O poder punitivo do estado na promoção de direitos humanos: estudo sobre a tipificação da homofobia à luz do PLC 122

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Resumo: O objetivo da presente produção consiste em analisar a necessidade de tipificação específica das ofensas discriminatórias e sua contribuição para que se efetivem os Direitos Humanos dos chamados grupos vulneráveis. Para tanto, este estudo concentrou-se no problema da homofobia e no Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, buscando elucidar a sexualidade como direito fundamental e levantar as principais questões jurídicas suscitadas em torno da proposta de lei através da pesquisa bibliográfica de insumos legais e doutrinários e do método de abordagem hipotético-dedutivo. A aprovação de lei que criminaliza a homofobia é meio efetivo da promoção dos direitos de quem é vítima? Posicionamentos contrários apontam o risco da insegurança jurídica e do tolhimento de direitos fundamentais que surgem da inflação do Direito Penal, enquanto os que urgem pela tipificação da discriminação defendem a utilidade da norma punitiva na proteção e efetivação de direitos. Sendo assim, depreendeu-se que necessária é a lei, tendo em vista a evidência de ser aporte mais imediato na erradicação da discriminação, não necessariamente diminuindo diretamente o problema, mas contribuindo para reforçar valores, observar direitos e impulsionar medidas mais eficazes.  

Palavras-chave: Poder Punitivo. Promoção. Direitos Humanos. Tipificação. Homofobia.

Abstract: The goal of this production consists of analyzing the need for specific typing discriminatory offences and their contribution to Human Rights effect of so-called vulnerable groups. To this end, this study focused on the problem of homophobia and the House Bill No. 122 of 2006, seeking to elucidate the sexuality as a fundamental right and lift the main legal issues arising around the draft law through the bibliographical research of doctrinal and legal inputs and the hypothetical-deductive approach method. The approval of law that criminalizes homophobia is effective means of promoting the rights of who is the victim? Positions contrary point the risk of legal uncertainty and limitation of fundamental rights which arise from the inflation of the criminal law, while those who urge the typification of discrimination advocate the punitive standard utility in the protection and implementation of human rights. Therefore, inferred that required is the law, in view of the evidence to be more immediate contribution on the eradication of discrimination, not necessarily decreasing the problem directly, but contributing to reinforce values, observe human rights and promote more effective measures.

Keywords: Punitive Power. Promotion. Human Rights. Typification. Homophobia.

Sumário: Introdução. 1. O Poder de Punir, o Garantismo Penal e o conceito de bem jurídico. 2. Da proteção e efetivação de Direitos Humanos por via da tipificação de condutas criminosas. 3. Homofobia: por que tipificá-la? 4. Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006. 5. Discursos hipotéticos que justificam ou invalidam a necessidade de criminalizar a homofobia. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

É comum, na seara das discussões entre Direito Penal e Direitos Humanos, que as produções tendam a abordar a correlação dessas temáticas apenas no que diz respeito às prerrogativas e garantias constitucionais do transgressor, de maneira que a discussão intensamente centrada nessas questões faça parecer que refletir sobre dignidade humana no Direito Penal seja restringir-se aos debates sobre a aplicação de pena ao criminoso.

Estas prerrogativas são imprescindíveis para o ensejo de um sistema jurídico adequado com as diretrizes primordiais da política garantista e limitadora do poder punitivo em um Estado Democrático de Direito, cuja função do jus puniendi não visa apenas punir, mas também ressocializar. Entretanto, o estudo da interação entre Direito Penal e Direitos Humanos não se resume a isso, é apenas parte de acervo amplo de assuntos, que entre eles, está o de ser devida a promoção integral destes direitos dentro da mesma circunstância envolvendo ofensores e vítimas.

Compreendidos como preceitos que promovem condições de uma existência digna, tais como a liberdade, a integridade e a igualdade, os Direitos Humanos têm seu cerne argumentativo encontrado nas teorias políticas do iluminismo, mais precisamente no pensamento rousseauniano, em que a sociedade é titular do poder conferido ao Estado para promover e proteger tais direitos, esboçando um modelo de contrato social pelo qual cada indivíduo cede parte de sua autonomia para viabilizar o controle estatal e a ordem.

Logo, aquilo que motiva cada indivíduo atribuir ao Estado o direito em proibir a autotutela e de impor regras e medidas punitivas para quem as infringe, é o objetivo de garantir a proteção a segurança direta de direitos humanos. Em outras palavras, o que possibilita a existência de um contrato social em que o poder público limita a liberdade individual, a fim de promover a própria liberdade, é a necessidade de promover segurança para que pessoas exerçam sua autonomia.

Entre as práticas ofensivas suscitadas no âmago das relações modernas, a discriminação vem sendo apontada como um dos problemas que mais invocam a necessidade da imposição da reprovação jurídica. Isto porque é inconcebível, dentro de um modelo de Estado promissor, que condutas permaneçam praticando a violação de direitos em razão da intolerância e do preconceito.

No Brasil a Constituição de 1988 tratou de eminentemente preconizar a ojeriza à discriminação ao determinar que a ninguém será permitido prejudicar a outrem ou tratar com distinção negativa. Determinando, inclusive, que punições impostas contra quem comete a discriminação são legítimas, permitindo e dando azo para que normas penais sejam criadas e combatam a discriminação com especificidade.

Todavia, nem todas as formas de discriminação foram alcançadas pela previsão da Lei Maior, assim como também, nem todas as minorias sociais que são o alvo da intolerância estão tuteladas pela proteção das legislações infraconstitucionais. Restando-lhes a omissão legal.

Longe de ser uma celeuma recente, a homofobia é apontada como uma destas discriminações. Em um contexto político que prioriza a promoção isonômica da dignidade humana independente de quaisquer estigmas socioculturais, é evidente que este tipo de distinção deve ser rechaçado e que os direitos pessoais de sujeitos discriminados em razão de sua definição sexual deverão ser protegidos por toda disposição Estatal eficiente para isso.

Entre as proposições legislativas que visam combater esse problema, destaca-se o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006 que objetiva criminalizar a homofobia.

Por que esse projeto ainda não foi aprovado? Quais as consequências jurídicas levantadas hipoteticamente a partir de sua proposta? Por que a tipificação da homofobia é defendida como viés de efetivação de Direitos Humanos? Criminalizar e punir a discriminação é o melhor para proteger e promover estes direitos?

O objetivo do presente este estudo é buscar levantar os debates que oferecem respostas para esses questionamentos. Para tanto, utiliza-se a pesquisa bibliográfica debruçada sobre as doutrinas, os tratados internacionais, a Constituição, as pesquisas acadêmicas, as governamentais e o próprio PLC. Sua abordagem se define pelo método hipotético-dedutivo, pois, mediante a hipótese cogitada de como uma realidade específica pode ser sanada por uma condição geral, busca-se apresentar uma resposta a esta hipótese.

Acredita-se na relevância dessa pesquisa porque trata-se de problemática cuja incidência tem proporcionado intensos debates recentes, na maioria das vezes sem chegar a um consenso. Diante disto, é indubitavelmente preciso produzir no sentido de reiterar as abordagens e de propor entendimento entre elas. Contribuindo, portanto, para estimular a composição de medidas políticas.

