o cheque pré-datado e a legislação penal

O cheque pré-datado, inobstante intensificação da utilização dos meios digitais de pagamento, ainda é forma recorrente de pagamento no Brasil.


O cheque pré-datado vem sendo utilizado o cheque pré-datado é utilizado com duas finalidades distintas,  a primeira a de postergar a data de pagamento, funcionando como instrumento de crédito em flagrante substituição a outros títulos. A segunda finalidade, consistiria em ser utilizado para constituir uma garantia de pagamento de obrigação.  


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

O presente artigo centra-se apenas na análise da emissão do cheque pré-datado no âmbito do Direito Penal Brasileiro. Neste contexto, se encontram posicionamentos bastante realistas a respeito do crime de estelionato e a emissão de cheques pré-datados.


A jurisprudência penal vem aceita juridicamente a existência do cheque pré-datado e reconhecendo o seu aspecto de acordo extracambiário.


Na tipologia do delito de estelionato por emissão de cheques a atual jurisprudência não vem considerando o cheque pré-datado, dado como garantia de dívida ou desnaturado em sua função de ordem de pagamento a vista, como crime de estelionato, nem mero delito. O fato do cheque ser pré-datado vem configurando causa excludente do crime de estelionato através de fraude no pagamento por meio de cheque.  Todavia, afastada a hipóteses de enquadramento no delito de estelionato por emissão de cheques há que se considerar o possível enquadramento em crime de estelionato comum.


Insta analisar ademais a conduta delituosa do beneficiário e a configuração do delito de extorsão indireta ao exigir ou receber cheques pré-datados em garantia.


spacerspacer


Sob a égide do art. 171 do Código Penal se permite a subsunção da ação na figura típica fundamental do delito de estelionato – stellionatus –  a conduta de obter,  para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento[1],


Na estrutura do delito de estelionato, tem-se a presença de quatro elementos essenciais:


a) o emprego da fraude[2]


b)  a provocação ou manutenção de erro;


c) a locupletação ilícita e, por fim,


d) a lesão ao patrimônio patrimonial de outrem.


O estelionato comum é  crime contra o patrimônio configurado se o agente agiu com dolo ab initio de lesar o sujeito passivo.  Destarte, e o sujeito ativo é impelido pela vontade livre e consciente de causar prejuízo patrimonial ao sujeito passivo induzindo ou mantendo alguém em erro, obter, mediante fraude, vantagem ilícita – o animus lucri faciendi.[3]


O estelionato é crime instantâneo, atingindo a consumação no momento e local em que o agente obteve vantagem ilícita em prejuízo alheio. [4]


Insta destacar outra figura delituosa de estelionato é o delito de fraude por meio de cheque, previsto no parágrafo segundo do art. 171:


Art. 171. §2° Nas mesmas penas incorre quem: (…)


VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.”


Na esteira da exegese, na tipologia do crime de estelionato por emissão de cheques podem ocorrer duas espécies de conduta típica:


1º) emitir cheque sem suficiente provisão de fundos[5] em poder de estabelecimento bancário sacado;


2º) frustar seu pagamento.


2. DO CRIME DE FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE


2.1  Do crime de fraude por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos


No que tange ao crime de fraude praticado pela emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos, o tipo enquadra emitir, mas não no sentido restrito da declaração cambial de saque, mas a emissão no sentido de sacar e ato contínuo, colocar o cheque em circulação. A conduta de mera assinatura (declaração cambial saque) e preenchimento não integra o tipo.[6]


A fraude se consubstancia em induzir a erro a vítima, fazendo-a supor que o cheque possui fundos disponíveis no banco sacado, e o resultado dúplice, caracterizado pelo proveito ilícito do agente e pelo prejuízo patrimonial da vítima. [7]


O crime de estelionato por emissão de cheques sem fundos se consuma no momento e local em que o agente obteve vantagem ilícita em prejuízo alheio, o que ocorre quando o sacado recusa o pagamento do cheque por insuficiência de fundos lesando, via de consequencia, o patrimônio do beneficiário do cheque, que se vê desfalcado em decorrência da fraude engendrada pelo emitente da cártula.


Nos termos da súmula 521 do STF[8], o foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade de emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.


“(…) dentro de nossa dogmática penal, amparada por maciço entendimento doutrinário-jurisprudencial, trata-se de um crime material, de dano, cujo bem jurídico imediatamente atingido é o patrimônio de alguém. Dessume-se, pois, desta classificação que o crime se consuma no momento e local em que o agente obteve vantagem ilícita em prejuízo alheio, o que ocorre quando o sacado recusa o pagamento do cheque por insuficiência de fundos (Súmula 521 STF), lesando o patrimônio do beneficiário do cheque, que se vê desfalcado em decorrência da fraude engendrada pelo emitente da cártula.” (CRUZ, 1992, p.2).


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

2.1. Do crime de estelionato por emissão de cheques pré-datados  devolvidos por insuficiência de fundos  (art. 171, par. 2º., VI do Código Penal)


Especificamente às hipóteses de emissão de cheque pré-datado, prepondera a presunção de que o sujeito que emite cheque pré-datado (pós-datado e demais variantes), ab initio, ou não dispõe de fundos suficientes em conta corrente naquele momento de emissão ou que não deseja pagar à vista.[9] A priori, em análise genérica do texto do art. 171. §2º.,  VI do CP, em tese, todo aquele que emitisse cheque pré-datado sem possuir, naquele exato momento de emissão, provisão suficientes de fundo estaria cometendo crime de estelionato. Todavia há que se ressaltar que não restam evidenciados, na mera conduta de emissão, os elementos subjetivos do tipo penal  do art. 171, §2º, VI que permita a  subsunção da ação na figura delituosa de esteliuonato:  fraude e o resultado.


