Resumo: A sociedade brasileira moderna convive diariamente com a chamada família homoafetiva, que é aquela formada por pessoas do mesmo sexo. Porém essa família homoafetiva ainda não obteve junto à legislação pátria sua legalização e positivação, o que não faz que a mesma deixe de ser família. É dentro desse contexto que a Lei 11.804/08 entra em vigor e traz em seu artigo 2º que a mulher gestante é a principal protegida da lei, sendo esta a função primordial da mesma. Porém, no parágrafo único desse mesmo artigo, diz que é o futuro pai que deve arcar com a obrigação alimentar gravídica, deixando de lado e negando a existência da família homoafetiva, aceitando tão somente a existência da família formada entre homem e mulher. Este trabalho tem a intenção de discutir tal questão utilizando, para isso o método de abordagem qualitativa, tendo como técnica utilizada a pesquisa bibliográfica, realizada através de doutrinas e artigos em web-sites especializados em discutir assuntos da área jurídica, assim como no ramo do direito civil e das famílias.
Palavras-chave: 1. Alimentos Gravídicos. 2. Família Homoafetiva. 3. Código Civil.
Sumário: Introdução. 1. A Família. 1.1. A Evolução da Família. 1.2. A Família na CR/88. 1.3. As Novas Formas de Família Trazidas pela Doutrina e pela Jurisprudência. 1.3.1. A Família Anaparental. 1.3.2. A Família Mosaico. 1.3.3. A Família Eudemonista. 1.4. A Família Homoafetiva. 2. A Prestação Alimentícia. 2.1. A Origem e sua Evolução. 2.2. As Características e os Requisitos da Prestação Alimentícia. 2.2.1. Quanto à Natureza: Civil e Naturais. 2.2.2. Quanto à Causa Jurídica: Legítimos, Voluntários e Indenizatórios. 2.2.3. Quanto à Finalidade: Provisória ou Definitiva. 2.2.4. Quanto ao Momento: Pretéritos, Atuais ou Futuros. 2.2.5. Quanto à Modalidade: Própria e Imprópria. 2.2.6. Características. 2.2.6.1. Impenhorabilidade. 2.2.6.2. Irrepetibilidade. 2.2.6.3. Imprescritiblilidade. 2.3. O Binômio Necessidade X Possibilidade. 2.4. Subsidiariedade x Solidariedade. 2.5. O “Direito de Regresso”. 3. Os Alimentos Gravídicos.3.1. Artigo 1º. 3.2. Artigo 2º. 3.3. Artigo 3º. 3.4. Artigo 4º. 3.5. Artigo 5º. 3.6. Artigo 6º. 3.7. Artigo 7º. 3.8. Artigo 8º. 3.9. Artigo 9º. 3.10. Artigo 10. 3.11. Artigo 11. 3.12. Artigo 12. 4. A Possibilidade de Fixação da Obrigação dos Alimentos Gravídicos entre Pessoas do Mesmo Sexo. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem a função de analisar a figura da obrigação alimentar gravídica, inserida em nossa sociedade pela Lei 11.804/08, sendo esta lei um marco na legislação pátria sobre o tema, pois cria a possibilidade de se obrigar alguém ao pagamento de alimentos baseado apenas em sinais de indícios de paternidade.
O direito a alimentos sempre foi alvo de grandes discussões e estudos, e teve sua origem no Direito Romano como uma obrigação moral entre os parentes de se ajudarem, sendo que tal idéia é trazida até hoje, pelo Código Civil de 2002, no momento em que este afirma, em seu artigo 1694, que os obrigados ao pagamento da prestação alimentar são os parentes, o cônjuge ou o companheiro.
A prestação alimentícia abrange algumas características importantes, tais como a impenhorabilidade, a irrepetibilidade e a imprescritibilidade, o que significa que a prestação alimentícia não pode ser penhorada, requisitada através de uma ação de repetição de indébito ou dispensada.
A classificação da prestação alimentícia quanto a sua natureza, quanto à causa jurídica, quanto à finalidade, quanto ao momento da prestação e quanto à modalidade da prestação também é muito importante para se caracterizar corretamente a obrigação alimentar.
Além de analisar as características e a classificação da prestação alimentícia, para que se fixe um quantum para a mesma, é necessário que se verifique o binômio entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, ou seja, há de se analisar o que o alimentado necessita para se manter vivo com dignidade, mas não se pode obrigar o alimentante ao pagamento de uma prestação que se mostre acima de suas possibilidades, o colocando em uma situação de penúria e ferindo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Outro aspecto a se analisar é a não aplicação do instituto da solidariedade da prestação alimentícia, fazendo com que, havendo mais de um devedor de alimentos, estes apenas respondem por aquela parte a eles obrigada, ou seja, a obrigação é, na realidade, subsidiária e divisível.
Sendo subsidiária e não obrigando cada um dos alimentantes à totalidade da dívida, logicamente não irá existir o instituto do “direito de regresso”, pois tal fato apenas ocorreria caso um dos alimentantes fosse obrigado a responder pela dívida de outro alimentante.
É nesse contexto que notamos a entrada em vigor da Lei 11.804/08, que além de criar a obrigação alimentar gravídica, positiva que essa obrigação pode ser fixada com base apenas em indícios de uma paternidade futura, sem que haja nenhum exame comprobatório dessa paternidade.
O ponto central da discussão que vai ser aqui traçada diz respeito ao sujeito passivo da obrigação alimentar gravídica, que a Lei 11.804/08 diz ser o futuro pai, deixando no ar a interpretação de que somente pessoas do sexo masculino poderiam sofrer com a fixação de tal obrigação.
Tal posição fere diversos princípios regentes do ordenamento jurídico pátrios, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da analogia.
No primeiro capítulo fazemos uma análise atual de como a família foi formada, sua história, e como ocorreu a evolução até o conceito de família que temos nos dias de hoje, bem como as formas diferenciadas de se caracterizar uma família.
Já no segundo capítulo fazemos uma análise sobre a prestação alimentícia, discursando sobre a sua origem até os dias atuais, passando pela sua conceituação quanto à natureza, à causa jurídica, à finalidade, ao momento da prestação alimentícia e à sua modalidade, discorrendo também sobre algumas características da obrigação alimentar, sendo elas a impenhorabilidade, a irrepetibilidade e a imprescritibilidade.
Outros pontos tocados no segundo capítulo e também de extrema relevância são a importante conceituação do binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante, a diferenciação entre a obrigação solidária e a obrigação subsidiária e suas particularidades dentro da obrigação alimentar, e o direito de regresso no caso da obrigação solidária.
Já no terceiro capítulo realizamos uma análise minuciosa da Lei 11.804/08, passando por cada um dos artigos e procurando encontrar qual a verdadeira razão de existir da lei.
No quarto capítulo procuramos realizar uma discussão a respeito de qual é o verdadeiro espírito da lei e se é possível haver a fixação dos alimentos gravídicos entre pessoas do mesmo sexo, qual seja, entre duas mulheres.
No quinto capítulo trazemos uma pequena conclusão a cerca de nossas pesquisas, visto que tentar finalizar tal discussão e encontrar uma resposta fechada não é viável nos dias de hoje, pois o assunto ainda é muito novo e o doutrina e a jurisprudência ainda tem muito o que adentrar no assunto a fim de se criar uma opinião sólida e pacífica sobre o presente tema.
1: A FAMÍLIA
1.1: A Evolução da Família
Muito se discute sobre qual o real conceito de família no mundo atual. Se a família seria simplesmente o local onde coexistiria marido, esposa e filhos, ou se a família deveria ser interpretada de uma forma mais ampla, abrangendo todas aquelas pessoas que fazem parte daquele convívio afetivo e auxiliam na manutenção do bom caminhar da mesma.
Para termos uma real dimensão sobre o que é família nos dias de hoje, é necessário uma análise de toda a evolução de seu conceito através dos tempos, suas mutações, as razões pelas quais ocorreram, para enfim chegarmos ao atual conceito de família, muito mais aberto e socialmente aceito do que os anteriores.
O conceito de família é, talvez, um dos conceitos mais difíceis de se estruturar, visto que a mutabilidade e a adequação social daquela à sociedade em que se situa é enorme e varia conforme o momento histórico que se deseja analisar.
Tentar traçar uma linha cronológica referente à evolução histórica da forma de se interpretar os grupos familiares de cada época é uma das mais difíceis e instigantes tarefas, tamanho o número de nuances e particularidades observadas com o passar do tempo.
Rastreando as origens mais primitivas da família encontram-se referências a estágios muito primitivos, onde se preceitua que todas as mulheres seriam propriedades de todos os homens, não existindo, portanto, nenhuma menção ao sentimento “exclusivista”, íntimo a todo ser humano, razão pela qual tal teoria vem sendo muito questionada.
Venosa[1] nos ensina que “no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia)”.
Apesar de muitas sociedades primitivas atuais demonstrarem a convivência pacífica sobre essa idéia de “promiscuidade legal”, tal como algumas tribos indígenas da América, alguns grupos polinésios ou africanos, etc., não se pode negar que tal comportamento vai contra tudo o que se considera natural do ser humano, como o desenvolvimento da espécie.
Ainda nessa linha de pensamento encontramos a “família poliândrica”, ou seja, aquela em que vários homens se unem a uma só mulher, ou há o matrimônio chamado de matrimônio por grupo, que seria a união de várias mulheres com vários homens.
Todas essas idéias e teorias não ultrapassam o campo subjetivo, conforme nos diz Silva Pereira[2], quando ensina que “quem rastreia a família em investigação sociológica encontra referências várias a estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a comprovação fática”.
Mais lógico seria aceitarmos e acatarmos a idéia da “família monogâmica“, ou seja, uma família onde a laço conjugal tem maior valor.
Nesse ponto nos deparamos com mais um questionamento que ainda não encontra posições pacificadas na doutrina. A família passou por um período de organização matriarcal?
Alguns doutrinadores defendem a idéia de que a família não passou por tal período, defendendo a idéia de que a mulher nunca teve a posição de “cabeça da família”.
Para esses autores a mulher nunca esteve na direção do lar, podendo-se aceitar, apenas, a idéia de que nos períodos de guerra ou de caça, onde os homens se ausentavam por tempo muito elevado de seus lares, a mulher os substitua não como autoridade máxima dentro da residência, mas como subordinada com especial dever de cuidado, proteção e manutenção de sua prole, como podemos observar nas palavras de Silva Pereira[3]:
“pode ter acontecido eventualmente que em algum agrupamento a ausência temporária dos homens nos misteres de guerra ou da caça haja subordinado os filhos à autoridade materna, que assim a investia de poder.”
Silva Pereira[4] também diz que “aceitar como certa a existência de um tipo de família preenchendo todo um período evolutivo, no qual à mulher estaria reservada a direção do lar, parece realmente pouco provável”.
1.2: A Família na CR/88
Até a Constituição Federal de 1988 a família era tratada de uma maneira completamente retrógada, através de uma visão patriarcal, onde o marido detinha todas as rédeas da família, sendo a esposas e os filhos totalmente submissos às suas ordens, sendo que apenas essa família era reconhecida e legalizada.
Agora, com a chamada “constitucionalização do direito civil”, e consequentemente do direito das famílias, é garantida uma maior efetividade a esses ramos do direito, com a existência de direitos e garantias fundamentais, com o revigoramento dessas instituições de direito civil.
Essa maior participação e intervenção do Estado nas relações privadas, o chamado Estado social, nunca poderia ser imaginada em um Estado liberal, onde a liberdade dos cidadãos é elevada um grau supremo e sempre é respeitada. O Estado social tem como ideais, além de dar uma maior proteção ao cidadão, afastar-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-elitista das codificações passadas.
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1998, conhecida como “constituição cidadã”, o Direito das Famílias passou a ter outra forma de tratamento, alterando-se inúmeros entendimentos e posicionamentos até ali sustentados.
Uma das mais importantes inovações trazidas pela nova Carta Magna é o reconhecimento constitucional da união estável, ou seja, a possibilidade jurídica de se ter a formação de uma entidade familiar, com direitos garantidos de família, sem que para isso exista a obrigação de se estar casado civilmente, bem como a tão sonhada igualdade jurídica entre os cônjuges, ou seja, a mulher não mais teria que ser submissa ao seu marido.
Venosa[5] diz que “a igualdade de tratamento constitucional do marido e da mulher é elevada à condição de princípio normativo fundamental no direito de família”.
Silva Pereira[6], lecionando sobre a constitucionalização do Direito Civil, traz um entendimento positivo a respeito do assunto, dizendo que:
“Este preceito, na sua generalização, compreende toda espécie de conceitos, que devem orientar toda a relação dos cônjuges, como a destes com os filhos. Não se trata, evidentemente, de extinguir os institutos já consagrados anteriormente. O que se cogita é de, através da legislação mais abrangente e adequada, o Estado estatuir medidas que visem à proteção ao campo da família, e que tenham por objeto mais desenvolvido programa de assistência à família nos três estágios: relações entre homem e mulher; relações destes com os filhos; deveres do Estado com todas as pessoas abrangidas no contexto familiar.”
Algumas formas de família foram reconhecidas e positivadas pela Constituição Federal de 1988, garantindo a legalidade até ali inexistente para as mesmas.
As entidades familiares constitucionalizadas podem ser encontradas nos artigo 226 de nossa Carta Magna, sendo elas a família fundada no casamento, na união de fato, a família monoparental e a família adotiva.
1.3: As Novas Formas de Família Trazidas pela Doutrina e pela Jurisprudência
Além das formas tradicionais de família elencadas na Constituição da República, jurisprudência e doutrina já trazem inúmeras outras formas de se caracterizar uma família, aumentando o leque e trazendo para o mundo jurídico um maior reconhecimento e uma maior garantia dos direitos dessas entidades familiares.
Dentro desse contexto encontramos o efeito que muito costumam chamar de “famílias plurais”, ou seja, diversas outras maneiras de se enxergar uma família.
Para Perrot[7], hoje “despontam novos modelos de família, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeita à regra e mais ao desejo”.
Analisaremos agora algumas das principais construções doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema.
