Resumo: O texto discute a respeito da inconstitucionalidade do artigo 1.276, §2º do código civil/02. Buscando uma perspectiva que procura relacionar o presente e o futuro da segurança de ter uma propriedade imóvel, devidamente legalizada, e mesmo assim com a possibilidade de perdê-la pela falta de pagamento de impostos. Para tanto, inicialmente procura-se apresentar um breve resgate dos renomados doutrinadores como Maria Helena Diniz e Caio Mario da Silva Pereira, procurando-se a seguir o estabelecimento de algumas considerações relacionadas a suas obras e ao contexto histórico em que a propriedade se encontra para sabermos a prospectiva para o futuro do instituto chamado de propriedade.
Palavras – chave: propriedade- uso- contexto social- inconstitucionalidade
Introdução[1]
O proprietário tem a garantia de direito de propriedade assegurado pela Constituição Federal de 1988 com fulcro no Art. 5º XXII e pelo Código Civil de 2002 nos artigos 1.228 a 1.368 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Conforme a doutrina nos ensina CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA – Uma pessoa pode, na verdade, deixar de exercer qualquer ato em relação à coisa, sem perda do domínio. Temos dito e repetido que o não-uso é uma forma de sua utilização. A casa pode permanecer fechada, o terreno inculto, e nem por isso o dono deixa de sê-lo. Para que se dê o abandono do imóvel, como causa da perda do direito, é mister se faça acompanhar da intenção abdicativa.
Temos também em nossa carta magna, ainda no Art. 5º XXIII – a propriedade atenderá a sua função social. E, com o artigo 1.276 do Código Civil/02 que assim expõe: Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. §1º. O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize. §2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
Deus destinou os bens deste mundo a todos os homens. Tais bens, propriedade do Pai celeste, são o bem comum de toda a família humana. Por isso, segundo o direito natural, eles têm como função primeira servir a toda a sociedade. Essa função deve ser preservada mesmo quando, a justo título, tal ou tal bem se torna propriedade particular.
João Paulo II, dirigindo-se aos indígenas do México, em 29/01/1979, foi enfático: “… sobre a propriedade privada pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu”. Em 1987, na encíclica Laborem Exercens, o mesmo papa observou que a propriedade privada tem uma finalidade social ou deve servir ao bem comum da sociedade (nº 14).
O princípio constitucional da função social da propriedade vai além do ensinamento da Igreja, segundo o qual “sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social”, mas que se inclina a uma simples vinculação obrigacional. Esse princípio transforma a propriedade capitalista, sem socializá-la, condiciona-a como um todo, não apenas seu exercício, e constitui o fundamento do regime jurídico da propriedade.
“A propriedade atenderá a sua função social” (art. 5º, XXIII). Bastaria essa disposição, mas a Constituição reafirmou a instituição da propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem econômica (art. 170, II e III). Além disso, inscreveu o princípio da função social da propriedade com conteúdo definido em relação às propriedades urbana e rural, com sanções para o caso de não ser observado (arts. 182, 184 e 186).
Neste contexto, como sugere CAIO MARIO PEREIRA a respeito deste dispositivo – O nosso direito não se compadece com a idéia de imóvel sem dono, estatui que o imóvel urbano abandonado arrecadar-se-á como bem vago, e, passados três anos, incorpora-se ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunstâncias. Sendo o imóvel situado na zona rural, atendidas as mesmas condições, passará ao domínio da União, onde quer que se localize. Presume-se de modo absoluto a intenção de abandonar o imóvel se, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais. O abandono, como a renúncia, constitui negócio jurídico unilateral, e como tal deve ser tratado. De acordo com MARIA HELENA DINIZ – O proprietário despoja-se de seu direito com o propósito de não o ter mais em seu patrimônio (CC, artigo 1.276, caput), cessando os atos de posse e deixando de satisfazer os ônus fiscais (CC, artigo 1.276, §2º), revelando desinteresse que se caracteriza como uma omissão anti-social, por não atender à finalidade econômico-social da propriedade.
Inferência de MARIA HELENA DINIZ – O proprietário possui pleno domínio sobre seu imóvel. Em virtude de algumas circunstâncias, pode ocorrer do proprietário permanecer longe de seu imóvel, sem que ninguém o utilize. A Constituição Federal assegura o direito à propriedade privada, como uma garantia fundamental, além de fornecer instrumentos para a defesa da mesma. Passados três anos, o Código Civil – lei hierarquicamente inferior à Carta Magna – entende que o Município, no qual está situado o imóvel, pode tomar para si o domínio do mesmo. Ora, se a Constituição oferece ao proprietário recursos para manter sua propriedade, como o Código Civil pode prever tamanha arbitrariedade do Poder Executivo? Não se pode olvidar dos instrumentos que a Constituição fornece para a proteção da propriedade privada. Logo, o Código Civil não deve contrariar vários dos próprios preceitos e o princípio da supremacia constitucional, conferindo ao Estado o poder de “tomada” de imóveis nas situações arroladas pelo artigo 1.276. Destarte, como a Constituição se encontra no topo da pirâmide jurisdicional, verifica-se a inconstitucionalidade do dispositivo em análise.
O poder executivo não possui o mérito de desvendar quais são as verdadeiras finalidades do bem pelo proprietário. O simples fato de o proprietário não se fazer presente no imóvel, por algum tempo, ou deixar de pagar os impostos devidamente, não constitui indicativos absolutos de descumprimento da destinação social da propriedade. Quando um cidadão adquire um imóvel, esse fenômeno denota uma conquista da finalidade social, ou seja, significa dizer que esse indivíduo representa menos uma pessoa, dentre milhares, que não possuem sequer uma moradia. No Brasil, país em desenvolvimento, a maioria das pessoas encontra-se em crise financeira. Assim, torna-se incompatível a idéia de alguém não querer preservar um imóvel, vindo, por qualquer motivo, a abandoná-lo.
Considerações finais
Em nosso entendimento, a compreensão do instituto propriedade, principalmente nos dias atuais, marcados fortemente por uma cultura individualista que muitas vezes nos impede de avaliar as contingências sociais de nossas produções cotidianas, sejam elas normas jurídicas ou não. No campo da analise das leis, isto exige a superação dos legisladores ou melhor, é dever de nossos doutrinadores expressar uma forma de responsabilizar os atos do legislativo a fim de que leis infraconstitucionais não venham trazer ainda, mais prejuízos a sociedade.
Diante do exposto, após análise, primeiramente dos operadores do Direito supracitados, fica claro o desejo do legislador em prevalecer o interesse social sobre o individual, porem no § 2º do art. 1276 esta muito perigoso pois o proprietário que não cuidar do seu imóvel, ou seja, não pagar os tributos, fica ao alcance da lei para fins de desapropriação pelo poder público. “A utilização e o desfrute de um bem devem ser feitos de acordo com a conveniência social da utilização da coisa. O direito do dono deve ajustar-se aos interesses da sociedade.” É o fim do mundo(sociedade brasileira), só mesmo uma revolução para salvação!!!
Informações Sobre o Autor
Jose Rafael Munhoz de Quadros
Acadêmico de Direito da FURG/RS