O novo direito do trabalho

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I- Introdução

O Direito precisa ser encontrado no meio social, de maneira a garantir a menor distância possível entre a norma jurídica e a realidade. O Direito, aliás, forma-se antes de ser posto em norma jurídica. O que se espera do legislador, portanto, é que procure produzir leis que acompanhem as necessidades da sociedade e que se adaptem às suas exigências.

O Direito Laboral possui, a princípio, como sustentáculo, o amparo aos trabalhadores e a consecução de uma igualdade substancial e prática para os sujeitos envolvidos. Trata-se de uma ramificação do Direito essencialmente relacionado às convenções coletivas de trabalho marcadamente aderentes à realidade, do que resulta também um especial dinamismo. O Direito do Trabalho está intensamente exposto à instabilidade das flutuações da política. Nascido numa época de prosperidade econômica, caracterizada por certa estabilidade das relações jurídicas, concebeu-se a intervenção do Estado como um meio de elaborar uma legislação detalhada das condições de trabalho, com vistas a forçar os atores sociais a buscarem a solução dos seus conflitos. O resultado dessa intervenção é a característica básica da regulamentação das relações de trabalho; a heteroregulação, que provoca a rigidez da legislação.

No entanto, as persistentes crises contemporâneas têm tido um abalo particularmente destrutivo sobre o emprego (gerando o desemprego em massa), pondo em causa o modelo tradicional do Direito do Trabalho, tal como foi sendo construído na sua época áurea, em particular nos anos sessenta. Esse modelo de Direito do Trabalho, assegurando um acréscimo de tutela dos trabalhadores, tem sido acusado de constituir fator de rigidez do mercado de emprego e da alta de custo de trabalho, e, nessa medida, de contribuir para o decréscimo dos níveis de emprego e conseqüente estímulo ao desemprego.

II- A realidade atual

A realidade atual não é mais a mesma dos anos 60. O Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial, sofreu verdadeiras alterações no mercado de trabalho pós-guerra e no nível de desemprego e desestabilização da economia, propiciando o surgimento do chamado “mercado informal” de trabalho que, em regra, é constituído pela força de trabalho dita excedente, em função da pequena oferta de empregos.

Dados estatísticos apontam um índice altíssimo da população economicamente ativa, que integra este setor produtivo. Há que se levar em consideração a crise econômica dos anos 80, provocada pelo choque dos preços do petróleo que atingiu uma gama de países na Europa, e, assim como no Brasil, provocou o surgimento de novas formas de contratação geradoras de relações de trabalho atípicas. Assim, o contrato por tempo determinado deixou de ser exceção, admitindo-se vários contratos intermitentes, de temporadas, contratos de formação, contratos de estágio, e antecipou aposentadorias.

É em virtude dessa realidade atuante do desemprego, em contraposição à rigidez da legislação, que semeou-se na Europa um movimento de idéias em torno dos institutos da flexibilização e desregulamentação, que no dia-a-dia angaria novos pensadores, especialistas e principalmente os operadores do Direito do Trabalho.

III- A flexibilização das normas trabalhistas

A necessidade de proteção ao trabalhador com vistas a se alcançar “justiça social” vem sendo defendida ao longo da história: desde Robert Owen, autor de “New View of Society“(1812), que implantou reformas sociais em sua própria fábrica; passando pela Primeira Internacional Socialista (1864) em que atuaram Marx e Engels; pela Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII; até a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), constituída em 1919 pelo Tratado de Versalhes – vinte e sete anos antes de se vincular à própria ONU.

Sucede que o passar dos anos acabou testemunhando a crescente e excessiva rigidez das normas de proteção ao trabalhador de tal maneira que se chegou à necessidade de se flexibilizarem alguns direitos como mecanismo para tornar possível um controle relativo sobre um dos problemas sociais mais graves deste fim de século, o desemprego.