1. O Poder de Punir, o Garantismo Penal e o conceito de bem jurídico;

Partindo do pressuposto que é inexorável da natureza humana a condição de sociabilidade, então é evidente que favorecer uma sociedade estável, no que concerne à satisfação de seus interesses, é, também, promover o bem-estar de cada indivíduo que a compõe. Dessa forma, visando proporcionar um bem comum, é atribuída ao Estado como um dever, e ao mesmo tempo um direito, a função de elaborar leis que objetivam declarar e ensejar as condições que possibilitam a estabilidade coletiva e, consequentemente, a individual.  

Nesse viés, o Direito Penal é mecanismo que é parte da atividade política cuja funcionalidade é exercer o atributo que mais representa a cessão de parcela da liberdade individual para o Estado a fim de que valores comuns sejam protegidos:

“Nessa ótica de direitos horizontalmente planificados, podemos afirmar, sem exceção, que a sanção penal atinge uma pretensão para resguardar outra de maior valor. Assim, resta evidenciado que o escopo imediato do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos, essenciais ao indivíduo e à comunidade, norteada pelos princípios fundamentais, presentes, de forma explícita ou implícita no texto constitucional” (SILVA, 2007, p.74).

E é nesse ponto que se instala a função da atividade penal, que deve ter por escopo “engessar” aquilo que faz jus à proteção e prever punições para quem pratica a criminalidade, que, por sua vez, é entendida como a execução de ato que extrapola o limite da liberdade ferindo e atacando valores fundamentais estatuídos.

Confirmando estes entendimentos e reafirmando a função dúbia do Direito Penal que se define tanto na proteção de valores ético-sociais quanto na prevenção normativa para que tais valores não sejam atingidos, Bitencourt (2008, p.8), dispõe:

“O Direito Penal funciona, num primeiro plano, garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade, e, em um segundo plano, reage, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena correspondente. Orienta-se o Direito Penal segundo a escala de valores da vida em sociedade, destacando aquelas ações que contrariam essa escala social, definindo-as como comportamentos desvaliosos, apresentando, assim, os limites da liberdade do indivíduo na vida da comunidade.”    

À atribuição conferida ao Estado para prever e punir a criminalidade dar-se o nome de Jus Puniendi ou Poder Punitivo. Consistindo, portanto, na prerrogativa que é resguardada pelo próprio Direito Positivo de que seja legítima a ação política de aplicar punição contra os que transgrediram preceitos coletivos considerados como provedores da ordem e da convivência social estável.

Do ideal de essencialidade comportada por bens que tornam razoável instituir um sistema jurídico penal protetor de valores ético-sociais, recolhe-se o conceito de bem jurídico, significando a titularidade de relevância que é dada a uma questão vital. Em outras palavras, bem jurídico é um fato cujo valor que a ele é conferido provoca o Estado para reconhecer sua importância e para certificar-lhe caráter jurídico, tutelando e garantindo sua promoção.

Greco (2012, p.3) preceitua que:

“Assim, já que a finalidade do Direito Penal, como dissemos, é proteger bens essenciais à sociedade, quando esta tutela não mais se faz necessária, ele deve afastar-se e permitir que os demais ramos do Direito assumam, sem a sua ajuda, esse encargo de protegê-los.”

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Desta feita, não é qualquer bem que é compatível com a proteção jurídico-penal, devendo ser aquele cuja representatividade na escala dos valores mais importantes esteja configurada nos que compreendem questões intangíveis e necessitadas de toda segurança eficiente oferecida pelo Estado. 

Toda essa prudência que existe em torno da atividade de estatuir valores, de prever normas protetivas através da incriminação das condutas lesivas e de ensejar penalidade contra quem pratica a ofensa, diz respeito à concepção própria dos regimes políticos não totalitários, pois, em nome da própria segurança jurídica, entende-se necessário limitar a prerrogativa que detém o Estado para punir. Limitação esta emanada das próprias disposições jurídicas propedêuticas do Direito Penal e das normas estruturantes que compõem o arquétipo constitucional.

Ante esta perspectiva chega-se à compreensão do que seja o Garantismo Penal, que consiste exatamente na concepção de que, em função da garantia de direitos e do resguardo da liberdade, deve-se também limitar este Poder Punitivo, de maneira que as considerações acerca dos bens jurídicos protegidos pela atividade penal deverão obedecer a óbices criteriosamente estabelecidos. Dentre estes está a Constituição, pela qual os direitos fundamentais declarados são bases para aferir o ideal de bem-jurídico de valor estimado, a ser protegido mediante a tipificação de condutas a ele ofensivas e através da punição para quem transgredir (GRECO, 2012).  

Este cuidado se justifica no objetivo de se evitar que ao Estado se faça proveitoso usar de sua função punitiva para impor um governo abusivo, o que possibilitaria para quem detém do poder a ambição de se fazer alcançar interesses particulares e duvidosos sob o uso da coação e da penalidade, buscando ainda interpor limite à tendência de expansão do anseio por resolver todos os problemas sociais através da incriminação, que deturparia o princípio da subsidiariedade penal e da intervenção mínima, o que geraria a insegurança individual diante da arbitrariedade e da violência punitiva não linear, imprudente e inescrupulosa.   

2. Da proteção e efetivação de Direitos Humanos por via da tipificação de condutas criminosas

Na sequência de atos que compõem o tracejo do exercício do jus puniendi, que vão desde a análise dos valores que fazem jus à tutela penal, do enquadramento da conduta delituosa típica na previsão legal de crime, da cominação de pena como consequência, do processamento, do julgamento, da aplicação desta pena e da forma como se executa em face de quem cometeu o delito, uma série de princípios e direitos é invocada com o escopo de se fazer limitar este poder punitivo em nome da segurança jurídica e da animosidade que o Estado Democrático preconiza contra sistemas autoritários e violentos.

Dentre os recursos de natureza jurídica que o próprio poder público se vale para tolher sua força coercitiva e controladora, destacam-se, no cenário das discussões hodiernas, as vertentes dos Direitos Humanos, que nessa utilidade se inclina na defesa de que quando o Estado excede sua autoridade, os direitos mais essenciais e anteriores a ele são reprimidos e desrespeitados, tais como a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana, esculpidos no texto constitucional:

“A Constituição exerce duplo papel. Se de um lado orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade, por outro, segundo a concepção garantista do Direito Penal, impede que esse mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos, violando direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana” (GRECO, 2012, p.4).

Destarte, considerando que tais disposições constitucionais coadunam com preceitos próprios do conceito de Direito Humano e que na própria Lei Maior promover esse direito é uma prioridade do Estado brasileiro, vislumbra-se uma persistente linha tênue presente na atividade de positivação do Direito Penal. Isto porque, ao passo que os valores agregados às condições essenciais são a fonte para conferir a elas a seletividade e a qualidade de um bem que logra mérito pela proteção jurídica, o legislador deverá observar, por outro lado, que esses preceitos também podem ser infringidos. Principalmente quando da cogitação “de como punir, o que punir e quando punir?” resultem conclusões desnecessárias.

Exaure-se dessas perspectivas a noção do quanto analisar, cogitar e definir o que vai ou não ser considerado como crime punido nos moldes da atividade penal tradicionalista é uma função eminentemente complexa. Entretanto, o exercício crítico e valorativo em torno do que deve compor a pretensão punitiva e de como deve ser efetivada também é uma tarefa para instâncias científicas e discursivas que são anteriores e mais amplas que a atividade penal em si.