1.3.1: A Família Anaparental
A família não se caracteriza por ser um conceito jurídico, mas sim um lugar onde pessoas se juntam com a vontade única e objetiva de, ali, ver prosperar um sentimento de carinho, afeto e amor.
Dentro dessa idéia é natural que se enxergue inúmeras formas de se constituir uma família, além daquelas já positivadas pela legislação vigente.
A família anaparental é aquela formada por parentes, ou amigos, que, sob o mesmo teto, se esforçam para conseguirem, em conjunto, formar um acervo patrimonial.
Berenice Dias[8] nos ensina que:
“a convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental.”
Neste caso, à época do falecimento de algum dos parentes ou amigos que formavam a família anaparental, a partilha de bens não deve ser feita como sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, que em sua súmula 380 diz que “comprovada a existência da sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”, mas sim conceder a partilha do patrimônio entre os “familiares anaparentais” sobreviventes, respeitando, dessa maneira, a ordem de vocação hereditária.
A família não deve ser considerada como aquela onde ocorrem relações sexuais e há a proliferação da espécie humana, mas sim aquela onde há comunhão de esforços para o alcance de um bem comum.
1.3.2: A Família Mosaico
Antes ignorada, a família mosaico, ou família pluriparental, tem começado a ser discutida nos dias de hoje, tamanho é o número de famílias que se encaixam nesse conceito, que traduz uma realidade da sociedade do novo século.
Família mosaico é formada por duas pessoas que trazem para a nova família resquícios de sua antiga família, tais como filhos.
Tal situação, nos dias de hoje, é extremamente comum, com casamentos e uniões entre pessoas que já foram casadas e que trazem para este novo relacionamento seus filhos da antiga união.
Esse fato não foi regulado pela nossa legislação e, visto que não é raro observamos sua ocorrência, deve ser regulada com urgência.
1.3.3: A Família Eudemonista
Atualmente se tem a visão de que é o envolvimento afetivo que pode garantir a individualidade e a privacidade de cada membro da família, fatores indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano.
É exatamente esta a família eudemonista, ou seja, uma família que é identificado pelo seu comprometimento afetivo na busca da felicidade individual de seus membros.
A própria Carta Magna, mesmo que indiretamente, já faz menção a este tipo de família, transferindo a proteção da “instituição família” para os sujeitos que pertencem à ela, como podemos observar no artigo 226 desse diploma legal, que diz que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integrem”.
1.4: A Família Homoafetiva
Muito se discute hoje em dia a respeito da possibilidade de se conceituar a união homoafetiva como união estável, e assim dar-lhe poderes e garantias de uma família, tal como se encontra positivado na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
Diversos doutrinadores têm opiniões divergentes sobre o presente tema, sendo o mesmo de extrema relevância nos dias de hoje, dada a inegável evolução cultural e comportamental de nossa sociedade atual.
A união homoafetiva é hoje uma realidade sobre nossos olhos e não pode mais ser deixada de lado e renegada a um segundo plano social, sendo que é dever de todos os cidadãos a luta contra o preconceito ainda existente, para que, num futuro próximo, possamos reconhecer tal relação de afeto e carinho como uma família, que de fato é o local onde se encontra o afeto, o carinho e a segurança necessários a cada um de nós.
É notória a forte influência religiosa e cultural ainda existente em nossa sociedade e que nos traz uma falsa idéia de moralismo mesquinho, fazendo com que o ideal cristão de “crescei e multiplicai-vos” esteja ainda nos dias de hoje enraizado em nossa norma constitucional, que deveria seguir toda a evolução da sociedade.
Durante anos, séculos, milênios, etc., a religião cristã deteve para si todo o poder e intelectualidade, sendo que poucos tinham acesso a tal privilégio, o que facilitou o processo de lavagem cerebral proferido principalmente durante o período da Idade Média, fazendo com que idéias e conceitos favoráveis às intenções eclesiásticas fossem literalmente empurrados através de falsas configurações de certas atitudes como pecados ou doenças.
A união estável, fundada na convivência diária, estável, sem impedimentos, livre, mediante comunhão de vida e de forma pública e notória na comunidade social, não pode deixar de lado aquela relação homoafetiva que contiver todos esses elementos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, traz a positivação e a proteção à família, que como ele mesmo diz é “a base da sociedade”, dando a ela uma especial proteção estatal, sendo que toda e qualquer relação em que se vislumbre os requisitos por ele elencados deve ser considera e encarada como uma família.
Berenice Dias[9] tem opinião semelhante, e diz que “a norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade”.
Aliás, importante dizer que foi Maria Berenice Dias que, de fato, criou a nomenclatura “união homoafetiva”, visto que o prefixo “sexual” existente na antiga expressão utilizada (união homossexual) carregaria tal situação de uma ilusória impressão pervertida, ilusão essa que deve ser severamente combatida e punida se identificada, pois configura a mundialmente condenada homofobia.
Porém, pelo fato de em nosso ordenamento existir ainda a suposta exigência da diversidade de sexos para o casamento, outra corrente doutrinária entende que a união homoafetiva ainda não pode ser considerada uma união estável, tal como diz Venosa[10] ao afirmar que “de fato, no atual estágio legislativo e histórico da nação, a chamada sociedade homoafetiva não pode ganhar status de proteção como entidade familiar”.
Outro que defende tal pensamento é Nader[11], que lecionando sobre o tema, diz que “o Código Civil exige a diversidade de sexos como requisito fundamental para a entidade familiar. Tal disposição deixa extreme de dúvida a impossibilidade da união estável nas relações homoafetivas”.
De fato, a discussão sobre tal matéria gera inúmeros debates, existindo argumentos fortes e fundamentados para ambos os lados. Porém, em recente decisão[12], o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível existir união estável entre casais homoafetivos.
O recurso especial nº 820475 é um marco na jurisprudência nacional, pois nele o Superior Tribunal de Justiça, pela primeira vez, analisou a união homoafetiva sob o prisma do direito das famílias, e não sob o do direito patrimonial.
No caso o Autor pedia que fosse reconsiderada uma decisão do juízo a quo, que extinguiu sem resolução de mérito a ação em que ele pedia o reconhecimento de sua união com outro homem.
O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do processo, disse que “o entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta”; e completou dizendo que “a despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito”.
Com isso foi criada a possibilidade de discussão acerca da união homoafetiva sob os conceitos e legislações pertinentes ao Direito das Famílias, deixando claro que não existe nenhum impedimento legal para que isso seja feito.
Muito ainda se tem que avançar dentro do presente tema, mas é nítida a preocupação atual do poder judiciário pátrio em se esforçar para fazer com que as diferenças e preconceitos sejam cada vez mais diminuídos, analisando de uma forma mais ampla e correta os dizeres da nossa Carta Magna.
2: A PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
2.1: A Origem e sua Evolução
A concessão de alimentos, positivada no Código Civil, em seu artigo 1694 e seguintes, tem sua origem no Direito Romano, no chamado officium pietatis, que se configurava como uma obrigação moral dos parentes de se socorrer nas adversidades. No Direito moderno consiste no pagamento de prestações no intuito de satisfazer as necessidades básicas do alimentado, tais como sustento, vestuário, habitação, assistência médica e instrução.
Venosa[13] já dizia que os alimentos “traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar a sua subsistência”.
No direito Canônico o âmbito das obrigações alimentares foi ampliado, tendo, inclusive alcançado esferas extrafamiliares.
Ordenamentos Jurídicos de todo o mundo são pacíficos no que diz respeito à conceituação dos alimentos.
O Código Civil francês fala na obrigação de alimentar, manter e educar, que seriam as razões e os fundamentos da obrigação alimentar; enquanto que o Código Civil português define, em seu artigo 2.003 que “por alimentos entende-se tudo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Os alimentos compreendem também a educação do alimentando no caso de este ser menor”.
Antigamente se dizia que a negatória ao dever de alimentar se assemelhava à prática de um homicídio, ou seja, aquele que se negasse a realizar o pagamento das prestações alimentícias estaria invocando a morte para aquele que deveria receber tal benefício. Atualmente essa visão não mais existe, mas a vinculação das prestações alimentícias à família ainda finca raízes em nosso ordenamento.
O Código Civil de 1916 adotou a idéia de que a prestação alimentícia se inseria no rol dos deveres dos cônjuges, sendo compelido ao marido tal obrigação, pois este seria o chefe da sociedade conjugal. Dizia também que a obrigação derivava do parentesco.
Atualmente os Alimentos se encontram positivados no Código Civil de 2002 dentro do rol dos Direitos de Família, ou Direitos das Famílias, como diz a mais balizada doutrina nacional, em seus artigos 1.694 a 1.710.
2.2: As Características e os Requisitos da Prestação Alimentícia
A Prestação Alimentícia trazida pelo Código Civil de 2002 demonstra alguns princípios e características inerentes à obrigação, além de estabelecer alguns requisitos para que esta se torne obrigatória.
Primordialmente se faz necessário se fazer a distinção entre os alimentos quanto à sua natureza, quanto à causa jurídica, quanto à finalidade, quanto ao momento da prestação e quanto à modalidade da prestação.
2.2.1: Quanto à Natureza: Civis ou Naturais
Quanto à natureza os alimentos se dividem em alimentos naturais e alimentos civis.
Os alimentos naturais, também chamados de necessários, são aqueles que garantem apenas a subsistência primária do alimentado, ou seja, apenas suprem as suas necessidades primárias, como as de alimentação, vestuário, habitação e saúde.
Já os alimentos civis, comumente chamados de alimentos côngruos, tem a função de não apenas garantir o acesso por parte do alimentado às suas necessidades básicas de subsistência, mas também a uma melhor qualidade de vida.
Cahali[14] demonstra de maneira clara e precisa a diferenciação entre alimentos naturais e civis.
“Quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis.”
2.2.2: Quanto à Causa Jurídica: Legítimos, Voluntários ou Indenizatórios
Quanto à causa jurídica podemos classificar os alimentos em alimentos legítimos, alimentos voluntários e alimentos indenizatórios.
Apenas alimentos legítimos, ou legais, constituem objeto de discussão dentro de Direito de Família, pois estes se devem por um vínculo de parentesco, o chamado ex iure sanguinis, e são o resultado de uma obrigação legal.
Outra exclusividade no que tange aos alimentos legais é a possibilidade de prisão em caso de não cumprimento com o obrigação alimentar, conforme direção do artigo 733 do Código de Processo Civil, ou seja, aquele que não cumprir com o pagamento dos alimentos legais pode ser chamado a quitá-los ou esclarecer a razão pelo inadimplemento, em um prazo de três dias sob pena de prisão, que pode se estender por até 90 dias.
Nader[15] diz que “apenas estes constituem objeto do Direito de Família, sendo os responsáveis pelo maior número de ações de alimentos. Dizem-se legais porque independem de qualquer acordo entre credor e devedor”.
Os alimentos voluntários podem ser divididos em inter vivos ou causa mortis, sendo que o primeiro é fixado através de um ato unilateral de vontade, sendo regulado pelo Direito das Obrigações, e o segundo através de um legado, cabendo ao Direito das Sucessões a sua regulamentação.
Já os alimentos indenizatórios são aqueles previstos no artigo 948, II do Código Civil, ou seja, no caso de um homicídio o autor do delito deve garantir uma continuidade aos alimentos devidos pelo morto, considerando-se a sua provável sobrevida.
2.2.3: Quanto à Finalidade: Provisória ou Definitiva
A finalidade dos alimentos pode ser definida como provisória ou definitiva.
Como os processos de alimentos requerem tempo para que sejam julgados definitivamente e os alimentos tem caráter emergencial e são inadiáveis, para suprir as necessidades do alimentado, desde o início da lide, é utilizado o instituto dos alimentos provisórios, que são concedidos, provisoriamente, no correr de uma lide, onde se pleiteiam os alimentos definitivos. Alguns doutrinadores os equivalem erroneamente aos ditos alimentos provisionais, visto que estes são concedidos em uma ação cautelar, através de uma liminar, enquanto que os alimentos provisórios são concedidos na própria ação principal, através de uma antecipação de tutela.
Já os alimentos definitivos, ou regulares, são aqueles fixados em sentença já transitada e julgada.
2.2.4: Quanto ao Momento: Pretéritos, Atuais ou Futuros
No que diz respeito ao momento da prestação alimentícia, os alimentos podem ser pretéritos, atuais ou futuros.
Os alimentos pretéritos, como o próprio nome diz, são aqueles que se referem a um tempo anterior ao ajuizamento da ação, ou seja, seu fato gerador é anterior ao inicio do processo em questão.
Alimentos atuais são aqueles que se vencem a partir do momento do início da ação e os alimentos futuros são os que são devidos apenas após a sentença.
Falando sobre os alimentos pretéritos e futuros Cahali[16] diz que “alimenta futura são os alimentos que se prestam em virtude de decisão judicial ou de acordo, e a partir dela; alimenta praeterita são os anteriores a qualquer desses momentos”.
2.2.5: Quanto à Modalidade: Própria ou Imprópria
A classificação da prestação alimentícia quanto à sua modalidade pode ser dividida em própria e imprópria.
A prestação alimentícia própria é aquela que engloba tudo quanto for necessário para à manutenção da pessoa; enquanto que a prestação alimentícia imprópria representa o fornecimento dos meios idôneos à aquisição de bens necessários à subsistência.
2.2.6: Características
Daremos agora destaque a algumas dessas características, sendo elas à impenhorabilidade, à irrepetibilidade e à imprescritibilidade.
2.2.6.1: Impenhorabilidade
A impenhorabilidade da prestação alimentícia diz respeito à impossibilidade desta responder pelas dívidas do alimentado, ou seja, não se pode privar o alimentado do estritamente necessário à sua subsistência, como podemos observar no artigo 1.707 do Código Civil de 2002, que diz que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.
Nader[17] diz que “dada a sua finalidade, que é a de garantir a sobrevivência da pessoa, o direito alimentar não responde pelas dívidas do alimentando, em juízo”.
Venosa[18] é simples e direto ao dizer que “destinados à sobrevivência, os créditos de alimentos não podem ser penhorados”, mas faz uma ressalva ao afirmar que “essa impenhorabilidade, no entanto, não atinge os frutos”.
Necessário se faz deixar claro que a impenhorabilidade dos alimentos advém do caráter essencial da prestação alimentícia, visto que essa tem a função da garantir o sustento do alimentado, para que este se mantenha vivo com dignidade.
2.2.6.2: Irrepetibilidade
Outra característica da prestação alimentícia é a sua irrepetibilidade, ou seja, uma vez cumprida a obrigação de pagamento da prestação alimentícia esta não pode ser passível de uma ação de repetição de indébito por se tratar de um suposto dever moral.
Venosa[19] diz:
“Não há direito à repetição dos alimentos pagos, tanto os provisionais como os definitivos. Desse modo, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprindo-os ou reduzindo seu montante.”
Tal princípio, porém, vem sendo muito combatido nos dias de hoje pelo fato de que, para diversos doutrinadores, criaria um quadro onde seria legal o enriquecimento indevido do alimentado, fundamentado no fato de que o credor, já sabendo que sua prestação alimentícia será extinta, protelaria ao máximo o andamento da ação, ganhando assim tempo e mais algumas parcelas da prestação pecuniária.
Silva Pereira[20] defende essa idéia de afastamento do princípio da irretroatividade no que tange ao pagamento das prestações alimentícias, preconizando que o ajuizamento da ação de exoneração deve vir cumulado com o pedido de devolução das prestações indevidamente pagas, caracterizando um enriquecimento ilícito do alimentado.
“Inexiste óbice jurídico a rever esta tradicional característica dos alimentos, para os tomar como repetíveis, o que se torna uma arma contra a morosidade da Justiça, pois o devedor tem a garantia que não haverá locupletamento indevido dos valores que, muitas vezes, vem pagando sem ter condições financeiras.”
2.2.6.3: Imprescritibilidade
Com relação à imprescritibilidade da prestação alimentícia, esta diz que basta o alimentado comprovar o seu direito a receber os alimentos e a obrigação do alimentante de pagá-los para surgir a obrigação alimentar, sendo que esta não é afetada pelo transcorrer do tempo, ou seja, a prescrição não alcança o direito ao recebimento da prestação alimentícia.
Apenas é alvo da prescrição as parcelas com o quantum já fixado, sendo, neste caso, de dois anos. Porém o direito ao recebimento dos alimentos não prescreve, podendo ser pleiteado a qualquer tempo, desde que presentes os pressupostos do direito aos alimentos.
Silva Pereira[21] é claro alvo afirmar que “o direito aos alimentos é imprescritível, ainda que por longo tempo não exercido”.
Importante ressaltar que a imprescritibilidade não é uma característica nova da prestação alimentícia. Nota-se a sua previsão desde o ano de 1968, quando já se encontrava prevista no artigo 23 da Lei 5478, de 25 de julho de 1968, que tinha a seguinte redação:
“Art. 23: A prescrição qüinqüenal referida no art. 178, § 10, inciso I, do Código Civil só alcança as prestações mensais e não o direito a alimentos, que, embora irrenunciável, pode ser provisoriamente dispensado.”
Por fim, devemos lembrar que o Código Civil de 1916, em seu artigo 178, §10, I, determina um prazo de cinco anos para que as prestações pretéritas fossem consideradas prescritas. Como o Código Civil de 2002 trouxe em seu artigo 2028 a chamada “regra de direito intertemporal”, ficou positivado e determinado que “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Como o novo Código Civil entrou em vigor na data de 11 de janeiro de 2003, tal artigo não tem mais validade no que diz respeito à prescrição das prestações alimentícias pretéritas, visto que essas eram de cinco anos no Código Civil de 1916, fazendo que nos dias atuais não vigore mais essa regra, e sim a trazida pelo artigo 206, §2º do Código Civil de 2002, ou seja, prescreve “em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem”.
2.3: O Binômio Necessidade X Possibilidade
Este aclamado binômio diz que deve haver uma proporcionalidade entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante em suprir essa necessidade.
A proporcionalidade entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante é fator primordial para a fixação do valor das prestações alimentícias, esse é o famoso binômio entre necessidade e possibilidade, observado no artigo 1694, §1º do Código Civil.
“Art. 1694: Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§1º – Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
Mais claro e objetivo a respeito da positivação do binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante se mostra o artigo 1695, conforme podemos ver abaixo:
“Art. 1695: São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.”
A aplicação de tal binômio pode ser observada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que firmou posição a respeito da fixação dos alimentos respeitando o binômio necessidade e possibilidade, conforme acórdão prolatado no processo 1.0024.07.552201-1/001.
Sobre este binômio podemos dizer que a necessidade do alimentado se observa no momento em que este não mais consegue subsistir sem que lhe seja ofertado as prestações alimentícias. Essa incapacidade do alimentado pode emergir de várias maneiras, sendo que para o Direito é totalmente irrelevante a razão pela qual a mesma aparece, sendo que apenas a sua comprovação já enseja o direito a receber os alimentos.
A respeito da necessidade do alimentado, Cahali[22] diz que “a exigibilidade da prestação alimentar pressupõe que o titular do direito não possa manter-se por si mesmo, ou com o seu próprio patrimônio”, confirmando a tese de que os alimentos apenas serão devidos caso o alimentado não tenha bens ou não possa se sustentar por si mesmo.
Já Nader[23] diz a necessidade “se caracteriza apenas quando o alimentado carece de recursos e não dispõe de meios para obtê-los pelo trabalho”.
Com relação à possibilidade do alimentante podemos dizer que esta deve ser analisada levando-se em consideração que o mesmo não poderá sofrer desfalques que o impeçam de ter o seu próprio sustento, ou seja, não poderá o alimentante se reduzir a condições precárias de subsistência, ou sacrificar sua condição social, a fim de prestar os alimentos a ele requisitados. Deve-se respeitar os limites de cada alimentante, devendo o alimentado requisitar a complementação de outro parente.
Venosa[24], discorrendo sobre o possibilidade do alimentante, diz que “não pode o Estado, ao vestir um santo, desnudar o outro”, ou seja, o alimentante apenas deverá ser obrigado ao pagamento da prestação alimentícia se tiver condições para fazê-lo, pois não se pode exigir que o mesmo entre em estado de sacrifício para cumpri-la, segundo o doutrinador.
Na mesma linha, Silva Pereira[25] defende a idéia de que o alimentante não pode ser reduzido a uma condição precária devido ao pagamento da prestação alimentícia, dizendo:
“Os alimentos devem ser prestados por aquele que os forneça sem desfalque do necessário ao próprio sustento. Não encontra amparo legal que a prestação de alimentos vá reduzi-lo a condições precárias, ou lhe imponha sacrifício para a sua condição social.”
Com isso chegamos à conclusão que o princípio da proporcionalidade se configura por respeitar as condições pessoais e sociais do alimentado e do alimentante. Não pode aquele requisitar um valor exacerbado pelo simples fato deste ter uma renda respeitável, e não pode este pagar uma quantia elevada pelo fato daquele ter necessidades maiores que sua possibilidade.
2.4: Solidariedade X Subsidiariedade
Necessário se faz realizar a distinção entre o instituto da subsidiariedade e da solidariedade e definir se a prestação alimentícia tem caráter subsidiário ou solidário, segundo o Código Civil.
O Instituto da subsidiariedade no que tange ao pagamento de alimentos consiste na idéia de que a obrigação é divisível e cada um dos devedores responde pela parte que lhe é cabível, não podendo se obrigar àquela parcela que não é de sua responsabilidade.
Sobre o assunto Nader[26] discorre com objetividade dizendo que “não se instaura solidariedade entre os devedores […]. Cada qual se obriga apenas por sua quota”.
Já o instituto da solidariedade na legislação civil nos diz que sempre que existir mais de um credor ou devedor, todos com um direito ou obrigados à dívida toda, haverá solidariedade entre eles na totalidade da dívida.
Tal direcionamento pode ser notado nos dizeres do artigo 264 do Código Civil, que diz que “há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”.
No caso de haver uma pluralidade de credores diz-se existir a solidariedade ativa, onde cada um dos credores pode requisitar do devedor o pagamento total da dívida, e no caso de se observar à existência do vários devedores configura-se a chamada solidariedade passiva, onde o credor pode requisitar de qualquer dos devedores o pagamento total da dívida.
Fala-se que a obrigação não é solidária no pagamento das prestações alimentícias pela razão de que a obrigação nesse caso é individual e divisível, permitindo que mais de um alimentante concorra na medida de suas possibilidades para pagar o valor adequado ao alimentando.
Lesionando sobre a divisibilidade da obrigação alimentar, Venosa[27] diz que “vários parentes podem contribuir com uma quota para os alimentos, de acordo com sua capacidade econômica, sem que ocorra solidariedade entre eles”.
2.5: O Direito de Regresso na Prestação Alimentícia
Como já vimos, a solidariedade pode ser ativa, no caso existirem vários credores, ou passiva, no caso de se configurarem vários devedores.
Analisando a solidariedade passiva observamos que o chamado direito de regresso é cabível, visto que o princípio da solidariedade é configurado na relação entre credor e devedor, mas na relação entre os devedores não é cabível a sua utilização.
Sobre o direito de regresso Rodrigues[28] (2007, 348) traz a seguinte idéia:
“Na solidariedade passiva o devedor, embora só deva parte da prestação, pode ser compelido a resgatá-la por inteiro. Se isso ocorrer, sofreu ele um empobrecimento em favor dos coobrigados, que, sendo devedores e nada havendo desembolsado, experimentaram um enriquecimento.
Por conseguinte, para recompor tal desequilíbrio, confere a lei ao devedor que pagou todo o direito de exigir de cada coobrigado a sua quota, presumindo-se iguais, no débito, as partes dos co-devedores. Isso decorre da circunstância de existirem na solidariedade várias obrigações autônomas reunidas numa só. De maneira que o credor que paga a totalidade da deve ser reembolsado pelos coobrigados da importância que desprendeu para extinguir as obrigações a eles cabentes.”
No pagamento de prestações alimentícias, mesmo que se observe a existência de mais de um devedor, não é cabível o “direito de regresso”, visto que nela não impera o princípio da solidariedade. Cada um dos devedores apenas pode ser obrigado a responder pela sua quota dentro da totalidade da obrigação, sendo aplicado o artigo 1696 do Código Civil neste caso.
3: OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Necessário se faz que, para melhor análise, vejamos o que diz cada um dos artigos da lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, a Lei dos Alimentos Gravídicos, qual a sua real intenção e qual a idéia do legislador ao criar cada um dos pontos dessa lei.
3.1: Artigo 1º
A letra do artigo 1º da lei 11.804/08 diz que “esta lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido”.
Este artigo traz uma das importantes inovações a respeito da prestação alimentícia, qual seja, o sujeito passivo da obrigação.
Diferentemente dos alimentos positivados no Código Civil, e por ser uma lei de caráter especial, a lei de alimentos gravídicos traz, em seu artigo 1º, a regulamentação de que a alimentada será a mulher gestante, ou seja, a mãe.
Não é o filho, no caso o feto, que tem direito a alimentos, e sim a mulher grávida, que deverá se utilizar de tais alimentos para poder financiar todas as questões arroladas já no artigo 2º da lei, como veremos a seguir.
Portanto, a legitimidade ativa para constar no pólo ativo de uma ação de alimentos gravídicos é da própria gestante, que a detém até o momento do nascimento do feto, momento em que deixará de ser uma mulher gestante e, consequentemente, também deixará de ter direito aos alimentos gravídicos.
Alguns doutrinadores consideram possível a formação de um litisconsórcio ativo nesta demanda. Donoso[29], por exemplo, diz que não parece “sem razão a formação de um litisconsórcio (mãe e nascituro) ou o pedido feito direta e exclusivamente pelo nascituro”, e termina dizendo que “o objetivo da lei é dar suporte à gestação. A proteção se dirige, portanto, ao próprio nascituro”.
Colocar no pólo passivo o filho ainda não nascido é um erro que irá gerar, entre outros, a extinção sem julgamento de mérito do processo, seguindo dizeres do artigo 267, VI do Código de Processo Civil, visto a ilegitimidade de parte no pólo ativo da demanda.
3.2: Artigo 2º
No artigo 2º da lei 11.804/08 encontramos exatamente aquelas obrigações e despesas necessárias de terem seus custos compreendidos pelo valor pago a título de alimentos gravídicos.
Segundo o artigo 2º os alimentos gravídicos deverão compreender os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
3.3: Artigo 3º
Tal artigo foi vetado antes do Presidente da República sancionar a Lei, e seu texto dizia que “aplica-se para a aferição do foro competente para o processamento e julgamento das ações de que trata esta Lei, o art. 94 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”.
3.4: Artigo 4º
Assim como o artigo 3º, também teve seu texto vetado. Sua redação era a seguinte:
“Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades.”
3.5: Artigo 5º
Nos deparamos, novamente, com um artigo que teve seu texto vetado antes da Lei 11.804/08 ser sancionada pelo Presidente da República.
Seus dizeres eram os seguintes:
“recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte Ré e de testemunhas e requisitar documentos”
3.6: Artigo 6º
No artigo 6º da Lei 11.804/08 encontramos um direcionamento para o trabalho do magistrado, indicando que, após analisar as provas e as particularidades de cada caso, o magistrado se convencer de que o Réu é mesmo o suposto pai do feto que a Autora traz em seu ventre, ele deve fixar os alimentos gravídicos e sua decisão deve prevalecer até a data do nascimento com vida da criança, momento em que os alimentos gravídicos se converteram em alimentos em favor do menor.
Importante notar que o legislador não deixou de fora o famoso e importante binômio entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, binômio este já tocado neste trabalho, no momento em que positiva que “o juiz fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte Ré”.
Interessante discussão é levantada por alguns autores, que debatem a respeito de extinção automática ou não da obrigação alimentícia no caso, por exemplo, de um aborto espontâneo. Nesse caso, a opinião de Soares Lomeu[30] nos parece a mais sensata, quando esta diz que:
“caso haja a interrupção da gestação, tal é o fato de um aborto espontâneo, por exemplo, extingue-se de pleno direito os alimentos de forma automática. Isso porque não abrangem os alimentos gravídicos o disposto na recente súmula 358 do STJ, que dispõe sobre “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.
O pedido de tutela antecipada pode, e deve, ser feito na ação de pedido de alimentos gravídicos, visto que este é um importante instrumento processual e de elevada relevância na solução dos litígios, tornando sua eficácia prática muito mais efetiva no que tange à Lei de Alimentos Gravídicos.
3.7: Artigo 7º
O artigo 7º da Lei 11.804/08 traz consigo a positivação da regra processual especial que determina que o prazo para resposta do Réu seja de cinco dias, e não quinze dias como no processo civil comumente ocorre.
Essa é a única regra processual especial trazida pela lei 11.804/08, simplesmente para afastar o poder discricionário do juiz para a fixação de algum prazo, que poderia variar de juiz para juiz, trazendo, dessa forma, uma enorme insegurança jurídica.
Berenice Dias[31] leciona sobre o assunto dizendo que:
“da redação originária permaneceu somente uma regra processual: a definição do prazo da contestação em cinco dias (L. 11.804/2008 7º). Com isso fica afastado o poder discricionário do juiz de fixar o prazo para a defesa” (L. 5478/1968 5º §1º)
Utilizando de um paralelo com a presente Lei 11.804/08 e a súmula 277[32] do Superior Tribunal de Justiça podemos concluir que os alimentos, em uma ação de alimentos gravídicos, são devidos desde a citação do Réu, até porque, segundo nosso ordenamento jurídico vigente, é a citação do Réu que o constitui em mora.
Este entendimento não é pacífico em nosso mundo jurídico. Soares Lomeu[33], por exemplo, diz:
“É direta a possibilidade de se afirmar que se assim fosse determinado, ou seja, que os alimentos gravídicos somente fossem devidos apenas depois da citação do réu, provocaria manobras no sentido de se evitar a concretização do ato, objetivando escapar do oficial de justiça. Talvez fosse possível encontrar o suposto pai somente após o nascimento do filho, perdendo assim a finalidade da lei.”
Outro ponto importante é que a Lei 11.804/08 utiliza a Lei de Alimentos como sua fonte subsidiária, e esta positiva, em seu artigo 13, §2º, que os alimentos fixados retroagem à data da citação.
3.8: Artigo 8º
Mais um artigo vetado antes que a Lei 11.804/08 fosse sancionada. Este artigo trazia a necessidade de perícia para comprovação da gravidez, caso a mesma fosse contestada pelo Réu, direcionando que “havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor dependerá da realização de exame pericial pertinente”.
3.9: Artigo 9º
Este artigo trazia a data em que se inicia a obrigação alimentar, dizendo que “os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu”.
Apesar do veto à este artigo, entendo que o mesmo trazia um posicionamento correto e, mesmo com a seu veto, continua sendo a maneira correta de se interpretar os dizeres da Lei 11.804/08, haja vista e já discutido tema acerca do momento em que o Réu se constitui em mora (citação) e a aplicação subsidiária do artigo 13, §2º da Lei de Alimentos, que diz que os alimentos serão devidos desde a citação do Réu.
3.10: Artigo 10
Último dos artigos trazidos pelo texto original da Lei e vetado antes de seu a mesma fosse sancionada pelo Presidente da República.
Seu texto fazia menção à possibilidade de responsabilização do autor, caso o resultado de exame de paternidade fosse negativo.
“Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único: A indenização será liquidada nos próprios autos.”
3.11: Artigo 11
Tal artigo apenas vem a corroborar com aquilo que já foi dito, trazendo o permissivo legal para a utilização, de forma subsidiária, das Lei 5.478/68 e 5.869/73, ou seja, a Lei de Alimentos e o Código de Processo Civil.
3.12: Artigo 12
Traz a data em que a lei entrou em vigor, qual seja, “na data de sua publicação”, portanto, no dia 5 de novembro de 2008.
4: A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
Conforme já estudado, uma das formas de família emergentes em nossa sociedade é a família homoafetiva, que é aquela formada por pessoas do mesmo sexo.
Dentro da família homoafetiva encontramos a existência da possibilidade de existência de uma família formada por duas mulheres, que tenham entre si sinais de afeto, amor, carinho, e todas as demais atitudes características de uma família.
Biologicamente falando, nada impede que, a um certo momento, essas mulheres formadoras de uma família homoafetiva tenham, por comum acordo, decidido ter filhos, a fim de propagar suas sabedorias e seus ensinamentos para outra pessoa, além de poder dar a esta outra pessoa toda a condição de vida e estrutura familiar necessária para uma completa educação e um perfeito amadurecimento.
Este desejo pode ser realizado de várias maneiras, como, por exemplo, através da adoção, instituto recentemente alterado e que dá a possibilidade de uma pessoa poder auxiliar outra, tratando-a como seu próprio filho biológico, tendo responsabilidades para com ele como tem com seu filho biológico, dando, dessa forma, uma alternativa para que esse filho adotivo tenha todos os direitos referentes ao filho biológico, fazendo com que legalmente os pais adotivos possam dar uma boa educação, um bom relacionamento familiar, enfim, possam demonstrar e desfrutar de uma família.
Nada impede, porém, que aquele mesmo casal homoafetivo, formado por duas mulheres e com desejo de ter filhos, procure outra maneira de tê-los. É nesse momento que nos deparamos com uma novidade não tão nova na seara da medicina, qual seja, a fertilização artificial.
A fertilização artificial tem a principal função de aproximar o espermatozóide do óvulo, colocando-o o mais próximo possível do mesmo e no momento mais adequado para que haja a fecundação.
Como sabemos, a fertilização artificial é feita sem que haja a conjunção carnal entre o homem e a mulher, sendo que a mulher, nos dias de hoje, pode procurar os chamados “bancos de esperma” e realizar o tão sonhado “desejo pela maternidade”, realizando, dessa forma, o que popularmente se conhece como “produção independente”, ou seja, uma gravidez sem que haja um parceiro para lhe conceder espermatozóides.
É cada vez mais comum em nossa sociedade mulheres que preferem ter seus filhos, e criá-los também, sem a presença masculina presente. Não é o objetivo deste trabalho debater se essa prática é benéfica ou não para a criança, mas sim que a sua prática está cada vez mais rotineira e já faz parte de nossa sociedade moderna.
A fertilização artificial apenas aparece como mais um dos meios levantados e trazidos pela ciência para que as mulheres que tenham algum tipo de dificuldade em engravidar ou que procurem por seus “sonhos de maternidade” possam, enfim, terem seus filhos pela via natural, ou seja, através de uma gravidez.
Como já colocado, é perfeitamente possível que aquele mesmo casal feminino e homoafetivo de que estamos falando procure uma clínica onde se tenha um “banco de esperma” e decida por ter seu filho através de uma inseminação artificial. Neste caso, uma das duas optaria por passar por tal procedimento e engravidar, passando por toda a gestação e parto daquele que será o filho do casal.
Importante deixar claro que também não é objetivo deste trabalho levantar teses sobre o futuro registro de nascimento da criança, se constará apenas o nome de uma das mulheres do casal ou das duas, visto que o centro deste estudo é exatamente o que poderá ocorrer durante a gravidez, e não após a mesma.
É possível que haja o rompimento do relacionamento durante a gestação daquele que seria o filho do casal. Neste caso, é cabível a fixação dos alimentos gravídicos entre as parceiras?
Esse tema é ainda pouco explorado pela doutrina, que em sua maioria atenta para o fato de lei ter trago a expressão “futuro pai” como sendo a figura que deverá constar no pólo passivo da ação, trazendo uma visão machista e, em certo ponto, prejudicial para a gestante, que poderá se ver desguarnecida e sem nenhum auxílio neste momento tão importante de sua vida.
Para podermos encontrar uma resposta para esta questão é importante adentrarmos em um dos princípios mais importantes de todo o nosso ordenamento jurídico e positivado no artigo 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana.
“Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser o norteador de toda e qualquer discussão dentro do Direito, sendo ele o principal norteador da atividade estatal-jurisdicional. Nenhuma decisão judicial pode ser dada ferindo tal princípio, visto que, caso isso venha a ocorrer, esta decisão será inconstitucional.
Nery Júnior[34] diz que:
“Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico.”
Em se tratando do caso em discussão neste trabalho, o princípio da dignidade da pessoa humana defende que a gestante deve sempre ser amparada e auxiliada durante sua gravidez, visto que, além de sua própria saúde, também está em jogo a saúde de uma outra pessoa, qual seja, a do feto.
Se caso um casal feminino e homoafetivo decidir ter um filho através de uma inseminação artificial, esta decisão foi tomada pelo casal, que fez todo um planejamento familiar e procurou uma clínica para, juntas, passarem por todo o processo da gestação, onde haveria todo o companheirismo, a companhia, o apoio e a caminha conjunta deste casal durante esta etapa.
Seria constitucional, analisando sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, que depois de tomada a decisão pelo casal e já passado o procedimento de inseminação, estando uma das companheiras grávida, a outra venha à abandonar esta, sem que nenhuma ajuda tenha que ser dada? Mesmo depois de todos os planos e sonhos em conjunto? E mais, mesmo com a gravidez desejada em conjunto em andamento?
Ora, todos sabemos que uma gravidez, além de trazer uma enorme alegria e realização, também traz custos e cuidados, devendo a gestante se afastar de determinadas atividades e modificar sua alimentação, aumento, assim, seu custo de vida, para que o feto tenha uma formação perfeita ao final da gestação. Deveria a gestante suportar todo esse encargo de forma individual?
Tenho comigo a opinião de que a resposta dessa indagação seja negativa.
Apesar da Lei 11.804/08, como já colocado, trazer a expressão “futuro pai” e embasar argumentações para aqueles que vêem apenas o homem positivado como sujeito passivo pela Lei, é necessário que se faça uma análise mais profunda e que se procure entender qual o verdadeiro espírito da Lei, se a condenação do homem ao pagamento dos alimentos ou a proteção da gestante durante o período de gestação.
Nesse entendimento fica clara que o verdadeiro espírito do legislador foi o de resguardar a mulher gestante de todos os riscos que possam vir a surgir durante a gravidez, possibilitando à ela, gestante, todas as condições para que a gestação transcorra da melhor forma possível, garantindo-lhe o auxílio financeiro para o custeamento das “despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”, tal como positivado no artigo 2º da Lei 11.804/08.
Assim, se a real intenção da lei é a proteção à mulher gestante, se essa é a verdadeira razão de ser da lei, porque uma mulher grávida e abandonada pela sua companheira que a incentivou a passar por todo um tratamento clínico, culminando com sua gravidez, teria que suportar sozinha essa nova realidade? Só pelo fato de não ter um homem como companheiro?
Segundo o princípio da analogia, sempre que a lei for omissa o juiz deve se utilizar de outros dispositivos legais cabíveis ao caso para poder chegar a uma decisão.
Analogamente, podemos dizer que não importa qual o sujeito passivo da obrigação alimentar gravídica, e sim que essa obrigação seja prestada por quem tiver a obrigação de auxílio à mulher gestante, seja esse alguém homem ou mulher.
5: CONCLUSÃO
A Lei 11.804/08 tem um importante papel dentro do ordenamento jurídico brasileiro, trazendo a positivação da obrigação alimentar do futuro pai para com a mulher gestante de seu filho, mas ao mesmo tempo deixa de esclarecer todos os pontos pertinentes a essa questão.
O instituto dos alimentos é dos mais importantes existentes em nosso ordenamento jurídico pátrio, garantindo aos alimentados as condições necessárias para sua subsistência e a manutenção de sua vida. Os alimentos gravídicos garantem à mulher gestante um auxílio legal de seu companheiro(a) durante o período de gravidez, porém trazem à tona uma importante discussão, que caminha para o caminho do reconhecimento social e legal, que é o da família homoafetiva.
A sociedade dos dias de hoje já vivencia e convive com a chamada família homoafetiva, que é aquela família formada por pessoas do mesmo sexo, mas com o intuito de construir uma vida em conjunto, com sonhos, desejos, aspirações de um casal heterossexual.
A família não pode ser reduzida àquela visão atrasada de um homem e uma mulher se unindo para terem filhos, mas deve ser interpretada sob um ponto de vista mais atual, ou seja, família é aquele local onde duas ou mais pessoas se une em busca de afeto, carinho, amor, etc.
Nada impede que a família homoafetiva feminina, formada por duas mulheres companheiras, tenha aspirações maternais e decida por ter um filho, que pode vir a ser concebido de inúmeras formas, entre elas a inseminação artificial.
A inseminação artificial é uma realidade na sociedade moderna, sendo o meio escolhido por vários casais para concretizarem o desejo de terem seus descendentes, auxiliando-os e oferecendo todo o aparato necessário para que eles se desenvolvam e amadureçam da melhor forma possível.
Caso o casal homoafetivo feminino venha a optar pela inseminação artificial e uma das companheiras fique grávida é límpida que a vontade em buscar essa gravidez foi das duas, com conversaram e chegaram juntas ao consenso de que a maternidade seria o próximo passo do casal, sendo que caso ocorra o rompimento da relação durante essa gravidez planejada a companheira grávida não pode se ver desamparada e sozinha nesse momento tão difícil, delicado e único na existência de uma mulher.
É necessário a utilização de princípios como o da analogia e da dignidade da pessoa humana para se alcançar um entendimento mais humano e social dessa questão e se afastar de uma visão machista e positivista ainda existente em nossa sociedade em pleno século XXI.
Este trabalho visa apenas abrir um questionamento sobre as perplexidades advindas a partir da entrada em vigor das novas regras trazidas pela Lei 11.804/08, na expectativa de que mais aplicadores do Direito venham a discutir tal situação no campo da obrigação alimentar gravídica entre pessoas do mesmo sexo, pavimentando um entendimento e uma interpretação mais adequada ao tema, tão novo e controverso.
Informações Sobre o Autor
César Augusto Marangon
Bachael em Direito Especielista e pós-graduado em Direito e Relações Familiares