Na tipologia do crime de estelionato por emissão de cheques sem provisão de fundos a fraude se consubstancia em induzir a erro a vítima, fazendo-a supor que o cheque possui fundos disponíveis no banco sacado, e o resultado dúplice, caracterizado pelo proveito ilícito do agente e pelo prejuízo patrimonial da vítima. [10]


Nestes termos, a mera emissão de cheque pré-datado, não confugura, per se, conduta delituosa cabível de enquadramento em crime de estelionato por emissão de cheques sem fundos (art. 171, §2º,VI). Ademais, o beneficiário que assim aceita tal forma de pagamento, em regra, é ciente do fato de, naquele momento de emissão não haver suficiência de fundos em poder do sacado.  [11]


No delito de estelionato por emissão de cheques por insuficiência de fundos a doutrina e jurisprudência não vem enquadrando na conduta delituosa de estelionato –  nem mero delito –  o cheque devolvido sem fundos emitido se emitido pré-datado em garantia de dívida ou em função de ordem de pagamento a prazo, por considerá-lo desnaturado.


In casu, o mero fato do cheque ser emitido pré-datado (pós-datado ou em qualquer de suas formas) vem configurando, per se, causa excludente do crime de estelionato através de fraude no pagamento por meio de cheque (art. 171, §2ºVI) em primeiro lugar, no aspecto formal de não configurar o instituto cheque – em função da desnaturação do título e, em segundo lugar, por inexistência de dolo, face ciência o beneficiário da inexistência de fundos[12]. Ademais, mister se faz destacar o teor da Súmula 246 do Supremo Tribunal Federal:


“Comprovado não ter havido fraude, não se configura crime de emissão de cheques sem fundos”.


Em continuidade de análise, mister se faz delinear posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito para dimensionar a extensão da problemática no âmbito do direito penal pátrio.   Neste sentido, Cernicchiaro prepondera:


“Sabe-se, o instituto, na espécie, é elemento normativo jurídico do tipo. Razões anteriores evidenciam não projetar o modelo jurídico reclamado. Em segundo lugar, o tipo, ao exigir com elemento constitutivo a fraude, (….) inexiste a malícia, porque o beneficiário tem ciência da inexistência de provisão de fundos em poder do sacado, na data da emissão, não é iludido, falta a má-fé como dado integrante da definição legal do delito. Em termos breves: não há o elemento subjetivo,ou seja, o dolo. (Cernicchiaro, TAMG. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 347.505-6 , 2002.)”[13]


Corroborando com o entendimento de o crime tipificado no artigo 171, § 2o, VI do Código Penal não se configura quando a suposta vítima tem conhecimento da inexistência de fundos do cheque emitido, transcreve-se posicionamento de Hungria e Fragoso, verbis:


“…se o agente emite o cheque apenas para fornecer um documento de dívida, cientificando o tomador da inexistência (ou insuficiência) de provisão, não será subjetivamente reconhecível o crime (HUNGRIA e FRAGOSO, 1980, 246.”[14].


No sentido de não haver caracterização de fraude, posiciona-se Pedro Sampaio:


“As diversas espécies de fraudes cometidas pelos usuários de cheque estão sempre submetidas à intenção do agente em lesar o patrimônio do beneficiário, daí por que, quando este tem ciência própria de que não está recebendo uma ordem de pagamento para ser cumprida à vista, e sim título com nomen juris de cheque, mas sem a função que exerce esta cambial, e com esta situação anui, deixa de haver o elemento básico do estelionato – o ludíbrio, que caracteriza a fraude”(SAMPAIO, 1988, p. 287) [15]


Na mesma esteira de entendimento, posiciona-se a jurisprudência:


“ESTELIONATO – EMISSÃO DE CHEQUE PRÉ-DATADO – Perda da característica de pagamento à vista – Ausência de provisão de fundos que não configura o delito.


Ementa Oficial: Se o cheque foi emitido em pagamento de dívida e condicionalmente, contendo inserção – à qual anuiu o tomador – no sentido de que a apresentação perante o banco sacado deveria ser feita em determinada data, posterior à emissão, sucumbe-lhe a característica de ordem de pagamento à vista, não mais podendo induzir à configuração do delito de estelionato” (ReCrim. Ex Officio 96.837-8 – 1ª Câmara j. 21.11.96; Rel. Juiz Luiz Cezar de Oliveira apud RT 739/689).”


“ESTELIONATO. CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. PÓS-DATAÇÃO. Garantia de dívida. Conforme a torrencial jurisprudência dos Tribunais, a consensual emissão de cheque com data posterior, de uso corrente nas operações comerciais a curto prazo, não configura crime de emissão de cheques sem fundos (súmula 246 – STF). (Supremo Tribunal de Justiça; Acórdão: RHC 733/BA (90/0007006-6); DJ Data: 10/09/1990 Pg.: 09132; Relator: Min. José Dantas; Órgão Julgador: T5 – Quinta Turma).”


