Resumo: Os avanços tecnológicos das últimas décadas obrigaram as Administrações a fazer face a cada vez mais complexos negócios. As demandas sociais por transparência e eficiência no manejo das verbas públicas exigem dos gestores precisão e celeridade. Tido como a principal inovação trazida pela Diretiva2004/18/CE, vem o Diálogo Concorrencial em resposta à ineficiência das soluções encontradas pelas legislações anteriores para os casos de contratos cujo objeto é particularmente complexo. Compreende o procedimento fases em que o contratante irá negociar com cada candidato o melhor meio para atender suas necessidades, tendo necessariamente como critério a oferta economicamente mais vantajosa. Uma vez que, em um de tais diálogos, chegue o Poder Público a uma solução satisfatória, irá então proceder ao estágio em que os participantes remanescentes apresentam suas propostas finais, baseadas na referida solução encontrada.[1]
Palavras-chave: Diálogo Concorrencial. Contratos Públicos. Contratos complexos
Abstract: The technological advances of recent decades have forced the public authorities to deal with increasingly complex business. The social demands for transparency and efficiency in the management of public funds require managers’ accuracy and celerity. Said to be the main innovation brought by Directive 2004/18/CE comes the Competitive Dialogue in response to the inefficiency of the solutions found by previous laws to the case of contracts whose object is particularly complex. The procedure comprises stages in which the contracting authority will negotiate with each candidate the best way to fit its needs, being the award made only on the most economically advantageous tender criteria. Since, in one of these dialogues, the authority arrives at a satisfactory solution will then proceed to the stage where the remaining participants present their final tenders, based on this solution.
Keywords: Competitive Dialogue. Public Procurement. Complex Contracts
Sumário: Introdução. 1. O Instituto e sua Base Normativa no Direito Comunitário. 1.1 Natureza Jurídica. 1.2 Hipóteses de utilização. 1.3 Procedimento. 2. A Adoção nos Países da União Européia. 3. Utilidade no Direito Brasileiro. 4. Compatibilização do Instituto com os Princípios do Direito Brasileiro. 5. Medidas Legislativas Necessárias e Considerações Finais
INTRODUÇÃO
Em 31 de março de 2004, a União Européia, com o objetivo de revisar, atualizar e harmonizar as normas relativas aos procedimentos de contratação pública constantes nas Diretivas 92/50/CE, 93/36/CE e 93/37/CE, unificou todo seu conjunto normativo, por meio da Diretiva 2004/18/CE (1), trazendo algumas novidades para os processos dos contratos públicos.
A introdução da Diretiva fez face ao desafio de implementar regras aplicáveis a todos os 27 Estados-Membros que permitam a otimização dos processos de adjudicações dos contratos públicos, buscando assim atender às necessidades das administrações nacionais, bem como de uma maior integração no âmbito do mercado europeu.
Um dos principais pontos de inovação encontrados na nova Diretiva, objeto do presente estudo, vem em resposta à inadequação, ou, mais precisamente, à ineficiência das soluções encontradas pelas legislações anteriores para os casos de contratos cujo objeto é particularmente complexo ou que a autoridade adjudicante não pode precisar previamente à publicação do edital a modalidade licitatória que se sucederá: o diálogo concorrencial (ou competitivo).
A fundamentação para a adoção de tal instituto desenvolvida pelo Conselho Europeu está calcada em valores como a liberdade de estabelecimento, de circulação de mercadorias e de prestação de serviços, todos muito caros a uma concepção de eficiência administrativa e livre iniciativa.
Proclama também estar lastreada em princípios resultantes da conjugação das liberdades acima mencionadas, como a igualdade de tratamento, reconhecimento mútuo, transparência e proporcionalidade. (2)
Pretende a nova legislação dar substrato normativo a uma maior flexibilidade à Administração Pública, de modo a tanto melhor adequar o procedimento escolhido à necessidade que se visa satisfazer com o objeto contratual quanto a obter maior grau de eficiência em suas contratações, como resultado do processo de diálogo, tendo também como efeito o incremento da competição entre os agentes econômicos.
O foco do presente trabalho reside no estudo do diálogo concorrencial nos contornos que ganhou nas diversas legislações nacionais européias e no texto comunitário, bem como a viabilidade de sua instituição, com as adequações que se fizerem necessárias, no âmbito do direito brasileiro.
1.O INSTITUTO E SUA BASE NORMATIVA NO DIREITO COMUNITÁRIO
O diálogo concorrencial está assim definido pela Diretiva 2004/18/CE:
“Diálogo concorrencial é o procedimento em que qualquer operador econômico pode solicitar participar e em que a entidade adjudicante conduz um diálogo com os candidatos admitidos nesse procedimento, tendo em vista desenvolver uma ou várias soluções aptas a responder às suas necessidades e com base na qual, ou nas quais, os candidatos selecionados serão convidados a apresentar uma proposta.” (3)
Como o próprio nome já diz, o instituto está baseado em duas premissas: um diálogo envolvendo os licitantes e a Administração e a competição a que aqueles serão submetidos no curso do procedimento, visando a obtenção de uma ou mais soluções satisfatórias ao Poder Público.
Quanto à nomenclatura legal, o nomen iuris, diante das formas “diálogo concorrencial” e “diálogo competitivo”, ainda que a par de o termo “concorrencial” pode sugerir uma indesejável confusão com a Concorrência enquanto modalidade licitatória prevista na Lei nº. 8.666/93, serão adotadas ambas as formas, por não haver distinção entre os termos que justifique rechaçar qualquer uma dos dois. No primeiro, utiliza-se o termo utilizado pelo direito luso; no segundo, encampa-se a denominação francesa.
1.1.NATUREZA JURÍDICA
Para o direito comunitário, o instituto tem a natureza de procedimento licitatório (4), ou seja, de modalidade de licitação. Trata-se de um procedimento especial, adequado aos casos específicos indicados pela lei, em contraste com os demais procedimentos, previstos na própria Diretiva e em cada ordenamento nacional, tidos como gerais.
1.2.HIPÓTESES DE UTILIZAÇÃO
O Art. 29º da Diretiva 2004/18/CE (5) prevê sua utilização para os casos de contratos complexos, segundo no Art. 1º. 11. c), in fine (6).
Será aplicável, basicamente, em dois tipos de situações. Primeiramente, quando a Administração não estiver em condições de definir sozinha os meios técnicos, as soluções técnicas das quais necessita para efetuar o edital – complexidade técnica. Por fim, quando não puder estabelecer por si mesma a moldagem jurídica ou financeira do contrato – complexidade jurídica ou financeira. Enfim, em ambas as hipóteses nota-se a necessidade que o Poder Público tem em recorrer ao setor privado para, com ele, obter soluções que lhe sejam satisfatórias.
Aqui cabem algumas observações. A Diretiva, em suas considerações iniciais, (7) afirma que a complexidade do projeto que impossibilita a definição do contrato não pode advir de falha, de carência da Administração. Impõe-se, assim, um dever de diligência do Poder Público (8), de modo que a complexidade deve ser intrínseca ao projeto em si, não proveniente de falta de preparo técnico ou pessoal do Poder Público.
Pelo respeito ao princípio da eficiência, não é possível encampar de maneira integral tal exigência, pois rejeitar a possibilidade de utilização de mecanismo que possa vir a suprir uma eventual deficiência da Administração pelo simples fato de que não está ela preparada para lidar com um contrato complexo significa rejeitar a viabilidade do contrato em si.
Contudo, não se pretende abonar uma conduta negligente, desidiosa da Administração, mas apenas relevar que, mesmo em casos nos quais o Poder Público poderia ou até deveria estar preparado para lidar com projetos complexos, mas na verdade não está (o que, infelizmente, não raras vezes ocorre), não se justifica abandonar a possibilidade de, ao permitir o diálogo com a iniciativa privada, chegar-se a conclusões satisfatórias.
Como exemplo de contratos cuja complexidade técnica salta aos olhos, tem-se os que envolvem a implementação de infraestrutura integrada de transporte multimodal ou largas redes de transmissão de dados, que podem ensejar casos nos quais o administrador não consegue objetivamente definir a solução técnica adequada. Outro elucidativo caso de complexidade técnica surge no momento em que a Administração deseja, por exemplo, ligar duas margens de um rio, sem, contudo, saber precisar se a melhor solução seria por meio de uma ponte ou um túnel, mesmo estando em condições de estabelecer as especificações técnicas tanto de uma ponte (se metálica ou de concreto protendido) ou de um túnel (construído abaixo ou no leito do rio), por exemplo (9).
Quanto à complexidade jurídico-financeira, existem duas possibilidades. A complexidade jurídica resulta da impossibilidade do administrador poder , por si próprio, definir a moldura jurídica do contrato a ser celebrado. Pode ela advir da complexidade técnica, como no caso em que o Poder Público , por não estar apto a precisar os meios técnicos mais apropriados para atender suas necessidades, não consegue, como consequência, definir aprioristicamente a moldagem jurídica do contrato.
Ainda no que se refere à complexidade jurídica, no âmbito da União Européia, o diálogo competitivo foi pensado para atender principalmente aos Contratos de PPPs (Public Private Partnership, as Parcerias Público-Privadas) e PFI (Private Finance Initiative, um projeto de PPPs desenvolvido pelo Governo britânico na década de 1990,posteriormente difundida para diversos países, como EUA, Canadá, França, Portugal, Austrália e Japão, entre outros) (10). Trata-se de casos nos quais o Poder Público não pode prever se o setor privado irá aceitar os encargos e riscos do contrato em questão nos moldes dos contratos públicos tidos como tradicionais ou se sua execução seria melhor recebida nos termos das referidas concessões.
A complexidade financeira, que guarda estreita relação com a complexidade jurídica, pode ser verificada mais facilmente em contratos que envolvem a possibilidade de financiamento total ou parcial pela Administração, como nas já citadas Parcerias Público-Privadas. Diante da habitual escassez de recursos em poder da entidade pública, abre-se a possibilidade de, através do diálogo, chegar-se a um denominador comum em matéria de remuneração do contrato ou seu financiamento. Tome-se, como exemplo, a concessão de gestão de um estádio de futebol ou de complexo poliesportivo, casos nos quais pode o Poder Público, ao revés de remunerar diretamente o particular, optar por ceder-lhe direitos de cunho pecuniário, como os de exploração econômica das instalações e imediações (11).
1.3PROCEDIMENTO
O procedimento em questão inicia-se com a definição, por parte da Administração, de suas necessidades e exigências. Até aqui em nada seria diferente dos demais não fosse pelo fato de que o Poder Público não pode, como já dito, precisar seus objetivos ab initio, devendo, assim, ater-se a mera definição das necessidades, o que por outro lado não significa total liberdade para as autoridades. Vedada está, igualmente, a utilização do diálogo competitivo para testar novas idéias do e no mercado (12).
A seguir, ainda em fase interna, deve o administrador proceder à verificação do valor máximo que lhe é facultado dispor para a realização do contrato. A diferença para os demais procedimentos reside nos efeitos da impossibilidade de prever o objeto ou sua remuneração, que, consequentemente, impossibilita o Poder Público a fazer uma tomada prévia de preços visando ao estabelecimento de uma média de preços, que é aqui substituída pela limitação do montante a gastar.
Em seguida, e agora passando à fase externa, ocorre a publicação de um anúncio por parte do Poder Público, no qual dará a conhecer aos particulares as suas necessidades e exigências. Essas podem vir contidas no próprio anúncio ou em documento descritivo (memória descritiva para os portugueses e programa funcional – programme fonctionnel – para os franceses) (13). O uso do termo descritivo tem um propósito, o de contrastar com a especificação requerida nos demais procedimentos. Aqui, pelos motivos já mencionados, não se exige precisão objetiva, mas mera descrição das exigências e necessidades sobre as quais os operadores econômicos irão se debruçar(14). Por último, é imperioso destacar que os aspectos elementais plasmados no anúncio ou documento descritivo não podem ser alterados durante o procedimento. (15)
O prazo para recebimento dos pedidos de participação é de 37 dias, contados a partir da data da publicação do anúncio (16). A Diretiva prevê a hipótese, nos casos de anúncios preparados e enviados por meio eletrônico, de redução do prazo em 7 dias, conforme seu Art. 38. 5 (17). Em situações de emergência, o diploma comunitário abre a possibilidade para, em procedimentos por negociação com publicação de anúncio (diversos do diálogo competitivo), serem aplicados prazos bem menores, não inferiores a 15 dias ou a 10 dias, nesse último caso se o anúncio foi enviado por meio eletrônico. (18) Abre-se o questionamento se não seriam tais exceções aplicáveis analogicamente ao diálogo competitivo.
O anúncio, ao identificar as necessidades e exigências da Administração, deverá também apresentar critérios para uma pré-qualificação, a ocorrer antes do convite para o diálogo (19).Em se tratando de contratos complexos, justifica-se plenamente a imposição de níveis técnicos (20) e financeiros (21) de qualificação dos agentes econômicos interessados.
É facultado ao Poder Público limitar o procedimento a um número máximo de participantes, impondo-se um número mínimo de 3 participantes, sempre tendo em vista a garantia de uma real concorrência (22).
Um último comentário a respeito do anúncio merece espaço: É necessário que venha expressa na memória descritiva a admissão ou proibição de variantes (23). Considerando a estrutura e o propósito do diálogo competitivo, em que se deseja chegar por meio do diálogo a uma ou mais soluções aptas a satisfazer as necessidades da Administração, não é possível admitir que as referidas variantes representem as demais soluções tidas como aptas, além da primeira. Essas fazem parte do próprio cerne do instituto, enquanto que as variantes aqui tratadas dizem respeito a alternativas em relação a uma solução tida como “padrão”, possibilidades que a autoridade adjudicante abre, ab initio, para a execução do contrato, como no exemplo da implementação de um sistema de transportes que alcance, inicialmente, determinada região, compreendendo, contudo, a possibilidade de expansão geográfica sob o regime do mesmo contrato(24).
Tendo ocorrido a análise das candidaturas, o administrador procede ao convite dos candidatos qualificados, respeitado o limite indicado no parágrafo anterior. Em não havendo número suficiente de candidatos para proceder ao diálogo, o próprio artigo 44.3 da Diretiva impõe que seja feito o convite para os candidatos que tenham as capacidades exigidas. Vedado está, portanto, o convite de agentes econômicos que não tenham respondido ao anúncio ou não tenham as capacidades exigidas, como forma de resguardar a transparência e garantir a
impessoalidade do procedimento. (25)
O convite será feito por escrito simultaneamente a todos os candidatos selecionados (26). Deverá conter o endereço e a data fixada para o início da fase de consulta, e a língua ou as línguas que serão utilizadas (27).
O diploma comunitário, consoante consta do Art. 29.4 (28), permite que o procedimento de diálogo se dê em fases sucessivas de maneira a reduzir o número de soluções a serem dialogadas. Pretende, com isso, seja mais eficiente o processo dialogal, descartando a cada etapa as soluções consideradas inadequadas, restando na fase seguinte somente as tidas como aptas. Tal faculdade deve ser explicitada já no anúncio do concurso. Para efetuar a referida redução, devem ser utilizados os próprios critérios de adjudicação, de acordo com o constante no Art. 53. a) da Diretiva, que serão posteriormente comentados.
A única questão mencionada pela norma comunitária quanto às reduções encontra-se no Art. 44.4 in fine (29), de modo que, na fase final, com o número de candidatos remanescentes seja possível haver uma real concorrência entre eles, com suficiente número de soluções ou candidatos. No caso de insuficiente número de candidatos, apenas um, por exemplo, fica a questão se a continuidade do diálogo estaria eivada de ilegalidade. Há duas posições a serem assumidas. Partindo de uma literal interpretação, não há duvida de que é necessário mais de um competidor para que haja concorrência, de modo que no caso, o prosseguimento dado ao diálogo estaria inquinado de vícios.
Nesse passo, fica também o questionamento se não deveria ser exigido suficiente número de candidatos e de soluções apresentadas, de modo a assegurar a referida concorrência.
Sob outro ângulo, em interpretação mais madura, de modo análogo ao que ocorre na fase dos convites, quando da existência de candidatos aptos em número inferior a 3 (exigido pela legislação), em que mesmo assim à entidade adjudicante é facultado prosseguir ao diálogo, conclui-se que também nas sucessivas reduções é possível levar o diálogo à fase final, mesmo havendo um candidato apto, desde que as decisões para tanto sejam fundamentadamente motivadas. (30) e (31)
Ora, se mesmo com a abertura ao diálogo, o mercado só apresenta uma ou poucas soluções aptas a satisfazer as necessidades da Administração, deve-se concluir que tais soluções são as únicas aptas e, portanto, não se deve renunciar ao procedimento sob o argumento de estar viciado. Tal fato (a obtenção pode ser considerada conseqüência natural do processo de filtragem levado a cabo no diálogo, e permitido não só pela legislação como também pela própria lógica a que se propõe com o instituto.
Quanto aos critérios para a seleção das propostas adequadas, no curso das sucessivas fases (se houver) e para seleção da proposta vencedora do certame impõe-se que seja pela oferta economicamente mais vantajosa (32), ou seja, vedada está a realização do diálogo concorrencial com a aplicação do critério puro de menor valor.
