Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar as principais características e problemáticas referentes ao instituto da coisa julgada e seus efeitos aplicados aos direitos metaindividuais, buscando soluções ao estudar as já existentes para este caso e as sugeridas pelos anteprojetos elaborados para atender o processo coletivo, sempre aplicando um ponto de vista de um referencial valorativo do pólo passivo destas ações.
Palavras-chave: efeitos; ação coletiva; pólo passivo; coisa julgada.
Abstract: The objective of this paper is to analyze the main characteristics and problems about the institute of res judicata and its effects applied to multi-party rights, pursuing solutions in already existent solutions in this case, and the suggested by the new projects created to effectively legislate class actions, applying a point of view of a valorative referential of the defendant in these kind of actions.
Key words: subjective limits; class actions; defendant side; binding effect.
Sumário: 1. Introdução; 2. Coisa Julgada e sua extensão subjetiva na tutela coletiva; 3. Extensão da Coisa Julgada Coletiva e o Pólo Passivo da relação processual; 4. As Class Actions e a extensão subjetiva da Coisa Julgada Coletiva; 5. A coisa julgada nos Anteprojetos de Código de Processo Coletivo; 6. Conclusão.
INTRODUÇÃO
É de necessidade imperiosa entender que o instituto da coisa julgada tem por principal característica ser uma garantia constitucional (artigo 5° inciso XXXVII da Constituição Federal)[1] que tem como efeito principal a chamada imutabilidade e a indiscutibilidade do teor da parte dispositiva da sentença operando-se entre as partes litigantes e tendo uma eficácia preclusiva e negativa, sendo inerente para a aplicação do principio da segurança jurídica e respeito ao devido processo legal.
Tal compreensão do instituto prevista em nosso Código de Processo civil possui um caráter estritamente individual o que acaba contrastando com a realidade social cada vez mais necessitada de um Processo que atinja a coletividade, que revise e reestruture seus dogmas e esquemas para fins de cumprir com uma tutela de direitos metaindividuais.
Nesta concepção temos que a aplicação do Código de Processo Civil acaba sendo insuficiente e inadequada para aplicação dentro da tutela coletiva, merecendo assim uma maior pesquisa e reflexão acerca dos efeitos a serem usados na concretização da coisa julgada bem como um maior estudo sobre os sujeitos que serão atingidos pelo manto da imutabilidade do decisum.
A coisa julgada como situação jurídica que torna indiscutível o conteúdo de determinadas decisões judiciais possui como efeitos previstos o caráter inter partes, operando sua extensão apenas para as partes da lide posta em juízo bem como não prejudicará nem beneficiará terceiros [2], sendo ainda pro et contra, ou seja, tendo sua formação independente do resultado da ação individual.
Estes efeitos dentro da capacidade da tutela individual respeitam o devido processo legal bem como são coroados com a segurança jurídica para ambas as partes do processo, entretanto, ao analisar a tutela coletiva que traz em seu bojo direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, os efeitos previstos acima não podem ser os mesmos, e já existem dentro do microssistema coletivo a previsão de limites subjetivos diferenciados, que serão posteriormente discutidos.
Os doutrinadores clássicos não erraram ao prever o instituto da coisa julgada tal como ela foi concebida, somente não conseguiram prever as mudanças nas relações sociais futuras, de tal maneira que não se superou ainda a visão estritamente individualista herdada do Estado Liberal que nosso processo infelizmente ainda possui. A sociedade clama por uma reestruturação do Direito, neste ínterim a ótica processual tem que estar cada vez mais voltada não somente para o cumprimento do devido processo legal, mas sim para concretizar um efetivo acesso à justiça, revendo as correntes tradicionais e adequando nosso Processo para os direitos metaindividuais defendidos através das Ações coletivas.
Já existem diversos estudos nessa esteira de análise, entretanto o que este trabalho visa cumprir é saber se tais efeitos, agora modificados para atender a tutela coletiva, conseguirão de maneira efetiva cumprir com os princípios constitucionais do processo no tocante à posição passiva destes processos, saber, portanto se o réu nas ações coletivas será beneficiado ou não com as previsões de eficácia subjetiva da coisa julgada coletiva.
COISA JULGADA E SUA EXTENSÃO SUBJETIVA NA TUTELA COLETIVA
A coisa julgada é uma qualidade da sentença que emanou da autoridade de um órgão jurisdicional e que adquiriu um caráter definitivo, nas palavras de Barbosa Moreira
“[..] mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a sentença se converte de instável para estável. É essa estabilidade característica da nova situação jurídica que a lei se refere, quando pensamos em autoridade da coisa julgada. MOREIRA, Barbosa ( 1988).”
A principal diferença entre a coisa julgada na ação individual e na ação coletiva residirá justamente na extensão subjetiva deste instituto, se na tutela individual vemos a possibilidade de delimitar as partes envolvidas no processo designando para estas somente os efeitos da imutabilidade, veremos que na tutela de direitos metaindividuais esta delimitação é impossível e ilógica se pensarmos nos objetivos da tutela coletiva, tanto que temos a regulamentação desta ultima posta de maneira diferenciada em Leis especiais, enquanto a coisa julgada individual é prevista no próprio Código de Processo civil.
Teríamos a regra geral de que os efeitos da Coisa julgada coletiva seriam erga omnes, ou seja, atingiriam a toda coletividade de maneira irrestrita, entretanto tal assertiva se posta sem devidas restrições pode ser deveras perigosa, logo há diferentes previsões da abrangência da coisa julgada para cada tipo de direito coletivo previsto.
Para estudo do instituto temos que ler em conjunto os dispositivos da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) e a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). No código de defesa do Consumidor temos elencados no Artigo 103 os efeitos da Coisa julgada para cada Direito coletivo posto em juízo, direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos respectivamente nos incisos I a III, in verbis
Art. 103 – Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do artigo 81;
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do artigo 81;
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do artigo 81.”
§ 1º – Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§ 2º – Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
§ 3º – Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.
§ 4º – Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”
Através da leitura deste dispositivo é possível tirar a seguinte conclusão, na coisa julgada coletiva, não haverá limitação de seus efeitos às partes do processo, existindo sim a possibilidade de eficácia erga omnes[3], entretanto a mesma estará condicionada às chamadas coisa julgada secundum eventum probationis bem como secundum eventum litis.
Vale ressaltar que a nomenclatura aplicada é de tanto errônea, porque não teríamos uma coisa julgada secundum eventum litis, e sim uma extensão segundo o resultado do litígio, sendo que a coisa julgada sempre será formada, sua extensão, sendo que atingirá os legitimados somente para beneficiá-los, portanto temos como sua definição clara a seguinte assertiva: “as sentenças somente terão estabilizadas suas eficácias em relação aos substituídos (indivíduos) quando forem de procedência nas ações coletivas” [4].
A coisa julgada secundum eventum probationis é consagrada somente para os direitos difusos e coletivos stricto sensu e é caracterizada por ser formada apenas quando houver grau de certeza com o esgotamento das provas, sendo a demanda julgada procedente ou improcedente com suficiência de material probatório, não havendo necessidade de estar expressa na sentença a falta ou não das mesmas, logo, se julgada a demanda com base em provas insuficientes, não haverá a formação da coisa julgada.
Cumpre aqui ressaltar a ausência do legislador pátrio no tocante à previsão da coisa julgada secundum eventum probationis nos direitos individuais homogêneos, sendo que esta ausência é injustificada já que seria de grande alvitre se essa norma fosse aplicada à defesa destes direitos, por ser de necessidade geral ás ações coletivas lato sensu.[5]
Em resumo temos que se caso de direitos difusos, haverá extensão erga omnes atingindo a massa indeterminada de sujeitos representados ou substituídos, se for caso de direito coletivo a extensão operada será ultra partes atingindo os membros da categoria ou classe definidos e por último se for caso de direito individual homogêneo a extensão será erga omnes e atingirá aqueles que comprovarem a lesão do direito debatido em juízo.
Existem duas situações que podem ocorrer no julgamento destas demandas coletivas e é necessário que fique bem claro a fim de evitar maiores dúvidas acerca da extensão da coisa julgada e sua relação com possíveis ações individuais, ou com a possibilidade de conflito entre coisas julgadas. Em um primeiro caso o pedido pode ser julgado improcedente baseado no mérito com suficiência de provas, logo fica provada a falta do direito, neste caso a coisa julgada formar-se-á apenas na demanda coletiva, sem afetar a possibilidade de que cada representado litigue individualmente.