“Não há crime quando o cheque é emitido para garantia de pagamento futuro, visto não funcionar como cheque, mas como títulos de efeitos identicos à nota promissória. Nesse sentido: RTJ 82/716, 108/178, 101/124, 91/15; RT 487/339; 510/435, 553/420, 567/380 e 592/395; RF 269/360 e 257/273; JTACrimSP 35/51, 37/180, 40/216, 66/287, 68/279 e 70/399. No sentido de que nem se aplica o caput do 171: RT 580/460.  [16]


No contexto das análises até então engendradas, ainda cumpre destacar[17]:


a) não configura crime o cheque emitido sem data ou pós-datado : RT 510/435, 580/460 e 584/412; JTACrimSP 62/61; RTJ 101/123; 108/180; 110/79. É também a orientação do STJ : RHC 613, 6ª Turma, DJU, 6 ago. 1990, p. 7350; RHC 733, 5ª Turma, DJU, 10 set. 1990, p. 9132.  Nem subsiste estelionato simples : RTJ 110/79, JTACrimSP 84/243;


b) não há crime se o cheque for apresentado antes da data da emissão (pós-datado): RT 521/487;


c) ausência de crime quando o cheque emitido em substituição a outro pré-datado e não pago: TACrim SP, Acrim 551.841, RT 648/302;


Iinsta reiterar ademais a análise da tipologia da conduta de estelionato por insuficiência de fundos e o elemento probatório sob o aspecto das variantes de emissão cheque pré-datado.


Em algumas formas de emissão de cheque pré-datado literal, o fato do cheque ter sido emitido em garantia de dívida ou como instrumento de crédito se revela por força de aparente literalidade pela inserção de cláusula expressa “bom para” e/ou destinação no verso. Tal conduta ademais se revela aparente na hipótese de cheque pós-datado apresentado antes da data mencionada como data de emissão.


A contrario sensu, nos casos de cheque pós-datado apresentado na data constante do título e no cheque pré-datado verbal inexistem particularidades literais e aparentes que comprovem ser o título cheque pré-datado. Destarte, no cheque pós-datado apresentado na data fixada como data de emissão, pela literalidade do título, per se, não se encontrariam elementos comprobatórios visíveis de ter sido o cheque emitido anteriormente a data evidenciada no mesmo. Desta forma, o cheque poderia ser considerado emitido na data expressa no título, via de consequencia, ordem de pagamento a vista, que, se descumprida, ensejaria enquadramento em crime de emissão de cheques por insuficiência de fundos (art. 171, par. 2º., VI do CP).


A mesma ausência de literalidade que identifique ter sido o cheque emitido em garantia se infere na hipótese de pré-datado verbal, i.e., nos cheques com vinculação extra-cartular verbal e cheque sem data  cuja aparência do título também nada revela, podendo ser considerado ordem de pagamento a vista e passível de configuração de conduta em crime de emissão de cheques por insuficiência de fundos (art. 171, par. 2º., VI do CP).[18] Destarte, é necessário provar que trata-se de cheque pré-datado emitido em garantia de dívida, não bastando somente a alegação de tal variante de emissão.  Probare opportet, non sufficit dicere..


Inobstante ser pacífico o não enquadramento do cheque pré-datado devolvido por insuficiência de fundos na tipologia do delito de estelionato pela emissão de cheques descrito no art. 171,VI há que se declinar que o cheque pré-datado constitui fundamental instrumento no desenvolvimento econômico do país, configurando poderoso instrumento de crédito.  


Destarte, a construção jurisprudencial perfilada na estreiteza de teses privatistas que desnaturam o cheque pré-datado (independentemente das formas de emissão) e via de consequencia, genericamente descaracterizam o delito de estelionato desconsideram a função do cheque pré-datado como título de crédito a prazo é consagrada pelos costumes. Todavia, deveria se atentar, aos enormes prejuízos, de ordem pública, causados pela fraude através de cheques pré-datados devolvidos sem fundos. [19]


Na esteira de tal entendimento, no enquadramento de delito haveria que se diferenciar, por oportuno, as hipóteses de cheque pré-datado devolvidos por insuficiência de fundos por descumprimento do pacto de protelação destituídas de animus de obter vantagem ilícita das hipóteses de cheque pré-datado devolvidos por insuficiência de fundos nas quais o emitente pretende vantagem ilícita em prejuízo do beneficiário daquela ordem de pagamento.


Sob tal prisma, se a falta de pagamento da cártula adveio de apresentação prematura do cheque pré-datado e não resultou vantagem ilícita do seu emitente em prejuízo do tomador, reputa-se não ser juridicamente correta a condenação do emitente por crime de estelionato por emissão de cheques pré-datados  devolvidos por insuficiência de fundos sob a égide do art. 171, par. 2º., VI do Código Penal. A contrario sensu,  nas hipóteses de emissão de cheque pré-datado emitidos com dolo ab initio de lesar o beneficiário deveria haver enquadramento no delito de estelionato de fraude no pagamento de cheques sob a égide do art. 171, par. 2º.,VI, estaria configurada a fraude – pois o emitente estaria induzindo a erro a vítima, fazendo-a supor que o cheque possuiria fundos disponíveis no banco sacado na data avençada -, a locupletação ilícita e a lesão ao patrimônio do beneficiário, caracterizado pelo proveito ilícito do agente e pelo prejuízo patrimonial da vítima. [20]


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Todavia, na inadmissibilidade de tal entendimento face consagrado posicionamento jurisprudencial e doutrinário anteriormente analisados,  afastadas a hipóteses de enquadramento no delito de estelionato por emissão de cheques (art. 171, par. 2º., VI) há que se considerar o possível enquadramento em crime de estelionato comum.


2.2. Do crime de estelionato fundamental e a fraude no pagamento de cheques (art. 171, caput do Código Penal)


 Nas hipóteses de emissão de cheque pré-datado emitidos  com dolo ab initio de lesar o beneficiário,  configurar-se-á o delito descrito no caput do artigo 171 do Código Penal Brasileiro.


Depreende-se do exposto que a fraude se constatará na conduta do emitente, de induzir a vítima a erro, fazendo-a supor que o cheque possuirá fundos disponíveis no banco sacado na data avençada -, a locupletação ilícita e a lesão ao patrimônio do beneficiário, caracterizado pelo proveito ilícito do agente e pelo prejuízo patrimonial da vítima. Destarte, se o emitente, ao proceder à emissão e colocar em circulação o cheque pré-datado, já o faz sabendo que não tem e nem terá provisão de fundos para quitar o cheque comete crime se permite a subsunção da ação na figura típica fundamental do delito de estelionato. [21]


“Destarte, não basta a emissão (ato de colocar a cártula em circulação) de um cheque (conceituando como ordem de pagamento à vista, com as características que lhe dá o art. 1º. da Lei 7.357/85) que, ao ser apresentado ao sacado, tem o seu pagamento recusado por este em virtude da não provisão de fundos. Impõe-se, além destes dados de natureza objetiva, perquirir e comprovar se, ao emitir a cártula, sabia o emitente que ela não possuía o necessário lastro financeiro no banco sacado e que, com tal agir, estava auferindo vantagem ilícita em prejuízo do beneficiário daquela ordem de pagamento.” (CRUZ, 1992 p.1).


Insta destacar ainda neste sentido:


“Se o cheque foi desnaturado, com a emissão para mera garantia de dívida, inexiste fraude, afastando-se, por conseguinte, a figura delitiva em análise. O cheque pós-datado é exemplo típico do desvirtuamento do cheque como ordem de pagamento à vista e, embora não se amolde no tipo legal em análise, pode a conduta, dependendo do caso concreto, configurar o estelionato comum, se o agente agiu com dolo ab initio de lesar o sujeito passivo” (PRADO, 2000, p. 526).[22]


E, diverso não é o entendimento jurisprudencial:


“CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO – ESTELIONATO – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO – RECURSO NÃO-PROVIDO.  Se o agente agiu com dolo ab initio de lesar os sujeitos passivos, a emissão de cheque, mesmo que pré-datado, configura o delito descrito no caput do artigo 171 do Código Penal Brasileiro. TAMG. Apelação Criminal Nº 347.505-6 – 2/4/2002 – Conselheiro Lafaiete”


“ESTELIONATO. ART. 171, “CAPUT”, DO CP. EMISSÃO DE CHEQUE “PRÉ-DATADO”, CONTRA CONTA BANCÁRIA ENCERRADA. CONFIGURAÇÃO: – Embora o cheque dado em garantia de dívida, comumente denominado de “pré-datado”, perca sua característica de ordem de pagamento à vista, impossibilitando a configuração da conduta típica descrita no inc. vi do § 2º do art. 171 do CP, quando emitido contra conta bancária encerrada permite a subsunção da ação na figura típica fundamental do delito de estelionato. TACrim SP. Processo : 1120259 / 2. Data : 12/11/1998.”  


“ESTELIONATO – Emissão de cheques sem provisão de fundos – Irrelevância do fato de tratar-se de título pré ou pós datado – Inteligência: art. 171, caput do Código Penal 216 – Não se aplica a todas as hipóteses de emissão de cheques sem fundos, o entendimento de que a sua descaracterização ou transformação, de ordem de pagamento à vista, para simples promessa, não conduz à tipicidade do estelionato. A proteção penal do cheque autêntico está no tipo do art. 171, § 2º, VI, do CP. O cheque pode ser instrumento hábil à consumação de outros estelionatos, desde que o sujeito ativo seja impelido pela vontade livre e consciente de, induzindo ou mantendo alguém em erro, obter, mediante fraude, vantagem ilícita, causando prejuízo patrimonial ao sujeito passivo. É o estelionato no seu tipo fundamental. E crime contra o patrimônio” (TACRIM – SP – Revisão nº 168.762/1 – j. 12/5/1988 – 4º Grupo de Câmaras – Rel. Juiz Fábio de Araújo, RJDTACRIM 1/223)”.


Entende-se ainda que é  possível que o endossante venha a responder por estelionato em seu tipo fundamental, v.g., se o sujeito recebe o cheque como garantia de dívida e o transfere a terceiro para pronto pagamento. Nesse sentido: JTACrimSP 79/411 e RT 491/380.


Imprescindível destacar ademais que o juizo competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade de emissão dolosa de cheque pré-datados devolvidos por insuficiência de fundos com fulcro na tipologia fundamental do estelionado (art. 171, caput) é o do local da emissão, e não do local da recusa pelo sacado (emissão dolosa de cheque comum sem provisão de fundos (ordem de pagamento a vista) sob a égide art. 171, VI) [23].  Neste sentido:


 “COMPETENCIA. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. CHEQUES PRE-DATADOS DEVOLVIDOS POR INSUFICIENCIA DE FUNDOS. CP, art. 171, “caput”. – Assentada jurisprudencia deste STJ no sentido de que “desvirtuado o cheque de sua natureza de ordem a vista, o juizo competente para a ação e do local da emissão, e não do local da recusa pelo sacado”. (CC 147/sp).23/04/1997 (Acórdão STJ. CC 16403 / SP ; CONFLITO DE COMPETENCIA. 1996/0009286-9. RT VOL.:00744 PG:00543. Relator Min. William Patterson (0183).”


2.3 Da tipificação de estelionato por sustação de cheques pré-datados


Na segunda tipologia do delito de estelionato enquadrável no crime de fraude no pagamento por meio de cheque se enquadra a conduta de frustar o pagamento do cheque nos termos do art. 171, par. 2o., VI do Código Penal..


 Nos termos de análise precedente, a sustação do pagamento do cheque poderá ocorrer em duas hipóteses: i) revogação ou contra-ordem (art. 35 da LC) e ii) oposição (art. 36 LC).  


Nas hipóteses de por revogação ou contra-ordem, com fulcro no art. 35 da LC, o emitente do cheque pagável no Brasil pode interpor sustação mediante envio de aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, declinando as razões motivadoras do ato. A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 da LC.