O cuidado precípuo que as doutrinas e a função legislativa devem ter, ante o impasse entre a necessidade de proteger bens jurídicos e o limite do poder punitivo, é o de não exceder na defesa de um ou outro.  

Todavia, a maneira como os debates que intensificam a relação do Direito Penal com os Direitos Humanos tem conduzido seus argumentos tendenciosamente centrados na discussão de observar esses últimos apenas quando diz respeito à figura de quem incorre na prática criminosa.

É corriqueiro, na seara das publicações acadêmicas, das defesas de teses, das difusões doutrinárias e dos debates políticos, o lançamento de discussões que se engajam em trazer à baila, defesas e críticas que invocam a reconsideração de direitos fundamentais e a humanização de maneira exclusiva para a forma como o Estado vai punir, a quem vai punir e onde vai punir, sempre tendo em projeção a dignidade para quem cometeu delito:

“Observa-se que, tendo como referencial os Direitos Humanos, neste momento, com intuito de revalorizar atenção à vítima, esta tem encontrado no sistema penal uma figura muito abstrata em relação a sua existência na sociedade. A atribuição do enfoque das garantias individuais no Direito Penal material e processual está voltada ao tratamento a ser dado ao réu e não à vítima […] No que se refere à proteção das vítimas (de crimes ou de violência do Estado) ainda há uma grande deficiência na efetivação dos direitos estabelecidos na legislação” (ARANDA, 2013).

Longe de intentar produzir qualquer contestação da importância de exigir do Estado a devida prudência no exercício da prerrogativa punitiva, o que é questionado nesse ponto na verdade não é o chamamento dos Direitos Humanos para as problemáticas de suposta rigidez da legislação penal, da inflação punitiva ou da realidade carcerária, mas a maneira como os debates gerais da relação desses direitos com o ramo jurídico-penal têm excessivamente reiterado e focado nestes temas citados. Nessa esteira de estudos restringidos, produziu-se erroneamente e por diversas vezes, o entendimento que parece remeter ao Estado uma culpa exclusiva pela celeuma da criminalidade, como se o transgressor fosse a entidade política e como se vítima imediata e concreta fosse o criminoso.

Nessa dinâmica de definição “do dever ser” e “do não dever ser” a função do Direito Penal para com os preceitos dos Direitos Humanos, em que lugar estão posicionadas as verdadeiras vítimas do crime? Isto é, onde estão os discursos de que é necessário promover e tutelar os Direitos Humanos dos particulares e da sociedade sob o viés do ativismo Penal? É até forçoso trabalhar essa perspectiva de maneira autônoma de tão escassa que é, no contexto das produções e estudos, a ideia de que prever e punir a criminalidade sejam garantir e efetivar Direitos Humanos.

Ora, se a razão maior para a criação de um sistema jurídico, que age com o objetivo de manter a ordem mediante a tipificação e punição de condutas ofensivas, é a finalidade de ensejar segurança a um bem comum cujo valor é de intenso estimo para a sociedade, logo, o que de fato justifica a existência do Direito Penal é a busca pela promoção desse bem através da sua proteção. E o que teria mais mérito por essa proteção senão os próprios Direitos Humanos e a satisfação por parte dos indivíduos em ser possível gozar tais direitos de maneira integral e com a devida segurança?

Se a acepção de bem jurídico é a de que consiste em fato cujo valor ensejado a ele o define como condição de extrema relevância e de indisponibilidade para a estabilidade coletiva, então os Direitos Humanos, tendo em vista a essencialidade, o caráter fundamental e basilar que comportam, estão adequados idoneamente a esse valor, não restando dúvidas de que são bens jurídicos merecedores de toda proteção viabilizada pelo Estado.

Diante o exposto, fica evidente que o Direito Penal é ramo de eminente promoção dos Direitos Humanos e que, a fim de promovê-los, necessário se faz que sejam compreendidos em sua natureza de universalidade, de modo que as matérias jurídicas penais que se propõem a contribuir para a efetivação deles o façam integralmente, sem erroneamente reproduzirem a ideia de que falar desses direitos seja observar apenas as garantias atinentes ao criminoso ou à criminalidade. De fato, punir também é, por colateralidade, proteger e promover interesses relevantes, que representam bens jurídicos tanto sociais quanto individuais.

3. Homofobia: por que tipificá-la?

Evidenciada a indubitável contribuição que a instrumentalização de normas penais com escopo punitivo tem para o objetivo de proteger e efetivar bens jurídicos, aos quais os Direitos Humanos representam, cabe adentrar na discussão acerca da necessidade de positivar medidas punitivas específicas para problemáticas isoladas, a exemplo da discriminação. Para tanto, é mister fazer os seguintes questionamentos: por que punir condutas discriminatórias com especificidade é necessário? O que faz dessa necessidade um fato suficiente para exigir do Estado previsões além das que já são existentes nos tipos penais genéricos?

É a partir dessas indagações que, tanto os lados que defendem a atuação específica do Direito Penal, quanto os que criticam a inflação legislativa político-incriminadora, elaboram suas argumentações e fazem configurar eminente entrave.

Exemplo mais recente de como o exercício legal da previsão especial de condutas ofensivas foi legitimado mesmo quando já existiam tipificações amplas da lesividade do comportamento transgressor, é a aprovação da Lei nº 11.340 de 2006, ou Lei Maria da Penha, que não criou um novo tipo penal com terminologia e abstrações autônomas, mas tipificou, especificamente, condutas cometidas contra a mulher ao prevê, dentro de um arquétipo penal que já preceituava punições para o delito em seu caráter geral, agravantes para a violência intentada em razão da vulnerabilidade e do proveito desta para reprimir e inibir a liberdade das mulheres.

Maria Berenice Dias (2006), no ano em que esta lei foi publicada, observou:

“Acaba de entrar em vigor a Lei 11.340 – chamada Lei Maria da Penha – que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi recebida da mesma forma que são tratadas as vítimas que protege:  com desdém e desconfiança. Como tudo o que é inovador, está sendo alvo de ácidas críticas. São apontados erros, imprecisões e até inconstitucionalidades. Nada mais do que injustificável resistência à sua entrada em vigor.”

Isto é, do momento de sua publicação, e mesmo na fase de proposição até os anos que segue sua vigência, a referida lei foi e é alvo de alegações reacionárias, cujos posicionamentos apontam supostas ineficácia e contrariedade à ordem pátria, sustentados em argumentos tais como a violação do princípio constitucional da igualdade sexual, da intervenção mínima do poder público na vida privada e da fragmentariedade penal:

“Somente quem tem enorme resistência de enxergar a realidade da vida pode alegar que afronta o princípio da igualdade tratar desigualmente os desiguais. Cada vez mais se reconhece a indispensabilidade da criação de leis que atendam a segmentos alvos da vulnerabilidade social. A construção de microssistemas é a moderna forma de assegurar direitos a quem merece proteção diferenciada. Não é outra a razão de existir, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e da Igualdade Racial. E nunca ninguém disse que estas leis seriam inconstitucionais” (DIAS, 2006, p.1)

No caso da mulher, o que tornou urgente a necessidade por instrumentalizar e fazer incidir uma norma específica que erradicasse concreto e simbolicamente a violência doméstica foi a ineficácia dos dispositivos genéricos processuais e materiais para com o combate da discriminação, que não conseguiam prever e alcançar os casos concretos, cuja incidência fechava-se no âmbito da moradia e para lá não se podia intervir, assim como, de lá não viria quaisquer tentativas de denúncia, pois, ameaçados, familiares e a própria mulher eram repreendidos. Somando-se ainda ao óbice cultural de uma concepção moral, machista, antiquada e latente, de que a mulher é objeto do homem e que sobre ela podia-se violentar nas mais variadas maneiras, restando-lhe o silêncio.

