O princípio da vedação do confisco e as multas punitivas

Sumário. 1. Introdução; 2. O princípio do não confisco; 3. Aplicabilidade do não confisco à multa punitiva; 4. Princípio do não confisco e princípio da proporcionalidade; 5. Possibilidade de redução da multa pelo Judiciário; 6. Multa fiscal e pena; 7. Princípio da proporcionalidade como técnica de análise do princípio do não confisco; 8. Conclusão; 9. Bibliografia.

1. Introdução

O presente estudo tem a intenção de reunir o posicionamento doutrinário e jurisprudencial em relação à possibilidade de aplicação do princípio constitucional do não confisco às multas punitivas, entendidas como as decorrentes de inadimplemento de obrigação tributária acessória.

Muito embora detenha objetivos eminentemente práticos, o trabalho busca abranger o tema de forma didática, registrando, obviamente, a posição pessoal do articulista, como forma de fomentar o debate a respeito do tema.

Ao chegar à conclusão de que o princípio do não confisco há de ser analisado juntamente com o princípio da proporcionalidade, vê-se que este desponta como técnica de aplicação do primeiro. A simbiose, pois, de ambos os princípios constitucionais torna menos complexa a concreção do princípio do não confisco, ou seja, facilita sua aplicação do plano normativo ao fático.

2. O princípio do não confisco

O princípio da vedação do confisco é previsto no sistema tributário nacional como uma das limitações constitucionais ao poder de tributar. Segundo a regra ínsita no art. 150, IV, da Constituição Federal, “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco”.

A questão mais delicada que se coloca é a de saber o limite cujo trespasse denotaria o caráter confiscatório do tributo. A doutrina entende que o sacrifício da fonte produtora das receitas tributárias seria o tal limite intransponível. Ou seja, a tributação não pode ser excessivamente onerosa, de modo a aniquilar o elemento particular tributável, já que este serve como instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros para desempenhar suas atividades, e não para tornar público o patrimônio privado, com o quê se estaria ofendendo os princípios basilares que regem a ordem econômica inserta na Constituição Federal de 1988 (arts. 170 e seguintes).

É, por exemplo, o entendimento de Hugo de Brito Machado: “Tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade. É que o tributo, sendo instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros de que necessita para o desempenho de suas atividades, não pode ser utilizado para destruir a fonte desses recursos.

Nesse sentido o tributo não pode ser antieconômico, vale dizer, não pode inviabilizar o desenvolvimento de atividades econômicas geradoras de riqueza, ou promotoras da circulação desta”[1].

3. Aplicabilidade do não confisco à multa punitiva

Partindo de uma exegese estritamente literal do preceito, autorizadas vozes na doutrina, a exemplo de Hugo de Brito Machado[2], entendem que o referido dispositivo não alcança as multas punitivas, já que o art. 150, IV, da CF, apenas se refere a tributos, sendo certo que, consoante o art. 3º do CTN, o tributo não pode ser confundido com sanção de ato ilícito.

Vê-se que as multas moratórias não dizem com a celeuma acerca da aplicabilidade do princípio em tela, já que se caracteriza como acréscimo legal, assim como os juros de mora, ambos devidos pelo mero não recolhimento do tributo em si, não constituindo sanção de ato ilícito, tanto é que a doutrina (a exemplo de Luciano Amaro[3]) e a jurisprudência, atualmente, entendem que a multa moratória pode ser transferida ao sucessor ou ao incorporador, nos termos do art. 132 e 133, já que seu pagamento decorre da obrigação tributária principal (art. 113, §1º, CTN), diferentemente da multa punitiva, que, advindo de obrigação tributária acessória (art. 113, §2º, CTN), não pode ser transferida.

O presente estudo, portanto, apenas versará sobre multas punitivas.

O Supremo Tribunal Federal, em tempos mais remotos, já admitia a extensão do não confisco às multas, conforme o entendimento do então Ministro Bilac Pinto, proferido no julgamento do RE 80.093-SP: “Devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional”.

Neste diapasão, também leciona o Ministro José Augusto Delgado, do Colendo Superior Tribunal de Justiça[4] : “As penalidades financeiras decorrentes das relações jurídicas tributárias estão alcançadas pela vedação do confisco”.

O princípio da vedação do confisco tem como escopo preservar a propriedade dos contribuintes, ante a voracidade fiscal do Estado. Se a instituição do tributo pode vir a ser considerada confiscatória, por não respeitar o mínimo para a existência digna e produtiva do particular, é evidente que a cobrança de multa em valores desarrazoados também se subsume à mesma teleologia prevista no princípio cuja positivação referiu-se apenas aos tributos.

4. Princípio do não confisco e princípio da proporcionalidade

Os tribunais vêm consignando, como espécie de estipulação de critérios mais concretos, especialmente no que toca à penalidade, seja esta examinada proporcionalmente ao tributo em vista do qual foi imposta. Toda vez que a multa, cotejada com a prestação do tributo em si, seja em relação a este desproporcional, não razoável, faz-se mister a subsunção do fato à norma constitucional (mais abaixo, ao analisar-se com mais detença o princípio da proporcionalidade, veremos onde o referido princípio está consagrado na Carta Magna).

Essa, aliás, é a posição dominante no Colendo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a última palavra sobre o assunto, quando, instado a interpretar e aplicar o princípio, vem determinando a exclusão da multa sempre que se revestir de caráter confiscatório, utilizando-se dos critérios acima referidos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFOS 2.º E 3.º, DO ART. 57, DO ADCT DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO QUE DISPÕEM SOBRE MULTA NAS HIPÓTESES DE MORA E SONEGAÇÃO FISCAL. Plausibilidade da irrogada inconstitucionalidade, face não apenas a impropriedade formal da via utilizada, mas também ao evidente caráter confiscatório das penalidades instituídas. Concorrente risco de dano, de difícil reparação, para o contribuinte. Cautelar deferida. Votação unânime. (ADIMC-551/RJ – Rel. Ilmar Galvão – DJ 18.10.91).

Em trecho do voto condutor, o Eminente Ministro Ilmar Galvão, assim estabelece:

“Por outro lado, os percentuais fixados extravasam o campo da mera multa, para alcançar o pertinente ao do confisco. O risco decorrente da vigência dos preceitos é revelado pela obrigatoriedade do implemento das cobranças”.

Em outro caso análogo, também ventilado em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, de n.º 1075-1/DF, cuja medida cautelar foi julgada em 17.06.1998, DJU de 29.06.1998, sendo Relator o Ministro Celso de Mello, a Confederação Nacional do Comércio pleiteou a inconstitucionalidade do art. 3º, e seu parágrafo único, da Lei n.º 8.846/94, que cominava pena de 300% na hipótese de não emissão de nota fiscal, tendo seu pleito sido deferido, conforme se depreende do informativo do STF n.º 515, abaixo transcrito:

“O Tribunal deferiu, com eficácia ex nunc, medida cautelar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional de Comércio – CNC, para suspender, até decisão final da ação, a execução e aplicabilidade do art. 3.º, e seu parágrafo único, da Lei n.º 8846/94, que prevê, na hipótese de o contribuinte não haver emitido nota fiscal relativa a venda de mercadorias, prestação de serviços ou operações de alienação de bens móveis, a aplicação da multa pecuniária de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado. Considerou-se juridicamente relevante a tese de ofensa ao art. 150, IV, da CF”. (sem grifo no original).

Os demais tribunais não destoam desse entendimento:

“O princípio, segundo o qual é vedado ao Poder Público utilizar tributo com efeito de confisco, consubstanciado no art. 150, inciso IV, da vigente Constituição Federal, pode ser aplicado à multa no sentido de evitar a desproporcionalidade entre a infração e a falta, quando extrapolado o dimensionamento necessário ao desestímulo da inadimplência, gerando forte lesão ao direito do contribuinte, com correspondente enriquecimento sem causa da União. Precedente do STF (ADIN 1075-DF, Relator Min. Celso de Mello)”. (TRF – 4ª Região, AC nº 565765, Rel. Juiz Luis Carlos de Castro Lugon, DJ: 13/08/2003).

“Tributário. Administrativo. Multa. Percentual de 300%. Respeito ao Princípio da Proporcionalidade. Pronunciamento do E. STF. ADIN 1075/DF.

– No âmbito administrativo, mais especificamente no exercício do poder de polícia, deve ser levado em consideração o princípio da proporcionalidade, cabendo ao Fisco quando da fixação das sanções, dosá-las de forma que não se apresentem como verdadeiro confisco.

– O E. STF, no julgamento preliminar da ADIN 1075/DF, suspendeu, com eficácia ex nunc, até o julgamento final, a execução e a aplicabilidade do art. 3º e seu parágrafo único da Lei nº 8846/94, que previa a aplicação de multa pecuniária no valor de trezentos por cento sobre o valor do bem, objeto da operação ou do serviço prestado, para o contribuinte que não houver emitido a nota fiscal, recibo, ou documento equivalente.

– Remessa oficial improvida”. (TRF-5ª Região, MS nº 2001.83.00.0158724, Rel. Juiz Ivan Lira de Carvalho, DJ: 31/10/2002).

Nem poderia ser diferente, porquanto o caráter confiscatório da multa desconfigura, desnatura, sua própria natureza e função. Ou seja, o que era para servir como instrumento sancionador e inibidor do Estado, transforma-se em inequívoca fonte de arrecadação, configurando-se como verdadeiros tributos ilegais, disfarçados sob a roupagem de penalidade pecuniária.

Invoca-se, a propósito, o magistério de Sacha Calmon Navarro Coelho: “(…) uma multa excessiva, ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade), caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um ‘processus’. A aplicação de uma medida de confisco é totalmente diferente da aplicação de uma multa. Quando esta é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, é inconstitucional[5]”.

A lição de Sampaio Dória, por sua vez, não soa destoante: “(…) não se admitirá que, a pretexto de castigar infrações, o legislador confisque a propriedade individual (…). Para que a multa se considere confiscatória, é necessário que inexista qualquer conexão entre a penalidade imposta e a infração cometida, ou que a pena seja imposta e a infração cometida, ou que a pena seja desproporcionada ao delito ou infração tributários praticados”[6].

5. Possibilidade de redução da multa pelo Judiciário

Por outro lado, o reconhecimento da possibilidade do Judiciário reduzir as multas excessivas, revestidas de nítido caráter confiscatório, até o limite do razoável e do proporcional, quando cotejada esta com a falta de prestação da exação em si, era matéria tratada de forma um tanto quanto uníssona na jurisprudência mais antiga do Supremo Tribunal Federal, que, como acima demonstrou-se, continua sendo aplicada:

Colhem-se diversos julgados corroborando tal entendimento:

“Multa Fiscal. Dissídio Jurisprudencial quanto a poder, ou não, o Juiz reduzir a multa imposta pelo Fisco dentro dos limites legais. RE da Fazenda conhecido e não provido, pois o que fez a sentença, restaurada afinal em graus de embargos, foi o seguinte: considerando que a autoridade fiscal impusera no grau máximo a multa em sua parte fixa, decidiu, quanto a esta, reduzi-la também ao mínimo. Solução razoável, que não fere a lei nem excede o poder confiado ao Juiz, de dar aos litígios a solução mais justa” (Ac. Unânime do Pleno, Rel. Min. Luiz Gallotti – RTJ 33/647-49).

“I – ICM. Cooperativa de consumo. Incidência do Tributo desde o advento do Decreto-lei 406/68, consoante orientação ultimamente firmada no Supremo Tribunal. Multa de feição confiscatória. Redução a nível compatível com a utilização do instrumento da correção monetária. RE conhecido e provido em parte.

Conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para julgar procedente o executivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para 30% (trinta porcento), base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte”. (RE 81.550-MG, Ac. Unânime, da 2.a. Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque – RTJ 74/319-20).

“ICM. Redução de multa de feição confiscatória. Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base na lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. Dissídio de jurisprudência não demonstrado. RE não conhecido”. (RE 91.707-MG, Rel. Min. Moreira Alves, Ac. Unânime da 2.ª Turma – RTJ 96/1354).

“Multa fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstâncias do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco”. (RE 82.510-SP, Ac. Unânime da 2.ª Turma, Rel. Min. Leitão de Abreu – RTJ 37/296-97).