Na sustação por oposição ao pagamento o emitente ou o portador legitimado no curso do prazo de apresentação podem fazer sustar o pagamento[24], manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.[25]


“A Lei não proíbe contra-ordem, nem a considera nula ou ineficaz, Limita-se a punir o emitente, que a der sem motivo.” (BORGES, 1983, p. 187)


Assente-se que, nos casos de infundada revogabilidade ou oposição a pagamento, enquadrar-se-á o emitente no crime de estelionato por sustação de cheques pré-datados previsto no art. 171, par. 2o., VI do Código Penal.


A fraude se constatará na conduta do emitente, de induzir a vítima a erro, fazendo-a supor que o cheque será pago pelo banco sacado, e o resultado dúplice, caracterizado pela locupletação ilícita e a lesão ao patrimônio do beneficiário. Destarte, se o emitente, ao proceder à emissão e colocar em circulação o cheque, e, ato contínuo, procede a revogação ou oposição sem relevante razão de direito comete crime permitindo a subsunção da ação na figura típica fundamental do delito de estelionato


No que tange ao enquadramento de revogabilidade ou oposição de cheque pré-datado, a jurisprudência tem manifestado a mesma linha de entendimento demonstrada anteriormente, entendendo não ser admissível configuração de estelionato por frustação de cheque pré-datado em função do título estar desnaturado. Pela descaracterização estelionato em qualquer de suas modalidades:


“ESTELIONATO – CHEQUES EMITIDOS PARA APRESENTAÇÃO FUTURA – FRUSTRAÇÃO DO PAGAMENTO MEDIANTE CONTRA-ORDEM – CONDENAÇÃO, EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, PELA FORMA FUNDAMENTAL DO DELITO DE ESTELIONATO – IMPOSSIBILIDADE – GARANTIA DE DÍVIDA – FATO ATÍPICO – ABSOLVIÇÃO. A frustração do pagamento do valor inserido no cheque, mediante bloqueio em conta, retirada do saldo ou contra-ordem de pagamento, não configura o crime tipificado no caput do artigo 171 do CP, mas sim aquele previsto no inciso VI do parágrafo 2º daquele dispositivo. O cheque é título que deve ser emitido sempre para pagamento à vista; quando é dado como garantia de dívida ou para desconto futuro, não funciona mais como cheque, mas como título de efeitos idênticos à nota promissória ou duplicata, tendo o valor de promessa de pagamento, que pode ser executada no juízo cível para satisfação do crédito. Cheque assim emitido e com pagamento frustado não caracteriza estelionato em qualquer de suas modalidades. Decisão: Por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver o apelante, com fundamento no art. 386, III do CP. Custas na forma da lei.” (Tribunal de Justiça de Santa Catarina; Acr. n° 9816704-3 – 2º CCr.:  Rel. Des. Nílton M. Machado – DJSC 05.04.99 – pág. 14).”


“ESTELIONATO. SUSTAÇÃO INDEVIDA DO PAGAMENTO DE CHEQUE EMITIDO COM VENCIMENTO FUTURO. CARACTERIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA: – A sustação indevida do pagamento de cheque, por si só, não induz a prática de estelionato, principalmente quando existe prova de que a cártula foi emitida como título representativo de dívida civil com vencimento futuro, ou seja, pré-datado, pois, desta forma, perde sua característica de ordem de pagamento à vista, para se constituir em mera garantia de uma obrigação civil, ademais, a punição do agente por tal conduta, restrita ao inadimplemento, implicaria em afronta ao princípio constitucional previsto no art. 5º, LXVII, que veda a prisão por dívida, salvo as exceções que prevê. (JTACrimSP- Processo : 1093321 / 9 Data : 03/09/1998)”


Afastadas a hipótese de tipificação de estelionato por sustação de cheques pré-datados por emissão de cheques (art. 171,VI) há que se considerar o possível enquadramento em crime de estelionato comum. Neste interim, há que se enquadrar a frustração dolosa do pagamento do valor inserido no cheque mediante contra-ordem ou opsição ao pagamento configurando o estelionato comum tipificado no caput do artigo 171 do CP. [26]


3. DO CRIME DE EXTORSÃO INDIRETA


A conduta de credor que exige como garantia de dívida a entrega de cheque pré-datado merece análise sob a égide do crime de extorsão indireta. Normatiza o art. 160 do Código Penal in verbis:


Art. 160. Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra vítima ou contra terceiro.


Pena – reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos, e multa.”


Consoante normativa do art. 171, VI do Código Penal o cheque configura documento que poderá ensejar procedimento criminal de estelionato no caso de devolução por insuficiência de fundos e assim, exigir – ou mesmo receber por iniciativa do emitente – cheque (comum ou pré-datado) como condição de entrega de prestação em dinheiro ou qualquer valor, enseja, a priori, enquadramento no tipo do art. 160 do Cód. Penal. [27]


“Nestes casos, não raro se associa à imprevidência do emitente do cheque pré-datado, a má fé do credor em aceitá-lo ou até em exigi-lo, para, posteriormente, na data combinada, havendo recusa de pagamento pelo banco-sacado promover ação penal contra o emitente por – suposta – incursão no art.171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, evidentemente com o propósito de intimidar o emitente a pagar seu débito.” (LIMBORÇO, 1982, p.11).