Vislumbra-se, portanto, que a necessidade pela criação de norma punitiva que ataque a celeuma da violência com especificidade para com uma das suas formas mais torpes é reflexo da urgência por se fazer impor respeito e intangibilidade aos direitos de quem estava desprotegido, uma vez que, previsões penais genéricas, medidas de cunho administrativo e recursos de conscientização ou educação não demonstravam-se suficientes para combater a ameaça e violação direta aos Direitos Humanos, cometidas por quem achava ter a permissão de praticar a violência e do qual não se podia esperar a consciência do dever de respeito com base em escrúpulos que nem sequer os tinha.

Similar ao problema da violência doméstica, a homofobia é espécie do gênero da discriminação moderna cuja demasia da infringência aos Direitos Humanos por motivos de preconceito é uma das adversidades atuais que mais clamam por um posicionamento mordaz na erradicação e desconstrução do ódio, da aversão e hostilidade para com gays, bissexuais, lésbicas, transgêneros e transexuais.

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Perpetrada no âmago familiar, nos centros escolares, nas igrejas, no ambiente de trabalho e nas mais variadas localidades da vida urbana, a negatividade imposta contra sexualidades adversas da heteronormatividade é um problema que está atrelado a contexto cultural alastrado durante a decorrência de imemoriáveis períodos históricos, dos quais a sociedade de hoje herdou a concepção e a consciência coletiva de que é indesejável, errado, prejudicial, vergonhoso, repugnante e inadequado ser homossexual:

“O rol de violações aos direitos humanos que atinge as pessoas devido à orientação sexual ou identidade de gênero ainda constitui um padrão sistemático e global. A comunidade LGBT além de não ter seus direitos civis reconhecidos na maioria dos países, continua sendo vítima de discriminação, violência, abuso, perseguição e agressão constantes. Atualmente, relações homossexuais entre adultos continuam sendo criminalizadas em 80 países (11 deles na América central e no Caribe). Em sete países, a pena para esse “crime” é a execução” (RODRIGUES, 2011, p.28).

Nesse contexto, as reações sociais, que se definiram como necessárias para fazer rechaçar essa “ameaça gay”, são as que variam desde condenações à fogueira na Idade Média, passando por execuções massivas em câmaras de gás no holocausto nazista, chegando a enforcamento em praças públicas, apedrejamento, prisões e ao ostracismo nos persistentes modelos de Estado ditatorial. Visualizando-se aí a legalização de uma conduta violadora e discriminatória, em regimes políticos cuja punição é desvirtuada dos princípios idôneos e o poder extrapola os limites do abuso e da violência.

No modelo democrático, a exemplo do Brasil, não são anuídos quaisquer tratamentos desumanos impostos a uma pessoa por motivos de ter uma orientação sexual diferenciada, pelo menos não em lei. Entretanto, da mesma maneira que não permite legalmente, a norma também não proíbe. E as regulamentações esparsas, as disposições genéricas e as interpretações extensivas de arranjos principiológicos não se demonstram suficientes e nem incisivas para se fazer coibir e desarraigar a discriminação. Sendo assim, comportamentos advindos de diferentes setores sociais, imbuídos do “achismo” moral de que se a homossexualidade é errada, então a ela deve-se repudiar, cuja razão incutida é a de retaliar o que considera por desvirtuado, seja através do ataque direto, pela mitigação de outros direitos ou pela exclusão:  

“A rejeição de toda conduta homossexual e sua inscrição no campo jurídico está fundada na negativa de conceder ao indivíduo sua autonomia para o exercício de sua sexualidade. Sexo é apenas uma função biológica a serviço do bem comum do casamento e seus significados de amizade e procriação. Dessa maneira, não é possível falar-se em liberdade sexual, e são admitidos tratamentos desiguais que coíbam a conduta sexual divergente de indivíduos” (LEIVAS, 2011, p.74).

Mais uma vez observa-se nessas circunstâncias a semelhança com a problemática da violência cometida contra a mulher, em que, assimilando-se ao contexto anterior da aprovação de lei específica, a violação de Direitos Humanos parte de justificativas fundadas em perspectivas cultuadas pelo tempo e pela extensão de acepções morais que acreditam ser permissivo destratar alguém.

Mas por que a legislação ainda é omissa, tendo em vista a urgência que se configura por proteger minorias em face de condutas violentas que não condizem com o atual momento da promoção isonômica de direitos e valores éticos? Insurge-se desse questionamento a mais problemática das situações, em que, o Estado safa-se pelo viés da negligência, pois, não sofre represália por legitimar condutas opressivas, mas também não desprestigia os interesses de uma maioria mediante a imposição expressa de proibições às condutas discriminatórias:

“A omissão covarde do legislador infraconstitucional de assegurar direito aos homossexuais e reconhecer seus relacionamentos, ao invés de sinalizar neutralidade, encobre grande preconceito. O receio de ser rotulado de homossexual, o medo de desagradar seu eleitorado e comprometer sua reeleição inibe a aprovação de qualquer norma que assegure direitos à parcela minoritária da população alvo da discriminação” (DIAS, 2011, p.168).

As consequências desse descaso por conta de um indiscreto preconceito alcançam a esfera da instrumentalização processual, de maneira que somando-se a elas, reproduzindo também o descompromisso e desinteresse por se fazer reafirmar direitos evidentes, as autoridades tratam o problema da homofobia com indiferença no trabalho de investigação, indiciamento, persecução e processamento dessa conduta lesiva, ainda mais quando não têm um aporte legal em que se apoiar para considerar típico e verossímil o prejuízo causado em razão dessa discriminação. Restando apenas o enquadramento nas previsões genéricas já existentes, que se demonstram insuficientes. E essa ausência de interposição legal que obrigue o poder público a perseguir tal ofensa específica dá margem para que o preconceito, que parte dos próprios servidores, invalide até mesmo o compromisso por perseguir as transgressões já previstas (DIAS, 2011).

Nota-se a cada fechamento dos aspectos que estão em torno desse problema, que progressivo é o reconhecimento da relevância da implementação de medidas legais e políticas que interponham posicionamento mais contundente na erradicação da discriminação. E no caso da homofobia, diante do descaso legal, da insuficiência dos recursos existentes e do crescimento vertiginoso da violência por motivos torpes contra um grupo, indubitável é a necessidade de combater este problema com mais rigidez e especificidade, com escopo de proteção e efetivação de bens jurídicos evidentemente relevantes:

“Neste quadro, as violações físicas diretas à vida e à integridade física de grupos contra os quais se dirige a discriminação homofóbica são realidades inadmissíveis, cuja superação é vital para promoção dos direitos humanos. Diante de episódios, cuja frequência horroriza, não se deve exigir menos que a atuação dos órgãos estatais de persecução penal, extraindo-se do direito penal e do direito civil toda a responsabilidade cabível” (RIOS, 2007, p.136).

Assim sendo, a invocação da pretensão punitiva pode não ser, por si só, a solução integral, mas com certeza representa a corroboração simbólica e coercitiva mais incisiva de que é inaceitável a violação de Direitos Humanos por motivos tão antilógicos. Nesse ponto, defende-se que tipificar a violência homofóbica é o mecanismo central no combate a essa espécie de discriminação, pois, a partir dela é que se tem base e suporte jurídico mais eficaz para implementar outras medidas e para simbolizar o quanto ela é indesejável em um Estado cuja intenção é ser democrático (pelo menos em tese). É a sua incriminação que interporá à sociedade a obrigação mais mordaz de observar tolerância às diferenças:

“Ou seja, com a punição penal, reafirma-se que determinada conduta afronta valores fundamentais de uma sociedade, exteriorizando a desaprovação social da atitude. Serve, pois, como marca de que, em nosso sistema democrático, não são admitidas certas atitudes as quais afrontam direito, humilhando e inferiorizando populações que dentro do nosso contexto social, já são vítimas recorrente de toda sorte de discriminação” (SOUZA, 2012, p. 37).

Relatórios feitos pelo Governo Federal[1] sobre a realidade do problema da discriminação homofóbica, demonstraram que no ano de 2011, no Brasil, foram reportadas 6.809 violações cometidas em razão do preconceito contra orientação sexual e identidade de gênero, onde 1.713 foram os números de vítimas. Inferindo-se que em média 5,0 pessoas sofreram algum ou vários tipos de violência homofóbica por dia, em que o indivíduo não sofre apenas pelas agressões físicas, mas também pelo constrangimento, por meio de humilhações e injúrias. Esse número representa maioria do contingente de denúncias que são feitas a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência e a outros órgãos federais e estaduais, sendo 67,8% do total – o dobro das queixas para os módulos conjuntos da violência contra crianças e adolescentes, deficientes, moradores de rua, idosos e mulheres. Em 2012 este índice subiu para 9.982 violações e 4.851 vítimas, um aumento de 46,6% e 183,19 % respectivamente.

Nesses dois anos aponta-se que mais de 65% das vítimas são do sexo biológico masculino (inserindo-se aí também os transgêneros e transexuais). Da análise do perfil dos suspeitos esse espectro também é o mesmo. Isto é, dos 7.059 denunciados em 2011 e 2012, mais de 60% são pessoas do sexo masculino. Apontamento que remete o problema
a causas oriundas das questões sexistas e hétero-repressivas, que justificam as violências partindo da concepção excedida de que o ideal de “homem” não é praticar nenhuma das condutas perpetradas por homossexuais. Entre homens e mulheres que cometeram a violação, mais de 80% dos praticantes da ofensa foram informados como heterossexuais.

Da análise realizada por este mesmo grupo sobre instrumentos de difusão de notícias que nos informam diariamente sobre a violência homofóbica, foram apresentados dados (comprovados pelas delegacias e departamentos competentes onde os casos foram registrados) que no Brasil, juntando 2011 e 2012, 588 homicídios foram cometidos exclusivamente por motivo dessa discriminação. Entre as vítimas, 94,52% são do sexo biológico masculino e 5,48% são do sexo biológico feminino; 40% são travestis, 54,19% são gays e 5,48% são lésbicas. Destes casos, 49% aconteceram nas ruas e 24% nas residências. Entre os suspeitos, mais de 90% são homens e no tocante às formas ou ao que foi usado para cometer os crimes, 36,13% foram com uso de armas de fogo, 30,32% com uso de faca, 7,74% por espancamento, 6,45% por asfixia, 5,48% por pauladas, 4,19% por pedradas e 1,94% por incineração, revelando o aspecto truculento e o caráter de motivação pelo evidente ódio.

Diante dessas disposições cabe ressaltar que, de fato, a maneira de apontar realidade em espectros estatísticos, tomando por base a denunciação e a noticiação, não é a forma mais eficiente de se fazer vislumbrar a problemática em sua concretude. Entretanto, ante a inoperância dos órgãos competentes em registrar e fichar as ofensas que são cometidas em razão desse tipo de discriminação, inclusive porque lhes faltam aporte legal que tipifique e encrave a homofobia como delito, as informações relatadas são suficientes para compreender que um posicionamento legal é necessário tanto para erradicar as condutas em si quanto para impulsionar o avanço de outras medidas e instrumentos que tenham esse mesmo fim.

4. Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006:

Com a quantidade crescente de aportes bibliográficos publicados, intentados a discutir o reconhecimento de direitos sexuais, e com o surgimento de organizações que se preocuparam em mapear e demonstrar, ainda que limitadas, a realidade da prática da discriminação, cuja incidência é velada pela negligência das autoridades, tem-se a impressão de que estas questões só ganharam visibilidade agora. Em parte, esse entendimento não é equivocado. Entretanto, observa-se que essa notoriedade só insurge-se com tanta veemência porque é tido como urgente, tanto em nível nacional quanto global, que para o Estado seja obrigatório efetivar esses direitos humanos de maneira mais eficaz, inclusive pela implementação de medidas que assegurem a regalia de exercê-los e a proteção contra transgressões reacionárias também crescentes. Cinge-se nesse ponto a crítica que aponta o quanto a necessidade por regulamentar direitos só é enxergada quando a turbação deles já é concretamente evidente. E no Brasil não é diferente.

É importante ressaltar que inserido num contexto de relativa ascensão econômica e de presença enfática no cenário das relações globalizadas, o Estado brasileiro é engrenado a apresentar eminente faceta de influenciável e de influenciado. Nessa dinâmica, os valores sociais constantemente mudam, buscam se adequar ou produzem novas concepções que são construídas por influências internas e externas.

De abordagens anteriormente frisadas se auferiu a compreensão de que o valor estimado no almejo e interesse por Direitos Humanos, está inserido na avidez por exercer as liberdades individuais, os direitos de personalidade, a livre expressão, os direitos civis e a dignidade individual. Em âmbito nacional também são progressivos estes anseios, de modo que as novas gerações têm edificado concepções e ideologias que partem destes mesmos preceitos compartilhados hodiernamente em grande parte do mundo.

Desta feita, destaca-se a sexualidade como um dos fatores principais que tem apresentado modelações sobre valores. Recaindo no expoente de como vivê-la e com quem vivê-la. Assim também, tem sido apontada como principal vetor do discurso de respeito à liberdade pela qual pessoas estão dispostas a reivindicá-la e vivenciá-la em estilos, gostos, vertentes e comportamentos sem limitar sua vontade e nem ceder a pressões sociais, mesmo com a discriminação fortemente arraigada ao ambiente em que vivem.

Diante disto, é que emerge o complexo desafio para o Estado de como fazer para lidar com o embate configurado entre novas concepções e o paradigma conservador e reacionário, que, na maioria das vezes, dá margem para a discriminação.

No Brasil que intencionava estruturar o modelo mais democrático de sua história política no período próximo do constitucionalismo de 1988, o mais razoável seria ter ratificado disposições que objetivassem sanar integralmente todas essas celeumas que impedem promover a isonomia e a inclusão almejadas, de maneira que buscasse projetar a construção de uma sociedade adequada para o momento atual. No caso de qualquer aspecto relacionado ao direito de se definir sexualmente, pelo menos não foi por ausência de pretensões políticas que se olvidou legislar:

“Desde a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 que se pretende colocar proteção às minorias em razão de orientação sexual no texto constitucional. Os constituintes da subcomissão dos negros, populações indígenas, pessoas deficientes e minorias chegaram a receber, em sessões de meados de 1987, João A. de Souza Mascarenhas, então diretor de comunicação social da ONG Triângulo Rosa, que discursou sobre a importância de constar a expressão “orientação sexual” na proteção contra a discriminação” (BAHIA apud Folha de São Paulo, 2012, p.7).

Entretanto, todas as intenções por incluir no bojo da Lei Maior as disposições que faziam menção ao combate da discriminação motivada por razões de sexualidade fracassaram. Nesse sentido, muitas outras tentativas de emendas ou propostas de leis infraconstitucionais foram apresentadas. Bahia (2012) destaca o PL 4.242, do Deputado Edson Duarte; o PL 3.770/2004, do Deputado Eduardo Valverde; e os PL. 5/2003 e 5.003/2001, da Deputada Lara Bernardi. Sempre trazendo à baila o mesmo entrave de discussões pautadas em demasiados fundamentos jurídicos e morais, a análise de propostas desta natureza são alastradas por anos na alternância entre as casas do Congresso. Na maioria das vezes o destino é o arquivamento, motivado pela pressão dos que conseguem compor contingente influente na ambiência do legislativo a ponto das aprovações e pautas lhes ser favorável.

O mais recente e famigerado entre estas proposições é o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que é uma variação do PL 5.003/2001 e ganhou essa nomenclatura após ser aprovado na Câmara dos Deputados em 2006 e aditado por diversas vezes desde o início de sua tramitação no Senado, permanecendo aí protelado por arquivamentos, projetos substitutos, pareceres, debates, análises nas comissões e controvérsias políticas.

No ano de 2011 o PLC 122 foi desarquivado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), assumindo também sua relatoria. Desde então, referida proposta aguarda aprovação na comissão de Direitos Humanos, na de Constituição, Justiça e Cidadania e no Plenário.

Em suma, o PLC 122, apelidado de “lei da homofobia”, objetiva alterar a Lei 7.716/1989 que criminaliza as ofensas resultantes de discriminação e preconceito, tipificando as discriminações cometidas em razão de orientação sexual, de idade, de deficiência, de sexo, de gênero e identidade de gênero ao enquadrá-las no rol das espécies previstas como possíveis de punição.

No tocante a esse projeto cabe destacá-lo em suas seguintes disposições:

“Art. 3º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art.1º Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Art. 20 Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Pena: reclusão de um a três anos e multa

Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:

Pena: reclusão de dois a cinco anos

Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos Direitos Humanos.”

Nestes termos, observa-se que o supracitado projeto promove também a viabilização de mecanismos que combatam outros problemas de discriminação, cujas intermediações estatais são omissas ou ineficazes, tais como a de violação de direitos dos deficientes. E da análise mais específica sobre esta última predição, conclui-se que, pelo entendimento do teor dessa proposta, a norma incriminadora é um evidente instrumento de promoção de Direitos Humanos.

5. Discursos hipotéticos que justificam ou invalidam a necessidade de criminalizar a homofobia;

Dos posicionamentos debruçados em defesa da tipificação da homofobia auferem-se as argumentações de que prever a punição é indubitavelmente proteger evidentes bens jurídicos, tal como se preceitua o entendimento mais majoritário sobre a função do Direito Penal. E por proteger, a lei também está, por outro viés, promovendo estes bens, que nada mais são do que o arranjo de direitos que a todos se deve assegurar. Inferindo, portanto, que leis dessa natureza são importantes e necessárias:

“A intolerância viola o direito à existência simultânea das diversas identidades e expressões da sexualidade, que é um bem comum indivisível. Uma vez acionada, a intolerância ofende o pluralismo, que é requisito para a vida democrática. Daí a compreensão de que os chamados crimes de ódio, manifestação que merecem intensa reprovação jurídica, atentam contra a convivência democrática. Daí também a propriedade da utilização de ações coletivas para a proteção e promoção do direito ao reconhecimento das identidades forjadas e estigmatizadas num contexto heterossexista (RIOS, p.136).”

Como exemplo de imposição da reprovação jurídica tal como preconiza o autor citado, o PLC 122/06 é o que se tem de proposta mais concisa em tramitação. Entre os resultados hipotéticos que esta proposição aponta, os que estão ao seu favor concluem que aprová-la é fazer, na prática, com que os Direitos Humanos sejam efetivados, tendo em vista que, interpõe a obrigação pela observância de prerrogativas como a liberdade, a integridade, a livre expressão, o trabalho e a afetividade:

“Há muitas formas e meios de promover a morte social, sendo a discriminação a principal entre elas. Daí o mérito dos instrumentos para coibi-la e sua relevância num sistema jurídico referenciado nos Direitos Humanos e nas liberdades públicas.

Esta Relatoria entende que o PLC nº 122, de 2006, tem pleno mérito na adequada definição de sujeitos e condutas criminosas, em face da inegável necessidade de recursos penais para coibir a discriminação homofóbica no território nacional e em função de garantir a universalidade do direito à igualdade e à diversidade entre os cidadãos e cidadãs[2].”

Mas então o que obsta, mesmo diante de sua relevância, que essa proposta de lei complementar seja aprovada? O que faz dela um motivo de demasiada discussão no cenário das publicações doutrinárias, das acadêmicas e no âmbito das atividades legislativas?

Críticas, polêmicas e interesses políticos fechados a parte, é evidente o reconhecimento de que esta é uma problemática suscetível para conflitos de abordagens jurídicas, para as quais é imprescindível a análise científica com cautela e com a finalidade de se evitar a legalização de instrumento que objetiva sanar um problema, mas que pode gerar outros mais com potencial de infringir bens jurídicos anteriormente estatuídos.

 Entre as questões suscitadas, a cogitação pela aprovação ou não do PLC 122 dá margem para que sejam discutidos, principalmente, a Inflação indevida da lei penal e a contrariedade ao Direito Penal Mínimo; o tolhimento da liberdade de opinião e a limitação do direito de crença.

Em um estudo que elencou argumentos favoráveis e contrários, Guimarães (2012) abordou que em se tratando das hipóteses que invalidam a criminalização da homofobia, a principal vertente é a de que a tipificação desta conduta produziria nada mais que a expansão desnecessária do Poder de Punir. Segundo a sua pesquisa, diante da realidade precária do sistema carcerário brasileiro, o ideal seria evitar ao máximo que novos arquétipos penais sejam legalizados. Ainda mais quando é defendido, por parte significante das ciências criminológicas, que penalizar não significa em nada garantir a redução da criminalidade. Pelo contrário, a atividade penal apenas representa o descompromisso do Estado para com questões atinentes à promoção de educação e de condições básicas que eliminam a decorrência de delitos diretamente em suas raízes. Nesse sentido, acontecerá o mesmo no caso da homofobia: os resultados serão apenas a punição que beira o abuso do poder; o descaso para com políticas de prevenção do crime quando o Estado e a sociedade entendem que punir é a solução de tudo; a continuidade do preconceito e a acentuação do ódio por parte do agressor diante da repressão que sofreu; a inflação do desejo de vingança social e o agravamento da superlotação carcerária.

Recolhe-se também das argumentações contrárias ao PLC 122 o receio por estar sendo aprovada uma medida que, por ser fortemente coercitiva e de cunho limitador, submeta a sociedade aos riscos de uma insegurança jurídica. Um desses riscos seria a insuficiência em projetar, para a concretude prática, o entendimento do que realmente é capaz de configurar uma discriminação em razão de orientação sexual, identidade de gênero, sexo, condição da pessoa idosa e do deficiente.

O maior e mais discutido desses temores diz respeito às invocadas liberdades de opinião e liberdade de crença, tendo em vista a relação destes preceitos com a proibição da discriminação homofóbica. Nesse ponto, a corrente contrária ao PL preceitua que aprová-lo seria permitir punir e vedar opiniões de pessoas que não concordam com a homossexualidade ou que, se embasando em acepções religiosas, poderiam ser denunciadas e submetidas a uma punição por difundirem aquilo que crêem. Desta feita, o PL é considerado inconstitucional e antidemocrático, pois censura e viola os valores sobre a autonomia intelectual, a livre expressão e o direito de convicção religiosa:

“[…] em oposição às tendências modernas do Direito Penal, que descriminaliza condutas, o abominável projeto quer impor, criminalizando e dispondo o aparato policial a serviço de um grupo restrito, valores que chocam com o que pensa a esmagadora maioria da sociedade brasileira que é, eminentemente, cristã e heterossexual. Portanto, o Congresso Nacional está para aprovar uma lei que impede – e mais que isso, criminaliza! – qualquer manifestação – seja ela intelectual, filosófica, ideológica, ética, artística, cientifica e religiosa – contrária ao homossexualismo e às suas práticas (JUNIOR, 2013, p.2).”

É por isso que, no entorno das atividades legislativas, as reações mais ferrenhas que vão de encontro com quaisquer proposições de reconhecimentos e mudanças sobre direitos sexuais, partem, na maioria das vezes, das representações religiosas que compõem contingente político inserido no Congresso Nacional, mais precisamente da bancada evangélica. Isto porque a maioria dessas propostas não tem aprovação das concepções e doutrinas tradicionais que pregam grande parte das religiões, não sendo interessante para seus representantes coadunar com leis que contrariam ou coloquem em descrédito os preceitos que estas crenças difundem a imemoriáveis tempos.

Em um dos debates entravados na Câmara dos Deputados sobre o PLC 122, o deputado Jefferson Campos (PTB-SP) deflagrou o seguinte discurso:

“Sr. Presidente, Sras. E Srs. Deputados, como pastor evangélico e cidadão brasileiro, tenho visto o levante que está acontecendo no Brasil na questão dos homossexuais. ONGs e associações que defendem os homossexuais têm se organizado na esfera política, e entraram no Legislativo Federal, tentando fazer valer leis que os colocam como cidadãos intocáveis no Brasil. A inconstitucionalidade do PL cerceia de forma velada a liberdade de pensamento e de crença, garantida pela nossa Constituição, e cria uma superlei, dando superdireitos aos homossexuais. Essa pretensa lei impõe pena de reclusão de até 5 anos para qualquer manifestação, ainda que de ordem religiosa, ou filosófica, de oposição ao homossexualismo. […] Portanto, o projeto é flagrantemente inconstitucional porque significa a implantação do totalitarismo e do terrorismo ideológico de Estado, com manifesta violação à livre manifestação do pensamento, à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. (Art. 5º da Constituição) (CAMPOS, 2008).”

Emitindo parecer favorável pela aprovação e apresentando um substituto do projeto, que atualmente aguarda a entrada em pauta pela Comissão de Direitos Humanos, após ter sido aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o Senador Paulo Paim (PT) que é relator da proposta na CDH do âmbito do Senado, destacou a necessidade de se invocar o Direito Penal para erradicar a discriminação e, consequentemente, promover Direitos Humanos:

“Não temos dúvida da necessidade de recorrer aos mecanismos penais para coibir a discriminação no território nacional e para garantir a universalidade do direito à igualdade e à diversidade, pois a homofobia é um ato juridicamente condenável, merecedor da represália social e estatal […] Desse modo, em consonância com a Constituição Federal, o texto que ora propomos almeja proteger a vida, não apenas em seu sentido biológico, mas nas relações sociais indispensáveis ao seu desenvolvimento. É certo que as condutas criminalizadas não tratarão da esfera da consciência, mas da esfera da convivência, definindo apenas comportamentos que impliquem lesão a direito alheio. (PAIM, 2013).”

Ainda em sua exposição escrita, Paim atenta que legalizar medidas repressivas da discriminação em nada afronta a premissa da intervenção mínima do Direito Penal, pois é inteiramente constitucional, diante de um Estado que faz da tolerância uma das suas marcas definidoras, abolir o preconceito por vias da persecução:

“[…] consciência da indivisibilidade dos direitos humanos está na raiz do combate ao preconceito e à discriminação, que tem sede constitucional no Brasil. A solução para o problema no momento civilizatório que vivemos está na elaboração de norma que reforce a perspectiva de prevalência dos direitos humanos e condene toda prática atentatória de direitos que tenha por fundamento o ódio e a intolerância por qualquer característica ou condição do ser humano. Afinal, não há preconceito ou discriminação que seja menor ou menos prejudicial à integridade e à dignidade humana, porque essas práticas são igualmente lesivas e desumanizantes.”

 

No intento de sanar as controvérsias entre o combate à discriminação e as questões da liberdade de opinião e de crença, o projeto foi retificado pelo seu substituto com o escopo de flexibilizar suas disposições e a elas abrir exceções. Por exemplo, ao art. 8º – que previa punição para quem proibisse a manifestação de afeto para alguns em local onde se é permitido para outros – foi acrescida menção “resguardando o respeito devido aos espaços religiosos.” O que para o relator é disposição suficiente para se fazer expandir a interpretação de que permanecem resguardadas as referidas liberdades.

Mesmo com a nítida intenção de ser modelável aos ditames tradicionais, a aspereza dos que se opõem em desfavor de anuir a proposta é persistente.

As mais recente das tentativas de estabelecer acordo entre prós e contras à aprovação foram realizadas nos últimos meses da sessão legislativa, para a qual o portal eletrônico de notícias do Senado destacou:

“Falta de Consenso Impede Votação de Projeto que Criminaliza Homofobia – Manifestações de deputados da bancada evangélica e de representantes de igrejas marcaram a primeira tentativa de votação, nesta quarta-feira. Em sentido oposto, o senador Magno Malta (PR-ES), que é evangélico, afirma que o texto atual não contempla ninguém com interesse na questão. “Acompanhamos o esforço do senador Paim. Realmente, não é matéria fácil. Nem vou entrar no mérito, mas não podemos deixar um legado infame para as gerações futuras” [3]

Após diversos adiamentos devido a inexistência de acordos e a resistência das discussões, um requerimento do Senador Eduardo Lopes (PRB-RJ) para apensar o PLC à proposta de reforma do Código Penal foi aprovado em 17 de Dezembro de 2013, retirando do referido projeto as possibilidades de ser deliberado isoladamente, o que para os seus defensores significa uma possível derrota diante das circunstâncias que levem ao tratamento indevido para com o problema da homofobia, tendo em vista a quantidade de outros assuntos a serem legislados.  

Isto posto, nota-se que quaisquer predisposições voltadas à desconstruir e erradicar a discriminação em razão da sexualidade, a exemplo do PLC 122, será inevitavelmente objeto de intensa disputa ideológica e política. De fato, há um evidente conflito entre valores e garantias constitucionais que deve ser observado, mas sem que as conclusões tomadas restem em demérito para uns ou para outros. Entretanto, mesmo que sendo visíveis as possibilidades de se fazer efetivar uma solução adequada para essa divergência, é mais visível ainda que isso não aconteça porque está em jogo interesses dos que concebem a democracia como o governo da maioria.    

CONCLUSÃO

Como diria o renomado e clássico jurista austríaco Hans Kelsen, o ilícito jurídico não é negação, mas sim, pressuposto do Direito. É como se a existência dos contrários fosse elementar para a construção do ponto de sustento e justificativa para que se efetive o Direito. Nesse sentido, definir ou tipificar o que é o delito e a ele cominar coação, não é limitar-se a isso, mas também é internalizar a presunção do seu contrário, que é o “não-delito.” Destarte, reforçar-se a concepção do “dever ser” ao torná-lo intrínseco e presumível na disposição do “não dever ser.”

Distante de querer apontar essa teoria como absoluta, colhe-se seu fundamento como embasamento para dispor um fechamento perspicaz sobre a proposta de criminalização da homofobia e sobre a suposta efetividade de Direitos Humanos por via da atividade punitiva.

Se pudéssemos definir o mundo moderno em uma palavra, com certeza uma das primeiras seria o termo “diversidade.” Com o estreitamento dos contatos entre diferentes culturas e da variedade de formas ou instrumentos dispostos a facilitar e ampliar as possibilidades da relação entre elas, é evidente que a diversidade cultural, a diversidade de raças, de religiões, de gêneros, de pensamentos, de gostos e concepções representam, de fato, a ordem e a progressão do contexto social hodierno. Estimular essa diversidade é eminentemente favorecer a tolerância, impulsionando a humanidade a um patamar muito mais elevado de bem-estar e racionalidade. Tomando emprestado o conhecimento de Lévi-Strauss, pode-se dizer que a diversidade é vetor de toda a evolução humana.

Em se tratando da diversidade sexual e do reconhecimento de direitos que dela advêm, estas culturas têm suscitados diferentes maneiras de lidar com isso.

Entre os que são apontados como avanços destacam-se: a legalização da união homoafetiva em lugares como Dinamarca, Holanda, Espanha, Canadá, Portugal, Argentina, Uruguai, França, Nova Zelândia e Estados Unidos e a aprovação de leis que criminalizam a discriminação nestes mesmos países e em outros como Bolívia, Colômbia, Equador, México, Inglaterra, Austrália, Irlanda, Escócia, Suécia, entre outros. A maioria com legislações aprovadas entre os últimos cinco anos, visando erradicar as violações em razão do preconceito pela via do ativismo judicial. Na contra mão das melhorias, mais de 80 países permanecem criminalizando a homossexualidade, com punições que podem chegar à pena de morte.

O Projeto de Lei da Câmara n 122 de 2006 – que objetiva incluir a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no rol dos crimes previstos pela Lei nº 7.716 – foi aqui referenciado como o aporte jurídico que melhor tem se demonstrado como propositura de medidas mais próximas de se efetivar o combate à discriminação em seus diversos tipos.

Entretanto, assim como visualizado, uma série de questões políticas e jurídicas tem obstado sua aprovação. Sobre elas incumbe aqui interpor entendimentos necessários para facilitar uma posição conclusiva sobre a problemática geral trabalhada.

Primeiramente, é mister ressaltar que a famigerada liberdade de opinião não consiste em prerrogativa com a qual seja possível deflagrar uma convicção sem observar limites que a ponderam. Esse direito garantido constitucionalmente não significa legitimação para infringir ou promover a violação dos direitos de outrem, ao se valer disto para propagar concepções que denotam o ódio e a intolerância.

Desta feita, entende-se que o conflito apontado entre o PLC 122 e a liberdade de opinião é aparente, pois, longe de querer censurar quaisquer ideologias quando expressadas singelamente, essa proposta na verdade é suporte, permitido pela própria constituição, para se evitar opiniões que extrapolam os limites da aceitação. Nesse mesmo sentido, ter a convicção e o direito de expressá-la com base em qualquer crença de que a orientação ou identidade sexual de outra pessoa é algo errado não constitui o problema que é objeto da lei, mas sim o potencial que a inflação desses pensamentos tem para gerar a discriminação, quando impostos em práticas que incitam o tratamento pejorativo e a perseguição.

Ante o exposto e inferindo considerações que depreendem a veracidade dos argumentos que apontam a norma penal como mecanismo de efetivação da tutela de direitos, retoma-se a teoria de Kelsen: a lei ainda é o instrumento jurídico mais importante na escala dos insumos coercitivos utilizados pelo Estado para promover a ordem. Por si só ela não é suficiente para que de fato se cumpram direitos e deveres que estatui, porém, é a partir dela que ganham visibilidade e consistência no meio coletivo.

Não se pode negar que questões como a ética, os valores e a educação são elementares para construir uma sociedade mais justa e consciente sobre o devido respeito para com a liberdade e integridade de outrem. Entretanto, por parte do Estado, na necessidade de reforçar esses valores, a missão de fazê-lo se demonstra insuficiente se é ausente a incidência de lei como aporte capaz para difundir na sociedade o que é proibido e o que é permissivo. “Não há crime, nem pena sem lei anterior que os defina” e “não há direito sem ação”, são adágios que melhor ensejam a convicção da importância da lei para o alcance da ordem.

Nessa esteira, considera-se aqui que as leis antidiscriminatórias são indubitavelmente necessárias para a efetivação de Direitos Humanos. Por elas é que se reforçam a idoneidade do bem jurídico tutelado e se dissemina no consciente coletivo a ideia de que destratar, constranger e violentar alguém por conta de quaisquer preconceitos ínfimos é contrariar o ordenamento vigente e é merecer a reprovação jurídica. Nota-se, pois, o caráter simbólico do Direito Penal. Se a eficácia da norma alcançará resultados concretos além de sua natureza axiológica e se na prática os Direitos Humanos serão respeitados, dependerá muito do compromisso das autoridades e da emancipação das vítimas como sujeito de direitos.

 

Referências
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Notas:
[1] Análises feitas por Grupo de Trabalho composto por membros da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação com base em registros dos sistemas de denúncia da SDH, da Central de Atendimento à Mulher, da Ouvidoria do SUS e das Secretarias de Segurança Pública de alguns Estados da Federação.    
[2] Parecer da Comissão de Assuntos Sociais do Senado sobre o Projeto de Lei da Câmara n.º 122, de 2006, sob relatoria da senadora Fátima Cleide.

[3] Agência Senado – Notícia sobre reunião da Comissão de Direitos e Legislação Participativa que visava votar o PLC 122.


Informações Sobre o Autor

José Hérbon de Morais Pereira

Acadêmico de Ciências Jurídicas e Sociais Direito da Fundação de Ensino Superior de Cajazeiras


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