6. Multa fiscal e pena

A bem da verdade, o princípio da proporcionalidade, que também fundamenta a possibilidade de redução eqüitativa da penalidade pecuniária confiscatória, mostra-se como corolário de outro princípio de cunho constitucional, qual seja, o princípio da individualização da pena, ínsito no art. 5.º, inciso XLVI, da Carta Magna, o qual prescreve que “a lei regulará a individualização da pena”.

Situada dentre os direitos e garantias fundamentais, tal norma mostra-se insuscetível de ser mudada pelo poder constitucional derivado (art. 60, § 4.º, CF), o que reforça, ainda mais, a efetividade que se lhe deve dispensar.

Consoante tal princípio, no direito penal por alguns denominado de princípio da dosimetria, que, sob uma análise mais aprofundada, também se configura como corolário da proporcionalidade, numa espécie de complementaridade recíproca, o legislador deve atentar-se ao comando constitucional no momento em que positiva as penalidades pecuniárias aplicáveis, de modo que subsista aos magistrados a possibilidade material de, analisando o caso concreto, fixe a pena consoante suas peculiaridades fáticas e jurídicas.

Norma que fixe critérios eminentemente objetivos à aplicação da penalidade pecuniária penderá a ser materialmente inconstitucional, porquanto contrária à sobredita norma. Cabe ao magistrado, diante de norma desta espécie, mitigá-la (quando não declará-la inconstitucional) e, norteado pelo princípio ínsito no art. 5.º, XLVI, da CF/88, reduzir a penalidade pecuniária até os parâmetros razoáveis.

Nem se insurja sob o argumento de que o comando constitucional refere-se, exclusivamente, às penas do direito penal, conquanto as sanções, independentemente do âmbito do direito a que pertençam, decorrem do descumprimento de um dever-ser único, sendo ontologicamente idênticas.

Invoca-se, a propósito, o magistério do ilustre penalista Nelson Hungria: “A ilicitude jurídica é uma só, do mesmo modo que um só, na sua essência, é o dever jurídico. Dizia Bentham que as leis são divididas apenas por comodidade de distribuição: todas podiam ser, por sua identidade substancial, dispostas ‘sobre um mesmo plano, sobre um só mapamundi’. Assim, não há falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de um ilícito penal. A separação entre um e outro atende apenas a critérios de conveniência ou de oportuinidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço. Conforme acentua Beling, a única diferença que pode ser reconhecida entre as duas espécies de ilicitude é de quantidade ou de grau; está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com a outra. O ilícito administrativo é um minus em relação ao ilícito penal”[7].

Em harmonia com Nelson Hungria, o Ministro Vicente Cernicchiaro, endossando, nos tribunais, a par de inúmeros outros julgados, a tese acima exposta“A antijuridicidade é uma só. Não há antijuridicidade penal, tributária, administrativa, civil, comercial e assim por diante. Antijuridicidade é relação entre o Direito e a conduta vedada. Ontologicamente, os ilícitos não se distinguem”[8].

A doutrina estrangeira, como não poderia ser diferente, acompanha a lição acima transcrita, como demonstra Fernando Sainz de Bujanda: “… Siempre que una norma jurídica contempla una posible conculcación del orden jurídico, y asocia a la conduta infractora una pena, estamos en presencia, a mi entender, de una norma penal, y como tal la hemos de calificar. Es indiferente, por tanto, que la norma aparezca alojada en una ley de las que se llaman administrativas, en una ley de las que se llaman penales, o en una ley de las que llaman tributarias. El modo de calificar la ley es, en cierto modo, algo accesorio y formal. Lo sustantivo es la naturaleza de la norma. Esta será jurídico-penal, donde quiera que se formule, si contempla una infración y asocia a esa infración una sanción o pena. En este sentido, pienso que las normas penales están distribuidas en el ordenamento positivo en toda clase de leyes, y que son penales, aunque no aparezcan formuladas en las leyes que asi se designen, precisamente porque son normas que contemplan infracciones y que establecen penas”. (Hacienda y Derecho, Madrid, 1962, vol. II, pág. 210, citado no voto vista proferido pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal Cunha Peixoto, no RE nº 85.511).

7. Princípio da proporcionalidade como técnica de análise do princípio do não confisco

Como já destacado, o princípio da proporcionalidade é bastante utilizado como instrumento de interpretação judicial no que se refere à análise e concretude do princípio da proibição do confisco da multa punitiva. Esta deve ser, pois, proporcional ao tributo cuja arrecadação e fiscalização deu azo à imposição da obrigação acessória que, uma vez inadimplida, originou, por sua vez, a multa punitiva.

O princípio da proporcionalidade, muito embora não esteja consagrado explicitamente na Lei Fundamental brasileira, nela se mostra presente de forma implícita, e quanto a isso a doutrina se mostra majoritária.

Há, todavia, divergências no que tange à derivação de tal princípio. Conforme a análise de André Ramos Tavares[9], há quem entenda que o princípio da proporcionalidade, na esteira da doutrina norte-americana, desponta como o aspecto material do due process of law (seria o caso de Raquel Denize Stumm); bem como os que o classificam como princípio implícito inerente ao Estado Democrático de Direito (tal como tido pela doutrina alemã), já que funciona como mecanismo de controle de arbitrariedades (mecanismo de proibição do excesso); há, ainda, aqueles que o derivam do princípio da isonomia na sua feição aristotélica (seria o caso de Paulo Bonavides); e, até, quem o tenha como a própria norma fundamental de Kelsen, fundante de toda a ordem jurídico-constitucional, como opina o professor Willis Santiago Guerra Filho, citado por André Ramos Tavares.

Tal princípio, bastante utilizado como técnica de solução de conflitos pelo Tribunal Constitucional alemão, assim como pelo Supremo Tribunal Federal, seria composto de três elementos. A adequação, pelo qual se examina se a medida adotada atingiu o fim objetivado. A necessidade, que perquire se existiria alguma outra medida que atingisse o mesmo fim com menores restrições ao direito fundamental sacrificado. Por fim, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, através do qual, presentes os dois elementos precedentes, diante do caso concreto, proceder-se-ia a uma ponderação de interesses, dando prevalência a um dos direitos fundamentais colidentes.

Confira-se, quanto ao último elemento, o entendimento de André Ramos Tavares: “Trata-se, portanto, de um sopesamento dos valores do ordenamento jurídico, em que se procura atingir a mais oportuna relação entre meios e fins para melhor garantir os direitos do cidadão em situações concretamente relacionadas”[10].

Ao se depurar com um caso concreto, em que a multa advinda do inadimplemento de obrigação tributária acessória sem mostrar excessiva, o intérprete deve se valer do princípio da proibição do excesso, decompondo-o nos seus três elementos acima indicados, para saber se a multa é ou não confiscatória.

No mais das vezes, o elemento adequação se mostra presente, porquanto qualquer multa punitiva, a não ser aquela de irrisório valor, detém um cunho sancionador e pedagógico que lhe é inerente, por ser ontologicamente sanção. Como esta objetiva reprimir a conduta tipificada como infração, é adequada à finalidade em vista da qual foi instituída.

O problema aparece quando da análise do elemento necessidade, já que é preciso delimitar quando a multa se mostra necessária e condizente com o seu caráter de sanção, de quando a mesma está a servir, não como sanção, mas sim dentro da função eminentemente fiscal do Estado, posto que, neste caso, o elemento necessidade já não mais estará presente, fazendo com que o princípio da proporcionalidade, do qual a necessidade é um dos elementos que o compõem, reste inobservado.

O caráter confiscatório da multa se mostrará presente, portanto, quando o elemento necessidade não se configurar, isto é, quando o direito de propriedade do particular for sacrificado além da finalidade em vista da qual a multa fora instituída.

A proporcionalidade, como instrumento de interpretação do princípio da vedação da multa confiscatória, em um caso concreto, recebe um limite oriundo do próprio conceito da vedação do confisco elaborado pela doutrina do direito tributário. É que o limite que indicará se a multa será ou não necessária corresponde, justamente, ao não sacrifício da fonte produtora do elemento (base de cálculo) tributável.

Vê-se, assim, que a simbiose do princípio da proporcionalidade com o princípio da vedação do confisco, quando aplicados a multas punitivas, faz com que a vedação do confisco se torne conceito um tanto menos indeterminado, posto que sua aplicação, em determinado caso concreto, dar-se-á, não só via a decomposição dos elementos que compõem o princípio da proporcionalidade, mas também aliado à idéia de que o limite do confisco é o aniquilamento da fonte tributável.

Feitas essas considerações, outra conclusão emerge: mesmo considerando que o princípio do não confisco não se estende às multas punitivas, tem-se que as mesmas indiscutivelmente se submetem ao princípio da proporcionalidade. Neste caso, porém, aplica-se o princípio da proporcionalidade às multas excessivas comprando-as com os tributos em si, sem, todavia, corresponder o elemento necessidade ao limite do confisco. Para os que não o têm como aplicável às multas punitivas, repita-se.

8. Conclusão

À finalidade do princípio da vedação do confisco as multas punitivas também se fazem subjacentes, porquanto estas também podem ser utilizadas pelo Poder Público como instrumento de sacrifício da própria fonte tributável, donde se conclui que o referido princípio se lhes aplica.

Na tarefa de dar concreção ao não confisco, quando da análise de um caso concreto que envolva multas punitivas, o intérprete de valer-se do princípio da proporcionalidade. O Poder Judiciário, inclusive, há muito vem reconhecendo a possibilidade de reduzir o valor de multas tidas como confiscatórias a limites razoáveis, servindo-se, para tanto, do princípio da individualização da pena, próprio do direito penal.

Como a multa punitiva é ontologicamente sanção, e esta é pertinente à teoria geral da norma jurídica, que não se limita a ramos estanques do direito, tem-se que a dosimetria do direito penal é aplicável a outras esferas, inclusive ao direito tributário.

Ao elemento necessidade, que, juntamente com a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito, compõe o princípio da proibição do excesso, deve-se ajustar o próprio conceito doutrinário do princípio do não confisco, de modo que será desnecessária, e, portanto, desproporcional, a multa que finde por sacrificar a própria fonte produtiva tributável.

O tema, como se vê, envolve questões basilares da teoria do ordenamento jurídico. Pretendeu-se, como o presente estudo, respeitada a limitação que lhe é inerente, fomentar o estudo sobre a matéria, bem como, e principalmente, servir como instrumento de pesquisa para a prática do aplicador do direito.

9. Bibliografia
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001;
Cernicchiaro, Vicente. Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 77;
Coelho, Sacha Calmon Navarro. Cadernos de Pesquisas Tributárias, ed. CEEU/Resenha Tributária, São Paulo, 1979;
DELGADO, José Augusto. Revisa Dialética de Direito Tributário n.º  80;
DóriA, Sampáio. Direito Constitucional Tributário e Due Process of Law, 2.ª ed., Forense, Rio, 1986;
Hungria, Nelson. Ilícito administrativo e ilícito penal. Revista de Direito Administrativo. Seleção Histórica. Renovar, 1991;
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 20. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002;
Tavares, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
Notas:
[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 20. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pp. 239 e 240.
[2] Idem, p.241.
[3]AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 314 .
[4] DELGADO, José Augusto. Revisa Dialética de Direito Tributário n.º  80, p. 18.
[5]  Coelho, Sacha Calmon Navarro. Cadernos de Pesquisas Tributárias, ed. CEEU/Resenha Tributária, São Paulo, 1979, p. 4:445.
[6]  DóriA, Sampáio. Direito Constitucional Tributário e Due Process of Law, 2.ª ed., Forense, Rio, 1986, p.195.
[7] Hungria, Nelson. Ilícito administrativo e ilícito penal. Revista de Direito Administrativo. Seleção Histórica. Renovar, 1991, p. 15.
[8] Cernicchiaro, Vicente. Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 77, página 18.
[9] Tavares, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 532.
[10] Idem, p. 539.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ernani Medicis

 

10º Período da graduação do Curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Integrante de Wanderley, Monteiro, Rocha e Uchôa Cavalcanti advogados e consultores – adc
Recife-PE

 


 

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