A conduta de exigir ou receber cheque pré-datado, como garantia de dívida, com a intenção de dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro (art.160 do Código Penal) é comumente praticada por agentes que, abusando da situação desesperadora do sujeito que necessita de empréstimo, impõe, como garantia, a emissão de cheques de valor excessivo – por vezes superior ao valor da própria dívida – no intuito de coercitividade ao pagamento da dívida[28]. Indubitavelmente, tal exigência, não raramente está atrelada a negócios escusos, verbi gratia, a agiotagem em flagrante coação moral e econômica. [29] Prepondera Damásio E. Jesus (1998, p. 539):


“exige-se que o sujeito abuse da situação financeira da vítima. É requisito a existência de uma situação angustiosa do ofendido, que o faz, premido pela necessidade, entregar como garantia de dívida, ao sujeito ativo, o documento ilícito. ” [30]


Nos termos de análise precedente, instituído o procedimento penal e comprovado não ter havido fraude por parte do emitente, não se configura crime  de estelionato a emissão de cheques sem fundos (art. 171, §2ºVI) cheque pré-datado como garantia de dívida ou instrumento de crédito, consoante pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário. Inobstante consabida postura jurisprudencial neste sentido, inexiste impedimento de se intentar o procedimento para averiguação da tipologia criminal, principalmente atentando-se ao aspecto que, nas hipóteses de emissão de cheque pré-datado emitidos com dolo ab initio de lesar o beneficiário,  configurar-se-á a fraude e consequentemente, o delito fundamental de estelionato descrito no caput do artigo 171 do Código Penal Brasileiro.


Os próprios ritos processuais a que será submetido o emitente, configura, per se, situação constrangedora, onerosa e vexatória. No curso procedimental de delito de estelionato, para que seja comprovada a inexistência de fraude, deverá se acostado aos autos conjunto probatório de evidente emissão de cheque em garantia de dívida.


“A lei se contenta, in abstrato do procedimento penal, sem indagar se, in concreto, a prova da extorsão eximirá de crime o devedor” (HUNGRIA, 1989, p. 81)[31]


A questão da relevância do conjunto probatório em sede de crime por extorsão indireta se coaduna em dois aspectos: i) a prova de ter sido emitido o cheque em garantia de dívida e, ii) a prova de ter sido exigido pelo devedor como documento que pode dar causa a procedimento criminal contra vítima ou contra terceiro.


Nas hipóteses de emissão de cheque pré-datado em garantia geralmente é exigida emissão exatamente nas formas nas quais não se faça constar na cártula nenhuma referência de configurar cheque pré-datado.Preliminarmente, insta reiterar a análise precedente da tipologia da conduta de estelionato e o elemento probatório sob o aspecto das variantes de emissão cheque pré-datado.


Em algumas formas de emissão de cheque pré-datado literal, o fato do cheque ter sido emitido em garantia de dívida se revela por força de aparente literalidade pela inserção de cláusula expressa “bom para” e/ou destinação no verso. Tal conduta ademais se revela aparente na hipótese de cheque pós-datado apresentado antes da data mencionada como data de emissão.


A questão assume seu ápice se referenciada aos casos de cheque pós-datado apresentado na data constante do título e no cheque pré-datado verbal, visto que as particularidades literais e aparentes que angularizam a questão não se fazem presentes. Destarte, no cheque pós-datado apresentado na data fixada como data de emissão inexistem elementos comprobatórios visíveis de ter sido o cheque emitido anteriormente a data evidenciada no mesmo. Via de consequencia, o cheque poderia ser considerado emitido na data expressa no título, ser considerado ordem de pagamento a vista, que, se descumprida, ensejaria enquadramento em crime de emissão de cheques por insuficiência de fundos (art. 171, par. 2º., VI do CP).


A mesma ausência de literalidade que identifique ter sido o cheque emitido em garantia se infere na hipótese de pré-datado verbal, i.e., nos cheques com vinculação extra-cartular verbal e cheque sem data  cuja aparência do título também nada revela, podendo ser considerado ordem de pagamento a vista e passível de configuração de conduta em crime de emissão de cheques por insuficiência de fundos (art. 171, par. 2º., VI do CP).[32] Destarte, é necessário provar que trata-se de cheque pré-datado emitido em garantia de dívida, não bastando somente a alegação de tal variante de emissão.  Na esteira da exegese, se comprovada a extorsão indireta, nenhum crime pode ser imputado ao devedor, ainda mesmo que, circulável o título, tenha sido transferido a terceiro boa fé.[33]


“Tal fato – recebimento pelo credor de cheque pré-datado, mas que, à falta de prova dessa circunstância, poderá sujeitar o devedor a processo por estelionato – é tão contrariamente prejudicial à ordem natural dos negócios e conseqüentemente à ordem jurídica, que o legislador o inscreveu no Código Penal como crime contra o patrimônio, precisamente como EXTORSÃO INDIRETA, objeto do art. 160, desde que obviamente haja dolo por parte do credor.” (LIMBORÇO, 1982, p.11).


 No que tange ao enquadramento do beneficiário em crime de extorsão indireta, há que se comprovar o dolo de aproveitamento. A tipologia se enquadra na conduta delituosa do sujeito ativo  impelido pela vontade livre e consciente a exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra vítima ou contra terceiro.


Ex positis, o mero recebimento de cheque pré-datado como garantia de dívida, não configura crime de extorsão indireta se não estiverem presentes os elementos previstos no art. 160 do Código Penal.[34]  Todavia, o mero fato de ser o cheque pré-datado, per se, não constitui motivos para descaracterização do crime de extorsão indireta.  [35]


Sob tal prisma, é imprescindível diferenciar, por oportuno, a conduta do sujeito de exigir emissão de cheque pré-datado com  animus de dar causa a procedimento criminal de crime por estelionato por emissão de cheques pré-datados  devolvidos por insuficiência de fundos  (art. 171, par. 2º., VI do Código Penal).


 


Notas:

[1] A pena é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

[2] SAMPAIO, op. cit.,  p. 287: “(…) o elemento básico do estelionato é o ludíbrio, que caracteriza a fraude”.

[3] V.TACRIM/SP – Revisão nº 168.762/1 – j. 12/5/1988 – 4º Grupo de Câmaras – Rel. Juiz Fábio de Araújo, RJDTACRIM 1/223 .

[4] V. RT, 548/337, 712/428 e 728/538; JTACrimSP, 77/300. V. JESUS, Damásio E. Fraude para obtenção parcelada de benefício previdenciário e prescrição. Associação goiana do ministério público. Disponível em: <http://www.agmp.org.br/artigos/Fraudeparaobtencao.asp>. Acesso em abr/03: “Não se confundem a consumação formal e a consumação material. Dá-se a primeira quando, no fato concreto, reúnem-se todos os elementos típicos do crime (CP, art. 14, I). É o delito realizado, perfeito. Apresenta-se a segunda quando, já consumado o crime, ainda produz efeitos, o que as doutrinas espanhola e alemã denominam “esgotamento”, e que chamamos de “exaurimento”; tendo o iter se completado, o fato ainda produz resultados jurídicos pretendidos pelo autor. (…) O crime aperfeiçoa-se, encerrando o iter, com essa duplicidade de resultados, de modo que “os fatos sucessivos não têm relevância jurídica” (RT, 525/472). Cuidando-se de vantagem parcelada, há um só delito, ocorrendo o momento consumativo com a obtenção da primeira parcela. Nesse sentido: TRF 2ª Região, Apel. Crim nº 9.172, DJU de 13.9.1994, p. 50413, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 8/227, JTACrimSP, 88/411. O recebimento de parcelas posteriores integra a fase de exaurimento de um crime instantâneo, nada tendo de permanente. Nesse sentido: Delmanto, Código Penal Comentado, 5ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2000, nota ao art. 171. Considerado o fato questionado crime instantâneo e não permanente, incide o art. 111, I, do CP, começando o prazo da prescrição da pretensão punitiva na data do recebimento da primeira parcela indevida.”

[5] Dispõe o artigo 65 da Lei 7.357/85 que os efeitos penais da emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos continuam a ser regidos pela legislação criminal.

[6] V. JESUS, Damásio E. Código penal anotado. São Paulo: Saraiva, 1989.

[7]CRUZ, Rogério Schietti Machado. Anotações sobre o crime de fraude no pagamento por meio de cheque. In: Simpósio intitulado “Reforma da Legislação Penal”, maio de 1992, São Paulo.  http: www.geocities.com/CapitolHill/Lobby/1647/fraude.htm, 1992, p.6.   (Internet).

[8] SÚMULA STJ  nº 244: “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos”.

[9] VIDIGAL, Edson, op. cit., p. 8:  “A lei penal pune o estelionato; pré-datar é confessar que não dispõe de dinheiro na conta naquele momento ou que não deseja pagar à vista; pré-datar é comprometer-se a pagar somente na data combinada; é um contrato e contrato é lei entre as partes. A jurisprudência legitimando o cheque pré-datado é imensa e vem se ampliando em função de novas hipóteses que são elevadas aos Tribunais. O Supremo Tribunal Federal, pouca gente sabe, já tem até a Súmula, a 246. Aqui no Superior Tribunal de Justiça não aceitamos imputação de estelionato em questões sobre cheque pré-datado emitidos com as cautelas a que já me referi.”

[10]CRUZ, Rogério, op. cit., p. 6.

[11] “Assim, o dolo específico que é o animus lucri faciendi não restaria configurado, de modo que, diante da ausência do elemento subjetivo do tipo, se poderia concluir, in thesi, pela atipicidade da conduta. “TAMG. Apelação Criminal nº 347.505-6 – 2/4/2002.  

[12] (…) “quem aceita títulos como esse, ciente da precariedade do mesmo, não pode dizer-se ludibriado”. O acórdão conclui que “a pretensa vítima não foi induzida em erro, porque desaparecidos o ardil e o engodo, ciente o tomador de que o título estava desvirtuado de suas funções”. O comerciante, teoricamente, tem o direito de tentar cobrar seu crédito na via judicial cível. (TJRS – Proc. nº 70001997618)”.

[13] CERNICCHIARO, Luiz Vicente . Cheque pré-datado no Brasil.  Revista Consulex, Ano III, n.25, p.50-56, jan. 1999.

[14] HUNGRIA, Nélson e FRAGOSO,  Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:  Forense, 4ª ed., 1980, p. 246.

[15] SAMPAIO, Pedro. A Lei dos Cheques, comentários e fórmulas. Rio de Janeiro:  Forense, 1ª ed., 1988, p. 287.

[16] Cf. JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 8a. ed. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 581.

[17] Ibid., p. 581-583.

[18] O cheque pré-datado verbal pode ser emitido exatamente como estratégica de burlar o não enquadramento em crime de estelionato consubstanciado na jurisprudência e Súmula 246, visto que difícil seria para o emitente comprovar ter sido emitido nestas circunstâncias e assim teria tratamento de cheque comum ensejando estelionato.

[19] V. REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 629, p.10.

