O mundo jurídico, reflexo da dinâmica social, particularmente no concernente às relações privadas, possui duas vertentes: uma ligada ao dinamismo (evolução) e outra à inércia ou ao estaticismo – como, de há muito, referiu-se Gustav Radbruch apud Giselda Hironaka in Direito das Obrigações e o Novo Código Civil[1].
Esse dinamismo nas relações jurídico-privadas corresponde, de modo geral, às relações de crédito e/ou obrigacionais; enquanto às reais – que implicam uso, gozo, fruição – tendem, em princípio, a ser mais duradouras e seguras.
Esta ótica traduz o ponto de vista fenomenológico do objeto das relações jurídicas e de suas funções no mundo do ser. Ademais, salvo exceções, o direito privado não é um direito formal porque, como regra, exprime relações cotidianas, rotineiras e reiteradas. Realiza-se, entretanto, não com uma fluidez incontrolável, mas a partir de um modelamento preconcebido pelo legislador – de cunho geral, conquanto passível de pacto intrínseco diferenciado entre os sujeitos.
A latitude ou dimensão das mudanças que ocorrem no ordenamento são frutos ou resultado de comparações ou interligações entre seus diversos ramos, desconsiderando, o mais das vezes, suas diferentes naturezas e particularidades. Particularmente para o direito obrigacional, podemos ainda dizer que a crescente necessidade de internacionalização do comércio (jurídico) estruturada sob as mesmas bases do “velho” direito das obrigações reflete homogeneidade e estabilidade conquanto, por outro lado, atravanque alterações substanciais.
Não obstante, o fato é que a complexidade social moderna inspira novos paradigmas, obrigando o ordenamento jurídico privado a se reestruturar também, inclusive, na perspectiva de uma nova formatação (modelamento) diversa do “padrão” – antes aparente e tradicionalmente imune a alterações significativas.
Falar em mudança de paradigma, no caso, é reconhecer a institucionalização da troca de enfoque: da coisa (propriedade) para o homem (ser); do indivíduo para a coletividade; da boa-fé subjetiva para a boa-fé objetiva (e subjetiva); do presente para o presente sem descurar o futuro etc.
Numa perspectiva codicista ou legal tivemos a efetivação de uma pequena modificação formal. Basicamente, houve a reordenação dos dispositivos normativos em conformação à organização de há muito empregada por diversas faculdades de direito de nosso País, isto é, na esteira da repetição da ordenação antes promovida pelo direito civil germânico.
Doravante, aqui, colacionaremos, tão-só, algumas das mudanças que reputamos mais expressivas da nova conformação civil de acordo com doutrinadores do naipe dos professores Flávio Tartuce e Giselda Hironaka.
No aspecto material, iniciamos com a colação de alterações na parte relativa à modalidade de obrigações, in casu, no art. 245 do Código Civil que impõe, quando se trate de obrigação de entrega de coisa incerta, as mesmas regras aplicáveis à obrigação de coisa certa, havendo, inclusive, respectiva distribuição da culpa pelo eventual perecimento do objeto. Regras a respeito dos frutos e melhoramentos também devem ser mencionadas, posto que, agora, contados não a partir do momento da efetivação da escolha, mas do momento em que a escolha foi levada ao conhecimento da outra parte.
Nas obrigações de fazer e não fazer (arts. 249 e 251 CC), observamos que é permitido ao credor, verificada urgência que requeira a medida, mandar executar a obrigação, sendo, depois, ressarcido pelo devedor, independente de autorização judicial.
Tivemos modificação supletiva nas denominadas obrigações alternativas (art.252 do CC), isto porque, agora, tornou-se expresso a quem cabe a escolha no caso de multiplicidade de optantes que não chegam a um acordo no prazo determinado pela autoridade judicial, bem como no caso de caber a escolha a um terceiro que não possa, ou mesmo, não se recusando a optar, não concretize seu mister. Para essas situações, será o juiz quem definirá a prestação para o caso concreto.
Também no segundo titulo – transmissão de obrigações – há menção oportuna a se fazer sobre a cessão de crédito e a um novo instituto incorporado – a assunção de dívida.
