Resumo: O presente trabalho, abordou temas importantes no âmbito do direito civil, especificamente de princípios que são parte integrante do ordenamento que envolve os contratos. Salienta-se por oportuno, que o estudo demonstrou indubitavelmente que reconhecimento da ética, consubstanciado no princípio da dignidade da pessoa humana, tornam o direito contratual, e a prática desse particular, uma evolução constante no seio social e consequentemente jurídico. Destarte, com um destaque na chamada crise na liberdade de contratar, e uma breve análise sobre a nova concepção de contrato.
Palavras-chave: Contrato, princípios, ética.
Abstract: The present work, addressed issues important in the context of civil law, specifically of principles which are an integral part of planning that involves the contracts. It is advisable that the study showed that there is no doubt that recognition of ethics, embodied in the principle of human dignity, make the law of contract, and the practice of this particular, a constant evolution within social and therefore.
Keywords: Contract, principles, ethics
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.1 – Breve histórico; 2.2 – Conceito; 3 – Ética sob a ótica contratual; 3.1 – Breve comentário sobre a constitucionalização do direito civil; 3.2 O princípio da boa-fé objetiva; – Evolução das relações contratuais; 4.1 – A crise na liberdade de contratar; 4.2 – Uma nova concepção de contrato; 5 – Conclusão; 6 – Referências
1. Introdução
Por muitos anos, a relação privada foi tratada sob o enfoque estritamente obrigacional, privilegiando sempre a vontade nos atos celebrados, portanto, não havendo que se discutir nada além do que estava escrito nas relações negociais.
O jargão conhecido de que um contrato assinado pelas partes faz lei com o passar do tempo vem perdendo força. Esta alteração se dá com maior intensidade no Brasil, com o advento do novo Código Civil, que passou a vigorar no ano de 2003.
Esse novo sistema civil firmou-se em três pilares centrais, que são: Eticidade, Socialidade e Operalidade. Assim, nota-se que dogmas foram exterminados com o surgimento da nova lei, privilegiando, princípios que antes, apenas eram debatidos apenas em sede doutrinária.
Destarte, alguns princípios surgiram com destaque na teoria geral dos contratos, e destes, podem-se destacar o princípio da boa-fé objetiva, da função social do contrato e princípio da dignidade da pessoa humana.
Esclarecendo, todavia, que os primeiros princípios acima citados, estão expressamente previstos no atual Código Civil brasileiro, respectivamente em seu artigo 421 e 422, e o princípio da dignidade da pessoa humana, contemplado na Constituição da República Federativa do Brasil promulgada no ano de 1988.
O presente trabalho, tem por escopo, apontar a nova dimensão a que submetem-se as relações contratuais, com enfoque no princípio da dignidade da pessoa humana nestas relações e analisando este ponto com uma visão filosófica.
2. O princípio da dignidade da pessoa humana
2.1 Breve histórico
Atribui-se ao pensamento estóico e ao cristianismo os primeiros registros do tema. Segundo os estóicos, a dignidade seria uma qualidade que, por ser inerente ao ser humano o distinguiria dos demais. Com o advento do Cristianismo, a idéia ganha grande reforço, pois, a par de ser característica inerente apenas ao ser humano, este ser, na concepção cristã, foi criado à imagem e semelhança de Deus.[1]
Ora, violar a dignidade da criatura seria, em última análise, violação à vontade do próprio Criador. Esta a mensagem cristã que foi posteriormente deturpada a partir do momento em que o poder político passa a influenciar a igreja, que cria teses justificadoras de uma série de abusos e violações, notadamente para justificar a escravidão.[2]
Durante o período da Idade Média, Tomás de Aquino é o principal pensador a dedicar-se ao estudo e desenvolvimento do tema. Na Idade Moderna, Pico Della Mirandola, com a sua oratio hominis dignitate desenvolve o princípio, sendo pioneiro ao dar-lhe justificação fora da teologia.
Outro pensador desta fase (Séc. XVI) é o espanhol Francisco de Vitória, que defendeu a existência de dignidade em todos os seres humanos. Suas teses tiveram enorme repercussão, tendo em vista que contrariaram a política de escravização de índios então praticada pela Coroa Espanhola.
Nos Séculos XVII e XVIII, dois pensadores se destacam: Samuel Pufendorf, que entende ser dever de todos, mesmo do monarca, respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada como seu direito de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção.
Já Imanuel Kant, talvez aquele que mais influencia até os dias atuais nos delineamentos do conceito, propôs o seu imperativo categórico, segundo o qual o homem é um fim em si mesmo, não podendo nunca ser coisificado ou utilizado como meio de obtenção de qualquer objetivo. As coisas, que podem se trocadas por algo equivalente, têm preço; as pessoas, dignidade.
Com os horrores perpetrados durante a Segunda Guerra Mundial, o pensamento Kantiano ressurge com extrema vitalidade, uma vez que se verificou, na prática, quais são as conseqüências da utilização do ser humano como meio de realização de interesses, sejam políticos, sejam econômicos.
Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana foi positivado na maioria das Constituições do pós-guerra, bem como na Declaração Universal das Nações Unidas (1948), logo em seu artigo 1o.[3]
Em nosso ordenamento, foi positivado pela Constituição da República de 1988, que o elencou como fundamento da República Federativa do Brasil, criando, como se analisará adiante, uma verdadeira cláusula geral de tutela da pessoa humana.
Com a edição da Constituição da República de 1988, a dignidade da pessoa humana, inserida no texto, em seu artigo 1o, inc. III, como fundamento da República Federativa do Brasil, passou a constituir-se, associada à solidariedade social (art. 3o, inc. I) e à igualdade material (art. 3o, inc. III), verdadeira cláusula geral, apta a tutelar todas as situações envolvendo violações à pessoa, ainda que não previstas taxativamente.
2.2 Conceito
Muito se discute sobre qual efetivamente é o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns até dizem ser impossível conceituar, outros dizem que a violação ao princípio é que tem um caráter negativo.
Em que pese a grande dificuldade, algumas considerações merecem ser abordada neste tópico, sob a ótica de alguns pensadores expoentes que efetivamente dominam e são referência em relação ao assunto tratado.
Os documentos do direito internacional valem-se – para remeter-se à dignidade – das várias locuções. No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948, alude-se à dignidade dos “membros da família humana”.
A partir daí, vários conceitos começaram a surgir, de forma que doutrinadores na atual modernidade de alguma forma tentam definir o princípio, segundo Maria Celina Bodin de Moraes, “… será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto.”[4]
O conceito de Sarlet, – que também parte de matriz Kantiana – segundo o qual entende-se:
“… por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[5]
Ressalta-se, que é perfeitamente perceptível a tendência nos conceitos acima transcritos, a preocupação em garantir ao ser humano, uma proteção muito ampla, desde o direito mais singelo, ao mais vital á existência do homem.
Quando a Constituição Federal do Brasil de 1988 é inserido o princípio da dignidade da pessoa humana, elevando-o a qualidade de direito fundamental, ocorre deste modo um duplo efeito a ser observado pelo Estado, ou seja, negativo, onde o Estado deve negar agressões ao ser humano, ou positivo, onde, além de criar circunstâncias que evite, que crie condições capazes de gerar ao cidadão uma qualidade de vida digna.
Nessa afirmação, é de se notar, a função do Estado em todos os campos, seja no Judiciário, Executivo ou Legislativo. Sobre o nosso tema, é importante frisar, as Leis que tratam das relações privadas em geral, sobretudo, nas relações contratuais, devem observar sempre a dignidade da pessoa humana.
As decisões judiciais devem ao julgar qualquer caso, devem estar submetidos ao princípio da dignidade da pessoa humana, inclusive, ao analisar se os contratos discutidos, antes de analisar as cláusulas, estão em consonância com a ética e o vida digna dos contratantes.
3. Ética sob a visão contratual
Ao falar sobre ética, seja em qualquer circunstância, ciência ou seguimento da vida, é importante ao menos discorrer brevemente sobre ética de uma forma geral. Tal relevância se dá, por que, não existe relação humana que não seja necessária a ética como padrão nas condutas a serem utilizadas para o homem em geral.
Nas relações negociais não é diferente, no Brasil, com o advento do novo Código Civil, a tendência é evidenciar a relevância da ética como parâmetro norteador de toda e qualquer obrigação assumida.
É importante frisar, que no Código Civil de 1916, os juízes ficavam presos estritamente ao que a Lei lhe impunha, de certa forma, levando ao magistrado uma grande dificuldade no momento de decidir os conflitos contratuais, por ausência de institutos que o permitisse uma visão não somente restrita a lei, mas também a conceitos basilares da vida e de qualquer relação envolvendo questões patrimoniais.
O novel Códex civil traz introduz as chamadas cláusulas gerais que podem ser chamadas de orientadores éticos, que concede ao juiz analisar os casos concretos sob a visão principiológica, valorizando assim, a ética acima de tudo.
Isso ratifica, que a ética está em todos os lugares, em todas circunstâncias que o homem esteja envolvido, seja com a família, trabalho, profissão, e também no tratamento e observância das leis.
Daí, dizer que o novo ordenamento jurídico tem como parâmetro a ética, não como meio, mas sim, como o fim a que deve-se pautar as relações contratuais, isto se dá, por que, quando um assume uma obrigação em relação a outrem, não o faz somente por uma questão de cumprimento patrimonial, mas também pelo contexto ético que está na sua volta.
Partindo disto, é que o atual código, introduziu as chamadas clausuras gerais, a fim de que, os princípios introduzidos sejam de certa forma, respeitados em sua íntegra aos receptores da Lei.
É importante ressaltar que as cláusulas gerais, afastam de certa forma, a tipicidade, ou seja, a Lei não é o ponto de partida, como diz Judite Martins Costa[6] quando afirma a vantagem das cláusulas abertas é exatamente o fato de não haver imobilismo pela intencional imprecisão das cláusulas abertas.
Na questão ética contratual, será reservado ao presente trabalho, uma breve análise do princípio da boa-fé objetiva como norma de conduta a ser seguida e respeitada pelos contratantes, ressaltando desde já, que a relevância do tema, se dá, por que, o referido princípio está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, já brevemente analisado.
3.1 Breve comentário sobre a constitucionalização do direito civil
Hodiernamente, quando se trata de direito civil, não mais fala-se em um campo delimitado apenas às questões privadas, inevitavelmente se discute sobre a constitucionalização do direito civil.
Não poderia ser diferente, tendo em vista, que a Constituição de 88 tem uma característica abarcadora de princípios que foram ganhando força após a segunda guerra mundial, como por exemplo o princípio da boa-fé objetiva.
Destarte, é importante, frisar, o pensamento do doutrinador madrilenho Konrad Hesse que afirma que a Constituição não é mais fonte da ordem jurídico-fundamental do estado, mas sim, a ordem jurídico-fundamental da comunidade, pois suas normas alcançam direitos patrimoniais, família, educação dentre outras.[7]
Neste novo formato constitucional, não há como identificar um divisor capaz de separar o direito privado da norma constitucional, neste diapasão é importante destacar as palavras do doutrinador que diz: “.como mundo separados, impermeáveis, governados por lógica diferente”[8]
Analisando o contexto atual, não como pensar diferente, ao invés de dizer que o direito privado está na volta da constituição, há que dizer que está inserido e melhor dizendo, constitucionalizado.
E o fenômeno é de suma importância para análise do tema contratual, uma vez que os princípios hoje inseridos expressamente no código civil de 2002 apenas retratam a tendência de utilizar-se a cada dia mais, a influência do novel tema sob ótica privada.
Para Maria Celina Bodin de Moraes a constitucionalização do direito civil é o mesmo que dizer que o direito civil está transformado pela norma constitucional, tendo como fundamento para a referida transformação, uma inversão de valores, que antes estavam restritos na ótica patrimonial, e agora, por valores da própria existencia do ser humano.[9]
Portanto, ao analisar um caso concreto, o juiz não está adstrito somente ao que um contrato está prevendo em suas cláusulas, deve-se ater o julgador a esta nova visão, moderna, que vislumbra algo muito além do que está envolvido no sentido patrimonial, isto é, a dignidade da pessoal humana acima de tudo.
Assim, é importante demonstrar, que esta nova concepção faz parte de todo processo que desencadeou na elevação dos princípios hoje tão estudados, que anteriormente ficavam adstritos a interpretações vagas nos casos concretos, ressaltando que a mudança representa um enfoque na ética como perspectiva de valorar os princípios norteadores de todas relações humanas.
3.2 O princípio da boa-fé objetiva
Quando o assunto de ética é comentado no direito privado, é impossível falar do princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais. Sendo certo, que um dos pilares do Código Civil é a ética, o código civil atual, prevê expressamente o princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado na conclusão e execução do contrato.
Assim, o referido princípio já aceito na doutrina e jurisprudência de outrora, sobretudo pautado no Código de Defesa do Consumidor, passa de mero expectador à qualidade de protagonista no atual ordenamento civil.
É importante, celebrar a consagração doutrinária sobre o tema, que dissemina entendimento variado sobre sua natureza jurídica, entretanto, todos, com pensamento único de que é inegável a sua imprescindibilidade na aplicação contratual.
A boa-fé objetiva, nos ensina Cláudia Lima Marques, “(…) é um standard, um parâmetro objetivo, genérico, que não está a depender da má-fé subjetiva do fornecedor A ou B (…)”.[10] Obviamente que o conceito da professora, refere-se a relação de consumo, mas que não pode passar desapercebido nas relações paritárias.
Partindo deste conceito, não é diferente nas relações contratuais onde tenham como partes contratantes pessoas na mesma condição, isto é, a boa-fé objetiva é um norte a ser seguido, que independe da má-fé subjetiva das partes.
Pois, o respeito deve ser mútuo, a ética deve ser vista como parâmetro inesgotável em toda relação contratual, onde a lealdade há de prevalecer, deixando de lado qualquer abuso ou lesão a uma dos contratantes.
A boa-fé objetiva além de preservar as relações contratuais, tem funções distintas, como por exemplo define Cláudia Maria Marques “fonte de novos deveres especiais de conduta (deveres anexos e secundários); causa limitadora do exercício dos direitos subjetivos”.[11]
Este ensinamento nos faz entender que os deveres de conduta atribuídos como função da boa-fé objetiva privilegiam com intensidade o que não está escrito, ganhando força a ética em toda relação, o que de certa forma limita o exercício dos direitos subjetivos, pois, antes de exercê-los, deve-se observar os deveres que estão ocultos.
Sob este novo prisma, que é salutar analisar a evolução das relações contratuais, onde, antes primava-se pelo patrimônio e hoje a ética é o ponto culminante de qualquer pacto celebrado.
4. Evolução das relações contratuais
Nos últimos séculos observa-se uma constante evolução nas relações contratuais em decorrência das transformações históricas que se sucederam, principalmente, a partir da Revolução Francesa, no século XVIII, e da Revolução Industrial, no início do século XIX. O advento do sistema capitalista e o avanço tecnológico fizeram surgir o contrato com cláusulas unilateralmente preestabelecidas, de forma geral e abstrata – o contrato padrão – a fim de atender a sociedade de consumo “caracterizada pela produção em série e pela venda massificada.”[12]
Nesse contexto, o contrato “perde sua ligação estrita com a propriedade e passa a configurar instrumento geral das atividades econômicas organizadas e pautadas na obtenção do lucro.”[13]
Com a transição do Estado Liberal Capitalista para o Estado Social do Bem-Estar (Welfare State), dentro da sociedade industrializada, de consumo, massificada e de informação, o contrato deixa de ser utilizado apenas como instrumento de circulação de riquezas, para atuar, também, como meio de atender aos interesses sociais coletivos e individuais[14], promovendo a justiça social.
Assim, surge uma visão muito mais ampla acerca do tratamento sobre o tema contrato, isto é, o contrato não como fim, apenas aquisição de propriedade pura e simples, é muito mais do que isto, um interesse social está intimamente ligado no desenvolvimento das relações privadas em geral, sobretudo no campo contratual.
Na Idade Média, o contrato sofreu alterações importantes, pois a formalidade determinante do direito romano deixou de ser importante pelos canonistas, privilegiando-se, a vontade das partes, devendo a partir daí, ser respeitada a palavra dada. Sendo estabelecendo a quem descumprir o acordo formalizado, sanções diversas pelo descumprimento contratual.
O acordo de vontades é visto como fonte das obrigações.[15] Após as duas Guerras Mundiais, começaram a surgir maiores preocupações, como a segurança do Estado e o fortalecimento da economia. Os movimentos sociais se fortalecem difundindo a ideologia do Socialismo, “em que o Estado passa a deter os meios de produção (intervenção substitutiva) e a elaborar planos para a atuação, inserindo-se, assim, a noção de planejamento na economia.”[16]
Em seguida, aparece o chamado neoliberalismo, o qual admite “a intervenção do Estado para suprir deficiências da iniciativa privada (intervenção supletiva), a qual se inicia no campo social, pela instituição de normas e organismos de defesa dos trabalhadores, aceitando-se, em algumas partes, o planejamento estatal”.[17]
4.1. A crise na liberdade de contratar
A partir do século XIX e já no século XX o princípio da autonomia privada, pautada na igualdade formal das partes, passou a ser contestada por filósofos e juristas, pois ficava evidente, que prevalecia a vontade da parte mais forte do contrato. De um lado o proprietário e do outro o hipossuficiente.
Mesmo com a evidente diferença entre as partes, o tratamento igualitário tratava os diferentes da mesma forma nas relações, pois esta era a concepção clássica do contrato. Entretanto, problemas começaram a surgir no campo do contrato do trabalho, onde conflitos de interesses[18] ultrapassaram a barreira privada, surgindo portanto, reflexos nas relações sociais, políticas e no próprio desenvolvimento de produção devido as greves existentes na época.
Este foi um marco importantíssimo, tendo em vista, pois começa surgir o entendimento que a injustiça nos contratos não estava somente ligado a desigualdade material das partes, mas analisando o contrato sob o prisma do dinamismo que é peculiar as relações obrigacionais, pois, podem surgir questões alheias ao pacto celebrado que venha influenciar diretamente na relação contratual.
A crise surge então, de forma que começa ser admitida alteração contratual com a chamada teoria da imprevisão para os casos em que haja desequilíbrio contratual por onerosa excessiva a uma das partes. Admitindo-se inclusive a intervenção do Estado em detrimento a vontade particular.
4.2. Uma nova concepção de contrato
Com o estreitamento entre o Direito Constitucional e o Direito Privado, foi-se enraizando dentro do último os princípios axiológicos responsáveis pela alocação da Constituição como norma hegemônica no Sistema Normativo. Para Maria Celina Bodin de Moraes o “novo Direito Civil” tem como fundamento a superação da lógica patrimonial (proprietária, produtivista e empresarial), pela adoção dos valores existenciais e protetivos da pessoa humana, que se tornaram prioritários para o Direito Civil, porque privilegiados pela Constituição.[19]
Também a massificação dos contratos, através dos contratos de adesão, acarretou a perda de um dos principais pilares da validade do contrato, a livre manifestação da vontade.
“O dogma da vontade, núcleo absoluto do sistema contratual da modernidade, além do princípio doa liberdade contratual, é fonte de instituição dos princípios da intangibilidade contratual (pacta sunt servanda; les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites) e da relatividade dos efeitos dos contratos (les conventions n’ont d’effet qu’entre les parties contractante)”[20]
A quebra do paritarismo entre as partes instigou a intervenção do Estado para equilibrar as relações, forçando, com isso, a entrada de mais um elemento para a validade do contrato a justiça entre as partes. O contrato não mais estaria regido apenas pelos contraentes, mas deveria observar normas pré-estabelecidas, que em sua maioria, tinham um cunho protetivo, de contraponto ao mercado, de justiça social.
Conectado às normas constitucionais e infraconstitucionais jungidas no contexto sócio-econômico, mudou a exegese do contrato, que agora não pode mais interpretado destacado do seu contexto de mercado, do seu momento histórico.
A liberdade concedida ao mercado pelo Estado está restrita ao que por ele é concedido realizar. Fala-se, assim, em,ordoliberalismo pois a liberdade vem atrelada à norma, à ordem. Conforme consideração de Luca Di Nella: a tutela conferida pela ordem jurídica à liberdade de mercado não é absoluta, mas limitada em razão da igualdade social. [21]
A interpretação contratual, portanto, será feita conforme os atuais contornos do sistema normativo, que por sua vez, está imerso nos valores da dignidade humana e justiça social. Ideais positivados tanto na Constituição Brasileira, quanto em diplomas infraconstitucionais, como o Código de Defesa do Consumidor, legislação trabalhista, lei anti-truste, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Podendo-se afirmar que houve uma ampliação da relatividade dos efeitos dos contratos, que deverá ser analisada, inclusive, para a consumação da eficácia do contrato. Pois, violado o interesse social, ou maculada sua justiça, o contrato não alcançará sua plena efetividade.
5. Conclusão
No desenvolver do presente trabalho é de se notar que em momento muito anterior, a concepçâo acerca de contrato foi alterando consideravelmente no decorrer da historia. O surgimento dos princípios o princípio da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva num primeiro momento tinham uma conotaçâo que nâo alcançava as relaçoes contratuais como atualmente.
Porém, com o desenvolvimento de novas teorias, se tornou inevitável a aplicaçao dos referidos princìpios nas relaçoes que antes eram inalcançáveis.
Sob esta ótica, é importante lembrar que todo estudo sobre os referidos princípios procuram abarcar de uma maneira conceptiva para um aprofundamento em todo tema proposto, tendo em vista, que se deve observar em qualquer aspecto, seja em qualquer relação humana, princípios que fazem parte evidente nas relações contratuais hodiernas.
Nesse patamar, cumpre finalizar o presente trabalho, informando que o referido tema proposto, que antes, era apenas algo para o futuro, passou a ser uma realidade sólida no estudo jurídico dos contratos.
Informações Sobre o Autor
Iure Simiquel Brito
Advogado, especialista, procurador de câmara municipal, professor de direito civil e processo civil na rede Doctum de ensino, doutorando em direito público pela UNLP –Universidade Nacional de La Plata – província de Buenos Aires – Argentina.