Sumário: INTRODUÇÃO. 1. O princípio da isonomia 2. O princípio de proteção e o princípio da igualdade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta (Lacordaire)
INTRODUÇÃO
Este artigo visa a apresentar a aplicação do princípio da isonomia no Direito do Trabalho. O princípio da isonomia ou igualdade não afirma que todos os homens são iguais no intelecto, na capacidade de trabalho ou na condição econômica, mas sim, transmite a igualdade de tratamento perante a lei, devendo o aplicador desta levar em consideração de que méritos iguais devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser tratadas desigualmente.
O legislador visou garantir um direito fundamental do indivíduo, insculpido no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que é o da igualdade entre os homens. A base do princípio é que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Assim, deve-se igualar os desiguais levando em conta suas diferenças. Não é tão difícil perceber que não pode a legislação processual tratar de modo invariavelmente igual os litigantes, desconsiderando as distintas condições de cada um deles. Se em dado momento o faz é apenas porque o interesse daqueles que mais sofrem com a desigualdade real não conseguiu ainda impor-se ou, pelo menos, adquirir relevância suficiente para merecer a atenção do legislador.
O princípio da isonomia pretende a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou poder econômico, fornecendo o direito de todos ao acesso às funções públicas, abolindo-se os títulos e privilégios hereditários. A Constituição Federal de 1988 observa o princípio da isonomia em vários dispositivos: artigo 5º, caput, incisos I, VIII, XXXVII, XLII e artigo 7º, XXX, XXXI e XXXIV e a CLT: artigos 3º, 5º e 8º. Destarte, esse artigo irá discorrer desde a conceituação do princípio até o alcance deste na aplicação do Direito do Trabalho.
1 O princípio da isonomia
“Em face do princípio da igualdade, a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas um instrumento que regula a vida em sociedade, tratando de forma eqüitativa todos os cidadãos”. [1]
O princípio da isonomia preceitua que todos são iguais perante a lei, quer seja esta de conteúdo material ou processual. Todavia, vale recordar que a igualdade formal deve ceder lugar à igualdade real ou substancial, ou seja, que é necessário tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, sob pena de ferir este preceito basilar protegido pela Lei Maior, em seu artigo 5º, caput.
O princípio da isonomia, como bem leciona Nelson Nery Junior, “significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico” [2], ou seja, devem ser oferecidas aos litigantes iguais oportunidades de manifestação.
Na verdade, o princípio da igualdade por vezes supõe e até mesmo reclama tratamento legal desigual, para que, compensadas as desigualdades reais, caminhe-se para maior igualdade efetiva, como já reconheceu inclusive o Supremo Tribunal Federal: “Princípio isonômico: a sua realização está no tratar iguais com igualdade e desiguais com desigualdade.” [3]
O princípio da isonomia enseja e exige a equivalência real, caso a caso, in concreto, para não se correr o risco de tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, o que seria desigualdade flagrante, e não igualdade substancial.
No direito do trabalho o princípio da isonomia surgiu como conseqüências de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzias a diferente formas de exploração, inclusive mais abusivas e iníquas. Para tanto, o legislador, através do princípio da isonomia, na tentativa de buscar medidas para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade econômica no direito do trabalho, busca-se uma justiça real, concreta ou material. O nível de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam operário e patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não impediria essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão proletário, politicamente soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica. Assim, se traçaram normas publicas reguladoras das relações jurídicas impondo-se direitos e obrigações. Desta forma, foram criadas restrições ao poder econômico, estabelecendo regras mínimas quanto à jornada, ao salário, à forma de contratação, ao trabalho do menor e da mulher etc.