A idéia, doutrina ou princípio da flexibilização surgiu na Europa dos anos 60. Na Itália, a flexibilização das normas trabalhistas evoluiu muito na segunda metade da década de 70, devido à excessiva rigidez da legislação italiana sobre salários. Àquela época, foram negociados diversos acordos tripartites (entre Estado, sindicatos e empregadores), com o objetivo de diminuir o desemprego: “La négociation de ces accords fixa le développement de la flexibilité dans les limites d’un nouvel espace de concertation sociale programmatique. Les politiques d ‘emploi définies… eurent un double objectif: la création de nouvelles normes de régulation du marché du travail et la lutte contre le chômage et l’inflation.”1

Alguns estudiosos aduzem que apesar da maior flexibilização aplicada nos países europeus, as taxas de desemprego aumentaram naquele continente e colocam em dúvida se uma maior flexibilidade implicaria maior produtividade.2

Por outro lado, observa-se que a Inglaterra e a Holanda, que flexibilizaram sua regulamentação laboral, têm taxas de desemprego bem menores do que a Alemanha, apesar de todos esses três países apresentarem grau similar de globalização e desenvolvimento tecnológico.

A flexibilização pode se referir ao mercado de trabalho, ao salário, à jornada de trabalho ou às contribuições sociais. Trata-se de uma adaptabilidade das normas trabalhistas face às mudanças ou às dificuldades econômicas, sob a alegação de que a rigidez traria aumento do desemprego.

No caso do Brasil, de acordo com a Constituição de 88, pode haver redução de direitos trabalhistas em três casos, quais sejam: redução do salário (art. 7º, VI); redução da jornada de oito horas diárias (art.7º, XIII) ou da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art.7º, XIV). Constitucionalmente, pois, apenas esses três direitos podem ser flexibilizados, cabendo às partes determinar as normas que passarão a reger suas relações, de acordo com seus interesses, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho – entendida aqui como misto de contrato e lei. Assim, admite-se a redução salarial, ou a diminuição da jornada de trabalho, muitas vezes em troca de garantias que, por força das circunstâncias aferidas, são mais vantajosas para determinada categoria de trabalhadores. São inúmeras as decisões do egrégio Tribunal Superior do Trabalho (TST) nesse sentido.3

A flexibilização possibilita que o contrato de trabalho seja disciplinado de forma diversa. Mais ainda, possibilita até a derrogação de normas de ordem pública. A princípio, pode parecer que feriria o princípio tutelar do Direito do Trabalho, deixando de assegurar direitos já conquistados pelos trabalhadores. Contudo, a flexibilização vem, na verdade, reforçar aquele princípio, uma vez que pode significar a continuidade do próprio emprego. 4

No que tange à possibilidade de diminuição da jornada de trabalho, verifica-se, de início, que, consoante reza o art.7º,XIII da Constituição Federal, a duração do trabalho no Brasil não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 semanais, mas é permitida a redução por acordo ou convenção coletiva de trabalho. A redução da jornada sem diminuição dos encargos é, em princípio, benéfica para o trabalhador. Entretanto, pode ser inconveniente para o empregador se acarretar diminuição do nível de competitividade de sua empresa. Daí a necessidade de acordo entre as partes. A redução ou flexibilização da jornada pode ser encontrada sob variadas formas. Podem-se citar, entre outros exemplos, o horário flexível, o banco de horas (sistema de compensação de horas-extras) e o sistema norte-americano do “lay-off”, ocasião em que o empregado descansa em períodos de queda na produção, podendo o empregador pagar parte do salário e menos encargos sociais durante o período.

Também pode haver redução do intervalo de trabalho, sempre escorada em convenção coletiva. Em recente decisão do colendo Tribunal Superior do Trabalho, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos entendeu que se o interesse das partes na redução do intervalo da jornada de trabalho está explicitado em convenção coletiva, torna-se inexigível a autorização mediante inspeção prévia da autoridade do trabalho. Na ementa daquela decisão, ressalta-se que “dentro de uma flexibilização imposta também pela ausência de condições do Ministério do Trabalho de efetuar tais verificações, convém que se defira às partes o direito quando o poder público não pode dar cumprimento à incumbência que a Lei lhe defere”.5