Outra possibilidade é o pedido ser julgado procedente no mérito, logo a coisa julgada será erga omnes com extensão do julgado para beneficiar o representado ou substituído[6], ocorrendo então o transporte in utilibus desse julgado para as ações individuais de responsabilidade civil, acarretando a ampliação ope legis do objeto do processo coletivo para incluir na coisa julgada o dever genérico de indenizar, sendo que este efeito só ocorre logicamente quando houver procedência na ação, operando secundum eventum litis, tirando a necessidade dos legitimados coletivos ou seus sucessores em procurar nova sentença para buscar indenizações, já que será somente necessária a liquidação e execução da sentença coletiva.
Esta sentença será ilíquida, em relação ao quantum devido e em relação à identificação dos atingidos, cabendo ao representado ou substituído a liquidação desta sentença coletiva com vias a efetivar a sua execução de maneira individualizada, como explanado acima com o transporte in utilibus. Não podemos esquecer que esse pedido pode também ser julgado improcedente com insuficiência de provas, logo não será formada coisa julgada material no plano coletivo e poderá haver propositura de nova ação por qualquer legitimado (autorizado a entrar com ação individual também) fundada em novas provas, não sendo esta prova nova pensada com base em um conceito limitado como é o caso das ações individuais e sim entendida como prova necessária e suficiente para um novo juízo de direito acerca da questão de fundo.
EXTENSÃO DA COISA JULGADA COLETIVA E O PÓLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL
Segundo a coisa julgada secundum eventum litis só haverá a formação do instituto com a conseqüente imutabilidade do decisum se houver procedência no pedido formulado pelos titulares de direito no processo, atingindo os mesmo apenas para seu beneficio.
De tudo exposto cabe a mais precisa conclusão: o réu na ação coletiva entra no processo sabendo que, se vier a ganhar a demanda, só ganhará com relação ao autor coletivo (salvo se for por insuficiência de provas, onde no caso poderá ser novamente citado na lide), mas se perder, perderá com relação a todos os possíveis meios de litigância.
É certo que o legislador buscou ser razoável ao aquinhoar desta maneira a extensão da coisa julgada, entretanto segundo alguns autores haveria nesta posição a criação de um ambiente com uma enorme insegurança jurídica, já que há a possibilidade de uma exposição indefinida do réu ao judiciário, ferindo, sobretudo o principio da isonomia e do devido processo legal, pois sabe-se que não se pode analisar os efeitos da res judicata apenas do ponto de vista da autoria da Ação, é necessário proteger também o pólo passivo que não pode ser demandado infinitas vezes sobre o mesmo tema[7].
Existem diversos autores que defendem a inconstitucionalidade desta extensão da coisa julgada, já que a mesma favorecerá o autor da ação ferindo assim o principio da isonomia, da segurança jurídica e criando o risco da exposição infinita do réu em ações coletivas, oferecendo como alternativa à esta possível inconstitucionalidade, a extensão erga omnes operando pro et contra, produzindo seus efeitos independente do resultado da demanda.
Mauro Cappelletti defende na Doutrina italiana sua posição diametralmente oposta à formação da coisa julgada secundum eventum litis já que repousa seu pensamento com base na forte representação adequada nas ações coletivas, logo entende ser o instituto da coisa julgada e seus efeitos como necessariamente extensíveis, é como afirma o autor “Allora mi pare Che non si debba distinguire fra effetti buoni o cattivi, favorevoli o sfavorevoli” [8].
Entretanto existe corrente doutrinária mais forte que defende a constitucionalidade do tema, já que haveria ai uma posição de desigualdades entre os autores da ação e o pólo passivo, sendo o direito responsável por buscar tratar desigualmente os desiguais, pondo em conflito princípios constitucionais que ao serem resolvidos perante uma razoabilidade e proporcionalidade, acabam legitimando a posição do legislador.
Essa extensão subjetiva é feita de acordo com a amplitude do direito posto em causa, respeitando a busca de um grau alto de certeza ao esgotar as provas (secundum eventum probationis) afirmando ainda a preocupação de autores com a abrangência do instituto somente àqueles titulares que foram adequada e efetivamente notificados [9]·, percebe-se que houve uma preocupação do legislador em elaborar uma sistemática que repouse sobre o principio do devido processo social, tendo a justiça como valor maior, facilitando o acesso a ela sem prejuízo da segurança jurídica ou das garantias individuais do pólo passivo nas ações que versarem sobre direitos metaindividuais, ademais veremos no próximo tópico como fica a situação nas class actions.
AS CLASS ACTIONS E A EXTENSÃO SUBJETIVA DA COISA JULGADA
A class action em linhas gerais é uma ação em que o autor representa perante o juízo tanto seu pedido como o pedido dos demais membros, existindo, portanto independência entre esses pedidos considera-se ainda que o grupo esta presente em juízo, possuindo a coisa julgada efeito erga omnes independente do resultado da demanda.
Importante ressaltar que nestas ações é de imprescindível importância a adequada representação como forma de legitimação para que de maneira casada sigam-se os efeitos da coisa julgada que afetará nesse caso tanto a ação coletiva como possíveis ações individuais provenientes desta demanda, seja esta no final procedente ou não.
Devemos entender que nas class actions existe uma harmonia entre as garantias do devido processo legal e as técnicas da formação subjetiva da coisa julgada, justamente porque o judiciário americano é inflexível no tocante ao estrito cumprimento da adequada e efetiva representatividade, bem como realiza acirrada fiscalização em cada passo praticado no processo, desta forma não há como alegar a inobservância das garantias constitucionais ou processuais, bem como alegar ausência perante a ação.
Logo para que esta coisa julgada se opera com extensão erga omnes torna-se necessária a garantia desse devido processo legal em todas as fases do procedimento, ou seja, deve haver a devida notificação, o juiz em virtude do numero de atingidos deve flexibilizar sua inércia, investigando e fiscalizando a ação, dentre outros requisitos.
Devemos abstrair do direito anglo-saxão algumas assertivas e aplaudir outras referentes ao nosso processo coletivo, de primeiro plano devemos extrair a adequação sofrida pelo judiciário americano no momento de julgar essas class actions, é visível a maior preocupação com estas ações já que versam sobre uma abrangência extremamente grande de envolvidos e o juiz nesse caso não poderia simplesmente agir somente de ofício e aplicar contraditório e outros princípios da maneira tradicional (ativismo judicial), naquele país temos a força de um judiciário atuante e rigoroso com o respeito à representatividade adequada, com o devido processo legal e, sobretudo com a efetiva e concreta tutela jurisdicional.
Nestas ações uma sentença é uma arma na mão de quem seja o ganhador da procedência final, já que no sistema americano há a regência da common law valorizando assim os precedentes e jurisprudências, o que provocará influência decisiva nas ações seguintes com fundamentos similares ao da já decidida, realidade distinta do nosso direito brasileiro, onde o Juiz deve sempre ter um livre convencimento motivado nas suas decisões, logo em uma ação individual que verse sobre mesmo fundamento que uma ação coletiva em nosso sistema, mesmo que se use a coisa julgada coletiva para fundamento, esta poderá não fazer diferença na decisão da ação individual.[10]
Temos um direito maior resguardado no tocante à segurança jurídica posta ao pólo passivo da class action, no mesmo passo em que existe uma maior capacidade e compromisso do judiciário americano com o devido processo na ação coletiva, buscando evitar que um direito mal defendido tenha caráter vinculante.
Entretanto como é posto inclusive por GIDI (2007) a solução brasileira com a formação da extensão da coisa julgada secundum eventum litis e secundum eventum probationis, bem como sua extensão in utilibus foi a mais correta de acordo com a realidade do nosso judiciário.
É como afirma o autor, “exatamente porque os membros não podem ser ouvidos nas ações coletivas e, em geral, não são sequer notificados, o legislador brasileiro considerou aceitável que eles sejam beneficiados pela ação coletiva, mas não prejudicados”[11].
A formação da extensão da coisa julgada nas class actions é deveras inflexível, e por diversas vezes acaba cerceando o acesso à justiça e afetando o principio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, já que diversas class actions são prematuramente abortadas por questões meramente processuais, decorrentes da acirrada fiscalização e rigidez com relação ao devido processo destas ações, fundada em uma cautela exagerada do judiciário estado unidense.