Radbruch anota que
“a idéia central em que o direito social se inspira não é a da igualdade entre as pessoas, mas a do nivelamento das desigualdades que entre elas existem. A igualdade deixa assim de constituir uma ponte de partida do direito para converter-se em meta ou aspiração da ordem jurídica.”[4]
O princípio significa, para o legislador – consoante observa Seabra Fagundes[5] – que “ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades”. Aliás, Francisco Campos, com razão, sustentara mesmo que o legislador é o destinatário principal do princípio, pois se ele pudesse criar normas distintas de pessoas, coisas ou fatos, que devessem ser tratados com igualdade, o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil…[6]
E ainda, segue outra parte da doutrina, vazada nos termos seguintes:
“Esses fundamentos é que permitem, à legislação, tutelar pessoas que se achem em posição econômica inferior, buscando realizar o princípio da igualização, como salienta Pontes de Miranda, in verbis: “A desigualdade econômica não é, de modo algum, desigualdade de fato, e sim a resultante, em parte, de desigualdades artificiais, ou desigualdades de fato mais desigualdades econômicas mantidas por leis, o direito que em parte as fez, pode amparar e extinguir as desigualdades econômicas que produziu. São inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela Constituição. O ato discriminatório é ilegal. Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade. Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. Nesse caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros.[7]
Esclarece a doutrina da professora Cármem Lúcia Rocha Antunes:
“As Constituições Contemporâneas incluem o direito à vida e os princípios da igualdade e da liberdade como vertentes de todos os direitos fundamentais que são arrolados em suas declarações e que se estendem bem além daqueles formais de natureza política que se continham nos primeiros documentos constitucionais. Assim, a vida impõe respeito e segurança de todos os direitos que a garantam digna e saudavelmente. A liberdade determina a garantia de todos as suas manifestações e dos direitos que a façam emoção vivida e dominante em todos os movimentos e condutas sócio-políticas e econômicas dos indivíduos. Todos os direitos e deveres decorrentes da convivência civilizada do Estado devem ser dominados pela eficiência do princípio da igualdade, cujos desdobramentos são definidos nos diferentes desempenhos da convivência social.”[8]
Dentro do possível as partes devem receber o mesmo tratamento. Conforme a Constituição Federal em seu artigo 5º todos são iguais perante a lei, embora no processo trabalhista o reclamante empregado goze de benefícios que não atingem o reclamado-empregador[9]
O princípio da isonomia está inserido em vários dispositivos legais relativos às relações jurídico-trabalhistas:
O artigo 7º, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV da Constituição Federal de 1988, por exemplo, regula o princípio da isonomia no Direito do Trabalho. O artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho reza que “a todo o trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”. Se o trabalhador executa trabalho idêntico, o salário será o mesmo desde que guardadas suas proporções legais, conforme previsto no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O princípio da isonomia garantido na Constituição Federal é amplo e assegura ao indivíduo o direito de insurgir-se contra o arbítrio e a discriminação. Este princípio está inserido também na CLT, assegurando igualdade de salário para o trabalho de igual valor. Dispõe o art. 461 da CLT, in verbis: “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado a mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.
O professor Rodrigues Pinto, com a proficiência de sempre, já afirmava que
“tal ponto de equilíbrio é rompido sempre que o órgão jurisdicional se investe, indevidamente, na função de tutor do empregado, aplicando, por exemplo, a regra do in dubio pro misero, extensiva do princípio da proteção, quando aprecia as consequências processuais da divisão do ônus da prova, sujeitas à norma do art. 818 da CLT, cristalizadora do princípio de que a decisão será contra a parte (empregador ou empregado) encarregado de produzi-la” [10].
Conferir proteção ao trabalhador não é o mesmo que conferir vantagem incontinente, pois ao invés de promover-se a igualdade jurídica entre as partes, estaríamos pendendo a balança para um dos lados, rompendo com a isonomia da prestação jurisdicional e, principalmente, com a segurança jurídica do ordenamento.
2 O princípio de proteção e o princípio da igualdade
O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o direito do Trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes, qual seja: o trabalhador.
O fundamento do princípio de proteção é a própria razão de ser do Direito do Trabalho, que surgiu porque a liberdade de contrato entre as pessoas com poder e capacidade econômica desigual conduzia a diferentes formas de exploração.
No direito comum a preocupação é de assegurar a igualdade jurídica e, no entanto, no direito do trabalho a preocupação é de proteger uma das partes com o objetivo de alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.
Tarso Genro[11] entende que o art. 9º da CLT recepcionou o princípio de proteção, ao prescrever a nulidade do ato tendente a impedir a aplicação das normas de proteção ao trabalho. Contudo, como bem observa Plá Rodriguez, não há a necessidade de consagração dos princípios no direito positivo, “porquanto a própria natureza do princípio o situa acima do direito positivo”[12].
Hueck e Nipperdey afirmam que uma observação superficial sobre o desenvolvimento histórico do Direito do Trabalho mostra que este se origina da especial necessidade de proteção, primeiro dos operários e depois dos trabalhadores em geral. O direito do trabalho é um direito protetor dos trabalhadores por um duplo fundamento: a) o sinal distintivo do trabalhador é a sua dependência, sua subordinação às ordens do empregador. Essa dependência afeta a pessoa do trabalhador; b) a dependência econômica, embora não necessária conceitualmente, apresenta-se na grande maioria dos casos, pois em geral somente coloca sua força de trabalho a serviço de outro quem se vê obrigado a isso para obtenção de seus meios de vida. A primeira e mais importante tarefa do Direito do Trabalho foi procurar limitar os inconvenientes resultantes dessa dependência pessoal econômica. [13]
O princípio da proteção visa o equilíbrio de interesses entre o empregador e o empregado[14], o bem comum e a equidade. O princípio da proteção não autoriza a contrariar o conteúdo da lei, mas justamente o contrário: interpretar sua letra à luz do espírito da lei, ou seja, de sua própria razão de ser. O princípio protetor visa atenuar a desigualdade entre o trabalhador e o empregador. Alguns doutrinadores regulam o princípio de proteção através de três princípios: princípio pro operário[15] (na dúvida a interpretação é a favor do trabalhador), princípio da norma mais favorável[16] (quando se interpreta duas ou mais normas jurídicas trabalhistas em relação ao mesmo tema, aplica-se a que seja mais benéfica ao trabalhador), princípio da condição mais benéfica[17] (uma condição de trabalho já conquistada não pode ser substituída por outra menos vantajosa, na mesma relação de emprego – artigo 468 CLT) , mas não fogem na regra de que deve se favorecer a quem se pretende proteger.