Quanto à redução salarial, embora, em princípio, pareça ser prejudicial para o trabalhador, deve-se observar que a mesma negociação que porventura preveja a redução salarial pode admitir, em compensação, a incorporação ou o aumento de outros direitos que, no final, pode trazer mais vantagens ao hipossuficiente. O que se verifica sempre é a importância da negociação. Recentemente, em uma indústria de autopeças de São Paulo, foi negociado um acordo entre sindicatos e empresários que prevê a redução salarial em troca da garantia de emprego.6

Conforme explicitado em recente decisão do TST, “os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Constituição da República conferem aos Sindicatos maior liberdade para negociar com as entidades patronais, valorizando, assim, a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações, cuja dinâmica torna impossível ao Poder Legislativo editar Leis que atendam à multiplicidade das situações delas decorrentes. Desta forma, não podemos desestimular essas negociações, avaliando as cláusulas de um Acordo de forma individual, com um enfoque sectário, sem considerar a totalidade do instrumento normativo, porquanto as condições mais restritivas para os trabalhadores foram por eles acordadas em prol de outros dispositivos, que instituem vantagens ou benefícios além dos patamares legalmente fixados”7. Com efeito, uma maior liberdade de negociação trará como conseqüência o fortalecimento dos sindicatos, ainda que a longo prazo.

Há, contudo, ferrenhos opositores à idéia de flexibilização. Para eles, o que se pretende é o enfraquecimento dos direitos trabalhistas duramente conquistados. De acordo com Amílton Bueno de Carvalho, arauto do direito alternativo, embora exista semelhança entre o princípio da flexibilização e o direito alternativo (os adeptos de um e de outro repudiam uma visão meramente legalista do Direito), a diferença é fundamental : enquanto o direito alternativo propugna pela ampliação dos direitos trabalhistas, a flexibilização admite a possibilidade de restrição em decorrência de dificuldades econômicas.8 Para Bueno de Carvalho, “flexibilizar”9. representa, na ótica alternativa, um retrocesso, posto que busca restringir direitos já conquistados pela classe trabalhadora”. (xxii) Insiste em que a doutrina da flexibilização apenas dá suporte técnico à “flexibilização” que sempre existiu, pois mesmo os direitos legalmente conquistados têm sido postergados ou sonegados, a exemplo do salário mínimo.

Não é bem assim. Embora pertinente e justificável sua preocupação com a possibilidade de restrição de direitos conquistados, cabe lembrar que, constitucionalmente, só podem ser flexibilizados dois direitos: jornada de trabalho e salário. No que se refere à possibilidade de redução do horário de trabalho, pode ser medida eficaz para frear o ritmo de demissões, sendo, portanto, benéfica ao hipossuficiente. Quanto ao salário, embora a flexibilização autorize o sindicato a acordar sua redução, não haverá prejuízo ao trabalhador se, em negociação coletiva, for estabelecida compensação por meio de garantias quaisquer que, em determinada circunstância, sejam ainda mais vantajosas para a totalidade da categoria. Para ambos os casos apresentados, sempre se deve atentar para que aquilo que for acordado no instrumento coletivo, na sua integralidade, não deve causar prejuízo aos empregados.10 Nessas circunstâncias, não há por que considerar que a flexibilização reduz, simplesmente, direitos conquistados.

A questão não é tão simplória. Obviamente, pode haver redução efetiva de direito específico, mas o que se deve perquirir é se, considerando a integralidade dos direitos e garantias, houve ou não redução. Assim, dependendo das circunstâncias do caso concreto, o afastamento de algum direito para, em última instância, beneficiar o trabalhador e o empregador, pode ser conveniente para ambas as partes. Em outras palavras, pode ser justificável e legítima a redução de um direito trabalhista, acordada em convenção coletiva, se for para evitar um mal maior: o desemprego.

IV – Papel do Estado

Também é ouvido freqüentemente falar-se, e, não totalmente sem razão, do abuso do paternalismo do Estado, da propriedade da opção tecnológica à empresa, da reorganização do tempo de trabalho, de modos de contrato que permitam às empresas adaptarem-se à demanda, de potencializar as medidas de mobilidade interna, com o propósito de aumentar a competitividade, etc…11

Normalmente é afirmado que esta é a única forma de evitar o emprego ilegal ou precário e as distorções do contrato de trabalho.12

O Estado não pode estar alheio às necessidades da economia, às exigências do desenvolvimento, à luta pela prevalência do valor do emprego, a consideração para a atenção da indústria nacional e essencialmente e em particular, com respeito a algumas de suas áreas adiados a uma autêntica possibilidade de reconversão industrial e a preocupação pela consideração das empresas pequenas e médias.13

Nenhuma sociedade integral resiste à coexistência dos homens e grupos sem um poder que imponha a ordem e encaixe as atividades dentro de um conjunto de valores de paz, justiça, solidariedade e liberdade.

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A atividade econômica não pode escapar a essa ordem. Se o Estado não impõe uma ordem com liberdade e com justiça na área da economia, o mercado e a livre competição reinam absolutos.14

E hoje, não há direitos absolutos. Menos no domínio econômico. Neste âmbito, o Estado não pode permanecer na retaguarda anacrônica do laissez-faire, laissez passer.

O acesso ao direito não pode apenas ser liberado ao jogo injusto do mercado e da livre competição porque a pessoa humana não é uma coisa, nem o trabalho, apenas uma mera mercadoria.15

V-Direito do Trabalho da classe dominante

Utilizando dos ensinamentos do Desembargador José Liberato da Costa Póvoa podemos dizer que a lei não foi feita para beneficiar o “povão” o ou o trabalhador e guardar um equilíbrio social, pois inobstante seja ela aprovada por representante do povo, é, na verdade, criada por uma elite que não está preocupada com seus representados, mas apenas com a manutenção dos privilégios da própria elite, pouco lhe importando a quantas anda o povo; ainda assim, as leis são fruto da vontade dos detentores do poder, criadas em função de seus próprios interesses. Desde Salomão, passando por Dracon e outros, o fardo da lei sempre foi mais pesado para os pobres e para os escravos. Marx já dizia que “O Direito é a vontade, feita lei, da classe dominante, através de seus próprios postulados ideológica”. Lá na antigüidade, Trasímaco dizia que “a Justiça, base do Estado e das ações do cidadão, consiste simplesmente no interesse do mais forte”.

Sempre foi assim, e continua (rá) sendo, qualquer que seja o regime, até mesmo aqueles em que os operários chegaram ao poder, pois, uma vez alojados comodamente no topo da pirâmide, tratam logo de criar leis, não para a defesa dos idéias que os levaram ao mundo, mas apenas para se manterem e, se possível, perpetuarem-se no poder. Citando Hobbes, “não é a sabedoria que faz a lei, mas a autoridade”, e se porventura são os sábios que a elaboram, é certo de que estão a serviço dos que dominam.

É em parte assim também com o Direito do Trabalho, como pudemos constatar na leitura do livro “Convenção Colectiva entre as fontes de Direito do Trabalho” do jurista lusitano José Barros Moura, onde demonstra que este direito é útil à burguesia que, obviamente, nunca desejou um direito de proteção dos trabalhadores. Sua estratégia é de fazer concessões políticas com vistas a reduzir as tensões sociais retirando força à luta de classes. As coisas são bem mais complexas, pois este direito favorece a concentração capitalista agindo sobre as condições da concorrência com o que beneficiam setores mais fortes e aptos da classe dominante em detrimento de outros setores.

Assim para aqueles que acham que o Direito de Trabalho foi criado única e exclusivamente para os trabalhadores fica a pergunta: Será que este mesmo direito não serviu para um maior controle, opressão e aumento das desigualdades econômico-sociais?

Acreditamos que o pleno implemento dos institutos da flexibilização, desregulamentação e por fim o direito do trabalho mínimo reascenderão debates e modificações mais profundas nos pilares da estrutura social e que com certeza ajudarão a diminuir o abismo em que se encontra a burguesia e o proletariado em grande parte devido ao próprio direito do trabalho que deveria proteger o trabalhador.

VI- O Direito da vida

O Direito do Trabalho constitui um reconhecido, “importante espaço experimental para novas construções jurídicas”, mas igualmente um espaço especialmente permeável às mutações do “mundo da vida”.