Promoveu-se a melhor sistematização desses institutos trazendo-se os casos de necessidade de notificação para consubstanciar eficácia perante o devedor e o desaparecimento (ou não) das obrigações acessórias (elemento diferenciador) a depender do instituto em análise.
No Título III do Código Civil, que aborda o adimplemento das obrigações, apresentamos algumas ligeiras mudanças: quanto aos pagamentos, subjetivamente considerado, noutras palavras, quanto às pessoas que devem efetuá-los e àquelas que têm interesse em os receber. A alteração perceptível refere-se ao pagamento realizado por terceiro sem interesse na relação e efetuado por conta própria – caso em que o fará por sua conta e risco – na medida em que o art. 306 do CC determina que o devedor só reembolsará o terceiro se ele (devedor) não dispusesse de meios de se exonerar do cumprimento da obrigação pelo fato, por exemplo, de estar prescrita.
Agora há previsão legal expressa quanto à possibilidade de o juiz reajustar o valor das prestações sempre que a pedido de uma das partes, constate-se desproporção manifesta, imprevisível e falta de proveito útil para os sujeitos da relação jurídica.
Aos dispositivos previstos sobre o pagamento somou-se ainda detalhes atrelados ao lugar de o fazer: em caso de grave motivo que impeça, dificulte ou torne inviável o pagamento no lugar pactuado, será possível cumpri-lo noutro lugar sem que isso provoque prejuízo ao credor (art. 329, CC). Outra inovação retrata o pagamento reiteradamente efetuado em local diverso do pactuado, sem que o credor tenha se oposto, provocando presunção ou renúncia ao percebimento no local antes combinado.
Nos capítulos relativos à dação e à remissão de dívidas ressalvaram-se os direitos inerentes a terceiros, isto é, tanto abrangendo os credores evictos da coisa dada em pagamento (art. 356, CC) como aos demais prejudicados pela remissão aceita pelo devedor (art. 385, CC). Nessas hipóteses, a conseqüência é o restabelecimento da obrigação original (primitiva).
Destaque-se a previsão direta na nova legislação na penalização do devedor pelas perdas e danos do credor, incluindo os valores a título de juros, atualização (fundada nos índices utilizados oficiais) e honorários de advogados.
Aliás, de acordo com o art. 404 do CC, poderá o juiz conceder ao credor lesado indenização suplementar, caso reste comprovado que os juros de mora não foram suficientes à recomposição do prejuízo suportado, a não ser que haja disposição em sentido contrário ou cláusula penal com tal propósito específico e restritivo.
Quanto à mora prevê-se sua constituição por interpelação judicial ou extrajudicial, substituindo a interpelação, a notificação e o protesto.
Algumas mudanças também foram operadas no instituto da cláusula penal. A primeira delas admite que o magistrado reduza seu valor na hipótese de cumprimento parcial do pacto ou quando esta se mostrar, ainda que não ultrapasse o valor da obrigação principal, excessivo com a finalidade e natureza do caso prático. A segunda modificação alude à possibilidade de se convencionar indenização suplementar, em caso de prejuízo superior ao estabelecido na cláusula reparatória (art. 416 CC), cabendo ao juiz fixar o importe complementar desde que demonstrado o prejuízo excedente.
As considerações apontadas refletem as novas tendências insculpidas na Carta Magna, aperfeiçoadas e detalhadas no novo estatuto civil. Tais mudanças imprimiram redimensionamento no conteúdo da dignidade da pessoa humana, nova abordagem interpretativa e prática dada aos conceitos legais indeterminados, às cláusulas gerais e mesmo aos princípios de direito.
Por derradeiro, com o novo estatuto privado, pôde-se promover uma nova roupagem tanto semântica como redacional a uma série de dispositivos do antigo Código Civil de 1916 – ultrapassados e desconexos à realidade vigente – além de se consolidar na nova codificação, normas de reorganização, de condensação e por que não dizer atualização, no sentido das diretrizes já consolidadas em leis esparsas, na doutrina e na jurisprudência pátrias.
Referência bibliográfica:
Nota:
Informações Sobre o Autor
Luciano Marinho de Barros e Souza Filho
Procurador Federal, pós-graduado em direito processo civil, professor da Faculdade de Direito de Recife (UFPE) e da Faculdade Escritor Osman Lins (FACOL).