O Direito do Trabalho veio a compensar a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica favorável, livrando-se da igualdade formal entre as partes que rege outros ramos do Direito, principalmente o Direito Civil
3. Alguns tópicos sobre o problema da discriminação do trabalhador
3.1 O trabalhador estrangeiro no Brasil
O tema da igualdade de tratamento, no entanto, suscita acalorado debate no meio jurídico, em especial no estudo e aplicação do Direito Internacional Privado.
JACOB DOLINGER assim sintetiza:
«A legislação brasileira contem uma série de restrições à atividade dos estrangeiros, umas decorrentes de vedações constitucionais, outras criadas pelo próprio legislador ordinário. […] Todas as restrições constantes em legislação ordinária devem ser reexaminadas, diante da igualdade garantida pela Constituição a brasileiros e estrangeiros residentes no país, como muito bem focalizado em julgamento de mandado de segurança pelo Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, do qual extraímos, por sua importância, os trechos que se seguem: ‘A r. sentença….concedeu a ordem aos seguintes fundamentos: A questão insurge-se em saber se a exigência da nacionalidade brasileira para o exercício da profissão de jornalista está em consonância com o espírito da Constituição de 1988. O artigo 5º da CF e seu inciso XIII assim prescrevem: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendendo as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Diante do texto constitucional, observa-se a preocupação do constituinte em tratar igualmente os nacionais e estrangeiros, bem como, permitir distinções apenas no âmbito das qualificações profissionais, vendando-se qualquer discriminação quanto à nacionalidade. Estou que a r. decisão singular merece ser confirmada. Contudo, como corretamente salientado pela ilustre magistrada monocrática, cuida-se de diploma legal anterior à novel Carta da República, cujo art. 5º, caput e inc. XIII assegura o exercício de qualquer trabalho ou profissão não apenas aos brasileiros, mas aos estrangeiros residentes no país.’.[18]
O princípio da igualdade de tratamento entre brasileiros e residentes encontra guarida na Constituição federal, bem como, amparo no Direito Internacional Público. DOLINGER faz o seguinte inventário:
A Convenção de Havana sobre Direitos dos Estrangeiros, de 1928, determina em seu artigo 5º a obrigação dos Estados «concederem aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem a seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais. A igualdade dos estrangeiros e nacionais vem prevista em outros diplomas internacionais destacando-se o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Nova York, 19 -1-1966, artigo 2º, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Nova York, 19-12-1966, artigos 2º e 26, ambos patrocinados pela Organização das Nações Unidas e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, 22-11-1969, artigo 1º.[19]
Cumpre mencionar que para a admissão de um estrangeiro deverão ser observados os requisitos previstos na Legislação específica (Decreto Lei 691/18.07.69, Portaria MTE 132 de22.03.02, Resolução Normativa CNH 33 de 27.08.99) e disposições previstas na Consolidação das Leis do Trabalho a respeito da matéria.
3.2 Isonomia Salarial
Mesmo sendo o texto anterior à Carta Magna de 1988, não houve necessidade de adaptação da passagem consolidada à nova realidade constitucional, salientando-se que o princípio da isonomia salarial não pode amparar qualquer distinção de ganhos em razão de sexo, nacionalidade ou idade[20]. Mas o legislador não igualou quaisquer dois empregados, impondo-se que se afirme que o princípio é válido quando o empregador dos comparados (equiparando e paradigma) seja o mesmo. Ainda, em acréscimo, o trabalho deve ser de igual valor (igual produtividade e com a mesma perfeição técnica) e na mesma localidade. Entendeu o legislador, ainda, no § 1º do art. 461 que entre os comparados não pode haver diferenciação salarial se os tempos de serviço entre ambos seja inferior a 2 anos. Obstáculo invencível à equiparação é a existência de quadro de carreira, com as promoções alternadamente (§ 3º) devendo obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento.
Os princípios norteadores da igualdade salarial são extremamente complexos ou até impossíveis de serem seguidos quando se tratar de comparação de trabalhos com preponderância dos aspectos artísticos da obra ou resultado. Note-se que os serviços que dependem exclusivamente de técnicas ou aplicação de conhecimentos científicos tendem a ser iguais, independentemente do agente.
A Constituição Federal/88, no art. 5º “Caput”, assegura o direito à igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza, sendo que, por exemplo, o inciso XXX do art. 7º da mesma Constituição assegura proteção de salário igual, afirmando que é proibida a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil. Assim, o direito de qualquer trabalhador de ser tratado sem discriminação quanto à sua idade, sexo, cor, ou estado civil é irrenunciável[21], tendo em vista a finalidade objetivada pelo Constituinte, ou seja, a de preservar a igualdade de tratamento dos cidadãos, sem preconceitos injustificados. Mas temos visto que muitas empresas não respeitam as garantias constitucionais, visando sua redução de custos a qualquer pretexto, pagando salário mais elevado ao homem, e salário menor à mulher, bem como aos menores de idade, mesmo que venham a fazer trabalho igual e com a mesma produtividade. Todavia, nossos Tribunais Trabalhistas tem declarado a nulidade da prática desses atos discriminatórios[22], quer da mulher, quer dos menores, assegurando tratamento igualitário entre todos e condenando as empresas desrespeitadoras do direito à igualdade e contrária à atos discriminatórios a pagar as diferenças salariais mensais então resultantes entre o salário então praticado para um mesmo trabalho, seja ele realizado por um outro homem, por uma mulher e ou mesmo um menor de idade.
Afastando-se do estabelecido pelo art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, o princípio de isonomia salarial entre os empregados está baseado no salário igual para trabalhos de igual natureza, eficácia e duração, sem distinção de nacionalidade, sexo, raça, religião ou estado civil.
3.3 A questão do trabalhador portador de deficiência
A Constituição Federal, de 1988, dispensou um tratamento diferenciado às pessoas portadoras de qualquer tipo de deficiência dentro do mercado de trabalho. Esse tratamento existe não só no âmbito do trabalho público[23], mas também nos demais tipos de empresas.
No âmbito de trabalho da iniciativa privada (empregados em sentido estrito), para fins de legislação do trabalho, estabeleceu a proibição de qualquer ato discriminatório no tocante a salário, ou critério de admissão do empregado em virtude de portar deficiência (art. 7º, XXXI da CRF/88).
A integração das pessoas portadoras de deficiência no processo produtivo é um dos maiores obstáculos para a sua inclusão social. Há ainda preconceitos em relação à sua capacidade contributiva em um conceito competitivo que hoje orienta o mundo empresarial, este preconceito está relacionado ao desconhecimento acerca das reais possibilidades do portador de deficiência de se inserir como agente ativo do processo de produção, desde que lhe sejam dadas as oportunidades de desenvolvimento de todo o seu potencial. A Constituição de 88, ao reservar vagas e proibir qualquer discriminação no tocante a salários (art XXXI da Constituição: “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”), tem como objetivo a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.
A inclusão trabalhista é um requisito básico para o objetivo maior que é a integração da PPD na sociedade. A integração social é o processo de favorecimento da convivência de alguém tido como diferente, com os demais membros da sociedade, tidos como supostamente iguais. Neste processo a pessoa portadora de deficiência, por seus próprios meios e esforços, busca integrar-se à sociedade, que, simplesmente a recebe, sem ter se preparado para tanto. Temos também o conceito de inclusão social, onde a sociedade se prepara e se modifica para receber a pessoa portadora de deficiência, em todas as áreas do processo social (educação, saúde, trabalho, assistência social, acessibilidade, lazer, esporte e cultura).
A integração das pessoas portadoras de deficiência no processo produtivo é um dos maiores obstáculos para a sua inclusão social, esta só é possível se cumprida a ordem social que tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.
No Brasil, a Constituição de 1988 buscou romper com o modelo assistencialista, que vigorou até então, assegurando-se a igualdade de oportunidades baseada no princípio de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade, de forma a se assegurar a igualdade real. Desse modo reconheceu-se que a sociedade é caracterizada pela diversidade.
A Constituição é o indutor principal dessa inserção da pessoa portadora de deficiência no mundo do trabalho, que prevê a reserva de cargos e a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.
Quanto ao acesso ao mercado de trabalho, a Constituição vedou qualquer forma de discriminação nos salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, bem como exigiu a reserva de um determinado percentual dos cargos e empregos públicos (arts. 7º, XXXI, e 37, VIII) Assim, os editais de concurso devem consignar a reserva de cargos; no requerimento de inscrição, os candidatos devem indicar a natureza e o grau da incapacidade, bem como as condições especiais necessárias para que participem das provas. Eles concorrerão em igualdade de condições com os demais, no que diz respeito ao conteúdo e à avaliação das provas.
Após o julgamento das provas, haverá duas listas: a geral, com a relação de todos os candidatos aprovados, e a especial, com a relação dos portadores de deficiência aprovados.
3.4 A Proteção Jurídica no Emprego e a Discriminação por Doença (Portador do Vírus HIV)
O portador do vírus HIV, de forma vetusta, ainda não tem uma garantia formal de estabilidade no emprego prevista pela legislação pátria, o que existe é a Convenção Internacional nº 111 da OIT (ratificada pelo Brasil), cominada com art. 3º, IV, art. 7º, XXX da CRF/88 e também a Lei nº 7.670/88 que conjugados com a prova fática da dispensa por discriminação podem implicar reintegração do empregado com os consectários legais, veja-se a doutrina, verbis in verbis:
“Por outro lado, a Declaração da OMS/OIT dispõe que a infecção pelo HIV não é motivo capaz de ensejar a cessação do contrato de trabalho e, como ocorre com as demais enfermidades, as pessoas deverão continuar trabalhando, quando estão em condições de ocupar um emprego apropriado. A alusão a “emprego apropriado” induz à conclusão de uma possível alteração nas condições de trabalho das pessoas infectadas pelo HIV, mas que continuam aptas para o trabalho”[24]
Entretanto, é indispensável a prova de que não só a dispensa deu-se em virtude da discriminação, mas também que havia compatibilidade da doença com a função exercida pelo empregado[25]. Assim, merece ser aplicado o princípio jurídico da Razoabilidade.
3.5 A Proteção Jurídica e a Discriminação no Emprego por Motivo de Cor e Sexo
Finalmente, com relação a discriminação por motivo de sexo, no caso, tanto de exigência de atestado de esterilidade, quanto de não gravidez, há ofensa ao art. 5º, caput, além do 7º, XXX da CRF/88 e a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que prevê estabilidade e reparações de direito afetas ao caso.
Assim, caso a pessoa consiga provar que a dispensa se deu por motivo de discriminação poderá optar entre dois pedidos: o pedido de reintegração adicionado ao pagamento dos salários do período de afastamento a título de indenização, ou abrir mão da reintegração, mas pedir a indenização do período do afastamento de forma dobrada.
Em 6 de maio de 1999, foi publicada a Lei nº 9.799, que introduziu na CLT os arts. 373 a 392, proibindo de forma taxativa uma série de práticas discriminatórias, tais como: revistas íntimas nas empregadas… o que significou um grande avanço no combate aos vetustos atos de segregação às minorias discriminadas.
Quanto aquelas pessoas que sofrem, nas relações de trabalho, preconceito de cor, existe a Lei nº 9.459/97 (que modificou a Lei nº 7.716/89) c/c a Lei nº 8.081/90 que estabeleceu sanções de natureza penal afetas ao tema e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que também considerou o crime de racismo como inafiançável, art. 5º ,inciso XLII.
4. Prova no processo do trabalho
Um dos pontos em que mais se evidencia o efeito discriminatório da consagração da igualdade meramente formal no processo corresponde ao art. 818, da CLT. De modo simplista e, até mesmo, tecnicamente censurável, dispôs o legislador: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.” Deixou de lado, com isso, qualquer consideração quanto à possibilidade concreta que tem cada litigante de provar suas afirmações, distribuindo o ônus probatório unicamente de acordo com as alegações feitas. Por conta desse dispositivo já se chegou, por exemplo, ao extremo de exigir-se do empregado a prova de apresentação do requerimento necessário à concessão do vale-transporte.[26]
Não se deve perder de vista, porém, que, para a tutela de seu direito, deve a parte poder não apenas apresentar suas alegações, como também ter oportunidade de prová-las adequadamente, estando o direito de produzir prova – já ensinava CUNHA GONÇALVES -, compreendido no originário direito de defesa.[27] Por isso, e não por outro motivo, situou CHIOVENDA a regulamentação do ônus da prova entre “i problemi vitali del processo”.[28] Em conseqüência, permitir a alegação, mas impedir a prova do alegado “é o mesmo que nem permitir alegar – eqüivale a denegação de justiça”.[29] E da mesma forma, condicionar a tutela do direito à apresentação de prova que, em decorrência de dificuldades materiais ou circunstanciais, a parte não é concretamente capaz de produzir significa, em termos práticos, impedir ou dificultar excessivamente o acesso à justiça, privando de tutela o direito. Daí impedir o Código o estabelecimento de convenção sobre ônus da prova que torne “excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito” (art. 333, parágrafo único, inc. II).
Assim, as regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam obstáculo à tutela processual dos direitos, hão de levar em conta sempre as possibilidades, reais e concretas, que têm cada litigante de demonstrar suas alegações, da tal modo que recaia esse ônus não necessariamente sobre a parte que alega, mas sobre a parte que se encontra em melhores condições de produzir a prova necessária à solução do litígio. Com isso, as dificuldades para a produção da prova, existentes no plano do direito material e decorrentes da desigual posição das partes litigantes, não são transpostas para o processo, ficando facilitado inclusive o esclarecimento da verdade.
O legislador comum parece estar suficientemente convencido do acerto da idéia enunciada, tanto que, para facilitar a tutela judicial dos direitos emergentes das relações de consumo, equilibrando a desigualdade existente entre os sujeitos nessas relações envolvidos, dispôs, no art. 6º, inc. VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, constituir prerrogativa do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”. Os fundamentos dessa regra estão bem evidenciados na seguinte passagem de EDUARDO GABRIEL SAAD: “se de um lado todos reconhecem que o consumidor, em face de uma situação litigiosa, acha-se inferiorizado diante do fornecedor, de outro tem-se de aceitar a inversão do ônus da prova como um meio de pôr em equilíbrio a posição das partes no conflito”.[30]
Trata-se, na verdade, de solução à qual não se pode deixar de chegar sempre que se supera o limite da igualdade meramente formal de direitos. Talvez por isso procure a jurisprudência trabalhista amenizar, mesmo sem apoio legal expresso, o rigor do art. 818, da CLT, criando presunções apoiadas no que ordinariamente se verifica. Faz supor, por exemplo, a ocorrência de dispensa, atribuindo ao empregador o encargo de demonstrar que partiu do empregado a iniciativa de pôr termo ao contrato de trabalho.[31] Admite, na mesma linha, a veracidade da jornada de trabalho declinada na petição inicial, em caso de não-exibição dos controles de horário exigidos por lei, ressalvada existência de prova em contrário.[32] Presume a existência de relação de emprego, sempre que provada a prestação de serviços, atribuindo ao empregador o ônus de demonstrar o caráter autônomo do vínculo.[33] Ademais, por vezes transfere ao empregador, contrariando a diretriz emergente dos julgados pouco antes referidos, o ônus de provar não ter sido solicitado o vale-transporte, diante da dificuldade na obtenção de prova produzida pelo empregado.[34] Finalmente, em algumas oportunidades, serve-se de regras de experiência para inverter o resultado a que levaria a aplicação pura e simples do art. 818, da CLT.[35]
Em todos os casos lembrados parte a jurisprudência da premissa de que, sendo mais fácil para o empregador produzir a prova necessária ao esclarecimento dos fatos, dado dispor de mais documentos, informações, recursos e registros,[36] podendo ainda contar, na maioria das vezes, com mais numerosas testemunhas, não se justifica atribuir o ônus respectivo ao empregado, ônus do qual este último terá dificuldades muito maiores de se desincumbir. No fundo, o próprio esclarecimento dos fatos estaria prejudicado, chegando o processo seguidamente a resultado insatisfatório, diante das limitações da prova efetivamente colhida.
Mas a evolução proposta pela jurisprudência, sobre ser sempre casuística, desenvolve-se de modo lento e nem sempre regular. Fica, portanto, ao sabor dos acontecimentos, sujeita a marchas e contramarchas. Cumpre, pois, editar regra geral distribuindo o ônus da prova de acordo com as possibilidades dos litigantes e considerando ainda o que se extrai da experiência, para com isso criar presunções apoiadas no que ordinariamente se passa, de modo a não prejudicar a tutela processual dos direitos pela incapacidade, existente no plano material, de produção da prova exigida.[37]
Não basta, parece evidente, a mera atribuição de poderes ao juiz para averiguação dos fatos, como já se verifica nos arts. 653, alínea a, 680, alínea f, e 765, da CLT, na linha, aliás, dos arts. 130, 342, 355, 418 e 426, inc. II, todos do CPC. Como lembra BARBOSA MOREIRA, “os ordenamentos ocidentais, ainda quando autorizem o juiz a proceder ex officio à colheita de provas, não chegam a criar-lhe o dever de fazê-lo”[38] e a experiência mostra que poderes dessa natureza raramente são exercidos na prática, até porque não dispõe o julgador de informações suficientes para saber onde e como buscar os fatos importantes ao esclarecimento da causa, não contando, de outro lado, com condições favoráveis para o desempenho dessa atribuição, especialmente em regiões com grande volume de processos.[39] Ademais, a resistência à colheita de provas pelo próprio juiz é grande, afirmando-se até mesmo, de modo equivocado, que nessa matéria a inércia seria decorrência necessária do dever de imparcialidade.[40]
Em conseqüência, a circunstância de serem as normas relativas ao ônus da prova, formalmente, meras regras de julgamento ou – para utilizar a expressão de CARNELLUTTI -, “un surrogato della prova insufficiente”,[41] não elide o problema, já que a limitada atuação do juízo na apuração dos fatos faz com que sejam essas regras largamente aplicadas, em prejuízo da melhor apuração da verdade. Enquanto não houver mudança concreta das regras relativas ao ônus da prova, portanto, continuará o processo do trabalho, ainda preso à idéia da igualdade formal dos litigantes, a discriminar a parte menos favorecida da relação litigiosa.
CONCLUSÃO
A idéia de dever o processo permanecer neutro, indiferente à condição peculiar dos litigantes, não se sustenta e contrasta com o reconhecimento, hoje pacífico, da insuficiência da igualdade meramente formal. A legislação processual do trabalho brasileira, porém, acha-se ainda presa a tal concepção. Disso resulta o agravamento, no plano processual, das desigualdades já existentes no plano material, com sensível discriminação do litigante dotado de menor capacidade econômica. Há que reformar, pois, o processo do trabalho, de modo a combater essa discriminação, indesejável sob qualquer prisma que se queira adotar. Trata-se, no fundo, não de mera faculdade, mas de autêntico dever imposto ao legislador, como resulta do já mencionado art. 3º, inc. III, da Constituição.