Por isso, o Direito do trabalho vive um momento de transição, num caminho de múltiplas incertezas, tantas quantas as que resultam das transformações tecnológicas, sociais, econômicas, políticas e históricas que confluem para transformar o início do século num período de dúvidas sistemáticas.

A tradicional visão do Direito do Trabalho como ramo jurídico (tendencial ou permanentemente) em crise, feito de avanços e retrocessos (e próprio de um Direito especialmente sujeito às modificações sociais), com uma inexistentes fratura do continuum do sistema juslaboral, encontra hoje um eco na reconhecida ineficácia desse mesmo sistema, incapaz de atingir os seus objetivos em resultado da crescente desarticulação entre o corpo normativo vigente e fenomenologia laboral objeto de regulamentação.

Mesmo diante de tal estado de coisas, o Direito do Trabalho ainda é uma da ramificações do ordenamento jurídico em que mais se trava decisivas batalhas pela manutenção e progressão da qualidade de vida dos cidadãos e, em especial, das suas relações com o Estado. E não será possível, na falta de um Direito do trabalho moderno, sistemático e suficientemente “doutrinado”, erradicar os seus grandes males: a errônea demarcação entre garantias dos trabalhadores e flexibilização da empresa, a crescente promiscuidade entre a legislação laboral e políticas de emprego, a aparente parcialidade do Direito do trabalho, a real inefectividade do Direito do trabalho, os problemas relativos ao modus faciendi na elaboração da legislação laboral, à insuficiência dessa legislação, à ineficácia da fiscalização, à “realizabilidade”das soluções positivadas, etc…”

VII- Direito do trabalho mínimo

Nenhum ordenamento jurídico consegue acompanhar os avanços sociais, vez que a lei, por sua natureza, é rígida no tempo. Qualquer proposta de melhoria no Direito do Trabalho, quanto mais a fomentação de endurecimento e multiplicação das leis e sua execução, não passará de exploração do desespero inconsciente da sociedade e forma de ocultar os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Pesquisas revelam que o Direito do Trabalho somente intervém num reduzidíssimo número de casos, sendo impossível determinar-se estatisticamente o número de trabalhadores que deixam de ingressar no sistema por diversos motivos. Argüi-se que se tiver em conta os números de trabalhadores que labutam à margem dos direitos assegurados na legislação trabalhista, ou seja a soma dos chamados informais que passam ao largo do conhecimento ou da atuação da justiça laboral- quer porque desconhecida, quer porque não identificados os trabalhadores, quer porque alcançados pela prescrição, quer porque objeto de composição extrajudicial, quer porque não provados, etc…, verificar-se-á que o trabalho registrado de carteira assinada é no mínimo insatisfatório.

Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão insatisfatória estatisticamente ? Todos os princípios ou valores sobre as quais tal sistema se apoia (a igualdade dos cidadãos, o direito a justiça, princípio protetor, etc..) são radicalmente deturpados, na medida em que só se aplicam àquele pequeno número de casos que são os trabalhadores de carteira assinada ou os que venham reclamar perante a justiça do Trabalho com sucesso. O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma às avessas.

O Direito do Trabalho, portanto, deveria ter um papel secundário no controle dos conflitos sociais. Destarte, o Direito do Trabalho que se vislumbra no horizonte, é o da intervenção mínima, onde o Estado deve reduzir o quanto possível sua ação na solução dos conflitos. Neste contexto, propõe-se, em suma, a flexibilização, desregulamentação e a desistitucionalização dos conflitos trabalhistas, restando ao Estado aquilo que seja efetivamente importante a nível de controle.

Frente a esta realidade, o ideal desta nova tendência é buscar a minimização da utilização do Direito do Trabalho imposto pelo Estado, através de quatro proposições básicas: a) impedir novas regulamentações na área trabalhista – significa evitar a criação de novos direitos, pelo Estado, mormente para regular conflitos de abrangência social não tão acentuada, donde possa haver solução do conflito noutra esfera; b) promover a desregulamentação – na mesma esteira do tópico anterior, visa reduzir a quantidade de direitos, abolindo da legislação trabalhista direitos donde as partes envolvidas possam resolver per si, sem que isso ofenda o real interesse da coletividade; c) flexibilização – cujo fundamento cinge segundo Arturo Hoyos pelo uso dos instrumentos jurídicos que permitam o ajustamento da produção, emprego e condições de trabalho à celeridade e permanência das flutuações econômicas, às inovações tecnológicas e outros elementos que requerem rápida adequação; d) desinstitucionalização – desvincular do âmbito do Direito do Trabalho e, até mesmo da esfera estatal, a solução de pequenos conflitos, quando atingir somente a esfera dos envolvidos aos quais seria reservado outras formas de satisfação de seus interesses.

