O julgamento da ADC nº 18 pelo Supremo Tribunal Federal

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Resumo: A questão acerca da constitucionalidade da inclusão dos valores recolhidos a título de ICMS na base de cálculo das contribuições sociais da COFINS e do PIS/PASEP revela-se como tema controverso em nossa doutrina e jurisprudência, sendo objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de julgamento histórico por parte de nossa Corte Suprema, que pode ocasionar um rombo milionário nos cofres públicos e alterar de forma significativa à forma de tributação existente no ordenamento jurídico brasileiro, sendo imperiosa um aprofundado debate e estudo sobre o tema.

Palavras-chave: ICMS, Base de Cálculo, Cofins – PIS/PASEP, Constitucionalidade, ADC nº 18.

Abstract: The question about the constitutionality of including amounts paid in respect of ICMS on the tax base of social contributions COFINS and PIS/PASEP proves to be a controversial topic in our doctrine and jurisprudence, the object of the Declaratory Action of Constitutionality nº 18 in proceedings before the Supreme Court. This is historic trial by our Supreme Court, which can cause a leak millionaire in public coffers and significantly alter the existing form of taxation in the Brazilian legal system, and pressing a thorough discussion and study on the subject.

Key words: ICMS, Tax Base, Cofins – PIS/PASEP, Constitutionality, ADC nº 18.

Sumário: 1. Breve Relato do Trâmite da ADC nº 18 no STF. 2. Argumentos dos Contribuintes e do Fisco. 3. Prognósticos para o Julgamento e a Opinião Pessoal do Autor

1 – Breve Relato do Trâmite da ADC nº 18 no STF

A Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18 foi distribuída em 10/10/2007, tendo como requerente o Presidente da República e como relator o Ministro Menezes Direito.

O seu objeto, conforme descrito na petição inicial do feito, digitalizada e colocada à disposição para consulta no sítio virtual do Supremo Tribunal Federal[1], é a declaração de constitucionalidade do artigo 3º, §2º, inciso I da Lei nº 9.718/1998 em face do dispositivo constitucional previsto no artigo 195, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Assim resume o Advogado Geral da União em sua manifestação:

"Trata-se de dispositivo que regulamenta a base de cálculo sobre a qual serão apurados os valores da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e dos Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP."

O Requerente apresentou pedido cautelar nos seguintes termos:

"a) o deferimento da medida cautelar, com fundamento no art. 21 da Lei 9.868/99, a fim de que se suspenda o julgamento de todos os processos em que se discuta a constitucionalidade do preceito objeto desta ação, assim como os efeitos das decisões que tenham afastado a aplicação ou simplesmente desconsiderado a norma; vale dizer, em que se questione a inclusão do custo do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP." (destaques não constam do original)

Em seguida, o Requerente juntou petição pugnando pela prioridade no julgamento desta ADC em face do RE nº 240.785-2/MG, leading case sobre a matéria, no qual a União sofria considerável derrota, vez que cinco Ministros, Sepúlveda Pertence, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandoski, Carlos Britto e Cezar Peluso, existindo apenas o voto do Ministro Eros Grau em sentido contrário, já haviam se manifestado pela inconstitucionalidade da dita inclusão, sob o argumento de que esse recurso extraordinário envolveria controle difuso de constitucionalidade, enquanto a ADC se qualifica por possibilitar um controle concentrado da matéria, proporcionando, desta feita, uma solução erga omnes acerca da controvérsia, respeitando os princípios da segurança jurídica, eficiência e da isonomia.

O Ministro Marco Aurélio suscitou essa mesma questão da procedência da ADC em relação ao RE, por ocasião do início do julgamento da lide, em 14/05/2008.

O Plenário do STF analisou a matéria e entendeu por privilegiar o julgamento da ADC nº 18, optando, desta feita, pela precedência de uma ação objetiva, por excelência as demandas sob jurisdição daquela Corte Constitucional, votando nesse sentido os Ministros Menezes Direito, Gilmar Mendes, Ellen Graice, Celso de Mello, Carlos Brito, Carmem Lúcia e Eros Grau e restando vencidos os Ministros Marco Aurélio (suscitante da questão), Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.

Ato contínuo, em sessão finalizada em 13/08/2008, o Plenário do STF seguiu o entendimento consagrado no voto do Ministro Relator Menezes Direito e deferiu a medida cautelar pleiteada, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.

Transcreve-se trechos relevantes do voto do Ministro Relator, extraídos do sítio jurídico do Supremo Tribunal Federal:

"Ocorre que, enquanto não encerrado o julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº 240.785/MG, a jurisprudência permanece sujeita a flutuações inconvenientes aos sujeitos passivos da obrigação tributária e ao próprio Estado, recomendando a paralisação das demandas em trâmite, relativas ao tema destes autos.(…)

Anote-se, ainda, que o controle direto de constitucionalidade precede o controle difuso, não obstando o ajuizamento da ação direta o curso do julgamento do recurso extraordinário.

Com essas razões, assinalando a relevância da matéria, nos termos do artigo 21 da lei 9.868, de 10/11/99, defiro a medida cautelar para determinar que os Juízes e Tribunais suspendam o julgamento dos processos em trâmite, aí não incluídos, evidentemente, os processos em andamento nesta Corte, que envolvam a aplicação do art. 3º, §2º, inciso I, da Lei 9.718, de 27/11/98." (destaques não constam do original)

Coube, então, a Procuradoria da República exarar seu parecer sobre a matéria discutida no feito, sendo esse elaborado pelo Procurador Geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, apresentado em 06/10/2008.

Assim arrematou o chefe do Ministério Publico Federal em sua manifestação:

"28. O ônus referente aos tributos indiretos, como se tem no caso do ICMS, pode integrar a base de cálculo das exações incidentes sobre o faturamento, isso porque é custo do produto e, nessa qualidade, está agregado ao seu preço. Ora, em sendo o preço do produto pago ao fornecedor do bem ou serviço componente essencial do faturamento, por dedução lógica, valor do tributo indireto também o será, o que autoriza a tributação de sua importância pelas exações que incidem sobre o faturamento ou a receita bruta total das empresas.

29. De todo o exposto, tem-se por certo que o ICMS, imposto indireto, compõe o preço da mercadoria ou do serviço, integrando, por isso, o faturamento, donde decorre que o dispositivo objeto da presente ação, é constitucional.

Antes tais considerações, o parecer é pela procedência desta ação declaratória de constitucionalidade." (destaques não constam do original)

Em 04/02/2009, o Plenário do STF, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, resolvendo questão de ordem, prorrogou o prazo da decisão da liminar concedida, por mais um período de 180 (cento e oitenta) dias.

Passado esse prazo, em 16/09/2009, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, propôs nova questão de ordem nos mesmos termos da anterior, tendo a Suprema Corte prorrogado por mais uma vez a eficácia da medida cautelar deferida.

No dia seguinte, em face do falecimento do Ministro Menezes Direito, relator da ADC nº 18, o Presidente do STF determinou a redistribuição do feito, tendo a relatoria ficado sob responsabilidade, a partir de então, do decano Ministro Celso de Mello.

Finalmente, em 25/03/2010, o Tribunal decidiu por uma nova e última prorrogação do prazo de eficácia da medida cautelar, por 180 dias, vencido, novamente, o Ministro Marco Aurélio que se opunha à medida.

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Entretanto, mais esse prazo foi vencido sem o julgamento da ADC nº 18, levando à cessação da eficácia do provimento cautelar do STF que suspendia a tramitação de processos cujo objeto coincidisse com aquele versado na citada ação declaratória, conforme despacho expresso nesse sentido prolatado pelo Ministro Relator em 26/02/2013.

Após o fim do prazo de eficácia da medida cautelar, o feito não sofreu movimentações relevantes, tendo sido admitidos, na condição de amicus curiae, alguns entes, tais como o Estado de Alagoas, a Associação Brasileira dos Franqueados do McDonald´s, Associação Brasileira da Indústria Química e a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo.

Além disso, tendo em vista a considerável demora no julgamento da questão, vários terceiros interessados tem se manifestado nos autos requerendo a liberação do voto do Ministro Relator e a inclusão imediata em pauta do julgamento da citada ADC, podendo-se citar petições nesse sentido da Confederação Nacional do Transporte, em 13/02/2012 e 30/07/2013 e da ABFM em 27/03/2012 e 28/08/2013.

De fato, não há dúvidas que a análise definitiva da questão pelo Supremo Tribunal Federal se alonga demasiadamente, sendo ainda mais retardada em razão do julgamento do "Mensalão", que tomou grande parte das sessões do  STF do segundo semestre de 2012 e até hoje não foi finalizado.

Espera-se que, o quanto antes, seja dado início ao julgamento da ADC nº 18, sendo um dos julgamentos mais aguardados em nossa história recente, seja pela longa espera por uma solução definitiva acerca da controvérsia, seja por ser um pronunciamento jurisdicional que pode gerar um rombo bilionários nos cofres da Seguridade Social, seja pelas robustas e articuladas razões existentes para embasar os dois entendimentos em disputa.

2 – Argumentos dos Contribuintes e do Fisco

Conforme exposto alhures, revela-se indiscutível a importância do tema objeto desse estudo, seja por seu aspecto financeiro, já que as cifras envolvidas giram na casa dos bilhões de reais; seja por suas conseqüências jurídicas, vez que o sistema de tributação brasileiro pode sofrer uma grande mudança caso seja sepultada a teoria da cobrança “por dentro”.

A relevância dos argumentos trazidos por ambas as partes, bem como a magnitude dos expoentes doutrinários que abalizam as duas teses são irrefutáveis.

São as seguintes razões sustentadas pelos contribuintes, utilizadas para embasar o posicionamento do voto do relator, Ministro Marco Aurélio no RE nº 240.785/MG:

1) O parágrafo único do art. 2º da LC 70/91[2], que dá suporte à inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, não foi declarado expressamente constitucional no julgamento da ADC nº 1/DF, não possuindo efeito vinculante os comentários feitos pelo Min. Sepúlveda Pertence em seu voto, os quais não passariam de obter dictum;

2) há um conceito constitucional de faturamento, diverso de receita bruta, que se limita ao "somatório dos valores das operações negociais realizadas";

3) o ônus fiscal não pode integrar o faturamento do contribuinte, já que não representa qualquer circulação de riqueza, não ingressando o valor do ICMS no patrimônio do alienante (contribuinte de direito) da mercadoria, sendo o valor integralmente repassado aos cofres do Estado.

Partindo dessas alegações, a COFINS somente pode incidir sobre o "ganho" do contribuinte com a grandeza econômica tributável. Repudia-se, destarte, a incidência sobre a "receita bruta" (faturamento), e defende-se a incidência sobre a "receita líquida".

Os defensores deste posicionamento sustentam de que o valor do ICMS não configura faturamento, pois ninguém fatura o imposto, ninguém comercializa o imposto.

Portanto, inapelável para eles que o valor do ICMS só configura uma entrada de dinheiro e não receita da empresa, haja vista o ICMS ser uma receita do Estado e não por outra razão tal valor é registrado em livro para fins contábeis.

Alegam que o sujeito passivo do ICMS é mero depositário do imposto, atuando como uma extensão do braço arrecadador do Fisco. A respectiva entrada de numerário não se incorpora ao patrimônio jurídico do contribuinte de direito, transita por suas contas, tendo sempre um destinatário certo, a pessoa jurídica de direito público competente para exigir seu adimplemento.

Lado outro, a União Federal aponta que o grave erro dos contribuintes é desconsiderar que o legislador ordinário estabeleceu como base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP a receita bruta auferida mensalmente, e não a receita líquida ou algo que ficasse no meio do caminho entre esse dois institutos.

Assim, no conceito de receita bruta não está somente a receita líquida, isto é a renda, mas todos os custos que compõem o valor da operação que gerou a receita contabilizada pelo contribuinte. Exemplifica-se. Nestes custos encontram-se os valores dos salários pagos, despesas com o FGTS, o valor pago a título de energia elétrica, despesas com segurança, propaganda, planejamento, custo da matéria-prima, e, inclusive, os tributos pagos pelo contribuinte e que oneram o valor do produto ou do serviço, eis que repassados ao consumidor no preço final, tais como todos os outros custos citados anteriormente.

Entre esses tributos têm-se as mais diversas taxas, impostos e contribuições, e, obviamente, o ICMS, que, juntamente aos demais, são repassados para o preço final do produto ou do serviço, e cuja receita é justamente o fato econômico definido pelo legislador como a base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP.

Para a União pouco importa qual a natureza do custo que compôs o valor da mercadoria vendida ou do serviço prestado. Todos os custos compõem esse valor, e esse montante global é justamente aquele que deve ser considerado como a base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP, já que essa foi definida em lei como sendo a receita bruta.

O Fisco levanta inconsistência no entendimento dos contribuintes, baseada no tratamento diferenciado que esses buscam submeter o ICMS quando comparado com outros custos que integram o valor da mercadoria. Isso porque, assim como o ICMS é recolhido aos cofres públicos estaduais, não ficando com o contribuinte, os valores referentes aos demais custos também não ficam com o contribuinte, sendo repassados a outras empresas, pessoas físicas ou terceiros (empregados, companhia de energia elétrica, FGTS, fornecedores, empresas contratadas para a prestação de serviços, entes estatais).

Logo, tem-se que, ressalvadas situações específicas, à exceção do lucro, também os demais elementos componentes do custo não ficam com o contribuinte e são recolhidos a terceiros, por força de obrigações legais ou volitivas, da mesma forma que o ICMS.

Partindo dessa premissa, a União questiona se o simples fato do ICMS ser recolhido para um Estado-membro, enquanto que grande parte dos demais custos é recolhida para pessoas jurídicas de direito privado ou pessoas físicas, desnatura a sua condição de custo que compõe o valor da venda da mercadoria ou da prestação do serviço, a ponto de excluí-lo da receita bruta.

O Fisco ainda salienta que o legislador ordinário, no parágrafo 2º do art. 3º da lei 9.718/98, previu algumas exclusões na base de cálculo das contribuições, dentre as quais outro tributo, o IPI, fazendo a sua retirada para o cálculo das contribuições de forma expressa.

Todavia, dentro desse rol excepcional e exaustivo, não se encontra o valor do ICMS referente à operação na qual foi contabilizada a receita da venda da mercadoria ou da prestação de serviço.

Por fim, pontua a Fazenda Nacional que o STF já se manifestou pela constitucionalidade da inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do próprio imposto, legitimando a chamada tributação “por dentro”, por meio do julgamento do RE nº 212.209/RJ.

A importância do julgamento do RE 212.209/RJ, salienta o Fisco, sobressai pela definição nele contida de que o valor relativo ao ICMS faz parte do valor do produto, devendo ser considerado, por conseguinte, no valor da operação, base de cálculo do próprio ICMS, ou na receita bruta, base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP.

3 – Prognósticos para o Julgamento e a Opinião Pessoal do Autor

Tem-se que até o presente momento, em razão da prolação de seis votos favoráveis ao entendimento dos contribuintes, por ocasião do julgamento do RE nº 240.785/MG, uma relevante expectativa de vitória por parte dos defensores dessa posição, esperançosos pelo julgamento improcedente da ADC nº 18.

Referida expectativa se justifica pelo fato de que três dos seis ministros que votaram acolhendo a tese dos contribuintes, ainda se encontram na composição da Corte Suprema, quais sejam, os Ministros Marco Aurélio, Relator do citado recurso extraordinário, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandoski.

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Já para a tese fazendária, o único voto prolatado em seu favor foi da lavra do Ministro Eros Grau, que teve sua aposentadoria publicada no Diário Oficial da União em 02/08/2010, estando, portanto, fora do julgamento do mérito da referida ADC.

A questão se mostra ainda mais preocupante para os interesses da União em razão do Ministro Dias Toffóli ter sido, na condição de Advogado Geral da União, o subscritor da petição inicial da ADC nº 18, fato que, por si só, já gerou requerimento de partes interessadas para que ele seja impedido de participar do julgamento da lide.

O quorum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, destarte, pode ser reduzido para dez ministros, caso o impedimento objetivo seja reconhecido, situação em que o êxito da Fazenda Nacional será ainda mais difícil, já que para a proclamação da constitucionalidade da norma são necessários os votos de pelo menos seis Ministros, em atendimento ao que determina o artigo 23 da Lei 9.868/98[3].

De toda sorte, em que pese não se tratar de prática comum, mesmo os Ministros que já apresentaram suas opiniões sob o tema, podem vir a alterar seu posicionamento, possibilitando a procedência da ADC nº 18.

Não obstante os louváveis argumentos apresentados pelos defensores da tese anti-Fisco, o entendimento pessoal deste autor é no sentido de que é constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP.

A tese dos contribuintes naufraga em alguns pontos essenciais. O primeiro dele é na própria formatação do artigo 195 da Constituição da República Federativa do Brasil, no qual restam claramente separadas em incisos distintos duas hipóteses de incidência tributária, o faturamento (e receita) e o lucro.

Permitir o afastamento do ICMS da base de cálculo das contribuições sociais implicaria em ofensa constitucional, já que as exações seriam calculadas com base em um montante que poderia ser localizado no meio termo entre as receitas e o lucro do contribuinte.

Lado outro, conforme muito bem ressaltado pelo ilustre Ministro Ilmar Galvão, não existe qualquer vedação em nosso texto Constitucional de que uma exação faça parte da base de cálculo de outra.

Ademais, revela-se indiscutível que por se tratar de tributo indireto, o ICMS compõe o preço da mercadoria ou serviço e, por isso, integra o seu faturamento.

Esse entendimento foi consagrado em nossa jurisprudência, por meio de julgamento paradigmático sobre o tema no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quando da análise da possibilidade de inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo. O brilhantismo e correção do voto do Ministro Ilmar Galvão, cujo principal trecho se transcreve a seguir, evidencia a contumaz e escorreita, à luz dos nossos dispositivos constitucionais, forma de tributação levada a cabo pelo Estado brasileiro.

"Em votos anteriores, tenho assinalado que o sistema tributário brasileiro não repele a incidência de tributo sobre tributo. Não há norma constitucional ou legal que vede a presença, na formação da base de cálculo de qualquer imposto, de parcela resultante do mesmo ou de outro tributo, salvo a exceção, que é a única, do inciso XI do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição, onde está disposto que o ICMS não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos." (destaques não constam do original)

Trata-se de raciocínio que permeia a interpretação da legislação tributária, constitucional e infraconstitucional, há décadas na vida jurídica brasileira. Alterar essa percepção de nossa realidade normativa pode gerar grande instabilidade jurídica, o que não convém a um Estado Democrático de Direito.

Em um país como o Brasil, em que a carga tributária é bastante expressiva, teses favoráveis aos contribuintes acabam sendo tratadas com bons olhos pelo público em geral e a imprensa.

Estima-se que o rombo nos cofres federais pode atingir o montante de 80 bilhões de reais em caso de êxito completo dos contribuintes na ADC nº 18, conforme noticia o sítio eletrônico Jus Brasil Notícias[4]

Entretanto, olvida-se que a abrupta queda de arrecadação causada pela derrota judicial da Fazenda Nacional acaba gerando pressão para novas majorações da própria carga tributária. Essa pressão decorre não somente do cumprimento da reorientação jurisprudencial quando do fim do julgamento da ADC para os fatos geradores do futuro, mas, principalmente, por vultosas compensações tributárias e expedições de precatórios em favor de grandes empresas, que são as principais contribuintes da COFINS e do PIS/PASEP, em razão da aplicação retroativa da novel jurisprudência.

O pequeno contribuinte, maioria no universo supostamente beneficiado, é quem acaba sofrendo o ônus, pois, na maioria das vezes, não consegue reaver significativa parte dos valores “indevidamente” recolhidos e ainda sofre o peso de novas majorações de alíquotas e cortes de benefícios fiscais.

Assim, entende-se que, se por ocasião do julgamento da ADC nº 18, após os intensos debates que são aguardados, em caso de reconhecimento da inconstitucionalidade da inclusão ora discutida, deve ser levantada questão de ordem acerca da modulação temporal dos efeitos daquela decisão.

Isso porque esse novo posicionamento jurisprudência não pode ignorar os anos e anos em que prevaleceu o entendimento diverso. Trataria-se de uma nova interpretação constitucional que representaria verdadeira mutação constitucional. A jurisprudência não é construída ao acaso e merece obediência até que razão superior e premente imponha o contrário.

O respeito à jurisprudência historicamente firmada no país, no sentido da possibilidade de ser incluir o ICMS na base de cálculo dos tributos que incidam sobre a circulação de riqueza, é imposição de ordem democrática; é, também, necessária para a tutela da segurança, reconhecida como pilares do nosso Texto Constitucional.

Não se está a impedir uma evolução na compreensão da Constituição, ainda mais quando realizada no âmbito da nossa Corte Suprema, após intensos debates e questionamentos realizados pelos maiores pensadores do direito nacional.

Ocorre que a rejeição de posicionamento jurisprudencial já consolidado e tradicional em tribunais de todos os cantos do país só pode ser admitida em um Estado Democrático de Direito se razão extremamente relevante surgir e demandar tal reforma de posição.

Não se mostra razoável desconsiderar décadas de entendimento remansoso por pressão de razões momentâneas ou pela união temporária de opiniões divergentes.

Se a alteração da composição das Cortes Constitucionais, como ocorreu de forma significativa nos últimos anos perante o Supremo Tribunal Federal, pudesse conduzir à reforma integral dos entendimentos jurisprudenciais, restaria abnegada a segurança jurídica e menosprezado o Estado de Direito.

Na prática, estaria o Tribunal introduzindo nova regra no sistema jurídico, com a agravante dessa possuir efeitos pretéritos.

Por todo o exposto, defende-se que, para se alterar a jurisprudência consagrada pelo próprio o STF, e também pelo Superior Tribunal de Justiça, e se negar a possibilidade de qualquer tributo integrar a base de cálculo de outro, no que tange aos tributos indiretos que não apresentam exceções legalmente previstas, dever-se-á ter em mãos razão relevantíssima.

Ainda nesse caso, o respeito à segurança jurídica aconselha que a decisão só seja dotada de efeitos prospectivos. Ou seja, que o Supremo Tribunal Federal molde os efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade, concedendo-lhe eficácia ex nunc, para beneficiar apenas os feitos já ajuizados e regulamentar, a partir de então, as situações futuras.

 

Referências bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9718.htm. Acesso em 10/10/2013.
BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de dezembro de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em 10/10/2013.
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CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
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FERRARI SABINO, José Alfredo, Da Não-Inclusão dos Reembolsos, pelos Distribuidores, do ICMS Retido pela Indústria na Base de Cálculo do PIS e da Cofins, in Revista Dialética de Direto Tributário, nº 42, 1999.
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SEHN, Sólon. Cofins incidente sobre a receita bruta. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
 
Notas:
 
[2] Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição, o valor: (…)

[3] Art. 23. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

[4] CURY, Priscila. Decisão sobre ICMS na base da Cofins pode causar rombo de R$ 80 bi ao governo. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/noticias/666258/decisao-sobre-icms-na-base-da-cofins-pode-causar-rombo-de-r-80-bi-ao-governo. Acesso em 11/10/2013.


Informações Sobre o Autor

Thiago Faria Campos

Procurador da Fazenda Nacional


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