[20] “Em uma considerável parcela dos casos, resulta evidente, ao cabo da instrução criminal, que a cártula não foi dada ao beneficiário como uma ordem de pagamento à vista, mas sim que a sua emissão teve o fito de garantir uma dívida assumida, prometer o adimplemento, em data pré-fixada, de um contrato de compra e venda, substituir um outro título representativo de um débito etc. De ver-se que o resultado da comprovação de uma destas situações – e de outras que enriquecem a casuística forense – leva o processo, salvo raras exceções, a um resultado desfavorável à acusação, eis que, pela sistemática penal vigente, reputa-se não ser juridicamente acertada a condenação do emitente do cheque sem provisão de fundos se este não emitido como ordem de pagamento à vista, ou se da falta de pagamento da cártula não resultou vantagem ilícita do seu emitente em prejuízo do tomador.” (CRUZ, 1992 , p.1)

[21] Tendo em vista a conduta ao tempo da emissão dos títulos, verifica-se que preponderou o sujeito ativo o animus lucri faciendi  restando  a trama que exige o tipo legal do stellionatus. V.TAMG. Apelação Criminal Nº 347.505-6 – 2/4/2002.

[22] PRADO, Luiz Regis do Prado. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 2. São Paulo:  Revista dos Tribunais, 2000, p. 526.

[23] Nas hipóteses de emissão dolosa de cheque comum sem provisão de fundos (ordem de poagamento a vista) o foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato sob a égide do art. 171, VI, é do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado, nos termos da sumula 521 do STF. 

[24] O cheque devolvido pelo motivo 11 (insuficiência de fundos na primeira apresentação) pode ser sustado antes da segunda apresentação. 

[25]  Art. 36, § 1º A oposição do emitente e a revogação ou contra-ordem se excluem reciprocamente. § 2º Não cabe ao sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.”

[26] “RHC. PROCESSO PENAL. EMISSÃO DE CHEQUE PRÉ DATADO COMO TÍTULO DE CRÉDITO PARA FUTURO PAGAMENTO. Descaracterização da figura definida no art. 171, par. 2, inc. VI do CP. Se, porém, o emitente faz sustar o pagamento, revelou inquivoco dolo, inescondivel, intenção de frustrar o pagamento, desde o início. tem-se crime em tese, que deve ser examinado em seus elementos integrativos na ação penal a que responde o agente. Descritores: Recurso Ordinário. Habeas Corpus. Cheque Pré Datado. Emissão. Sustação. Impossibilidade. Obrigação. Estelionato. Descaracterização. Pagamento. Promessa. Lesão. Desprovimento. Ref. Leg.: Nº Proc:5398 Uf: PB Órgão Origem: STJ Relator: Ministro Adhemar Maciel”.

[27] “CHEQUE SEM FUNDOS – Requerimento de abertura de inquérito contra o emitente – Extorsão indireta – Delito sequer em tese caracterizado – Inexistência do “dolo de aproveitamento” e, conseqüentemente, de justa causa para a ação penal que lhe é movida – Concessão de “habeas corpus” para o seu trancamento – Inteligência dos arts. 160 do CP e 648, I, do CPP. RT 538/322.”.

[28] V.  julgados estatuindo que o recebimento de cheque pré-datado, como garantia de dívida, configura o documento que pode ser causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro, a que se refere o art.160 do Código Penal: RT 511/402; 487/340; 462/332.

[29] V. RT 447/400.

[30] Nesse sentido: RF 259/262; RT 538/322; JTACrimSP 35/293 e 77/364.

[31] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro:  Ed. Revista Forense, vol. VII, 1989,  p. 81.

[32] O cheque pré-datado verbal pode ser emitido exatamente como estratégica de burlar o não enquadramento em crime de estelionato consubstanciado na jurisprudência e Súmula 246, visto que difícil seria para o emitente comprovar ter sido emitido nestas circunstâncias e assim teria tratamento de cheque comum ensejando estelionato.

[33] LIMBORÇO, cit, p. 11 assevera que imputar-se-á ao credor originário responsabilidade criminalmente, tanto pela extorsão indireta, quanto pela transferência do título, que sabia simulado (uso de documento falso ou estelionato.

[34] Em sentido contrário, encontram-se arestos no sentido de que subsiste a extorsão indireta ainda quando o cheque sem fundos é emitido como garantia de dívida, pós-datado ou assinado em branco: RT 542/372, RT 433/426; JTACrimSP 65/52 e 62/152 e RTJ 53/580.

[35] Insta destacar entendimentos jurisprudenciais que propagam pela descaracterização do crime de extorsão indireta nas hipóteses de cheque pré-datado, alegando que o cheque pré-datado exigido como garantia de dívida é documento que, por sua natureza, não se presta à instauração de procedimento criminal viável contra o devedor.  Neste sentido: “ EXTORSÃO INDIRETA – DESCARACTERIZAÇÃO – Cheque pré-datado exigido como garantia de dívida – documento que, por sua natureza, não se presta à instauração de procedimento criminal viável contra o devedor – Fato atípico – absolvição decretada – Inteligência do art. 160 do CP e aplicação do art. 386, III, do CPP – Declaração de voto. Ementa Oficial : Penal. Extorsão indireta. Para configuração do delito de extorsão indireta é necessário que o documento exigido ou recebido pelo credor se preste à instauração de procedimento criminal viável contra o devedor, o que não ocorre com o cheque pré-datado dado em garantia de dívida, porquanto a sua emissão, em tais condições, não constitui crime. Recurso conhecido em parte, pela letra “c” do permissivo constitucional, e nessa parte provido” (RT 657/351). “CHEQUE – Título pós-datado – Recebimento em garantia de mútuo – Insuficiência de fundos – Extorsão indireta – Delito sequer em tese caracterizado – Arquivamento do inquérito determinado – TJSP. Decisão mantida RT 547/283”. No sentido de que o cheque sem fundos emitido como garantia de dívida não constitui crime v. RT 536/310, 546/377, 547/283.” V.art. 386, inciso III, do Codigo Processo Penal o juiz absolvirá o réu se não constituir o fato infração penal. 


Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico