Organização da Justiça Militar

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1. Introdução

Com a vinda da Família Real para o Brasil em 1808, nosso país deixou a condição de Colônia para ser elevado a categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves o que trouxe modificações políticas e sociais, uma vez que a Administração Pública Portuguesa se encontrava em solo brasileiro.

Por ordem do rei foram criadas várias instituições que até então não existiam, como a Guarda Real, a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, e ainda foi determinada a abertura dos Portos, medidas que  modificaram o aspecto do Brasil, trazendo uma maior importância política no cenário político e econômico.

A instituição militar acompanhou a vinda da família Real representada pela organização de um corpo militar uniformizado voltado para a defesa da família real, e mais a frente das instituições criadas na ex-colônia. Devido as suas particularidades e assim como ocorria em Portugal, os militares passaram ser regidos por regulamentos próprios, aplicados por àqueles que integram a carreira das armas, que possui suas particulares e se encontra assentada em dois princípios fundamentais, a hierarquia e a disciplina.

A existência das instituições militares, sejam elas pertencentes às Forças Armadas ou às Forças Auxiliares, é essencial para a manutenção do Estado, e para a preservação da segurança interna, no aspecto de ordem pública,  e nacional, na defesa da soberania do território, do espaço aéreo e do mar territorial.

Mas, segundo alguns a Justiça Militar, Federal ou Estadual, deve ser extinta porque esta estaria contribuindo para a impunidade, e ao mesmo tempo seria um Corte de Exceção, sem sentido em um país que escolheu a democracia, e vive sob a égide do Estado democrático de direito.

Alguns críticos da Justiça Militar na maioria das vezes não conhecem sua estrutura, e nem mesmo assistiram qualquer julgamento perante uma Auditoria Militar, e fazem suas observações sem a presença de critérios científicos, que devem ser utilizados pelo pesquisador na busca de uma informação precisa e que possa contribuir para o aprimoramento do sistema.

A Justiça Militar no Brasil encontra-se prevista e disciplinada na Constituição Federal no art. 92, inciso VI, segundo o qual : “São órgãos do Poder Judiciário, VI – Os Tribunais e juízes militares”.  Os juízes militares e os Tribunais Militares são órgãos do Poder Judiciário, e portanto não se encontram inserido no contexto de Tribunais de Exceção. Afirmar que a Justiça Castrense é uma Justiça de Exceção é desconhecer o sistema jurídico brasileiro.

O artigo 5.o, XXXVII, da Constituição Federal, veda expressamente o julgamento do cidadão por Tribunal de Exceção, garantindo assim o princípio do juiz natural. Por força do art. 60, parágrafo 4.o da C.F, os direitos e garantias fundamentais do cidadão não podem ser objeto de Emenda Constitucional. Com base neste dispositivo, fica mais do que evidenciado que a Justiça Castrense não é um Tribunal de Exceção, mas uma Corte com previsão constitucional.

2. Organização e estrutura.

No sistema jurídico brasileiro, a Justiça Militar divide-se    em : Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual, sendo que a primeira julga em regra os militares integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), quando estes violarem os dispositivos do Código Penal Militar,  enquanto que a segunda julga os integrantes das Forças Auxiliares, (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares).

A 1.a instância da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de Justiça, formados por um auditor militar, provido por concurso de provas e títulos, e mais 4 (quatro) oficiais, cujos postos e patentes dependerão do posto ou graduação do acusado. Os Conselhos de Justiça dividem-se em Conselhos Especiais destinados ao julgamento dos oficiais, e os Conselhos Permanentes destinados ao julgamento das praças (soldado, cabo, sargento, subtenente, e aspirante-a-oficial).

Devido a formação mista existente nos Conselhos de Justiça, ou seja, formados por um juiz civil mais os juízes militares, estes são chamados de escabinado. Os militares que integram os Conselhos atuam na Justiça Militar  por um período de três meses, ao término do qual novos oficiais serão chamados para comporem a Corte Castrense. É importante se observar que esses Conselhos são presididos por um juiz militar que tenha a maior patente em relação aos demais integrantes do órgão julgador, e a sede da Justiça Especializada em 1.o grau possui a denominação de Auditoria Militar.

A organização da Justiça Militar Estadual em 1.a instância é semelhante a da Justiça Militar Federal guardadas algumas particularidades no tocante aos postos e graduações das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, uma vez que nas Forças Auxiliares não existe a presença dos oficiais generais (General, Almirante e Brigadeiro).

No Estado de São Paulo, a Justiça Castrense possui 4 (quatro) Auditorias todas com sede na Capital, não existindo nenhuma no interior, o que consideramos uma falha e ao mesmo tempo um ônus para o acusado. Os policiais militares e bombeiros militares que residem no interior são obrigados a se deslocarem de suas sedes, chamadas de OPM (Organizações Policiais Militares), para serem processados na Capital, sendo obrigados na maioria das vezes a contratarem advogados que possuem os seus escritórios na cidade de São Paulo.

A nível de 2.a instância, em relação a Justiça Militar Federal temos o Superior Tribunal Militar (S.T.M) que julga os recursos provenientes das Auditorias Federais, e a matéria originária disciplinada em seu Regimento Interno. No caso da Justiça Militar Estadual, a 2.a instância é constituída em alguns Estados (São Paulo, Minas Gerais, e Rio Grande do Sul) pelos Tribunais de Justiça Militar (T.J.M). Nos Estados, em que não existe o T.J.M essa competência é exercida por uma Câmara Especializada do Tribunal de Justiça.

Deve-se observar, que o Superior Tribunal Militar (STM) também julgará os recursos provenientes da Justiça Militar Estadual, como ocorre nos casos dos Conselhos de Justiça, que são destinados ao julgamento da permanência ou não dos oficiais em seus respectivos quadros,  que se inicia perante um Conselho formado por três oficiais que terão patente superior a do acusado e que  emitirão um parecer pela permanência ou não do acusado. Esse parecer será remitido a autoridade convocante que poderá acolher ou não a decisão dos membros do Conselho. A solução da autoridade convocante será submetida ao Comandante Geral da Corporação, que determinará o arquivamento, a aplicação de medidas disciplinares ou a remessa dos autos para a Justiça Militar, na forma da Constituição do Estado de São Paulo e da Constituição Federal.

Os Tribunais de Justiça Militar ou Câmaras Especializadas dos Tribunais de Justiça nos demais Estados julgarão o acusado submetido a Conselho de Justificação decidindo pela perda ou não do seu posto e patente. A matéria sob análise é originária na forma da Constituição Federal, e da decisão proferida pelo Tribunal caberá recurso para o STM que poderá manter ou reformar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”. A inobservância deste procedimento fere o princípio do devido processo legal, disciplinado no art. 5.o, inciso LIV, da Constituição Federal.

O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo é composto de cinco juízes, sendo dois juizes civis, e três juízes militares, na patente de     Coronel PM, que além de julgarem os recursos provenientes das Auditorias Militares ainda decidem em atendimento a Constituição Federal e a Constituição Estadual a perda da patente e a declaração de indignidade para o oficialato dos integrantes da Polícia Militar, e antes do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário proveniente do Estado de São Paulo e que afastou precedentes existentes na própria Corte Constitucional, a perda da graduação das praças, na forma disciplinada no art. 125, parágrafo 4.o da Constituição Federal.

O professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa no artigo “Perda da Graduação das Praças” defende que as praças que integram as Forças Auxiliares somente poderão perder suas graduações por meio de decisão proferida pelo órgão competente, que na forma da Constituição Federal é o Tribunal de Justiça Militar (TJM), e as Câmaras Especializadas dos Tribunais de Justiça. Não se pode permitir que integrantes de uma mesma Corporação fiquem sujeitos a um tratamento desigual, em atendimento ao disciplinado no art. 5.o, “caput” da Constituição Federal.

Alguns doutrinadores entendem que os Conselhos de Justiça não deveriam ser compostos apenas pelos oficiais, mas também pelas praças que sejam bacharéis em direito. Esse entendimento tem como fundamento o princípio segundo o qual o militar deve ser julgado pelos seus pares. Respeitada a hierarquia militar, todos os milicianos são integrantes de uma mesma Corporação, não existindo motivos para que as praças não tenha representatividade junto ao Escabinado. Deve-se ressaltar, que as praças somente poderiam integrar os Conselhos de Justiça Permanentes, uma vez que para compor os Conselhos de Justiça Especiais é necessário que o juiz militar tenha patente superior a do acusado, ou sendo igual, que seja mais antigo na forma dos critérios castrenses.

A tese ora exposta traz uma certa polêmica, podendo ser entendida como sendo a busca da quebra da disciplina, que deve existir nas Corporações Militares. Mas, não podemos nos esquecer que o direito surge dos fatos, e que todos são iguais perante a Lei, e que o aprimoramento das instituições deve ser o objetivo daqueles que vivem sob o império do Estado de Direito.

Portanto, a Justiça Militar é um órgão jurisdicional com previsão no Texto Constitucional e nas Constituições do Estados integrantes da Federação, possuindo os juízes auditores as mesmas garantias asseguradas aos juízes integrantes da Justiça Comum e da Justiça Federal, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para que possam com fundamento na Lei e em sua livre convicção proferirem os seus julgamentos, na busca da Justiça que deve ser o objetivo do Direito.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

 

Juiz de Direito Titular da 2ª AJME do Estado de Minas Gerais, Professor de IED e Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Membro Titular da Academia Mineira de Direito Militar e Parceiro Assessor da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais.