Resumo: Realizando um exame retrospectivo, percebe-se que não há mais guarida, em nosso ordenamento jurídico, a ideia de que a relação estabelecida entre o indivíduo e o seu bem consiste em um direito individual absoluto e exclusivo[1], no qual é conferida ao proprietário a exclusividade de interesse sobre a propriedade. O direito de construir não pode mais ser compreendido como uma faculdade exercida pelo proprietário, limitada, tão-somente, pelos direitos de vizinhança, vez que a consagração constitucional do princípio da função social da propriedade como direito fundamental da pessoa humana trouxe limitações ao conteúdo e à extensão da propriedade e impôs ao mencionado direito de construir uma interpretação tendente a proporcionar o desenvolvimento urbano e a priorizar a melhoria das condições de moradia das cidades.
Palavras-chave: Propriedade. Direito de Construir. Limitações. Função Social.
Sumário: 1. Introdução. 2. A visão tradicional do direito de construir. 3. A inserção da função social no direito de propriedade. 4. Noções acerca da função social da propriedade. 5. O direito de construir e a função social. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo precípuo analisar os novos aspectos do direito de construir na perspectiva do princípio da função social da propriedade, enquanto direito fundamental e elemento que estrutura a ordem econômica brasileira.
Para a consecução de tal finalidade, ao longo do artigo foi realizada uma abordagem histórica das profundas modificações conceituais do direito de construir, enquanto corolário do direito de propriedade.
Em virtude de o homem possuir necessidades vitais, sempre houve por parte dele o desejo de adquirir bens indispensáveis à vida, apropriando-se, por conseguinte, de bens materiais considerados essenciais.
No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de natureza os elementos indispensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos[3].
Foi a partir do momento em que aqueles que controlavam a produção passaram a viver do excedente da produção e a se apropriar deste, no seu interesse próprio, que se entende que passou a surgir a noção de propriedade[4].
Ocorre, todavia, que tal noção, consoante o discurso filosófico de cada momento histórico, sofreu grandes modificações. Como assevera Cloves dos Santos Araújo: “Enquanto no mundo antigo, como regra, a propriedade está ligada ao uso, à fé religiosa, às tradições, a modernidade ocidental introduz uma concepção individualista, transformando a terra em mercadoria”[5].
Como é cediço, o homem, dentro da sociedade, sempre viveu de maneira muito próxima aos seus semelhantes. Decorrente desta convivência e da existência de interesses e expectativas coincidentes ou não, surgiram conflitos entre os grupos e se formou uma estrutura de poder.
Diante disto, foi necessário estabelecer um conjunto de normas jurídicas com o objetivo de disciplinar as relações entre os indivíduos e destes com a sociedade, quando os demais meios de controle social mostravam-se insuficientes ou incapazes para harmonizar o convívio social.
Na perspectiva do direito de construir – considerado corolário do direito de propriedade–, o intento do ordenamento jurídico é equilibrar as partes conflitantes, promovendo o exercício pleno do direito do proprietário de fruir, gozar e dispor da coisa objeto do seu direito, respeitando os devidos limites impostos a esta faculdade. Com vistas a atender o contemporâneo imperativo de se atender a função social da propriedade, torna-se necessária a configuração de mecanismos legítimos de intervenção estatal no instituto da propriedade.
2 VISÃO TRADICIONAL DO DIREITO DE CONSTRUIR
O direito de propriedade, como anuncia José Carlos Salles[6], “tem sido entendido de maneira diversa pelos povos, no tempo e no espaço, em razão das diferenças existentes entre os sistemas econômicos, políticos e jurídicos que adotaram.”
Isto se explica pelo fato de os sistemas serem, sobretudo, uma construção humana, resultantes de um conjunto de princípios e valores construídos por uma cultura e que, apesar de trazerem consigo uma elevada carga de subjetivismo, são influenciados pela realidade, que se transforma com o transcorrer da história.
Neste sentido, Miguel Reale pondera:
“A sociedade em que vivemos é, em suma, também realidade cultural e não mero fato natural. A sociedade das abelhas e dos castores pode ser vista como um simples dado da natureza, porquanto esses animais vivem hoje como vivia no passado e hão de viver no futuro. A convivência dos homens, ao contrário, é algo que se modifica através do tempo, sofrendo influências várias, alterando-se de lugar para lugar e de época para época”[7].
O direito de propriedade, por sua vez, através dos tempos sempre foi marcado pelo conteúdo privatístico individual, sendo entendido como um direito subjetivo diante do qual todos os demais interesses, que não os de seu titular devem ceder.[8]
A visão tradicional do direito de construir, constante também no Código Civil Brasileiro de 1916, concedia ao proprietário a possibilidade de dispor completamente da coisa, a exemplo de transformá-la, edificá-la ou modificá-la, da maneira que melhor o aprouvesse, conforme a utilização econômica que se quisesse dar ao bem.
O direito brasileiro, refletindo, indubitavelmente, os ideais absolutistas consagrados no Código de Napoleão, acolhera a concepção individualista acerca da propriedade, reconhecendo-a como uma relação exclusiva entre a pessoa e a coisa.
Assim sendo, tinha-se como regra, na anterior codificação civil, a liberdade de construir. Segundo, Hely Lopes Meireles[9], o referido direito só era limitado quando sua utilização trouxesse prejuízos a particulares ou ao interesse público. Prova disto é que o art. 572 dispunha que: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.”
Sobre o assunto, em artigo que versa sobre a evolução histórica do direito de propriedade, Fábio Henrique Santos Santana[10] explicita que no século XIX, até o início do século XX, o direito à propriedade foi encarado como um poder destinado à vontade do seu titular, no sentido de atender, exclusivamente, os seus interesses.
No século XX, todavia, o conceito do direito de propriedade passa por mudanças significativas, com o surgimento do chamado Estado Social, com raízes nas constituições do México (1917) que inseria em seu art. 27 que: “A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público […]”; e a Constituição da Alemanha (1919), também conhecida como a Constituição de Weimar, que trouxe em seu art. 153 que “A propriedade obriga e seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social”.
É neste contexto que o caráter absolutista e individualista atribuído à propriedade começa a ser revisto, surgindo, pois, a ideia de condicionamento do direito de propriedade à noção de bem comum.
3 A INSERÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL NO DIREITO DE PROPRIEDADE
A partir das transformações ocorridas no contexto histórico mundial, o Texto Magno de 1946, introduziu, pela primeira vez, em nosso ordenamento jurídico, a ideação da função social no direito de propriedade. No artigo 147 da mencionada constituição, o legislador condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social, seguindo a tendência mundial do Estado Assistencialista, e criou a modalidade de desapropriação por interesse social.
Neste sentido, Gustavo Tepedino esclarece:
“Assim como na Europa, o Estado brasileiro do primeiro pós-guerra, sobretudo, após os anos 30, adotou uma política nitidamente intervencionista, a refletir um processo, ainda atual, de dirigismo econômico e de sucessivas restrições à propriedade privada, incapaz, todavia, de criar as desejadas bases mínimas de justiça distributiva e do bem estar social”[11].
A referida constituição incluiu princípios da ordem econômica e social, condicionando o titular do direito de propriedade ao efetivo exercício do bem-estar social, estabelecendo, por conseguinte, a possibilidade de a lei promover a justa distribuição da propriedade.
Lembra, ainda, Tepedino[12] que a preocupação da Constituição Federal de 1946, com a função social da propriedade segue a esteira da farta legislação intervencionista, que caracterizou os primeiros passos do Estado assistencialista e da socialização do Direito Civil. Oportuno transcrever a seguinte lição:
“A meta da justiça retributiva, conquista da Revolução Francesa, dá lugar à justiça redistributiva, com o acentuado intervencionismo estatal e dirigismo contratual que, no Brasil, é fartamente documentado a partir dos anos 30. A propriedade passa a ter uma função para o seu titular, no concomitante respeito a crescentes situações não proprietárias. A destinação do bem apropriado ora é determinado por lei, ora é controlada e restringida, ora é proibida, caracterizando-se o direito de propriedade menos pelo seu conteúdo estrutural acima transcrito e mais pela destinação do bem o qual incide, ou, ainda, por sua potencialidade econômica.”[13]
A Constituição de 1967 revelou, mais claramente, a sua preocupação com o instituto da função social da propriedade, tendo, inclusive, pela primeira vez, utilizado o referido termo. Ora, foi nesta Carta Magna que a mencionada disciplina foi incluída como um princípio de ordem econômica e social.
Há quem entenda[14] que isto ocorreu em virtude de já se encontrar promulgado o Estatuto da Terra (1964) que estabeleceu, em seu artigo 12, que “à propriedade privada de terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo, previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta lei”.
Mas foi somente com o advento da nova Carta Brasileira – a Constituição Federal de 1988 – que a função social da propriedade passou a ser direito fundamental.[15]
Ademais, a atual constituição além de inserir a função social[16] no capítulo de direitos e garantias individuais, inscreveu-a como princípio da ordem econômica, com conteúdo definido em relação às propriedades urbana e rural, com a previsão de sanções em caso da não observância.
Com razão Pietro Perlingieri afirma:
“Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa (…) o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento.”[17]
Neste exame retrospectivo, percebe-se que na antiga concepção individualista, o direito de construir correspondia, exclusivamente, à proteção dos interesses individuais do proprietário. Todavia, sob a atual ótica constitucional, altera-se a percepção do direito de construir para incluir nesta a consecução de interesses sociais, com nítida tendência intervencionista.
4 NOÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A doutrina majoritária, quando do estudo da função social da propriedade, busca o seu significado nos autores que propuseram o conceito originariamente como Aristóteles, São Tomás de Aquino, Augusto Comte, Léon Duguit, dentre outros.[18]
Neste sentido, afirma Guilherme Calmon Nogueira da Gama que:
“Inicialmente, os teóricos ligavam a idéia contida na expressão função social à satisfação de um interesse público, chegando-se a afirmar que, ao exercer o direito, o proprietário estaria, ao mesmo tempo, desempenhando a função pública. A evolução da Ciência Jurídica, entretanto, fez com que esta divisão entre o direito público e direito privado ficasse ultrapassada, não mais devendo ser feita. (…) A propriedade passou a ter um sentido social, e não mais apenas individual, estando destinada à satisfação de exigências de cunho social.”
Há de se ponderar, no entanto, que, apesar destas contribuições ao longo da história, é muito difícil precisar o conceito de função social. Isto porque o referido conceito encontra-se em ebulição, posto que não é algo permanente, mas uma variante condicionada ao momento histórico e às necessidades e aspirações sociais da época[19].
Não obstante a definição de função social seja uma das tarefas mais árduas dentro do estudo do direito de propriedade, não se pode mais reconhecer a função social como mera restrição ao direito de propriedade ou, como letra morta, a qual não é dotada de efetividade.
Dentro deste contexto, precisas são as palavras de Karl Renner:
“Emprestar ao direito uma função social significa considerar que a sociedade se sobrepõe ao interesse individual, o que justifica acabar com as injustiças sociais. Função social significa não individual, sendo critério de valoração de situações jurídicas conexas ao desenvolvimento das atividades da ordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o bem-estar econômico coletivo”[20].
Apesar das divergências quanto ao tema, há quem defenda, com base nos art. 5º, XXIII, 170, III, 182, §§2º e 4º, 184 e 186 da Carta Magna, que se deve reconhecer a função social como parte integrante da propriedade; e que a função social é a propriedade, não algo exterior ao direito de propriedade; e que não cumprida a função social, o direito de propriedade restará esvaziado[21].
Para Carlos Frederico “quando a propriedade não cumpre uma função social, é porque a terra que lhe é objeto não está cumprindo, e aqui reside a injustiça. Isto significa que a função social está no bem e não no direito do seu titular”. [22]
Por sua vez, José Diniz Moraes, citando relevantes doutrinadores, defende que:
“Não se pode tomar como verdadeira a afirmação de Eros Grau no sentido de que não se deve perder de vista que não é a coisa objeto da propriedade que tem função, mas sim o titular da propriedade, ou seja, quem cumpre ou deve cumprir a função embutida na propriedade de que é titular é o proprietário da coisa. Nem aquela de Marco Aurélio Greco no sentido de que o bem objeto da propriedade é que tem função social”[23].
Assim sendo, não se pode mais admitir a função social como mero limite ao direito de propriedade, mas como princípio intrínseco à própria propriedade, capaz de promover os valores fundamentais do ordenamento.
5 O DIREITO DE CONSTRUIR E A FUNÇÃO SOCIAL
Quando da análise das faculdades que fazem parte da estrutura do direito subjetivo de propriedade, há relevo o direito de gozar, já que é um dos direitos conferidos ao titular que o autoriza a explorar a coisa, retirar vantagens e perceber frutos e produtos.[24]
Assim sendo, em virtude das implicações decorrentes desta faculdade de fruição, o direito de construir se revela de grande relevância no direito de propriedade.
Ocorre, todavia, que o direito de construir não pode ser exercido de forma irrestrita, como outrora, já que cai por terra a regra da liberdade de construir. Hodiernamente, existem restrições ao mencionado direito. Restrições estas que perpassam a convenção oriunda de cláusulas contratuais, a observância de regulamentos administrativos, limitações decorrentes do próprio direito de vizinhança e, por fim, a função social da propriedade.
O atual Código Civil dispõe, expressamente, em seu artigo 1228, que ao proprietário são reservadas as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa e assegurado o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua.
No entanto, para exercer o direito de propriedade é imprescindível que haja consonância com as finalidades econômicas e sociais, sendo-lhe proibido executar atos que não lhe tragam comodidade, utilidade e que sejam praticados com a intenção de prejudicar outrem.
Diante disto, há explícito em nosso ordenamento jurídico que o direito de propriedade é acolhido ao passo que exerce a sua função social. Por via de conseqüência, o direito de construir também deve ser praticado sob esse ângulo, vez que faz parte dessa situação jurídica subjetiva complexa. [25]
Adiro ao entendimento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald quando defendem que:
“Há muito já sucumbiu o cenário em que o proprietário arbitrariamente definia quando, como e o quê construir. Não tardará o momento em que o direito de construir será destacado do direito subjetivo de propriedade, para se converter em uma concessão da municipalidade, ao delinear o regime jurídico de utilização do solo. Para o civilista conservador esta afirmação seria uma agressão, pois não se poderia conceber a propriedade desfalcada da essência de umas de suas maiores faculdades, o que implicaria em um “soco no estômago” da autonomia privada de seu titular”[26].
Partindo-se da premissa de que a propriedade deve cumprir sua função social, conforme preceitua nossa Carta Magna, o direito de construir deve ser interpretado consoante as inovações trazidas pela ordem constitucional e infraconstitucional no tratamento do regime jurídico da propriedade.
Neste diapasão, com efeito exemplificativo, a edificação ou a utilização do solo com qualquer finalidade:
“(…) não podem ser realizações privadas, ocorríveis ao sabor da conveniência do dono do lote ou gleba urbana. São realizações públicas, fatos coletivos por excelência, devendo ser sempre vistos através do prisma da qualidade de vida. Disto decorre a relevância de ter-se sempre presente que o direito de construir não deve ser uma manifestação ínsita no direito de propriedade. Deixar a decisão da ocorrência de fatos urbanísticos relevantes, inclusive o direito de construir ao nuto da livre deliberação dos donos do solo apenas com o exercício condicionado, não conduz a nenhum urbanismo positivo, senão à viabilização do caos, à anarquia, à face terrível que as cidades e megacidades contemporâneas nos têm dado a conhecer[27]”.(grifo nosso).
José Afonso tem entendido que, em virtude dos planos urbanísticos terem efeitos constitutivos do direito de construir, este não emanaria do direito de propriedade, propriamente dito, mas seria uma concessão do Poder Público, já que:
“(…) o princípio da função social da propriedade urbana e a verificação de que o destino urbanístico dos terrenos é algo criado, especialmente, a tese de que a edificabilidade dos terrenos urbanos é uma utilidade legal, (…) vêm fundamentando medidas de desincorporação, ou quase desincorporação do direito de propriedade, rompendo a posição com a posição tradicional de que o direito de construir é uma faculdade inerente ao direito de propriedade do terreno”[28].
Assim é que se afirma que a faculdade de construir não é mais, necessariamente, inerente ao direito de propriedade. O princípio da função social da propriedade condiciona, indubitavelmente, o direito de construir, podendo, inclusive, fundamentar destinos diferentes para os terrenos, determinando a atividades dos respectivos proprietários e o conteúdo do seu direito[29].
Há, ainda, que se mencionar que o direito de construir não pode ser praticado quando em detrimento da flora, fauna ou belezas naturais. Isto porque a função social também está inserida na questão ambiental, como elemento marcante do direito de propriedade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude das remotas necessidades vitais, o homem apropriou-se de bens indispensáveis à vida e passou a dominar técnicas destinadas ao plantio e à criação de gado, além de guardar alimentos.
Decorrente disto, surgiram aqueles que controlavam a produção e apoderavam-se desta em interesse próprio. Nascia, assim, a ideia de propriedade privada.
A noção de propriedade sofreu, ao longo do tempo, inúmeras modificações, tendo concepções ligadas à fé, à tradição e outras relacionadas a uma compreensão individualista.
Com a convivência e o desabrochar de interesses divergentes entre os homens, houve a necessidade de se estabelecer normas jurídicas com o intento de disciplinar as relações e harmonizar o convívio social.
Hodiernamente, na perspectiva do direito de construir – enquanto corolário do direito de propriedade – o objetivo é equilibrar as partes conflitantes e promover o exercício pleno do proprietário de usar, gozar e dispor do seu bem.
Tradicionalmente, o direito de propriedade sempre foi marcado pelo caráter individualista e, como conseqüência, o direito de construir concedia ao proprietário a possibilidade de dispor da coisa, da melhor forma que o aprouvesse, conforme a utilização econômica que se desejasse dar ao bem.
No século XX, todavia, o direito de propriedade passa por mudanças e o caráter absoluto e exclusivo atribuído a este começa a ser revisto.
Decorrente destas transformações ocorridas no cenário mundial, a Constituição Federal de 1946 introduziu, pela primeira vez, a noção de função social no direito de propriedade.
Entretanto, somente no Texto Magno de 1967 que a mencionada disciplina foi incluída como princípio de ordem econômica e social. Por fim, na Carta Magna de 1988, a função social da propriedade foi elevada à categoria de direito fundamental.
Assim sendo, o nosso ordenamento jurídico acolhe o direito de propriedade quando este exerce a sua função social. Por via de conseqüência, o direito de construir também deve ser praticado sob esse ângulo, vez que faz parte dessa situação jurídica subjetiva complexa.
O direito de construir deixou de ser, meramente, uma faculdade exercida pelo proprietário de um imóvel, vez que a consagração constitucional do princípio da função social da propriedade como direito fundamental da pessoa humana trouxe limitações ao conteúdo e à extensão da propriedade e impôs ao mencionado direito de construir uma interpretação tendente a proporcionar o desenvolvimento urbano.
A nossa Constituição, ao fazer a conexão do direito de construir com a função social, visou preservar aspectos relevantes referentes ao meio ambiente e à garantia das condições humanas dignas, combatendo a utilização da propriedade, e das faculdades a ela inerentes, com fins puramente egocêntricos, especulativos ou acumulativos em desarmonia com os interesses sociais.
Registre-se, por derradeiro, que para a efetivação do princípio da função social, é necessário que o povo brasileiro juntamente com o Poder Judiciário estejam dispostos e instruídos a defender esta garantia fundamental quando do confronto entre os direitos individuais e os sociais.
Informações Sobre o Autor
Dayane Sanara de Matos Lustosa
Advogada e Correspondente Jurídico do LUSTOSA Assessori a e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana Bahia. Colaboradora de vários sites e revistas jurídicas