Em se sentindo portanto o trabalhador discriminado por qualquer motivo dentro da empresa, seja por questão salarial, por motivo de idade, sexo, cor ou estado civil, tem direito de, utilizando-se do seu direito constitucional de ação, buscar a prestação da tutela jurisdicional do Estado, visando a prevalência de seus direitos então tutelados pela legislação social vigente no País, devendo para tanto ingressar com a ação que for cabível perante o Juízo então competente para apreciar e julgar o feito, que em se tratando de fatos decorrentes de uma relação de trabalho, na própria Justiça do Trabalho, a teor do que assegura o art. 114 da CF, observando-se sempre se a lesão ocorreu dentro dos últimos cinco anos de trabalho, não podendo a ação ser ajuizada depois de vencido mais de dois anos do último dia trabalhado.
Dada a importância e grandeza da matéria em discussão, ou seja, o acesso ao trabalho não só aos portadores de deficiência, mas também a outras minorias discriminadas, numa época em que este se torna mais difícil a cada dia, dado aos fenômenos industriais de mecanização, informatização etc. roga-se vênia para citar, o douto Procurador do Trabalho Manuel Jorge e Silva Neto, precursor em propositura de ações civis públicas e procedimentos correlatos em defesa dos portadores, verbis in verbis:
Estado Democrático de Direito não é expressão recheada de declaratividade, como nos inclinamos a acreditar, aqui e alhures. É a forma da unidade política nacional que, juntamente com os princípios fundamentais, dentre eles a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho, enformam o arcabouço ideológico e institucional do País e, por corolário, a ofensa à garantia legal e constitucional outorgada aos portadores de deficiência é ofensa também ao modelo de comunidade política por nós concebido.
Dessarte, o Ministério Público do Trabalho deve atuar para instrumentalizar todo o arcabouço de direitos conquistados tanto pelos portadores de deficiência, quanto por outros grupos discriminados e não permitir que esses direitos se “atrofiem”, mas sim sejam colocados em prática e que, dessarte, a sociedade possa seguir os cânones Constitucionais de respeito, igualdade e dignidade entre todos os cidadãos (arts. 1º, inc. IV, 170, inc. VII e 193 da CRF/88).
Também lembramos que as pessoas discriminadas devem denunciar tais vetustas práticas tanto no âmbito do Ministério Público do Trabalho, quanto, se preferirem, no âmbito da ação individual reparatória/indenizatória.
Dessa forma, não só através das sanções de lei, mas também, principalmente, por meio de mudança de posturas os cidadãos passarão a respeitar as diferenças e a conviver com elas de uma forma saudável.
Com as considerações supra, encerramos, sem maior rigor sistemático, e sem a pretensão de esgotar a matéria, em face da amplitude do tema, ressaltando tratar-se de mero esboço de uma reflexão: o princípio da isonomia deve ser aplicado in concreto e não in abstrato no sentido de se evitar cavar um profundo fosso na paridade de tratamento. Daí, entendemos que o julgador detém amplos poderes, inclusive, instrutórios(51), para aparar as imperfeições e desigualdades concretas que se agigantam diante de si e, assim, primar pela realização da igualdade de tratamento das partes no processo e atingir o ideal da isonomia substancial.
Posto isso:
1. o artigo 5º, caput, da Carta Federal de 1988 estatui que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Significa a igualdade perante a lei e a igualdade na lei; a guarida da igualdade substancial e não, apenas, a isonomia meramente formal;
2. há tríplice vinculação ou finalidade limitadora do princípio da igualdade: I) limita o legislador, que fica investido no dever-poder de editar leis conforme o direito, sendo vedado as leis arbitrárias que criem desigualdades ou diferenciações abusivas, desbordantes das lindes da razoabilidade e da proporcionalidade; II) vincula o intérprete, o aplicador da lei e o julgador que devem se ater ao caso concreto, de molde a não criar ou aumentar as desigualdades; III) ao particular, a seu turno, impõe-se o dever de observância e, portanto, deve pautar-se por condutas não discriminatórias de qualquer natureza, sob pena de responsabilização civil e penal, nos termos da lei.
3. encontra o princípio da isonomia larga margem de aplicação e, no campo interpretativo exerce uma função bifronte: I) de “generalizar a lei”, na medida em que esta estabeleça, para além do razoável, um odioso privilégio; II) de “particularizar a lei”, na medida em que esta se mostre insuficiente, em razão do seu caráter generalizado. É o chamado princípio da justa medida, ou lei da ponderação, que determina-se: I) objetivamente, pela qualificação da relação jurídica ou interesse em jogo; II) subjetivamente, pelo status dos sujeitos e; III) circunstancialmente, pelas condições político-econômico-sociais; pela própria finalidade político-social do justo equilíbrio dos direitos concretos e dos interesses em jogo.
4. o princípio da isonomia informa, também, o direito processual, segundo o qual às partes, no processo, se deve dispensar tratamento igualitário. A igualdade formal-substancial é premissa para a realização da igualdade no processo. Assim, deve ser levado em conta que o desiderato do processo, civil, penal, trabalhista, é o de atingir a igualdade efetiva, real, substancial, de fato, concreta, e não simplesmente a mera igualdade jurídica, formal ou in abstrato. O processo surge, assim, como instrumento de garantia e instrumento de realização da igualdade substancial;
5. sendo o princípio da isonomia um dos basilares do direito processual, segundo o qual, no processo, se deve dispensar tratamento equilibrado às partes, conferindo-lhes oportunidades processuais equivalentes, sendo os privilégios exceções, devem ser previstos de forma expressa e explícita e as normas que os estabeleçam devem ser interpretadas restritivamente, vedada a analogia e a interpretação extensiva. Ainda, as regras legais, que conferem prerrogativas processuais ou materiais ou dão tratamento assimétrico a determinadas pessoas, devem ser compreendidas e interpretadas, in concreto, em função da qualidade da pessoa, dos fatos e das circunstâncias que, contemporaneamente, servem de base para a sua respectiva aplicação. Deste modo, o problema ganha contornos peculiares e deve ser investigado, como já afirmado, no caso concreto. Isto porque, as justificativas e finalidades que autorizam o tratamento diferenciado de certas pessoas, fatos ou situações são colocadas como nexo causal do princípio da isonomia e há que ser real. Não se pode negar a ligação existente entre a ocorrência da qualificação especial da pessoa, do fato ou da circunstância como causa eficiente e suficiente para aplicação do princípio da isonomia. Sob tal aspecto, a quaestio há que ser examinada pelo juiz, cuidadosamente, prudentemente, em cada caso concreto e, ainda, temperada com a relevância das justificativas. Em não havendo uma qualificação especial da pessoa, do fato, ou das circunstâncias e não havendo relevância das justificativas que devem estar a serviço do direito; não haverá justificativa válida ou legítima para conferir-se tratamento desigual a pretexto de aplicar o princípio da isonomia. Por outras palavras, é preciso preencher a cláusula da isonomia com elementos concretos de forma a assegurar no processo a estrita igualdade das partes;
6. a aplicação do tratamento diferenciado, para atingir o princípio da isonomia, não pode conduzir a uma interpretação literal, deformadora do próprio texto constitucional, notadamente, quando se sabe que o intérprete deve adotar todos os métodos de hermenêutica, incluído o chamado método sistemático, a tópica e a zetética. A Constituição, como norma regente da Comunidade, é um todo orgânico. Logo, não se pode menosprezar a congruência e a unidade intrínseca da ordem jurídica; não se deve interpretar isoladamente determinado dispositivo constitucional desvinculado do conjunto, mas conjugando a norma que se pretende com outras que se articulam. Numa tarefa complementar, deve, também, o intérprete voltar-se com certa intensidade para a compreensão do problema isolado, da maneira mais estreita possível. Ainda, deve o interprete primar: I)pela interpretação conforme a Constituição, que significa interpretar e aplicar os princípios nela plasmados, de modo a fazer valer o espírito do constituinte, quando adotou a regra e; II) pelo princípio moderno de hermenêutica constitucional denominado princípio da efetividade máxima dos direitos.
7. Enfim, todos os meios interpretativos podem e devem ser utilizados, pois todos os tratamentos assimétricos, já inscritos na norma, não devem ser aferidos in abstrato, mas in concreto. O processo deve ser concebido e empregado na sua dupla vertente: como instrumento de limitação do poder e, como instrumento de exercício do poder. Por conseguinte, é instrumento garantidor de direitos e liberdades fundamentais e, também, instrumento de que se vale a Comunidade (Estado-Sociedade) para a aplicação do direito, aos fatos concretos deduzidos e provados licitamente em juízo. É, assim, instrumento ético e humanitário realizador das duas dimensões do princípio do devido processo legal: o aspecto formal e o aspecto substancial.
8. Eqüivale dizer que, para a aplicação do e qual protection of law, deve partir-se da igualdade formal, visando a obtenção da igualdade substancial, e assim, cumpre ao intérprete verificar a situação fática, as circunstâncias de fato, o caso in concreto e, então, conforme o caso, se materializará ou não o tratamento diferenciado inscrito na norma.
Informações Sobre o Autor
Roberta Pappen da Silva
Advogada, juíza leiga nas cidades de São Leopoldo e Novo Hamburgo/RS, graduada pela Unisinos, especialista em Processo Civil pela Ulbra/RS e pós graduanda em Direito do Trabalho pela Unisinos/RS