Nosso legislador optou pela melhor saída com relação à coisa julgada coletiva mais flexível, já que do ponto de vista da capacidade do nosso judiciário ainda é difícil romper com os dogmas do processo individualista e partir para um maior ativismo judicial, infelizmente ainda são realidades distantes da nossa justiça ainda não suficientemente aparelhada e efetiva.
Diante de todos os problemas do nosso judiciário, é impossível a aferição responsável acerca da qualidade da representação ou substituição processual, bem como é difícil exigir do magistrado brasileiro uma severa e acirrada fiscalização, como conseqüência temos uma solução extremamente inteligente que merece aplausos ao sopesar os riscos e vantagens da tutela coletiva aplicadas à realidade pátria.[12]
A COISA JULGADA NOS ANTEPROJETOS DE CÓDIGO DE PROCESSO COLETIVO (projeto Antônio Gidi, Projeto IBDP e Projeto UERJ-UNESA)
Buscando suprir algumas lacunas postas pelo nosso legislador, existem as previsões de alguns anteprojetos de código de processo coletivo, que visam manter as normas já existentes, porém buscam também torná-las mais claras através do aperfeiçoamento e criação de outras mais propensas ao entendimento e adequação aos objetivos da tutela coletiva.
Temos neste bojo diversos anteprojetos que de maneiras diferenciadas conseguiram de fato, reformar certas idéias na busca de positivá-las. De inicio temos o projeto elaborado por Antônio Gidi, que prevê a coisa julgada em seu Artigo 18, in verbis
“Artigo 18. Coisa julgada coletiva
18. A coisa julgada coletiva vinculará o grupo e seus membros independentemente do resultado da demanda, exceto se a improcedência for causada por:
I – representação inadequada dos direitos e interesses do grupo e de seus membros; (Vide art. 3, II)
II – insuficiência de provas.
18.1 Se a ação coletiva for julgada improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado coletivo (vide art. 2) poderá propor a mesma ação coletiva, valendo-se de nova prova que poderia levar a um diferente resultado.
18.2 Os vícios de que trata este artigo serão conhecidos tanto pelo juiz da causa como pelo juiz da ação individual ou coletiva posteriormente proposta.
18.3 Na ação individual proposta por um membro do grupo vinculado pela coisa julgada coletiva somente poderão ser discutidas questões não acobertadas pela coisa julgada coletiva e questões de natureza individual.”
Percebe-se no artigo acima que o autor buscou efetivar seu entendimento acerca da formação da coisa julgada erga omnes independente do resultado da demanda, exceto quando em um primeiro momento houver representação inadequada, fundando-se justamente na força da adequada legitimação das class actions para efetividade da extensão dos efeitos da coisa julgada e em segundo plano consagrando a coisa julgada secundum eventum probationis, ou seja, que esgote todas as provas necessárias para fins de atingir um alto grau de certeza.
Outro projeto é o da UERJ-UNESA que prevê em seu artigo 22 a coisa julgada coletiva de maneira interessante no que concerne a manter a formação secundum eventum litis e secundum eventum probationis assim como em seu parágrafo terceiro prevê a notificação adequada e efetiva bem, consagrando o direito de escolha entre a ação coletiva ou individual (right to opt out) para fins de limitar os sujeitos atingidos pela decisão judicial em se tratando de litigância na seara de direitos individuais homogêneos.
“Art. 22 Coisa julgada Nas ações coletivas a sentença fará coisa julgada erga omnes, salvo quando o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas.
§ 1o. Os efeitos da coisa julgada para a defesa de interesses difusos e coletivos em sentido estrito ficam adstritos ao plano coletivo, não prejudicando interesses e direitos individuais homogêneos reflexos.
§ 2o. Os efeitos da coisa julgada em relação aos interesses ou direitos difusos e coletivos não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas coletiva ou individualmente, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos do art.37 e seguintes.
§ 3o. Na hipótese dos interesses ou direitos individuais homogêneos, apenas não estarão vinculados ao pronunciamento coletivo os titulares de interesses ou direitos que tiverem exercido tempestiva e regularmente o direito de ação ou exclusão.
§ 4o. A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa julgada erga omnes.”
Por último temos a análise da previsão da coisa julgada no anteprojeto de código de processo coletivo idealizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), a previsão esta disposta no artigo 13, como segue:
“Art. 13. Coisa julgada – Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova.
§ 1º Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos (art. 3º, III, deste Código), em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação a título individual.
§ 2º Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos (art. 4º, I e II, deste Código) não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 34 e 35.
§ 3º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
§ 4º A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa julgada erga omnes.
§ 5o Mesmo na hipótese de sentença de improcedência, fundada nas provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea para mudar seu resultado.
§ 6º A faculdade prevista no parágrafo anterior, nas mesmas condições, fica assegurada ao demandado da ação coletiva julgada procedente.”
E neste projeto vemos duas novidades, além do já discutido neste trabalho no que concerne aos efeitos da extensão subjetiva de acordo com o resultado do litígio e de acordo com o esgotamento das provas (no anteprojeto há como novidade a previsão para os direitos individuais homogêneos da coisa julgada secundum eventum probationis, ao incluí-la no bojo do caput do artigo 13) ainda temos os parágrafos 5° e 6° trazendo inovações no que tange o pólo passivo da ação coletiva e a previsão de uma saída para a hipótese de sentença de improcedência com suficiência de provas.
Primeiramente, temos no parágrafo 5° a existência da possibilidade de, em caso de sentença improcedente com suficiência de provas, ajuizamento de outra ação coletiva no prazo de dois anos, com mesmo fundamento baseada em nova prova desde que a mesma seja capaz de gerar um novo julgamento, é similar à ação rescisória na tutela individual, onde uma prova nova superveniente (não sendo possível provas já existentes e dedutíveis à época do processo) vem para derrubar o manto da imutabilidade do decisum no prazo igual de dois anos.
Sendo esta possibilidade dada também ao demandado na ação coletiva, ou seja, o pólo passivo também possuiria, com o anteprojeto, o poder de retirar a imutabilidade da sentença coletiva com base em prova nova, como prevê o parágrafo 6°, é uma previsão que busca dar a ação coletiva maior caráter de isonomia entre as partes, concebendo em seu ínterim a possibilidade não existente na legislação vigente de rever a coisa julgada, efetivando ainda mais o acesso à justiça e ao devido processo legal, uma iniciativa que merece aprovação no direito brasileiro, retirando do réu na ação coletiva a “fragilidade” que alguns autores entendem por existir em demasia na tutela metaindividual.
CONCLUSÃO
Este estudo não teve a pretensão de esgotar o tema, mas apenas de delimitar certas idéias acerca da extensão subjetiva da coisa julgada nas ações coletivas, expondo em certos momentos a necessidade de impor o instituto sob o prisma do pólo passivo da ação coletiva, ou seja, do demandado na tutela de direitos metaindividuais.
Verificou-se que a extensão desses efeitos da coisa julgada coletiva deve ser diferenciado da linha de raciocínio da tutela individual, devido a abrangência dos envolvidos bem como a necessidade de adequação dos institutos sem ferir, no entanto os princípios constitucionais e processuais necessários.
Entendemos através deste artigo que a leitura da Lei de Ação Civil Pública juntamente com o Código de Defesa do Consumidor nos leva a conclusão que nesta tutela coletiva a coisa julgada será formada secundum eventum litis e secundum eventum probationis, com a existência ainda do transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para as demandas individuais, sendo corolário do legislador a busca de sempre beneficiar os representados ou substituídos.
Analisamos a ótica do demandado nessa “preferência” do legislador enfocando as correntes que apóiam e as que não apóiam a constitucionalidade desses efeitos, sendo feito após isso um estudo do direito comparado com base na experiência americana com as “Class Actions”, por fim debatemos as propostas trazidas pelos anteprojetos de código de processo coletivo enfocando as boas novas postas pelos doutrinadores orientadores das mesmas.
O fato é que o tema repousa sobre uma grande potencialidade de aplicação frente a uma realidade social cada vez mais clamorosa por mudanças, por uma operacionalização dos nossos instrumentos processuais para efetivar um maior acesso à justiça garantido de maneira tal a respeitar primordialmente o principio da isonomia processual.
Informações Sobre o Autor
Nathália Mariel Ferreira de Souza
Acadêmica de Direito do CESUPA/PA