a apresentar uma natureza mista: é retributiva e preventiva[3].
3. Os imputáveis por menoridade para a constituição federal (CF) e para o código penal (CP)
O verbo imputar sugere atribuir a alguém a responsabilidade de determinado fato. No direito penal, a imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível[4]. Neste caminho, então, está a palavra imputação que sugere atribuição de responsabilidade, inculpação contra pessoa à qual se atribui a causa de ato ilícito e punível[5].
Por observância à imputabilidade, podemos concluir que os imputáveis são agentes que gozam do estado mental saudável a ponto que possam atingir o nível de consciência da ilicitude do fato**.
Nosso primeiro código penal, o Código Penal da República (de 1890) tratava em seu art. 27, dos inimputáveis por menoridade.
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º – Os menores de 9 anos completos;
§ 2º – Os maiores de 9 anos e menores de 14, que obrarem sem discernimento.
No tempo em que vigeu o Código Penal da República, este estabelecia a inimputabilidade absoluta para os menores de 9 anos, presumindo que estes não reuniam, ainda, condições de atingirem a consciência de ilicitude dos fatos. Para os jovens dispostos no parágrafo segundo do art. 27, o Código adotou o critério do discernimento através da aferição psicológica, para que se estabeleça a responsabilidade ou a irresponsabilidade penal, como no atual modelo alemão[6].
A idade penal ampliou-se em 1932 com o Decreto n. 22.213 que alterou o art. 27 do Código Penal da República:
Art. 27. Não São criminosos:
§ 1º – Os menores de 14 anos.
A atual idade para a maioridade penal foi imposta pelo Código Penal brasileiro de 1940, tendo sua redação alterada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984 e reconsagrada pela Constituição Federal de 1988, que assim estabeleceram respectivamente:
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas pela legislação especial.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Observa-se aqui que o legislador utilizou um critério puramente biológico. Para a determinação da idade do agente para efeitos penais o legislador utiliza critério puramente biológico na composição da regra absoluta: a idade do autor do fato, sem outras indagações. Completam-se os 18, os 21 ou os 70 anos no dia do aniversário do agente[7]. Não se leva em conta o desenvolvimento mental que, embora possa ser plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, não poderá ser responsabilizado penalmente por suas ações[8].
Por conseqüência da menoridade penal, embora o menor tenha praticado um fato típico, antijurídico e culpável, ele não é responsabilizado penalmente, impondo a absolvição, ficando o agente juvenil sujeito às normas da legislação especial.
4. O tratamento diferenciado auferido pelo eca aos menores infratores
Observando a segunda parte do art. 27, CP, trataremos das normas da legislação especial que versa dos menores infratores.
Os maiores de 18 anos possuem, como demonstra o Código Penal Brasileiro, uma responsabilidade penal perante a sociedade, enquanto, os menores relativos a mesma idade possuem uma responsabilidade estatutária juvenil. Os maiores, quando atentam contra um bem jurídico protegido, submetem-se a penas criminais (privação da liberdade, restrição de direitos, multa), já os menores, entretanto, submetem-se a penas sócio-educativas (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) – ECA – evidencia, através de suas penas sócio-educativas, seu caráter ressocializador do menor autor de uma prática anti-social.
Outra diferenciação no tratamento entre os imputáveis e os inimputáveis por maioridade é observada no órgão julgador. Os maiores estão sujeitos, quando praticam delito(s), à justiça comum (salvo exceções), enquanto os menores infratores sujeitam-se à Justiça da Infância e da Juventude.
Tendo a controvérsia em torno da redução ou não da maioridade penal, observaremos a dialética do tema.
5. Pela não redução da maioridade penal
Exporemos os motivos utilizados pelos doutrinadores que defendem que a idade para auferir responsabilidade penal não deve ser reduzida.
A primeira crítica sobre o tema apresentada pelos seguidores da corrente sobre o tema é que o art. 228, CF, é de natureza pétrea, ou seja, são inalteráveis por Leis ordinárias, podendo ser dispostas apenas pelo Poder Constituinte Originário, pela promulgação de uma nova Constituição. Este Poder Constituinte tem caráter inicial, porque produz originariamente o ordenamento jurídico[9] (…).
Neste sentido admite que as cláusulas pétreas são imutáveis, intangíveis e, portanto, não podem ser modificadas pelo poder constituinte derivado, mediante emenda constituinte ou projeto de lei[10].
Outra crítica é que o debate da maioridade penal é um desvio de foco para não ser observado as discussões dos valores morais, e da falta de cumprimento do ECA. Doutrinadores criticam neste sentido que o Estatuto já prevê punições, mas tem como objetivo primeiro o resgate do indivíduo, num processo sócio-educativo. É preciso que os Estados apliquem e fiscalizem o ECA. No entanto, parece mais fácil reduzir a maioridade penal do que investir em educação, saúde e lazer. O jovem assistido tem muitas menos chances para aderir ao crime. Além disso, a criança e o adolescente serão sempre inimputáveis. Se baixarmos a maioridade penal para 16 ou 14 anos, os contraventores recrutarão os de 12, de 10 anos. Nesse sentido é um buraco sem fundo[11] e que a redução da maioridade penal tem como pano de fundo a proposta da pena de morte. É claro que o ECA, com quase 13 anos, precisa de uma revisão, mas nos países em que a maioridade penal foi reduzida, há Justiça de menores especializada e prisões para menores também especializadas. Como se sabe, em outros países, como nos Estados Unidos e Inglaterra, as desigualdades são infinitas vezes menores do que aqui, mesmo assim os crimes provocados por crianças e adolescentes também ocorrem. Além disso, o Brasil não tem condições técnicas e práticas para baixar a maioridade[12].
Estes doutrinadores alegam que para encontrar a saída é preciso repensar o nosso papel como partícipes de uma sociedade de extremas desigualdades[13].
6. Pela redução da maioridade penal
Para contrapor as idéias dos doutrinadores que defendem a não redução da maioridade penal, exporemos as críticas dos correntistas contrários.
Em relação ao caráter de cláusula pétrea, os defensores da redução da maioridade penal frisam que os constituintes de nossa Constituição Federal de 1988 fizeram a Lei Maior incorporar dispositivos de natureza infra-constitucional, sendo assim, dispositivos que poderiam ser tratados em sede de lei ordinária, como o art. 242, § 2º, CF (discorrido abaixo), são tratados por Emendas Constitucionais.
Art. 242. (…)
(…)
§ 2º. O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.
Para os adeptos da corrente em debate, dispositivos que não deveriam ser incorporados pela Constituição, em observância de sua inferioridade hierárquica, sejam enaltecidos a ponto de constituírem cláusula pétrea. Neste sentido, não existe no Direito Pétreo a inimputabilidade. Ou seja, não há nada que justifique que se deva considerar como imutável, como fundamental, além da estrutura do Estado Democrático, porque foi isso que a Constituição pretendeu fazer ao estabelecer as cláusulas pétreas. Isto é, além da proibição de abolição da Federação, da autonomia e da independência do Poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico e, ao mesmo tempo, falando dos direitos e garantias individuas enquanto estruturas fundamentais para a preservação do Estado Democrático[14]. Os mesmos defensores da opinião exposta previamente observam que importantes tratados internacionais, como a Pacto São José da Costa Rica, silenciam quanto a maioridade penal, auferindo a cada país a determinação que melhor convém na matéria.
Da forma descrita acima, os doutrinadores tentam derrubar as críticas dos correntistas que se baseiam na natureza pétrea do dispositivo que trata da maioridade penal.
Para rechaçar a crítica quanto a desigualdade social, os adeptos à redução da maioridade tratam que é realmente necessário ir à raiz do problema, mas, são conclusões à longo prazo e os problemas que são causados pelos menores infratores, por terem tomado proporções de agressividade avançada, possuem uma natureza de resolução imediata.
7. A democracia e a opinião referente a redução ou não da maioridade penal
A democracia é um regime político de origem grega que tinha em sua forma clássica a deliberação direta dos membros da comunidade e não tinham representantes (Democracia Direta). Após estudos de Platão e Aristóteles, criou-se a Democracia Representativa, ou seja, o povo atribuía ao representante que desejasse a participação política.
Atualmente, vivemos em uma democracia semidireta. Este tipo de democracia admite a representação, mas admite também, uma intervenção popular direta em algumas deliberações do governo, na forma de referendo, iniciativa popular, recall e o plebiscito.
Podemos observar no decorrer deste artigo a guerra doutrinária que existe em torno da eventual redução da maioridade penal. Observaremos abaixo algumas opiniões populares:
Anabel Tinoco, enfermeira: “uma criança de 10 anos que teve a capacidade de tramar a morte de alguém também deve ser capaz de responder pelo seu ato. Hoje vivemos a certeza da impunidade. Falta a certeza da punição”;
Juliana Cafure, advogada: “não acredito que a redução da maioridade funcionaria no Brasil, pois não temos estrutura adequada no sistema carcerário. A Febem é um protótipo de presídio e não educa ninguém. Mas sou a favor da redução da maioridade penal para 16 anos, pois acredito que é muito mais difícil escolher um representante político do que discernir sobre o que é certo e o que é errado”;
Alexandre Antunes, contador: “um garoto de 17 anos, quase 18, já é um homem feito e sabe o que está fazendo. Sei que há um nível de favelização muito grande, enfrentamos graves problemas sociais, mas é preciso que encontremos medidas coibitivas para o aumento da criminalidade e acredito que a redução da maioridade penal seria uma delas”;
Elizete Abreu, doméstica: “O menor sabe que vai roubar, vai matar e não será punido. O máximo que acontecerá é ir para a Febem e três anos depois vai ganhar novamente as ruas, pior, mais revoltado do que quando entrou. Concordo em reduzir a maioridade penal para a mesma idade que se pode votar, mas acho que deveriam construir prisões especiais para menores, com educação, esporte e trabalho comunitário. Misturar com os adultos, isso não”;
Jorge Ramos, jornalista: “Se o menor de 14 anos comete um delito grave, como no caso dos crimes hediondos, tem que ser responsabilizado por isso. Acho que esse menor deveria ter o mesmo tratamento que um adulto, recebendo a mesma pena. Além disso, um adolescente de 14 anos hoje já está maduro para escolher que caminho seguir. Sou a favor”;
– Entrevistas acima retiradas do artigo. Redução da maioridade penal, Carla Delorenci: http://www.sintrasef.org.br/maioridade11.htm.
Contudo, a massa popular (cuja é a maior interessada no assunto) não possui voz ativa eficiente em torno do tema. Ficam apenas dando pequenas entrevistas sobre a própria opinião que, certamente, não será considerada se for observada de forma individual, portanto, se a democracia é um processo decisório, que conta com a participação da maior quantidade possível dos interessados onde há opções reais de escolha com preservação efetiva do dissenso livre, vamos fazer valer nossa força e, principalmente nosso Estado Democrático de Direito, disposto no art. 1º de nossa Constituição Federal na forma de plebiscito.
Informações Sobre o Autor
Fernando Carlomagno
Acadêmico de direito da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.