Nesse sentido, na sua escolha a Administração deve observar diversos fatores além do preço, tais como qualidade, valor técnico, características estéticas e funcionais, características ambientais, custo de utilização, assistência técnica, serviço pós-venda e prazo de entrega ou de execução (33). Deve haver a indicação expressa no documento descritivo da ponderação relativa que o Poder Público atribui a cada um dos atributos escolhidos como critérios no certame, ou, se tal atribuição for impossível no caso, ao menos deve constar a ordem decrescente em que se situam os critérios acima mencionados. (34)
Aqui deve ser feita uma observação: a Diretiva, em seu preâmbulo, menciona ser a complexidade do contrato um fator de impossibilidade de atribuição da referida ponderação. (35)
Ora, se o recurso ao diálogo competitivo pressupõe uma situação de contratação “particularmente complexa”, parece redundante dizer que a Administração, no instituto em estudo, se limitará a mencionar a ordem decrescente dos critérios. (36)
A fase do diálogo propriamente dito não foi minuciosamente tratada pela Diretiva. Limitou-se a, no Art. 29. 3 a 5, indicar que a autoridade administrativa irá conduzir um diálogo com os competidores por ela chamados, objetivando a definição dos meios que melhor possam satisfazer suas necessidades, sendo garantida aos competidores a igualdade de tratamento e sigilo de informações. (37)
A paridade de tratamento aqui referida é um plus à já habitualmente exigida nos certames, pois envolve, especificamente, a vedação imposta à Administração de fornecer informações a algum ou alguns competidores em detrimento dos demais no decurso do procedimento. Está intimamente ligada ao sigilo de informações, que, por sua vez, foi alçado a regra geral pelo diploma comunitário (38), tendo a confidencialidade das soluções propostas pelos participantes sido também garantida pelo Art. 29, como já dito. Entretanto, como regra geral, admite exceção, admitida consoante à leitura da parte final do terceiro subparágrafo do aludido dispositivo. (39) Deste modo, com o consentimento de um licitante, é possível que haja a troca de informações entre a autoridade adjudicante e os demais, concernentes à solução por ele proposta. Fica aqui a questão se é necessário que tal autorização seja expressa e individualmente emitida em cada caso ou se é facultada à Administração a inserção de cláusula no convite ou documento descritivo pela qual o aceite e candidatura ao diálogo impliquem, irrenunciavelmente, aprovação. Sendo a regra o diálogo em separado com cada particular, a exceção deve vir expressa em todos os casos. Se a Administração irá colher a aprovação de cada particular em separado no curso do procedimento ou se irá fazê-lo previamente por meio do anúncio e do documento descritivo, que são instrumentos hábeis a vincular tanto a entidade adjudicante quanto os particulares, não há diferença substancial – imperioso é que haja a manifestação do consentimento de todos os concorrentes.
Percebe-se, pelo acima disposto, que pretende a Diretiva que o diálogo se dê entre o administrador e cada um dos competidores em separado, (“em túneis, para usar a expressão francesa (40)) referentes às soluções por eles propostas, sem que as soluções por um encontradas se estendam aos outros. A regra, como visto, comporta exceção.
Ao serem aplicadas as sucessivas fases no diálogo, a exclusão de uma solução pode levar à exclusão do respectivo competidor, se esse não houver oferecido outras. Não há nenhuma restrição, contudo, ao número de métodos de execução do objeto oferecidos pelos competidores, podendo um mesmo licitante propor diversas soluções. Por outro lado, pode ocorrer o caso em que dois ou mais licitantes encontrem, como resultado de seus particulares diálogos com a entidade adjudicante, uma mesma solução, o que leva à conclusão de que a exclusão de uma solução não significa, necessariamente, a exclusão de um participante, podendo levar à exclusão de mais de um licitante ou, inversamente, à exclusão de licitante algum. Deve-se ter em mente que tal fase do diálogo visa apenas a definição do objeto a ser licitado, ou seja, a discussão nesse momento gira em torno dos meios de execução do objeto apresentados pelos participantes. Sendo assim, as exclusões feitas pela entidade adjudicante referem-se às respostas dadas, e não aos participantes em si. Somente em momento posterior ao diálogo, quando da apresentação de propostas finais e escolha da proposta vencedora é que a Administração fará juízo sobre os competidores por meio de suas propostas.
O diálogo compreenderá, portanto, todos os aspectos do contrato, não se restringindo aos meramente técnicos, mas alcançando também as questões financeiras e jurídicas. Tais questões, ao serem debatidas, devem também ser objeto de avaliação pela entidade adjudicante nas possíveis sucessivas fases do diálogo, de acordo com os critérios já mencionados.
No decurso do diálogo, em sucessivas fases ou não, a Administração pode exigir dos agentes econômicos a especificação de suas soluções e sua formalização em documentos escritos (41), objetivando a viabilização da comparação a que procederá a autoridade adjudicante a que alude o Art. 29.5 (42).
O diálogo terá fim quando a autoridade administrativa estiver em condições de identificar a solução ou as soluções que, motivadamente, melhor satisfaz(em) suas necessidades (43). Na ocasião, irá declarar o término do diálogo e convidar os participantes restantes a oferecerem suas propostas finais, baseadas na ou nas soluções encontradas durante o diálogo, de acordo com o Art. 29.6 (44). Ainda, segundo o mesmo artigo, devem elas conter todos os elementos requeridos e necessários à realização do projeto, sendo, portanto, propostas completas, já aptas a permitir uma decisiva avaliação pela Administração.
Tais propostas podem ainda ser complementadas, clarificadas, precisadas e ajustadas a pedido da autoridade contratante. Essas alterações, no entanto, não podem atacar elementos fundamentais da proposta final, de modo que a variação obtida possa significar distorção na concorrência ou efeito discriminatório (45). O que se pretende aqui não é reabrir o diálogo entre a Administração e apenas um dos participantes, o que levaria a uma clara ofensa à concorrência, mas somente refinar uma proposta já feita com base nas negociações pretéritas. Há espaço para pequenos ajustes e complementações, no caso de omissão de algum ponto na proposta final, ou para clarificar pontos que não tenham ficado nítidos.
De tudo isso, fica a indagação (pois tal questão não foi tratada pela Diretiva) se as complementações e ajustes acima tratados devem ser relativos apenas a pontos já debatidos anteriormente entre o particular e o poder adjudicante ou se lhes seria permitido acrescentar, à essa fase final, a título de complementação, ponto inteiramente novo ao diálogo tido entre os dois.
Ora, o objetivo do diálogo é definir o objeto a ser licitado da forma mais precisa possível, de modo a plenamente atingir as necessidades da Administração. Assim, conclui-se pela possibilidade de tratar, mesmo na fase final de complementações e ajustes, de pontos ainda não debatidos. Deve-se, entretanto, tomar cuidado para que não haja violação à concorrência entre os participantes. Assim, na superveniência de questões não debatidas que se mostrem relevantes para o processo, é preferível ao Poder Público permitir a discussão e, sendo o caso, reabrir o diálogo com todos os participantes sobre o tema específico trazido por um ou mais licitantes na referida fase. Ao fazê-lo, estará a Administração refinando o futuro objeto a ser contratado, de modo que melhor atenda seus interesses, sem, contudo, desatender ao imperativo concorrencial.
Depois de todos os esclarecimentos necessários, a autoridade contratante, com base nos critérios mencionados e ordenados (ou ponderados) no documento descritivo, irá proceder à escolha da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do Art. 29.7 da Diretiva (46).
Deve, em seguida, comunicar os competidores de sua decisão para que os inconformados possam pedir dela os motivos de sua decisão, no prazo máximo de 15 dias a contar do recebimento do pedido (47). A Diretiva, em um primeiro momento, faz parecer que a decisão de selecionar a proposta vencedora deve ser motivadamente proferida, e em seguida permite que os competidores perdedores peçam da Administração suas razões. A melhor hermenêutica para o caso é a de que, pela lógica do instituto, presume-se necessária a motivação. Na sua falta, insuficiência ou imprecisão os particulares podem contudo exigi-la do adjudicante.
Novamente e pela última vez, a legislação comunitária abre espaço para uma discussão posterior à oferta, na medida em que, já tendo sido definida a proposta economicamente mais vantajosa, permite que se faça uma última demanda ao participante escolhido para clarificar aspectos de sua proposta ou confirmar compromissos nela constantes (48).
Note-se que dessa vez não se fala em complementação ou ajuste de proposta, mas apenas de clarificar aspectos duvidosos ou ratificar compromissos já feitos, o que claramente afasta a idéia de que esse último estágio poderia representar nova rodada de negociação somente com o agente econômico escolhido. São proibidas, portanto, quaisquer tipos de novas exigências por parte da Administração, bem como quaisquer tipos de alterações na proposta que modifiquem seus elementos fundamentais, que a fizeram vencedora. São exemplos trazidos pela doutrina de situações aplicáveis a complementação, o detalhamento do design do projeto, a finalização dos documentos contratuais, a efetuação de due diligence pelos financiadores (casos de PFI, especialmente) e a consulta aos representantes setoriais dos trabalhadores. (49)
Após todas essas etapas, tendo-se chegado à proposta economicamente mais vantajosa que satisfaça as necessidades da Administração, reafirmada se necessário pelo ofertante, chega-se à conclusão do contrato, com sua assinatura pelas partes.
Um último ponto a ser abordado diz respeito à possibilidade de a autoridade contratante oferecer valor indenizatório aos participantes referente aos gastos por eles tidos com as pesquisas de soluções e elaboração das diversas propostas no decurso do diálogo. Por considerar que tais encargos poderiam gerar um alto custo que levaria ao desinteresse dos agentes econômicos privados em participar no certame, decidiu o legislador comunitário que, a critério do poder adjudicante, podem haver “prêmios ou pagamentos”, na linguagem do texto comunitário. (50)
2.A ADOÇÃO NOS PAÍSES DA UNIÃO EUROPÉIA
A Diretiva 2004/18/CE entrou em vigor em abril de 2004, obrigando os Estados-Membros a adotarem suas disposições internamente até janeiro de 2006. Alguns países foram mais céleres na referida adoção, como, por exemplo, a França e Alemanha, enquanto que outros, como Portugal, tiveram um demorado processo até se adaptarem às novas normas comunitárias. (51) Deste modo, a disciplina interna do diálogo competitivo entre os membros da Comunidade Européia ainda permanece muito heterogênea, ao se comparar as experiências de cada país com o instituto, como a seguir será observado, em linhas gerais, de acordo com o que foi particularmente disciplinado em cada Estado.
Em Portugal, a matéria foi finalmente tratada com a promulgação do Código dos Contratos Públicos (CCP). Alinhou-se o diálogo concorrencial ao lado do ajuste direto, da negociação com publicação prévia de anúncio, do concursos público e limitado por prévia qualificação como procedimentos pré-contratuais, modalidades licitatórias ao se traçar um paralelo com nosso ordenamento. Ao instituto foram destinados, de forma especial, os Arts. 30 (hipóteses de aplicação) e 204-218 (tratamento específico do tema).
Dispõe ser regido o instrumento, pelo que não lhe for contrário ou específico, segundo o disposto quanto ao concurso limitado por prévia qualificação. (52) Como disposição geral, é vedado à autoridade contratante recorrer a um leilão eletrônico no diálogo concorrencial (53).
Os prazos para envio de candidaturas a partir do anúncio são os mesmos da Diretiva (37 dias com possibilidade de redução em 7), com a exceção dos contratos que não são anunciados no Jornal Oficial da União Européia, casos em que o referido prazo é não inferior a 9 dias, segundo os Arts. 208 e 173 CCP. O modo de apresentação das propostas é, preferencialmente, o eletrônico, através da plataforma eletrônica de contratos públicos portuguesa (54), sendo o número de soluções para cada candidato aqui limitadas a uma (55).
O diploma luso trata pormenorizadamente do procedimento, instituindo também alguns momentos que a norma comunitária não vislumbrou, como os relatórios (sete, ao todo (56)) e os prazos de audiências prévias, previstas nos Arts. 185 e 212.3, que levam a uma maior burocratização do procedimento. Por fim, impediu o Código em seu Art. 218 a fixação de prazo para a apresentação das propostas inferior a 40 dias a contar da data do envio do convite.
Como exemplo de aplicação prática do instituto estudado, temos o de implementação de uma Rede de Bicicletas de Uso Partilhado complementar à Rede de Transportes Públicos de Lisboa.
Na França, o diálogo competitivo vem sendo aplicado desde 2004, em conexão com a contratação de Parcerias Público-Privadas. Foi, no entanto, disciplinado no Código de 2006 (Code des Marchés Publics) nos Arts. 36 e 67 (57), tendo sido tratado como procedimento licitatório, na forma do Art. 26 (58).
A França o país que mais tem utilizado o instituto desde seu surgimento. Os mais expressivos casos envolvem a construção de penitenciárias e de hospitais, dentre os quais se destaca o do moderno hospital da cidade de Caen (59). Outra forma de utilização do diálogo competitivo neste país foi a da localidade de Beauvais, em que se pretende um contrato de parceria com vistas à concepção, implementação, operação e financiamento de um sistema integrado de serviços no domínio dos transportes públicos (60).
Na Espanha, o diálogo competitivo, como lá é chamado, é disciplinado pela Ley de Contratos del Sector Público (Lei 30/2007). Trata-se, novamente, de procedimento adjudicatório, previsto nos artigos 163 a 167 da referida lei. O legislador espanhol, ainda que não tratando com mais minúcias da matéria, deu grande destaque ao procedimento em estudo, posto que, como regra, os contratos de colaboração entre os setores público e privado serão licitados por meio do diálogo competitivo (61) e (62).
Também aqui, como no ordenamento português, será aplicável ao diálogo competitivo de modo supletivo o disposto para o concurso limitado (procedimiento restringido). A legislação espanhola repete em seu texto fielmente algumas outras orientações traçadas pela Diretiva, como, por exemplo, a da possibilidade de limitar o número de participantes do diálogo em quantidade nunca inferior a três (art. 165.2)(63) e de reduzir progressivamente o número de soluções por meio de fases sucessivas no diálogo (art. 166.3). (64)
Uma particularidade prevista pelo diploma espanhol é a de uma comissão assistente específica para as adjudicações feitas sob o diálogo competitivo – uma mesa especial – integrada, além dos habituais componentes da mesa assistente, vinculadas à entidade adjudicante, por sujeitos especialmente qualificados na matéria de que trata o diálogo, designados pelo órgão contratante (art. 296.1) (65). O número de particulares, que não têm necessariamente qualquer outro vínculo com a Administração Pública, não pode ser inferior a um terço dos componentes da mesa. Ainda, não pretende o dispositivo que os referidos especialistas tenham mera participação formal no processo, apenas como requisito instrumental de sua validade, mas, além disso, prevê que estes tenham fundamental atuação, participando das deliberações da mesa “com voz e voto”.
Como exemplo de aplicação prática em território espanhol do instituto em tela, é digna de nota a implementação de nova infraestrutura de rede de comunicações baseada em fibra óptica para servir diversas Universidades e Centros de Pesquisa servidos pela “Red.es”, entidade pública empresarial vinculada ao Ministério de Industria, Turismo e Comércio deste país, órgão adjudicante no procedimento em questão. (66)
No Reino Unido, o diálogo competitivo foi disciplinado por meio do Regulamento de Contratos Públicos de 2006 (The Public Contracts Regulation) como procedimento licitatório, consoante o art. 18 (67). O formato adotado pela Diretiva 2004/18/CE para o instituto em estudo em muito se deve à influência do Reino Unido quando de sua elaboração. É certo que houve considerável pressão por parte dos setores público e privado britânico para que o texto final da Diretiva melhor se harmonizasse com as já existentes práticas britânicas nos contratos de PFI (68). Deste modo, com o seu advento, o diálogo concorrencial passou a ser adotado como o procedimento padrão para os casos de contratos PFI lá amplamente utilizados pelo setor público. Não se encontram, portanto, quaisquer sensíveis diferenças entre o disposto na Diretiva comunitária e o no Regulamento britânico.
O diálogo competitivo vem sendo aplicado em um projeto governamental chamado “Construindo Escolas para o Futuro” (Building Schools for the Future – BSF). Este pretende o remodelamento das escolas britânicas por meio de reformas nas já existentes bem como construção de outras novas, implementando em todas modernas tecnologias de aprendizado, de modo a fornecer suporte ao projeto de reforma educacional daquele país. Investimentos de tal monta, aliados à complexidade de adaptação do projeto a cada localidade, só estão sendo possíveis com a utilização do diálogo competitivo em contratos PFI, nos quais há participação privada nos investimentos (69).
Outros exemplos de uso do procedimento envolvem a construção de hospitais e de centros de acolhimento, estes últimos aliados a serviços de assistência social, como os pretendidos na localidade de Grays, em Essex.
Este último caso muito bem representa a versatilidade do diálogo concorrencial, pois alia um contrato de construção do centro de acolhimento em um terreno a ser cedido pelo Poder Público a um contrato de prestação de serviços, em que o adjudicatário irá gerir serviços domésticos e de manutenção do abrigo. (70) Ainda, o diálogo está sendo utilizado pelo Comitê organizador das Olimpíadas de 2012, cuja sede será Londres, para o desenvolvimento de projetos e construção de alguns dos equipamentos esportivos a serem utilizados na ocasião, como o moderno parque aquático (71).
O instituto foi disciplinado na Itália pelo Código de Contratos Públicos desse país (Codice dei Contratti Pubblici – Decreto Legislativo 163 de 12 de maio de 2006) ao longo de seu artigo 58 (72). Não apresenta a referida norma qualquer desvio do tratamento dispensado pela Diretiva em relação procedimento em estudo (73). Faz-se necessário relatar que, embora em vigor desde 12 de maio de 2006, tal dispositivo teve sua eficácia suspensa pelo Decreto-lei 173/06 de 12 de julho de 2006 até dia 1º de fevereiro de 2007. Ou seja, após dois meses, o diálogo competitivo, ao lado de outras tantas inovações trazidas pelo mencionado Código, teve sua eficácia postergada para somente atuar nos procedimentos cuja publicação de anúncio seja posterior ao dia 1º de fevereiro de 2007 (74) e (75).
Temos ainda como exemplos de países que adotaram o instituto em seus respectivos ordenamentos a Holanda, que o fez por meio de um Regulamento de Contratos, que não mais é que uma transcrição traduzida dos dispositivos da Diretiva (76); a Alemanha, que incorporou o procedimento por meio do Ato Contra as Restrições da Concorrência (101 §5 GWB) e a Dinamarca.
Nesta última, a Knowledge Exchange Organization, organização constituída por entidades de pesquisa da Dinamarca, Holanda, Alemanha e Inglaterra e sediada no primeiro país tem por objeto o desenvolvimento de infra-estrutura de base de dados digital integrada nos quatro países relativa à pesquisa científica bibliográfica via internet. Tal ambicioso projeto só foi possível implantar por meio de uma parceria, utilizando-se para tanto do diálogo competitivo como procedimento licitatório (77).
Por fim, cabe mencionar a utilização do instituto aqui tratado no Projeto Galileo. Trata-se de projeto Europeu, promovido pela Agência Espacial Européia para a construção de um sistema de navegação global consistindo em uma rede de 30 satélites que orbitarão ao redor do planeta e uma base em terra, prometendo um posicionamento em tempo real com margem de erro de menos de um metro.
Será um sistema inteiramente europeu, para fazer face ao norte-americano GPS e ao russo GLONASS. Foram destinados mais de três bilhões de euros (€3.4 bilhões) para o projeto, que se espera pronto até 2013 (78). Diante da inegável complexidade do contrato a ser celebrado, o diálogo concorrencial se mostra a melhor opção. (79)
3.UTILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
O diálogo competitivo pode ser muito útil à Administração pátria, pois, com a introdução de duas novas modalidades de concessão pela Lei nº. 11.079/04 (80), ampliou-se o leque de possibilidades de contratação entre o setor público e o privado. Não serão raros os casos em que os administradores, diante de mais de uma via possível de contratação e em virtude das tênues diferenças que se encontram entre alguns dos institutos (81), irão necessitar da oitiva do setor privado para, em uma atuação consensual, chegar a um resultado que atenda a todos os interesses.
Como já mencionado, o instituto em estudo teve suas bases legais fixadas, sob forte influência britânica, para melhor adequar-se às práticas de parceria entre os setores público e privado (as PPPs e especialmente PFI). Não foi desenvolvido somente para tal finalidade, mas serve de arcabouço normativo para otimizar tais práticas. Deste modo, não ignorando diferir a disciplina das parcerias no Reino Unido daquela dispensada pela Lei nº 11.079/04, mostra-se relevante a adoção do instituto em terras brasileiras, em um primeiro argumento, para servir de apoio instrumental à utilização das PPPs em âmbito nacional.
Estas são, por sua própria essência, contratos complexos (não necessariamente no sentido que a Diretiva 18/04/CE dispõe), envolvendo valores significativos, múltiplos objetos e demandando investimentos de médio-longo prazo. (82). Não se quer dizer aqui que toda parceria público-privada deve, a priori e em tese, utilizar o recurso do diálogo concorrencial: é bem possível que, em certos casos, a Administração já tenha previamente definido todas suas necessidades, dispensando, assim, o diálogo. Contudo, em outras tantas oportunidades, pode o Poder Público depender do diálogo com os agentes econômicos para precisar seus objetivos. Ainda, há a necessidade de se constituir sociedade de propósito específico, imposta pelo artigo 9º da lei, construção essa que poder gerar questões duvidosas para o setor público, que venham a necessitar do diálogo para definir o melhor modo como se dará tal constituição.
Um argumento contrário à utilização do diálogo competitivo nos contratos de concessões regidos pela Lei n.º 11.079/04 pode ser encontrado da leitura imediata do seu artigo 10, que exige a modalidade licitatória da concorrência para a contratação das parcerias público-privadas (83). Refutando-o, não se propõe aqui a adoção do instituto nas mesmas bases com que foi adotado na Europa, ou seja, enquanto modalidade de licitação, mas, com vistas à sua compatibilização com nosso ordenamento, como uma fase do processo. O tema será melhor tratado posteriormente, quando serão abordadas as medidas legislativas necessárias à adoção do diálogo concorrencial no Brasil.
Um segundo argumento favorável à utilização do instituto reside no fato de que a solução a que se chega no diálogo é uma solução qualificada consensualmente. Posto que não parte unilateralmente da Administração, mas conta com um imenso valor agregado legitimatório conferido pelo debate com os particulares interessados, resulta, em termos práticos, em uma solução que se presume a melhor. Não se está a afirmar que o Poder Público irá sempre depender do diálogo com particulares para estabelecer os meios pelos quais podem ser atingidos seus objetivos (em alguns casos o fazer seria manifestamente contraproducente). No entanto, em tais contratos particularmente complexos, por não partir a decisão somente das idéias e conclusões obtidas previamente pelos agentes públicos, e sim ser fruto de um debate com quem presume-se ter as soluções mais eficientes (o setor privado), é que se torna possível falar em uma presunção (relativa, obviamente) qualificada, de que aquela solução encontrada é a melhor solução para o caso.
Outro ponto a ser analisado, na mesma esteira, é o da eficiência do diálogo mesmo em se tratando de procedimento (ou fase) de considerável duração. A doutrina européia é unânime em admitir que o procedimento em estudo não é rápido, ágil, devido principalmente às diversas fases em que se desenvolve o diálogo. Como então defender se tratar de um procedimento eficiente, se é pacífico que sua utilização demanda tempo e custos sensíveis, tanto por parte da Administração quanto dos particulares? Torna-se necessário para tanto repisar o conceito de que a solução obtida por meio do diálogo é uma solução qualificada pelo consenso. A eficiência aqui não reside em custos ou prazos reduzidos, mas no fato de que vale a pena para o setor público investir no diálogo com os particulares para, como exposto, chegar a uma solução que presume-se a melhor. Está, portanto, caracterizada uma relação vantajosa para a Administração entre os custos demandados e o benefício obtido pelo diálogo.
Uma última questão quanto ao tema reside na possibilidade de adoção da modalidade Pregão para contratos de objetiva complexidade técnica ensejadores do diálogo competitivo. Em outros termos, se seria possível a inserção do diálogo nos contratos licitados por pregão. A resposta é muito simples: da simples leitura do artigo 1º parágrafo único da Lei nº 10.520/02(84) conclui-se pela impossibilidade da adoção de tais práticas. O argumento é irrefutável: a modalidade pregão é destinada aos contratos cujo objeto é a aquisição de bens e serviços comuns, que são aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital. Ora, se o Poder Público pode, de início, por meio de especificações usuais no mercado, definir suas necessidades, não faz o menor sentido recorrer ao diálogo. São os dois extremos, que no caso são incompatíveis – os contratos de alta complexidade, que necessitam do recurso ao diálogo e os contratos de baixa ou nenhuma complexidade, a serem licitados por Pregão.
Como já alardeado por FLÁVIO AMARAL GARCIA, o Pregão não destina-se a qualquer objeto, de modo que seria contraproducente e ineficiente a utilização do diálogo para os objetos cujo procedimento é o Pregão. (85)
É necessário, contudo, diferenciar a modalidade licitatória Pregão do seu rito: a lógica do pregão enquanto um rito procedimental (inversão de fases, lances sucessivos, critério somente de preço) é possível. Desde que o objeto seja certo, o rito de inversão de fases e lances sucessivos, para comparação de preços pode ser utilizado, uma vez que o objeto do contrato já terá sido definido (ainda que, para isso, tenha-se recorrido ao Diálogo). Todavia, a utilização da modalidade Pregão, tal como hoje prevista no ordenamento pátrio, é inviável, porque só é admitida a sua utilização para bens e serviços comuns e não para as situações que levam ao diálogo, nas quais se busca a definição de um objeto em formato não padronizado no mercado.
4.COMPATIBILIZAÇÃO DO INSTITUTO COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO BRASILEIRO
O diálogo concorrencial está fundado em valores e conceitos amplamente difundidos na doutrina administrativista. Sua adoção importa na reafirmação de diversos princípios que expressam as mais atuais tendências e anseios do direito administrativo, de modo que o instituto em debate, caso venha a ser acolhido por nosso ordenamento, estará bem fundamentado em sede infra e em sede constitucional.
Note-se que não está excluída a incidência dos princípios gerais das licitações e contratos, mas o que se pretenderá demonstrar aqui é a aplicação específica de alguns princípios ao procedimento em questão.
Em primeiro lugar, destacamos estar o instituto calçado no princípio da livre concorrência (Art. 170, IV CF/88). A Administração no caso não só permite a competição entre qualquer agente econômico interessado em contratar com ela, mas o faz conduzindo o diálogo, de modo a impedir abusos ou imposições de qualquer dos particulares. Assim o procedimento torna-se instrumento de fomento da concorrência.
No mesmo passo, guarda íntima relação com o princípio da competitividade (Art. 3º, §1º, I, Lei 8.666/93), posto que, como em todo processo de contratação pública (e aqui em uma especial medida) é seu objetivo obter, por meio da competição entre os particulares, a proposta que melhor atenda às necessidades da Administração (86). Para ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO:
“Sendo assim qualquer restrição à competitividade só deve ser admitida se for condição inafastável da escorreita execução do contrato licitado. É natural que o seja, uma vez que a instauração da competição é o próprio substrato ontológico da licitação – é sua razão de ser”. (87)
Encontra ainda fundamento na livre iniciativa (Art. 170, caput CF/88). É incentivo à iniciativa privada, pois é meio pelo qual o Poder Público, despindo-se do encargo de cumprir seu objeto, pode atribuir a execução de contrato complexo a qualquer agente econômico.
É também informado pelo princípio da impessoalidade (Art. 37, caput CF/88). Ora, no diálogo que será aberto tem a Administração o dever de dispensar o mesmo tratamento a todos os particulares, sendo vedado qualquer tipo de discriminação ou de benefício, durante e depois do diálogo concorrencial, como é imperioso em toda conduta administrativa.
Fruto da necessidade de modernização, economicidade e flexibilidade do atuar administrativo, não poderia deixar de encontrar substrato no princípio da eficiência (Art. 37, caput CF/88). Aliás, encontra essa no instituto em estudo seu mais novo meio de concretização: se eficiente é o ato no qual se verifica ótima correlação entre os meios empregados e os resultados efetivos (88), então o diálogo vem para proporcionar um meio mais seguro e democrático de se alcançar tal correlação, através de seu resultado. (89)
Não menos importante é a fundamentação baseada no consensualismo, em que, segundo a classificação de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, pode o diálogo ser considerado como forma de atuação consensual coadjuvante pela qual “a Administração ouve os particulares e com eles negocia as melhores soluções, mas se reserva a plenitude da decisão” (90).
Prescinde o diálogo de um consenso entre as partes para que seja efetivo, ou seja, para que ele renda resultados satisfatórios ao Poder Público e aos particulares. É a cristalização do concurso de vontades, meio de formalização do consenso (91).
Aliada ao consenso está a participação, aqui garantida a qualquer particular interessado em dialogar com os demais e com a Administração, que, junto ao consenso, dá legitimidade ao atuar público (92). Há, como se percebe, estreita relação entre os três conceitos: consenso, participação e legitimidade, aqueles pressupostos desse, porém todos vinculados a uma nova concepção de relacionamento entre o Estado e os governados.
Todo esse arcabouço dá transparência ao agir da Administração. (93) Ainda sobre o tema, é imperioso notar que o próprio diálogo, como forma de processualização, garante maior a visibilidade de todos os atos, em especial a metodologia da decisão pela descrição do objeto, pela participação dos interessados e da sociedade, permitindo seu controle e coibindo abusos. Há, portanto, também e principalmente pela processualização, ganho em transparência.
5.MEDIDAS LEGISLATIVAS NECESSÁRIAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
No direito brasileiro, diante da vedação imposta pelo Estatuto das Licitações de criar outras modalidades (94), seria impossível sua adoção nesses moldes. Deste modo, é imperioso que, com o intuito de viabilizar seu ingresso em harmonia com os ditames da Lei nº 8.666/93, se considere o diálogo competitivo como um momento, uma etapa dentro da fase externa das licitações, porém prévia ao lançamento do edital
Importa ainda notar que o diálogo competitivo não equivale ao instituto do Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI – já citado neste texto, utilizado em alguns estados brasileiros nas contratações de Parcerias Público-Privadas. O PMI é instrumento destinado a divulgar o interesse da Administração em colher informações adicionais para a consolidação de idéias em torno do projeto que se deseja implantar. É uma sondagem prévia ao mercado, com o objetivo de ajustar os interesses públicos aos interesses privado. Assim, nos PMI, a entidade adjudicante já parte de um objeto contratual e de um modelo contratual por ela determinado, enquanto que no Diálogo, como visto, a Administração só pode, inicialmente, definir seus fins, seus objetivos, e não seus meios. Ela se volta para o mercado justamente para, por meio do debate, chegar ao objeto a ser contratado. Assemelham-se no fato de que em ambos há a possibilidade de a Administração indenizar os particulares interessados em contratar pelos custos tidos com sua participação no processo.
Por fim, cabe diferenciar o Diálogo Concorrencial do Procedimento de Proposição, previsto na Lei nº 5.427/09, do Estado do Rio de Janeiro. Neste, há a apresentação de projetos em proveito da Administração, sendo o particular quem dá início ao processo administrativo, por meio de uma proposição feita ao Poder Público, que apreciará tal oferta conforme seus critérios de conveniência e oportunidade, segundo as prioridades definidas pelas autoridades competentes. A avaliação sobre a necessidade de licitação cabe à Administração. (95) De maneira diversa, no Diálogo Competitivo a iniciativa é da própria entidade adjudicante, que vai ao mercado em busca de soluções, de meios para alcançar os fins que ela mesma precisou. A diferença, como visto, não reside apenas na iniciativa, mas também no conteúdo do debate e em seus participantes.
Informações Sobre o Autor
Andre Martins Bogossian
Acadêmico de Direito pela UFRJ- Faculdade Nacional de Direito. Estagiário da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro