O Mandado de Injunção: Origens e trajetória constituinte

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Resumo: O presente trabalho visa contribuir para o debate acerca da ineficácia do mandado de injunção frente às omissões inconstitucionais. Para tanto, realizamos uma breve apresentação das origens do instituto, ou seja, a da sua possível filiação a institutos do direito comparado, bem como a sua trajetória constituinte, conceituação e efeitos.


Palavras chave: Mandado de injunção. Direito comparado. Processo constituinte.


Sumário: 1. Introdução. 2. Origens do Mandado de Injunção. 3. Trajetória constituinte. 4. Conceituação e efeitos. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O problema da realização constitucional, aqui compreendida como definida por Canotilho (1993), ou seja, tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais, é um dos temas mais relevantes de toda a teoria constitucional. A Constituição de 1988, embora em vigor, carece dessa realização, sendo a omissão inconstitucional um dos grandes obstáculos a essa efetividade constitucional. Para fazer frente a essas omissões que impedem a plena realização da constituição, e em particular dos direitos fundamentais, a Constituição de 1988 criou, de forma inovadora, o mandado de injunção. Entretanto, o novo instituto não tem cumprido o seu papel.


O presente trabalho tem nessa problemática a justificativa de sua realização, visando contribuir para o debate acerca da ineficácia do mandado de injunção frente às omissões inconstitucionais. Tal contribuição consiste na realização de uma breve apresentação das origens do instituto, ou seja, a da sua possível filiação a institutos do direito comparado, bem como na análise de sua trajetória constituinte, conceituação e efeitos. Espera-se, assim, colaborar para uma melhor compreensão do instituto de modo a ampliar o debate crítico com relação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.


2. Origens do Mandado de Injunção


O tema da origem ou filiação do mandado de injunção a institutos similares do direito comparado foi muito discutido quando da promulgação da Constituição de 1988. Segundo Willis Santiago Guerra Filho (2001, p.102), este debate se deu, provavelmente, “devido ao estado de dúvida e incerteza, criado em torno do mandado de injunção”. Muitos autores defenderam que o mandado de injunção teria surgido por influência de diversos ordenamentos jurídicos, como o norte-americano, o inglês, o português e ainda o alemão, sendo que outros vislumbraram, desde o início, ser o mesmo uma originalidade brasileira.


Como se verificará mais a frente — no item relativo à elaboração constituinte do mandado de injunção — pouco se discutiu durante à Assembléia Nacional Constituinte, sobre quais seriam as origens nas quais estariam se baseando os constituintes para propor os projetos que terminaram por criar o mandado de injunção. A principal preocupação foi sempre a de criar um mecanismo eficiente para coibir a omissão inconstitucional, na busca de “uma maior efetividade das normas constitucionais que, em regimes passados, pereciam, desvalidas, por inércia do legislador em regulamentar os direitos delas decorrentes” (Barroso, 2002, p.247).


Mesmo que se aceite a tese segundo a qual o mandado de injunção seria uma criação original do direito brasileiro, ainda assim é importante a análise dos institutos do direito estrangeiro que com ele apresentam semelhanças — a começar pelo próprio writ of injunction do direito anglo-americano, cujo nome já parece indicar ter sido fonte inspiradora para a nossa injunção —, já que isso servirá para nos proporcionar uma melhor compreensão e análise do instituto (Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, 1999).


Entre os autores que defendem ter sido o writ of injunction do direito anglo-americano principal fonte do mandado de injunção estão: Regina Quaresma (1995), José Afonso da Silva (1998), Helio Tornaghi (apud Quaresma, 1995) e Vicente Greco Filho (apud Quaresma, 1995). Há também aqueles que reconhecem no mandado de injunção uma derivação da ação de inconstitucionalidade por omissão portuguesa, entre eles estão: J.J. Calmon de Passos (apud Quaresma, 1995) e Ademar Ferreira Maciel (apud Quaresma, 1995). Outros, como o Ministro Carlos Velloso (1997), preferem reconhecer tanto no direito anglo-americano, quanto no português e alemão, as origens do mandado de injunção.


Temos, ainda, autores que consideram o mandado de injunção sem similar no direito comparado — como por exemplo: Pfeiffer (1999), Guerra Filho (2001), Barroso (2002), Ronaldo Poletti (2000) e Celso Ribeiro Bastos (apud Quaresma, 1995) — existem, também, aqueles que, apesar de considerarem o mesmo um instituto novo, reconhecem a inspiração no direito estrangeiro, como Alexandre de Moraes (2000) e Paulo Bonavides (1996).


No direito inglês a injuction surgiu como instrumento da equity — sistema criado para abranger os casos não protegidos pela lei ou pelo sistema da common law, e aplicado pela Court of Chancery —, podendo consistir numa prohibitory ou mandatory injuction, quando se pretende proibir alguém de fazer algo ou determinar alguém a fazer determinada coisa, respectivamente (Pfeiffer, 1999). A injuction inglesa é, deste modo, um remédio que tem por fundamento um juízo de eqüidade visando formular a regra jurídica para um caso concreto não abrangido pela common law ou pela lei (Quaresma, 1995), situações em que há um “vácuo legislativo” completo, conforme esclarece Pfeiffer (1999: p. 32), e não para os casos em que a falta é apenas de norma regulamentadora.


O writ of injuction no direito norte-americano tem sido utilizado para as mais diversas finalidades, principalmente para a proteção dos direitos constitucionais dos cidadãos, visando proibir a prática de ato que viole tais direitos, existindo ainda o writ of mandamus que é utilizado quando se quer compelir autoridades do poder público a cumprir um preceito constitucional (Quaresma, 1995). Apesar das diferenças entre a injuction anglo-americana e o mandado de injunção brasileiro, como, por exemplo, a diversidade de aplicações e a ausência total de norma, percebemos que ambos os instrumentos visam dar efetividade a direitos fundamentais consagrados (Pfeiffer, 1999).


A ação de inconstitucionalidade por omissão prevista no art. 283 da Constituição Portuguesa, assim como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão previstos na Constituição Brasileira, constituem, segundo Canotilho (1993b), exceções ao dogma segundo o qual a inconstitucionalidade por omissão não é suscetível de controle jurisdicional.  A ação direta de inconstitucionalidade por omissão brasileira teria tido, assim, influência direta da mesma ação portuguesa (Quaresma, 1995), o que pode ser percebido pela simples leitura dos dispositivos constitucionais pertinentes, mas seria essa também a principal influência do mandado de injunção? A maior parte da doutrina pátria — ao contrário do que estabelece a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal — reconhece várias diferenças entre a nossa ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, sendo as principais referentes a ser o primeiro um processo objetivo, enquanto que o segundo seria subjetivo, entre partes, assim como quanto aos efeitos das mesmas, uma de simples ciência ao órgão omisso e a outra de viabilização do exercício de um direito (Vieira, 2002 e Hage, 1999).


Já a ação constitucional alemã (Verfassungsbescherwerde) é admitida para a impugnação tanto de comportamentos inconstitucionais comissivos como omissivos, neste último caso somente quando ocorre a chamada omissão parcial, que quase sempre se dá por violação ao princípio da isonomia. Nessa ação alemã há a possibilidade de concretização direta do direito constitucional reclamado, mas isso apenas quando o tribunal considerar que a norma em questão possui todos os elementos que permitam a sua direta aplicação (Pfeiffer, 1999). Deste modo, é possível também o reconhecimento de semelhanças e diferenças entre essa ação e o mandado de injunção que não pode ser utilizado para casos comissivos, servindo exatamente para casos em que há a falta de regulamentação.


Vejamos, agora, a trajetória constituinte do mandado de injunção, de modo a verificarmos a real influência do direito comparado no processo, e o que se pretendeu com a sua inserção na Constituição de 1988.


3. Trajetória constituinte


Antes mesmo do início do processo constituinte, já havia a preocupação da comunidade jurídica com a perpetuação da omissão inconstitucional, buscando-se a criação de mecanismos eficazes que vedassem essa inércia dos órgãos competentes em regular as normas constitucionais, notadamente as relacionadas com direitos sociais e coletivos (Pfeiffer, 1999). A elaboração constituinte do mandado de injunção — cujo texto atual resultou de diversas propostas apresentadas, mais ou menos simultaneamente, por vários constituintes — se deu nesse contexto de anseio da sociedade brasileira em se encontrar um remédio para coibir a omissão futura do legislador ordinário, o que acabaria por frustrar as expectativas geradas pelas promissoras normas da nova Constituição (Hage, 1999).


O processo legislativo, entretanto, por ser político por excelência, nem sempre corresponde a uma racionalidade técnico-jurídica, o que é ainda mais agravado quando temos um processo de elaboração constitucional amplamente democrático, como foi o caso da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88 (Hage, 1999). A tramitação dos dispositivos acerca do mandado de injunção se deu, assim, nesse meio de grande diversidade de interesses e opiniões, aliado a falta de conhecimento técnico de grande parte dos constituintes.


A análise, ainda que sucinta, da trajetória constituinte de elaboração do mandado de injunção é, deste modo, muito importante para uma melhor compreensão do instituto, assim como das dúvidas e perplexidades que sua redação final ocasionou tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em especial a do Supremo Tribunal Federal.


O processo de elaboração da Constituição de 1988 se deu em quatro fases, primeiro a das subcomissões, depois a das comissões temáticas, posteriormente a da comissão de sistematização e por último a fase do plenário (Pfeiffer, 1999). Já na fase das subcomissões foram apresentadas várias propostas nas quais se percebe a preocupação com a inconstitucionalidade por omissão. A precedência, segundo José Afonso da Silva (1998), é atribuída ao Senador Virgílio Távora, que apresentou as seguintes sugestões acerca dos institutos do mandado de injunção e da inconstitucionalidade por omissão:


a de n. 155-4: “Sempre que se caracterizar a inconstitucionalidade por omissão, conceder-se-á ‘mandado de injunção’, observado o rito processual estabelecido para o mandado de segurança”; a de n. 156-2: “A não edição de atos ou normas pelos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário, visando a implementar esta Constituição, implica a inconstitucionalidade por omissão”; e a de n. 315: “art. […] Parágrafo único. O acesso ao ensino básico é um direito público subjetivo, acionável contra o poder público mediante mandado de injunção”. (Távora apud Silva, 1998).


Como se pode perceber, essa proposta misturava os conceitos de mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão, o que posteriormente foi diferenciado, assim com a vinculação do mandado de injunção ao acesso ao ensino básico (Hage, 1999). Ainda na fase das subcomissões, o Senador Ruy Bacelar sugeriu a seguinte norma constitucional (n. 367-1):


Art. – Os direitos conferidos por esta Constituição e que dependem de lei ou de providências do Estado serão assegurados por mandado de injunção, no caso de omissão do Poder Público.


Parágrafo único – O mandado de injunção terá o mesmo rito processual estabelecido para o mandado de segurança.” (Bacelar apud Quaresma, 1995).


E a justificativa do Senador Ruy Bacelar para a sua proposta foi a seguinte:


Não basta a mera enunciação de direitos na Carta. De que adianta, ao cidadão, que a Lei suprema do país declare expressamente, o direito, por exemplo, à Educação ou à Saúde, se o Estado não é compelido a pôr em prática o mandamento constitucional” (Bacelar apud Quaresma, 1995).


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Constata-se que nessa redação apresentada pelo Senador Ruy Bacelar, o mandado de injunção serviria não apenas para os casos de omissões legislativas, mas também quando da falta de providências materiais pelo Estado, o que não foi mantido na forma final (Hage, 1999).


No anteprojeto da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, cujo relator foi o deputado Darcy Pozza, o mandado de injunção recebeu essa redação:


Art. – Os direitos e garantias constantes desta Constituição têm aplicação imediata. Conceder-se-á mandado de injunção para garantir direitos nela assegurados, não aplicados em razão da ausência de norma regulamentadora, podendo ser requeridos em qualquer juízo ou tribunal, observadas as regras de competência da lei processual.” (Quaresma, 1995).


Essa redação, como se pode observar, é muito próxima das atuais referentes ao art. 5º, LXXI e § 1º, o que demonstra uma estreita correlação entre elas, devendo o mandado de injunção garantir os direitos assegurados na Constituição. Constata-se, ainda, que há a referência expressa apenas à “norma”, e não mais à lei ou a providências do Estado. Importante, também, a referência a regras de competência, que esclarecem que o mandado de injunção poderia ser requerido em qualquer juízo ou tribunal (Hage, 1999).


Na fase posterior, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, a referida redação sofreu grandes alterações, como se pode constatar do substitutivo do relator da Comissão, o Senador José Paulo Bisol:


Art. 34 – Conceder-se-á mandado de injunção, observado o rito processual do mandado de segurança, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania do povo e à cidadania.


Art. 48, § 1º – A lacuna permanecendo depois de seis meses da promulgação da Constituição, qualquer cidadão, associação, partido político, sindicato ou entidade civil poderá promover mandado de injunção para o efeito de obrigar o Congresso a legislar sobre o assunto no prazo que a sentença consignar.” (Quaresma, 1995).


Desse novo texto, pode-se perceber que houve uma confusão entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, assim como a supressão das regras de competência (Hage, 1999).


A Comissão de Sistematização, na fase do Projeto de Constituição, reintroduziu a norma referente à competência:


Art 32 – Parágrafo único – Qualquer juízo ou tribunal, observadas as regras da lei processual, é competente para conhecer, processar e julgar as garantias constitucionais.” (Quaresma, 1995).


Na fase de emendas e destaques do Projeto de Constituição, sob a relatoria geral do deputado Bernardo Cabral, o Senador Fernando Henrique Cardoso ofereceu uma emenda ao Primeiro Substitutivo do relator da Comissão de Sistematização, que foi acolhida pelo relator (Pfeiffer, 1999). A redação ficou da seguinte forma:


Art. 5º ….


§ 47. Conceder-se-á mandado de injunção, observado o rito processual previsto em lei complementar, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania do povo e à cidadania.” (Pfeiffer, 1999).


Percebe-se que houve a supressão das regras de competência e a referência ao rito processual do mandado de segurança, estabelecendo-se a necessidade de edição de lei complementar para a regulamentação do mandado de injunção, o que o transformaria em norma de eficácia limitada. Houve, ainda, a supressão da palavra “direitos”, o que restringiria o âmbito de atuação do mandado de injunção apenas para as liberdades constitucionais. A regra que se referia expressamente ao mandado de injunção na área de educação também foi suprimida, porque considerada redundante (Pfeiffer, 1999).


No Projeto de Constituição “A” — Terceiro Substitutivo do Relator —  houve apenas a modificação quanto à norma regulamentadora do mandado de injunção, que passou de complementar para ordinária (Quaresma, 1995). Finalmente, no Projeto de Constituição “B”, originário do segundo turno de discussão e votação no Plenário, houve a última modificação, com a supressão da regra referente à lei definidora de seu rito processual (Pfeiffer, 1999), e a inclusão novamente da palavra “direitos”, restando assim definida em sua redação final:


Art. 5º …


LXXI – Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” (CF/88)


Paralelamente a essa elaboração da norma relativa ao mandado de injunção houve também uma grande modificação nas normas relativas à competência dos tribunais, o que levou o Supremo Tribunal Federal, conforme será exposto mais adiante, a se posicionar de forma bastante conservadora com relação aos efeitos do mesmo. Pelo sistema que se consolidara até o projeto final da Comissão de Sistematização, a competência dos juízes e tribunais era estabelecida de acordo com o ato praticado por um órgão ou poder específico, e não simplesmente pelo órgão em si, como restou firmado na redação final. Pela redação antiga da Comissão de Sistematização, a competência para o julgamento do mandado de injunção com relação ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, aos Juízes Federais e aos Tribunais Regionais Federais era a seguinte, respectivamente:


“processar e julgar o mandado de injunção contra atos do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República, do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal” (art. 126, I, d);


“processar e julgar os mandados de injunção contra ato de Ministro de Estado ou do próprio Tribunal” (art. 129, I, b);


“processar e julgar os mandados de injunção contra ato do próprio Tribunal ou de Juiz Federal” (art. 132, I, c); e


“processar e julgar os mandados de injunção contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais” (art. 133,VIII).


A alusão à palavra ‘ato’ nesses dispositivos se dava porque nesse projeto ainda havia a norma constante do art. 6º, § 55, que estabelecia que: “Cabe ação de inconstitucionalidade contra ato que, por ação ou omissão, fira preceito desta Constituição”. Assim, ato era a ação ou a omissão violadora da Constituição e o mandado de injunção era concedido nos casos de falta de norma regulamentadora, ou seja, nos casos de ‘ato’ omissivo dos órgãos acima citados. A competência do STF para o mandado de injunção seria, assim, determinada quando alguma das autoridades sujeitas imediatamente à sua jurisdição negasse o exercício de um direito constitucional alegando a falta de norma que o regulamentasse.


Muito diferente restou esse sistema de competências na redação final da Constituição, que terminou por determinar ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a competência pela hierarquia do órgão competente para a edição da norma necessária ao exercício do direito. Essa mudança, apenas na redação final, chegou a ter a sua legitimação questionada (Hage, 1997). Temos, entretanto, que é por meio da interpretação — principalmente a que leve em conta o princípio da máxima efetividade constitucional — que devem ser solucionadas as dúvidas que a redação final da Constituição possa ter criado.


4. Conceituação e efeitos


A questão referente à conceituação do mandado de injunção está ligada diretamente com a de seus efeitos, já que dependendo do modo como se conceitue o instituto os seus efeitos e conseqüências serão diferentes. Para uma melhor análise e compreensão acerca desse tema adotamos a nomenclatura utilizada por Alexandre de Moraes (2000) devido ao seu cunho didático e abrangente da matéria, apesar de alguns autores, como Ronaldo Poletti (2000) por exemplo, não se enquadrarem especificamente em nenhuma das posições elencadas.


Deste modo, segundo Moraes (2000: p. 175) as diversas posições referentes aos efeitos do mandado de injunção seriam divididas em dois grandes grupos: concretista e não concretista. A posição concretista seria, por sua vez, subdividida em geral e individual, sendo que esta última pode, ainda, ser direta ou intermediária.


A posição concretista seria aquela segundo a qual o Poder Judiciário, ao julgar o mandado de injunção, poderia, através de uma decisão constitutiva, declarar a existência da omissão inconstitucional e ao mesmo tempo implementar o exercício do direito requerido, até a superveniente regulamentação. Pela concretista geral, a decisão referente ao mandado de injunção teria efeito erga omnes, através de uma normatividade geral. Já pela concretista individual, a decisão produziria efeitos apenas entre as partes, ou seja, beneficiaria somente o autor do mandado de injunção. Essa posição concretista individual se subdividiria em mais duas, a direta e a intermediária. Pela concretista individual direta, o Poder Judiciário ao julgar procedente o pedido deveria implementar a eficácia da norma em questão. Pela posição concretista individual intermediária, o juiz deveria assinalar um prazo para que o Poder Legislativo elaborasse a norma regulamentadora e, apenas quando esse prazo se esgotasse, fixaria posteriormente as condições necessárias ao exercício do direito obstado pela omissão inconstitucional. Por fim, pela posição não concretista, a finalidade única do mandado de injunção seria o reconhecimento formal da omissão, dando-se ciência ao órgão omisso (Moraes, 2000).


A posição dominante na doutrina nacional, conforme nos esclarece Hage (1999), converge no sentido de rejeitar a posição não concretista, mesmo que apresentem diferenças entre si. Tal posicionamento, contudo, não se refletiu nos contornos jurisprudenciais que o instituto passou a receber, assemelhando-se, muitas vezes, à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.


O próprio Alexandre de Moraes (2000: p. 178) já citado esclarece que se filia à posição denominada concretista individual intermediária, pois considera que a mesma “adequa-se perfeitamente à idéia de Separação de Poderes”. Canotilho (1993b), por sua vez, defende ser o mandado de injunção um mecanismo que visa viabilizar, num caso concreto, o exercício do direito que está obstado pela falta da norma regulamentadora, não constituindo numa pretensão à emanação de uma norma com eficácia erga omnes, aproximando-se da corrente concretista individual direta. Jorge Hage (1999: p. 118) também defende essa posição, acrescentando ainda que o mandado de injunção, como qualquer processo subjetivo, deve ter a sua decisão com eficácia apenas entre as partes, pois “não visa à defesa objetiva do ordenamento jurídico” e sim a viabilização do exercício de um direito obstado pela ausência de norma regulamentadora. Na defesa dessa corrente encontramos autores como: Velloso (1997); Bonavides (1996); Guerra Filho (2001); José Afonso da Silva (1998) entre outros.


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Dentro da corrente concretista individual direta, poderíamos encontrar, ainda, àqueles que defendem que não há na decisão do mandado de injunção qualquer ação de cunho legislativo por parte do judiciário, mas sim a aplicação direta do preceito constitucional por força de sentença, como por exemplo Vieira (2002). Há também aqueles que entendem que deve haver a formulação de uma regra provisória, aplicável apenas para o caso concreto, como por exemplo José Carlos Barbosa Moreira (apud Hage, 1999). Essa divergência — que aparente ser mais de cunho filosófico — acaba não produzindo diferentes resultados, porque, de qualquer modo, se estará viabilizando o exercício do direito através da determinação de parâmetros para tanto, sejam eles estabelecidos na forma de uma norma jurídica ou não.


A posição concretista geral é defendida, por exemplo, por Vicente Greco Filho (apud Moraes, 2000), que considera ser possível ao Judiciário fazer a norma não elaborada pelo Legislativo, no sentido de viabilizar o exercício do direito constitucional. Já a posição não concretista, é acolhida por autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (apud Moraes, 2000), Paulo Lúcio Nogueira (apud Moraes, 2000) e Gilmar Mendes (1996). O último autor citado defende, inclusive, que o mandado de injunção versaria sobre o controle abstrato da omissão inconstitucional e como tal deve ter eficácia erga omnes da mesma forma como tem a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Assim, os efeitos do mandado de injunção não poderiam se distanciar daqueles da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por ser também um processo objetivo, chegando a afirmar que (1996: p. 296):


A posição do Supremo Tribunal Federal, que reconhece ter a decisão proferida no controle abstrato da omissão eficácia erga omnes, merece ser acolhida. É de excluir-se, de plano, a idéia de que a decisão proferida no controle abstrato da omissão deva ter eficácia inter partes, porque tais processos de garantia da Constituição, enquanto processos objetivos, não conhecem partes. As decisões proferidas nesses processos, tal como admitido pelo Tribunal, devem ser dotadas, necessariamente, de eficácia geral.


Há também autores que defendem posições que não se enquadram em nenhuma das nomenclaturas utilizadas, como por exemplo Ronaldo Poletti (2000) que considera só ser possível a impetração do mandado de injunção se houver uma declaração prévia da omissão numa ação direta de inconstitucionalidade por omissão.


Dentro da temática da realização constitucional, entendemos que a solução preconizada pela corrente concretista individual direta é a que melhor atende ao princípio da máxima efetividade, ou seja, é o que atribui maior eficácia ao instituto do mandado de injunção. A corrente concretista geral tem o problema de viabilizar não só o direito do impetrante, mas de todos os que estejam na mesma situação, o que, segundo nosso entendimento, foge à finalidade do instituto, sem contar na dificuldade de se ter uma norma editada de caráter genérico e abstrato e de eficácia erga omnes emanada pelo Judiciário.


Já a concretista individual intermediária tem o problema de postergar ainda mais a concretização do direito. Como disse o Ministro Marco Aurélio no seu voto no MI 283, o Congresso Nacional sabe que está omisso e o Judiciário não tem como compelir o mesmo a legislar nem mesmo na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que tem essa finalidade e faz parte do controle abstrato, quem dirá no mandado de injunção. Teríamos que esperar mais um prazo para que o direito seja viabilizado e não parece ser essa a finalidade do mandado de injunção. Entretanto, essa corrente pode ser capaz conciliar posições diversas acerca do instituto, podendo ser uma alternativa à posição não concretista.


A posição não concretista é, a nosso ver, a que mais se distancia do dever de se buscar pela realização da Constituição, dever esse que cabe em grande parte ao STF. A simples comunicação ao órgão omisso de que ele está em mora não é capaz de viabilizar o exercício do direito, conforme prevê o art. 5º, LXXI, da CF.


5. Conclusões


O Mandado de Injunção, tenha sido ou não sua origem marcada nos institutos similares do direito comparado, foi criado pela Assembléia Constituinte de 1988 em razão da preocupação em se evitar a chamada omissão constitucional, reconhecendo-se verdadeiro direito subjetivo à edição de normas. Ante tão relevante tarefa, o instituto não deve ser relegado ao esquecimento devido a sua trajetória de pouco sucesso até agora. Barroso (2002: p. 247) chega a chamar o mandado de injunção de algo “que foi sem nunca ter sido”. Considero que não se deve deixar de lutar para que ele ainda seja algo. Seja um instrumento eficaz na viabilização dos direitos fundamentais, pois foi criado para tanto. E essa luta é também de todos nós, já que a tarefa da realização constitucional não é apenas dos que detém parte do poder estatal, mas também de todos que têm na Constituição a emanação de seus direitos e deveres.


A postura da doutrina, entretanto, tem sido a de deixar de demonstrar seu inconformismo, agindo de forma ora derrotista, ora adesista, como se a posição jurisprudencial acerca do mandado de injunção fosse definitiva e impassível de mudança e questionamento. Ao lado da inércia dos poderes constituídos, a acomodação da comunidade jurídica é também um grande empecilho à efetividade do mandado de injunção e, por conseqüência, da realização constitucional. 


Referências bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 6ª ed. atual. São Paulo: Renovar, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador – contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª ed. Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2001.

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. Tomemos a sério o silêncio dos poderes público – o direito à emanação de normas jurídicas e a proteção judicial contra omissões normativas. In: As garantias do cidadão na justiça. Organizado por Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, p. 351-367, 1993b.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001.

HAGE, Jorge. A realização da constituição, a eficácia das normas constitucionais e o mandado de injunção. In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Ano 5, nº 9, p. 111-142, 1997.

. Omissão inconstitucional e direito subjetivo – uma apreciação da jurisprudência do STF sobre o mandado de injunção, à luz da doutrina contemporânea. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.

PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de injunção. São Paulo: Atlas, 1999.

POLLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

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. Curso de direito constitucional positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. 1ª ed. 2ª tiragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.


Informações Sobre o Autor

Marcela Albuquerque Maciel

Procuradora Federal junto à PFE/IBAMA. Ex-Consultora Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Associada ao Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP


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