VIII- Propostas para combater o desemprego

O debate acerca do desemprego envolve posições muito divergentes: liberais, social-democratas, revolucionárias etc. Apresentar propostas consensuais para um problema complexo constitui tarefa árdua. Considerações ideológicas à parte, serão listadas a seguir apenas algumas primeiras indicações do que parecem ser pontos de convergência:

a. Revisão da legislação. Facilmente se constata a necessidade de reformulação da CLT, extremamente paternalista, criada em uma época de economia fechada (1943). A CLT se encontra obsoleta em certos tópicos, além de confusa, imprecisa e assistemática. Mais além, conviria ao Poder Legislativo verificar a possibilidade e discutir, com muita cautela, a conveniência de se admitir expressa disposição constitucional que consagre a flexibilização absoluta (de todos os direitos sociais) como mecanismo capaz de modernizar as relações trabalhistas – sempre com o cuidado de se garantir a proteção do trabalhador. Assim, por exemplo, poder-se-ia implementar o horário flexível de trabalho ou a redução da jornada de modo universal e gradual, com redução concomitante de impostos e encargos, mas sem redução de salários, de conformidade com o lema dos sindicatos franceses de “traba7lhar menos para que trabalhem todos”. Conviria, entretanto, que eventual redução da jornada não viesse acompanhada de previsão de horas-extras, pois poderia, nesse caso, ser ainda mais oneroso para o empregador, podendo promover desemprego. A questão não é simples.

b. Criação de mecanismos para estimular a negociação coletiva. No Brasil, a tutela do trabalhador é fundamentalmente regida pela legislação. Em outros países, como, e.g., os EUA, predomina a vertente negocial, em que a proteção do hipossuficiente é estabelecida por acordos conduzidos pelos sindicatos. No caso brasileiro, poderia ser conveniente ampliar os mecanismos de negociação coletiva, a exemplo do que sucede nos EUA, onde existe um eficiente sistema de queixas e arbitragem dentro da própria empresa, o qual deve ser esgotado antes de se recorrer à Justiça do Trabalho. A propósito, os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Lei Maior já “conferem aos sindicatos maior liberdade para negociar, valorizando a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações…”.16 O resultado natural de uma maior liberdade negocial será o fortalecimento dos próprios sindicatos.

c. Qualificação da mão-de-obra. A educação profissional se tornou prioridade absoluta diante da crescente competitividade, donde a necessidade de aumento de recursos para reciclagem de mão-de-obra, para tornar o trabalhador capaz de lidar com novas tecnologias. Não parece caber ao Estado a função de agenciador de empregos. Cabe, isso sim, criar mecanismos, por meio de políticas públicas , para permitir um melhor aproveitamento da mão-de-obra desqualificada e/ou ociosa.

d. Revisão dos programas governamentais existentes. Não parece conveniente a criação pura e simples de outros programas – o que implicaria maiores gastos do governo federal. Conviria apenas reavaliar os já existentes: o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), de eficácia limitada; o Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR); o Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO); além do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

e. Criação de empregos no setor de serviços. Pode-se entender, em grau otimista, que , no Brasil, ainda há muitos setores que necessitam de mão-de-obra, notadamente o setor de serviços (turismo, e.g., é uma área muito citada pelos analistas econômicos como a que mais deve crescer nos próximos anos). Assim, a médio prazo, novas oportunidades de trabalho podem ser criadas em outros setores, que não no industrial. Lembre-se que o setor industrial já não é mais o grande criador de empregos.

f. Redefinição da parceria entre Estado e indústria. Consoante reza o art. 174 da Constituição Federal de 88, “agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Assim, a princípio, caberia ao Poder público reger a economia nacional. Como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “ao contrário da Constituição anterior, cuja inspiração era neoliberal, embora na prática não o tenha sido, a Constituição vigente é nitidamente estatista no plano econômico”.17 De qualquer sorte, sabe-se que é antigo o debate entre defensores do liberalismo econômico e do intervencionismo estatal. A interferência mínima do Estado na economia pode garantir maior prosperidade econômica, mas não se deve esquecer que, historicamente, a intervenção estatal – sob a forma de regras protecionistas – pôde estimular o desenvolvimento do mercado interno. Além disso, se o livre mercado pode melhorar a produção, por meio da livre concorrência, apenas a presença do Estado pode assegurar uma melhor distribuição de renda. Assim, não parece ser impertinente afirmar que a conveniência ou não da intervenção do Estado na economia depende das conjunturas do país e do mundo. A parceria entre o Estado e a indústria no Brasil foi efetivada nos anos 50, começou a se desfazer nos anos 70 – com o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações – , aumentou na década de 80 e foi praticamente desfeita na de 90. Precisaria ela ser reconstruída com a participação conjunta e equilibrada dos trabalhadores, partidos políticos, Governo federal e empresários do setor.

g. Crescimento econômico. A principal razão do desemprego, no âmbito nacional, está na desaceleração do nível de atividade da economia, provocada pela desestabilização das contas externas, que, por sua vez, é resultado das altas taxas de juros. Considerando que se trata de fenômeno de caráter nitidamente estrutural, parece claro que respostas eficientes e definitivas ao problema do desemprego pressupõem, de início, estabilidade da economia nacional, controle do déficit público, reforma tributária, aumento da produtividade interna e da competitividade. Na verdade, só o crescimento econômico – decorrente de investimentos – gera empregos. Recorde-se que durante o período de 1968-72 (“milagre econômico”), quando a taxa de crescimento econômico chegou a 10% a.a., a taxa de investimentos era de 25% do PIB; hoje, está em cerca de 17% do PIB. Daí a necessidade de bem engendradas políticas para aumentar a taxa de investimentos, culminando no desenvolvimento econômico. A solução, pois, não será encontrada a curto prazo. O assunto precisa ser debatido em profundidade e não pode ser encarado, no caso do Brasil, como mera oportunidade pré-eleitoral.

IX- Conclusão

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Este final de século apresenta sérios desafios para a humanidade. As questões mais do que nunca apresentam-se em nível global, e a solução dos graves problemas que ameaçam a estabilidade do planeta necessitam da construção de um novo modelo de Estado, de sociedade e de economia. Nesta fase da história torna-se fundamental que o tema “Direito do Trabalho Mínimo” seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados pela nossa civilização não comecem a ser relegados pela rigidez de idéias que muita das vezes ampliaram o estado crítico em que encontram-se as instituições.

O atual Direito do Trabalho surge pela idéia e pelos mecanismos de concertação social. Fenômeno dos nosso dias, potenciado pela evolução das crises econômicas, a progressiva intervenção tripartida dos parceiros sociais (sindicatos, associações patronais e Governo) para consensualmente definirem e executarem a política econômica e social. Este fenômeno corresponde a um novo espírito do Estado, menos centralizado, mais aberto aos grupos naturais e mais preocupado com a eficácia de seus atos. É a este propósito que se referem constantemente as idéias de flexibilização, desregulamentação, Direito do Trabalho mínimo, de concertação e de busca de consensos, que expressam um método de administrar e legislar em que o Estado se preocupa:

O Direito do Trabalho enfrenta, neste momento histórico, desafios importantes. O novo Direito do Trabalho para sobreviver como meio regularizador da relações laborais deverá beneficiar-se, cada vez mais, do protagonismo dos grupos organizados e que buscam consensos trilaterais (Estado, organizações de empregadores e organizações de trabalhadores), que se exprimem em convenções ou pactos sociais. O sindicalismo tem perdido a força e militância, mas ganha poder de intervenção nas decisões políticas, econômicas e sociais.

Vale ressaltar, por fim, que é fundamental, acima de tudo, a conscientização para uma nova postura frente aos fatos relacionados as relações laborais, com a pujança de um ideal perene de justiça social, pois não se combate as mazelas sociais referentes ao conflitos laborais sem antes erradicar suas raízes, há muito tempo encrostadas nos desmandos políticos dos governantes e na mentalidade anacrônica da minoria privilegiada que se recusa suprir as necessidades elementares da pessoa humana e a distribuir os louros do desenvolvimento econômico.

Notas

1. MARUANI, Margaret et alii. La flexibilité en Italie / Débats sur l’emploi. Paris, Syros/Alternative, 1989, p.25.

2. Cf. BRUNO, Sergio. “La flexibilité : un concept contingent”. In: MARUANI, op. cit, p.39.

3. Cf. As seguintes decisões do TST proferidas em Recursos Ordinários em Dissídio Coletivo: Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 923, de 04.08.97, publicado no DJ de 05.09.97, à p. 42134; Acórdão n. 448, de 15.04.97, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22142; Acórdão n. 354 de 31.03.97, publicado no DJ de 02.05.97, à p. 16821; Acórdão n.166, de 24.02.97, publicado no DJ de 04.04.97, à p. 10777; Acórdão n. 704, de 24.06.96, publicado no DJ de 04.10.96, à p.37363; bem como decisões proferidas em Recursos de Revista : Acórdão n.6876, de 23.10.96, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22244; Acórdão n.7451, de 11.12.96, publicado no DJ de 07.03.97, à p.05809; Acórdão n. 4310, de 08.09.97, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817.

4. Cf. Acórdão n. 6876, de 23.10.96, proferido pela Segunda Turma do TST em Recurso de Revista. Redator Min. José Luciano da Castilho Pereira. Recorrente: Fertisul S/A. Recorrido: Morency Goulart Gonçalves.

5. Acórdão n. 1434, de 17.11.97 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado no DJ de 12.12.97, à p.65850. Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 4ª Região. Recorridos: Sindicato das Indústrias Químicas no Estado do RS e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Plásticas de Estância Velha.

6. Cf. reportagem da revista Isto É, de 17.12.97, à p. 108 : “Tudo pelo emprego”.

7. Decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST em 15.04.97, Acórdão n. 448, Relator Min. Antônio Ribeiro.

8. Apud: BUENO DE CARVALHO, Amílton. “Flexibilização x Direito Alternativo”. In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.).Introdução crítica ao direito do trabalho. Brasília, UnB, 1993, p.97-102.

9. BUENO DE CARVALHO, Amílton, op.cit, p.101.

10. Cf. Acórdão n. 4310 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817. Embargo em Recurso de Revista. Embargante: Mineração Morro Velho Ltda. Embargados: Valdir Margarido dos Santos e outros. Relator: Min.Rider Nogueira de Brito.

11. RISOLIA, M.A.: “Soberania e Crise do Contrato “, Bs.As. 1955.

12. BORDA, G.: “l-a reforma de 1968  ao Código Civil “, Bs. Ás. 1971.

13. SARDEGNA, M.A.: Regime de Contrato de Trabalho e Lei Nacional de Emprego Bs. Ás. 1993, pág. 30.

14. BIDART CAMPOS, G.J.: “O supermecado e a liberdade econômica absoluta”, jornal A Imprensa 20.7.93.

15. Aqui concluíram nossas reflexões no Relatório que se difundiram por aquele Avanço de Investigação apresentado no Instituto Gioja para aquela referência que foi feito na primeira nota.

16. Cf. Acórdão n. 448 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado à p. 22142 do DJ de 23.05.97. Relator : Min. Antônio Fábio Ribeiro.

17. FERREIRA FILHO. Op. cit., p. 306.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Ancelmo César Lins de Góis

 

Diplomata de carreira
Professor de Ciência Política na Faculdade de Direito do UniCEUB em Brasília

 

Mário Antônio Lobato de Paiva

 

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista

 

Miguel Angel Sardegna

 

Professor titular de Direito do Trabalho e da Seguridade Social na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires

 


 

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