Resumo: No campo do Direito de Família mostra-se essencial a busca por novos modelos capazes de dar proteção ao interesse do menor e de responder às necessidades do avanço da sociedade. Nesse contexto, cabe ser analisado o estudo da guarda compartilhada, como forma de proporcionar esse amparo.
Resumen: En el campo del Directo de Familia és essencial la busca por los nuevos modelos capazes de dar la proteción a el interesse del menor i de responder a las necessidads de el avanço de la sociedad. Nesse contexto, cabe se analisar lo estudo de la guarda compartilhada, como fuerma de proporcionar esse amparo.
Sumário: 1. Introdução. 2. O poder parental. 3. A guarda material e a guarda jurídica: suas distinções. 4. Guarda compartilhada: o que é isso? 5. A guarda compartilhada na atual legislação brasileira. 6. Vantagens e desvantagens do modelo, sob o aspecto psicológico. 7. Guarda Compartilhada x Guarda Alternada. 8. Conclusão. 9. Referências.
1. Introdução
Com freqüência muito maior do que a desejável, os filhos do divórcio não são somente atingidos pela dolorosa modificação da estrutura familiar, com todas as perdas delas advindas, mas são incluídos como partícipes de uma luta na qual são oponentes as pessoas com quem elas possuem o maior e o mais importante vínculo afetivo e das quais elas mais necessitam e dependem: seus pais.
Nessas circunstâncias as crianças são submetidas a sofrimentos enormes com conseqüências dramáticas ao seu desenvolvimento fisiopsíquico.
A tarefa de assegurar a cada criança a oportunidade de se desenvolver como membro de uma família, que embora modificada continue sendo um lugar de acolhimento e proteção, torna-se de complicada execução se a guarda é o objeto de disputa entre os pais e sujeita a interesses conflitantes e competitivos desses adultos.
A guarda compartilhada, ainda praticamente desconhecida em nosso meio, mas que vem ganhando a simpatia de todos aqueles que buscam atender ao melhor interesse da criança, tem se revelado como uma alternativa aplicável e que deve ser perseguida pelos profissionais do direito, de forma a atender as mudanças e os novos comportamentos de nossa sociedade.
2. O poder parental
A tradicional expressão “Pátrio Poder” foi cedendo lugar as novas formas de denominação, como: poder parental e poder de proteção.
“Hoje é unânime o entendimento de que o pátrio poder é muito mais pátrio dever, mas não só ‘pátrio’, na ótica do constituinte de 1988, mas sim ‘parental’, isto é, dos pais, do marido e da mulher, igualados em direitos e deveres, pelo art. 226, par. 5º, da nova Constituição”.[1] Mas este poder deve ser exercido, única e exclusivamente, no superior interesse do menor e, por isso, deixa de ser um poder para se tornar um dever, uma responsabilidade.
Assim, o poder familiar, ou poder parental, é um conjunto incindível de poderes-deveres, que deve ser altruisticamente exercido à vista do integral desenvolvimento dos filhos, até que esses se bastem em si mesmos. Importando primordialmente a proteção do incapaz, seu benefício essencial.
Vale dizer que pai e mãe são, conjunta, igualitária e simultaneamente, os sujeitos ativos do exercício do poder parental, como efeito da paternidade e da maternidade e não do matrimônio ou da união estável. Assim, ambos os pais devem permanecer exercendo, igualitariamente, os direitos e deveres inerentes ao poder familiar, assegurando a continuidade do benefício ao menor, mesmo depois de desconstituída a sociedade conjugal.
A partir da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), a questão do interesse da criança em conservar relações pessoais com ambos os pais passa a ser reconhecida como um direito, conforme disposto no artigo 9º. Torna-se importante manter a continuidade da função exercida pelos pais, garantindo-se o vínculo da criança com as linhagens paterna e materna. Como define a Convenção, cabe ao Estado a garantia de manutenção da co-parentalidade, independente da preservação ou não do vínculo conjugal.[2]
Todavia, não foi dessa forma que o assunto foi tratado durante tantos anos. Somente agora com a grande inovação que a nova lei trouxe, no sentido de atribuir, de forma clara, ao pai e à mãe o exercício conjunto do poder familiar, em seus artigos 1.631 e 1.634, que antes só se encontrava um respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando aos pais, na separação judicial, no divórcio e na dissolução da união estável, terem seus filhos em sua companhia.
Assim, o entendimento é de que a obrigação de educação e cuidado com os filhos é decorrente do vínculo de filiação e não do casamento. Fazendo-se necessário a distinção entre conjugalidade e parentalidade, observando que a separação ocorre entre marido e mulher, e não entre pais e filhos.
3. A guarda material e a guarda jurídica: suas distinções
Por certo, a separação dissolve a sociedade conjugal, porém não a parental entre pais e filhos, cujos laços de afeto, direitos e deveres recíprocos subsistem, apenas modificados quando necessário para atender-se à separação dos cônjuges.
Embora não afetando os direitos e deveres recíprocos, há um desdobramento da guarda, em que esse direito é atribuído a um dos pais e o de visita ao outro, como previsto no artigo 1.589 do CC.[3] Tal desdobramento enfraquece o poder familiar do genitor não-guardião – uma vez estabelecida a igualdade conjugal (artigos 226, § 5º e 227, § 6º, da CF)[4] – que fica impedido do amplo exercício do seu direito, com a mesma intensidade e na mesma medida que o outro, o guardador.
Aquele dos genitores a quem é atribuída a guarda, como observa Orlando Gomes tem-na não apenas a material, mas também a jurídica. A primeira consiste em ter o filho em companhia, vivendo com ele sob o mesmo teto, em exercício de posse e vigilância. A segunda implica o direito de reger a pessoa dos filhos, dirigindo-lhe a educação e decidindo todas as questões do interesse superior dele, cabendo ao outro o direito de fiscalizar as deliberações tomadas pelo genitor a quem a guarda foi atribuída.[5]
Assim, a guarda jurídica é exercida a distância pelo genitor não-guardião. A guarda material, ou física, prevista no artigo 33, § 1º, do ECA realiza-se pela proximidade diária do genitor que conviva com o filho, monoparentalmente, encerrando a idéia de posse ou cargo. Em verdade, o que obtenha a guarda material exercerá o poder familiar em toda a sua extensão.
4. Guarda compartilhada: o que é isso?
A ruptura conjugal cria a família monoparental e a autoridade parental, até então exercida pelo pai e pela mãe, acompanha a crise e se concentra em um só dos genitores, ficando o outro reduzido a um papel verdadeiramente secundário (visita, alimentos, fiscalização). Quer isso dizer que um dos genitores exerce a guarda no âmbito da atuação prática, no cuidado diário e outro conserva as faculdades potenciais de atuação.
Assim, com o crescente número de rupturas surgem, também, os conflitos em relação à guarda de filhos de pais que não mais convivem, fossem casados ou não. Cumpre à doutrina e à jurisprudência estabelecer as soluções que privilegiem a manutenção dos laços que vinculam os pais a seus filhos, eliminando a dissimetria dos papéis parentais que o texto constitucional definitivamente expurgou, como se vê pelo artigo 226, §5º.
A ruptura afeta diretamente a vida dos menores, porque modifica a estrutura da família e atinge a organização de um de seus subsistemas, o parental. Diante de tal situação, aparece uma corrente que questiona a necessidade de se manter todos os personagens da família envolvidos, mesmo após a ruptura da vida em comum, a partir de noções de outras disciplinas, como a psicologia, a sociologia, a psiquiatria, a pediatria e os assistentes sociais, tentando, assim, atenuar as conseqüências injustas que essa ruptura provoca.
O desejo de ambos os pais compartilharem a criação e a educação dos filhos e o destes de manterem adequada comunicação com os pais motivou o surgimento dessa nova forma de guarda, a guarda compartilhada.
Com a guarda compartilhada busca-se atenuar o impacto negativo da ruptura conjugal, enquanto mantém os dois pais envolvidos na criação dos filhos, validando-lhes o papel parental permanente, ininterrupto e conjunto. Dessa forma, os filhos seguem estando aí, seguem sendo filhos e os pais seguem sendo pais: portanto, a família segue existindo, alquebradas, mas não destruída.
Advoga Eduardo de Oliveira Leite, que “a guarda compartilhada mantém, apesar da ruptura, o exercício em comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito de participar das decisões importantes que se referem à criança”.[6] Por sua vez, o psicanalista Sérgio Eduardo Nick formula a noção de guarda compartilhada como “O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (‘joint custody’, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos e freqüentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (‘sole custody’, em inglês)”.[7]
Guarda conjunta, ou compartilhada, não se refere apenas à tutela física ou custódia material, mas todos outros atributos da autoridade parental são exercidos em comum, assim, o genitor que não detém a guarda material não se limitará a supervisionar a educação dos filhos, mas ambos os pais terão efetiva e equivalente autoridade parental para tomarem decisões importantes ao bem estar de seus filhos.
Todavia, essa nova modalidade de guarda deve ser compreendida como aquela forma de custódia em que o menor tem uma residência[8] fixa (na casa do pai, na casa mãe ou de terceiros) – única e não alternada, muitas vezes próxima ao seu colégio, aos vizinhos, ao clube, à pracinha, onde desenvolve suas atividades habituais e onde, é lógico, têm seus amigos.
Assim, o menor precisa contar com a estabilidade de um domicílio, um ponto de referência e um centro de apoio para suas atividades no mundo exterior, enfim, de uma continuidade espacial (além da afetiva) e social, onde finque suas raízes físicas e sociais, com o qual ele sinta uma relação de interesse e onde desenvolva uma aprendizagem doméstica, diária, da vida.
São dessas condições de continuidade, de conservação e de estabilidade que o menor mais precisa no momento da separação de seus pais, não de mudanças e rupturas desnecessárias. Os pais devem tentar manter constantes o maior número possível de fatores da vida dos filhos após a ruptura. “A mudança é estressante”, sentencia Edward Teyber.[9]
A residência única, onde o menor se encontra juridicamente domiciliado, define o espaço dos genitores ao exercício de suas obrigações. Assim, permite que os ex-parceiros deliberem conjuntamente sobre o programa geral de educação dos filhos, compreendendo não só a instrução, como meio de desenvolvimento da inteligência ou aquisição de conhecimentos básicos para a vida de relação, como também a que tem um sentido mais amplo, ao desenvolvimento de todas as faculdades físicas e psíquicas do menor.
“Dar educação” exige o concurso de ambos os genitores, “já que ela não depende da competência exclusiva de um só”,[10] pois “enquanto no sistema tradicional o guardião toma sozinho as decisões (sob duplo controle, do juiz e do genitor não-guardião), o exercício conjunto da autoridade parental invoca um acordo permanente entre pais”.[11]
Na guarda compartilhada, não só as grandes opções sobre o programa geral de educação e orientação (escolha do estabelecimento de ensino, prosseguimento ou interrupção dos estudos, escolha de carreiras profissionais, decisão pelo estudo de uma língua estrangeira, educação religiosa, artística, esportiva, lazer, organização de férias e viagens), mas também os atos ordinários, cotidianos e usuais (compra de uniformes e material escolar) – como se praticam no seio de uma família unida – pertencem a ambos os genitores.
A guarda compartilhada, como meio de manter (ou criar) os estreitos laços afetivos entre os pais e filhos, estimula, ainda, o genitor não-guardião ao cumprimento do dever de alimentos. A recíproca, nesse caso, é verdadeira: “Quanto mais o pai se afasta do filho, menos lhe parece evidente o pagamento da pensão”.[12]
Assim, esse novo modelo de guarda, atribui aos pais, de forma igualitária, a guarda jurídica, ou seja, a que define ambos os genitores como titulares do mesmo dever de guardar seus filhos, permitindo a cada um deles conservar seus direitos e obrigações em relação a eles. Nesse contexto, os pais podem planejar como lhes convém a guarda física (arranjos de acesso ou esquemas de visitas).
A teor do que foi exposto, nos ensina Eduardo de Oliveira Leite que, “o direito de visita não é um ‘direito’ dos pais em relação aos filhos, mas é, sobretudo, um direito da criança. Direito de ter companhia de seus genitores, direito de ter amor de um pai ausente, direito de gozar da presença decisiva do pai, direito de minorar os efeitos nefastos de uma ruptura incontornável. Logo, é um dever que a lei impõem àquele genitor que se vê privado da presença contínua do filho”. [13]
Assim, garantir uma adequada comunicação entre pais e filhos é cumprir com o propósito constitucional de proteger a família, surgida ou não do casamento, conforme o art. 226 da CF.
5. A guarda compartilhada na atual legislação brasileira
A guarda compartilhada é “um dos meios de assegurar o exercício da autoridade parental que o pai e a mãe desejam continuar a exercer na totalidade conjuntamente”.[14] Ela nasceu há pouco mais de 20 anos na Inglaterra e de lá se transladou para a Europa continental, desenvolvendo-se na França. Depois atravessou o Atlântico, encontrando eco no Canadá e nos Estados Unidos. Presentemente desenvolveu-se na Argentina e no Uruguai.
Aqui no Brasil, a redistribuição dos papéis na comunidade familiar, como exigência da evolução do costumes nas sociedades modernas, decretou a impropriedade da guarda exclusiva, impondo a reconsideração dos parâmetros vigentes, que não reservam espaço à atual igualdade parental. Quando o modelo vigente não mais atende às expectativas sociais, quando a realidade quotidiana observada no foro prioriza, sistematicamente, a maternidade em detrimento da paternidade, quando se nega à criança o direito de ter dois pais, quando inevitável o processo de isonomia entre o marido e a esposa, criando uma simetria nos papéis familiares, é hora de se rever a questão da autoridade parental.
Diante disso, o direito brasileiro se debruça no estudo de nova fórmula de guarda, capaz de assegurar o princípio constitucional, que garante aos pais, embora desunidos, o exercício do pleno dever de assistir, criar e educar os filhos, fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável.
Assim, é que no novo Código Civil abandonou o critério da culpa e da prevalência materna para determinar que ela será, em qualquer caso, “atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”, na dicção do artigo 1.584, priorizando os superiores interesses dos menores.[15]
No entanto, apesar do momento histórico-social ceder espaço para o avanço das novas modalidades de guardas, o novo texto legal não se refere à guarda compartilhada, ou conjunta, de modo expresso. Mas, também, não veda qualquer possibilidade.[16]
Embora, inexista norma expressa e não seja utilizada de forma usual na vida prática forense, a guarda compartilhada mostra-se lícita e possível em nosso ordenamento, como único meio de assegurar uma estrita igualdade entre os genitores na condução dos filhos, aumentado a disponibilidade do relacionamento com pai ou mãe que deixa de morar com a família.
Isso se dá pelo fato de que as profundas mudanças ocorridas na realidade social em um passado não muito distante, a revolução dos costumes, na tecnologia, modificaram os pressupostos clássicos do conhecimento humano em geral, atingido o direito como um todo e o direito civil em particular.
Como meio de comprovar a licitude desse modelo de guarda verifica-se que o texto constitucional, ao prever absoluta igualdade entre o homem e mulher (art. 5º, I) e a igualdade de direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal a serem exercidos pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), reclama uma paternidade responsável (art. 226, § 7º). Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo sobre a proteção integral do menor (art. 1º), impõe à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público o dever de assegurar ao menor uma convivência familiar à consideração de sua condição peculiar como pessoa em desenvolvimento. Por isso, é garantido ao menor o direito de participar da vida familiar (art. 16, inciso V) e de “ser criado e educado no seio de sua família”, (art. 19), submetendo-se ao poder familiar do pai e da mãe, exercido em igualdade de condições (art. 21), a quem, conjuntamente, a lei incumbe o dever de sustento, guarda e educação (art. 22).
Utilizando-se dessas prerrogativas pode o magistrado determinar a guarda compartilhada, se os autos revelarem que é a modalidade que melhor atende aos superiores interesses do menor e se for recomendada por equipe interprofissional de assessoramento, cuja competência vem descrita no artigo 151 do ECA.
Outra questão que não se pode deixar de observar é aquela extraía do parágrafo único do artigo 1.690 do Código Civil, que atribui aos pais decidirem em comum as questões relativas aos filhos e as questões relativas aos seus bens, como efeito da conjunção aditiva que une as duas orações. Assim, compete aos pais decidirem em comum as questões relativas à pessoa dos filhos (criação, educação, companhia e guarda, autorização para casar, representação e assistência) e também decidirem em comum as questões relativas aos bens de filhos (usufruto e administração).
É, pois, dever jurídico comum dos pais, encargo que a lei lhes atribui, decidir sobre a vida e o patrimônio de seus filhos, tanto durante como depois da separação, cabendo ao juiz cobrar-lhes o exercício do munus desta forma, compartilhadamente. Eis aí o fundamento normativo da guarda compartilhada no novo Código Civil.
6. Vantagens e desvantagens do modelo, sob o aspecto psicológico
A questão da guarda de menores, ressentida do pouco trato técnico-jurídico, transborda em problemas psicoemocionais. É um estágio no ciclo de vida familiar, uma circunstância desse e seguida de mudanças estruturais.
A partir da ruptura conjugal os filhos passam a um plano secundário, servindo de objeto de disputa entre os ex-cônjuges. Restam, assim, profundas questões psicológicas, que, com informações sobre a preservação, a perpetuação e a transmissão de padrões ajudam no desenvolvimento da família pós-divórcio, como um todo, propiciando uma reassociação entre o casal conjugal e parental.
Nos processos de família lida-se com pessoas e singularidades especiais de cada membro da relação e, em nenhum momento, pode ser deixado de lado este fator. Assim, o direito não pode prescindir do conjunto de conhecimentos oferecidos por outras ciências, para bem dispor sobre o equilibrado relacionamento entre os envolvidos na relação, quer entre os ex-cônjuges, quer entre pais e filhos.
O fundamento psicológico da guarda compartilhada, parte da convicção de que a separação e o divórcio acarretam uma série de perdas para a criança. Assim, a guarda conjunta viria para amenizar este sentimento. Quando as crianças se beneficiam na medida em que reconhecem que tem dois pais envolvidos em sua criação e educação.[17]
A guarda compartilhada reflete o maior intercâmbio de papéis entre o homem e a mulher, aumenta a disponibilidade para os filhos, incentiva o adimplemento da pensão alimentícia, aumenta o grau de cooperação, de comunicação e de confiança entre os pais separados na educação dos filhos. Isso lhes permite discutir os detalhes diários da vida dos filhos, como pressuposto do novo modelo.
Quando os pais cooperam entre si e não expõem os filhos a seus conflitos, minimizam os desajustes e a probabilidade de desenvolverem problemas emocionais, escolares e sociais. Maior cooperação entre os pais, leva a um decréscimo significativo dos conflitos, tendo por conseqüência o benefício dos filhos.
A guarda compartilhada eleva o grau de satisfação de pais e filhos e elimina os conflitos de lealdade – a necessidade de escolher entre seus dois pais. “Os filhos querem estar ligados aos dois genitores e ficam profundamente aflitos quando precisam escolher um ou outro”, ressalta Edward Teyber.[18]
Como ensina Maria Antonieta Pisano Motta, “tende também a diminuir os conflitos de lealdade os quais podem ser resumidamente traduzidos como sendo a necessidade da criança ou adolescente de escolher, defender, tomar o partido de um dos pais em detrimento do outro. Quando estes sentimentos estão presentes na criança entende que a ligação, interesse, carinho, afeto, necessidade de convivência e apoio a um dos pais, significa deslealdade e traição ao outro. As conseqüências emocionais são muito sérias e a criança pode isolar-se, afastando-se de ambos os pais, inclusive daquele que teme estar traindo e magoando”.[19]
O novo modelo matem intacta a vida cotidiana dos filhos do divórcio, dando continuidade ao relacionamento próximo e amoroso com os dois genitores, sem exigir dos filhos que optem por um deles. Além do que, desenvolve nos homens e nas mulheres uma genuína consideração pelo ex-parceiro em seu papel de pai ou de mãe. Ambos percebem que têm de confiar um no outro como pais. Reforçam-se, assim, mutuamente como pais, significando para eles, apesar de separados, continuar a exercer em conjunto o poder parental, como faziam na constância do casamento.
Ainda, em relação aos pais, a guarda compartilhada oferece múltiplas vantagens. Além de mantê-los guardadores e lhes proporcionar a tomada de decisões conjuntas relativas ao destino dos filhos, compartilhando o trabalho e as responsabilidades, privilegiando a continuidade das relações entre cada um deles e seus filhos, minimiza o conflito parental, diminui os sentimentos de culpa e frustração por não cuidar de seus filhos. Ajuda-os a atingir os objetivos de trabalharem em prol dos melhores interesses morais e materiais da prole. Compartilhar o cuidado aos filhos significa conceder aos pais mais espaço para suas outras atividades. Oferecendo a opção de reconstrução de suas vidas pessoais, profissionais, sociais e psicológicas.
Com relação aos filhos, pode-se resumir suas vantagens na diminuição da angústia produzida pelo sentimento de perda do genitor que não detém a guarda tal como ocorre com freqüência na guarda única. Ajuda a diminuir os sentimentos de rejeição e proporciona a convivência com os papéis masculino e feminino, paterno e materno, livre de conflitos, facilitando o processo de socialização e identificação.
Evidente, não é a solução acabada e perfeita, uma vez que nem a família do menor está imune a erros, limitações e dificuldades. Nenhuma previsão sobre a efetividade de uma solução de guarda pode ser garantida de forma absoluta pelo juiz, nem pelos profissionais que atuam no caso particular.
Como acontece com qualquer outro modelo de guarda, a guarda compartilhada também é alvo de desfavores. Em regra, todo o plano de cuidado parental é acompanhado de problemas adicionais, “o que funciona bem para uma família pode causar problemas em outra”, assegura Edward Teyber.[20]
Se tal sistema for adotado por casais amargos e em conflitos, com certeza irá fracassar. Pais não cooperativos, sem diálogos, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro, contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos e, nesses casos, os arranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivo.
Entretanto, as boas relações entre pais e filhos nos anos que se seguem ao divórcio podem ter uma importância decisiva no bem-estar psicológico e na auto-estima dos filhos, pois a segurança, a confiança e a estabilidade da criança estão diretamente relacionada à manutenção das relações afetivas pais-filhos. Isso é o que verdadeiramente importa, segunda o estudo de Judith S. Wallerstein.[21]
Nesse contexto, não se pode impor uma realidade àquelas famílias nas quais não estão preparadas para conviverem dentro do sistema da guarda compartilhada. Assim, cada caso deve ser analisado de forma distinta e atenta, utilizando-se dos profissionais multidisciplinar para se ter um laudo adequado, que irá se transformar no pilar de sustentação da guarda conjunta.
Os prós e os contras, de forma alguma pretendem esgotar as circunstâncias que podem levar o juiz a decidir sobre a conveniência, ou não, da outorga da guarda compartilhada. As críticas não se podem ser tidas como absolutas, quando se tem presente, inafastavelmente, que o interesse do menor não mais se prossegue com a guarda única.
Assim, quando os pais privilegiam a continuidade de suas relações após a ruptura da vida conjugal, há toda uma vantagem em atribuir efeitos jurídicos à atitude de cooperação dos pais, entusiasmando ambos a compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e na educação dos filhos, quanto há vantagens emocionais a ambos os envolvidos, proporcionando um melhor relacionamento e uma formação de caráter psicológico do menor sem conflitos.
7. Guarda Compartilhada x Guarda Alternada
Importante destacar a diferença entre guarda compartilhada ou conjunta e guarda alternada.
A guarda alternada caracteriza-se pela alternância de residência dos pais, por certos períodos. Assim, “a guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, conseqüentemente, durante esse período de tempo deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder parental. No termo do período, os papéis invertem-se”.[22]
Nesse contexto, enquanto um dos genitores exerce a guarda no período que lhe foi reservado com todos os atributos que lhe são próprios (educação, sustento) ao outro se transfere o direito de fiscalização e de visitas. Ao cabo do período, independentemente de determinação judicial, a criança faz o caminho de volta.
Sendo inconveniente à consolidação dos hábitos, dos valores, padrões e idéias no mente do menor e à formação de sua personalidade. Diante disso, a jurisprudência a desabona, quando a criança passa de mão em mão.[23]
As desvantagens desse modelo são o elevado número de mudanças, repetidas separações e reaproximações e a menor uniformidade da vida cotidiana dos filhos, provocando no menor instabilidade emocional e psíquica.
Distinções devem ser feitas, em virtude de que, a guarda compartilhada nasce da perspectiva do interesse dos filhos. O sistema de exercício compartilhado da guarda, que se apresenta como novidade, resulta mais benefício que aqueles em que um dos genitores concentra a autoridade parental e exerce, em última instância o poder de decisão.
Assim, no âmbito da guarda conjunta, diferentemente da guarda alternada, existe somente um ambiente físico determinado. No qual, garante o bom desenvolvimento emocional e psíquico da criança, ou adolescente, uma aproximação dos papéis materno e paterno e o desenvolvimento da esfera social adequada.
8. Conclusão
A guarda compartilhada deve ser tomada, antes de tudo, como uma postura, como reflexo de uma mentalidade segundo a qual o pai e a mãe são igualmente importantes para os filhos de qualquer idade e, portanto essas relações devem ser preservadas para a garantia de que o adequado desenvolvimento fisioquímico das crianças ou adolescentes envolvidos venha a ocorrer.
Deve-se ter sempre em conta a necessidade de uma avaliação objetiva da aplicabilidade deste tipo de guarda em relação à gama de condições e circunstâncias que cada caso apresenta, evitando-se a admissão preconcebida e sua falta de operacionalidade.
Descartar, a priori, a guarda compartilhada como uma das soluções possíveis pode dificultar a concretização do atendimento ao melhor interesse da criança, pode, ainda, dificultar ou entorpecer dinâmicas familiares, levando, muitas vezes, a intervenções judiciais, que poderiam ser desnecessárias.
Cabe, assim, aos operadores, sendo estes psicólogos, advogados, assistentes sociais, juízes ou legisladores, levarem em consideração, como papel principal, o crescimento e o interesse da criança, quando se referir às questões de guarda.
Informações Sobre o Autor
Laura Affonso da Costa Levy
Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC; Pós-Graduanda em Bioética pela PUC/RS; Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS; Diretora Estadual (RS) da ABRAFAM, Associação Brasileira dos Advogados de Família; Palestrante; Parecerista e Consultora Jurídica.