Pedágio – a sexta e mais nova espécie tributária

1 – Introdução

Convencionou-se dividir os tributos em espécies, sendo que a sua identificação, invariavelmente, se efetiva da análise de suas especificidades. Logicamente, existindo várias escolas de pensamento e várias abordagens quanto ao tema, também encontramos várias formas de classificação, a maioria de cunho meramente didático. Não discutiremos a correção ou validade destas classificações, até porque, classificações sendo, como são, de cunho pessoal, certamente, devem ser apreciadas, não sob a ótica do certo ou errado, mas ante a correta perspectiva de sua pertinência e adequação, ou seja, utilidade ou inutilidade.  E, assim, temos a necessidade de melhor identificar as espécies existentes, a fim de verificar a correção da instituição de um determinado tributo, daí a utilidade de uma melhor definição. Deste modo, a classificação mais correta será importante na solução também de problemas práticos, quanto à legalidade e constitucionalidade dos mesmos.

E, é por isso que aqui trazemos novamente, reafirmando nossas exposições anteriores, nos mesmos termos, a classificação que entendemos mais correta, com o acréscimo de uma nova espécie, que seria o Pedágio, ao rol de espécies contidas na classificação atualmente mais aceita, que aqui tomamos como parâmetro, para complementá-la e conferir integralidade à mesma, aperfeiçoando-a, no sentido de alcançar todos os tributos realmente existentes no nosso atual sistema jurídico tributário.

A doutrina, até agora mais aceita, acompanhando o texto constitucional, que informa competências e nomina os tributos, considera existentes 05 (cinco) espécies a compor o gênero tributo; que seriam os Impostos, previstos no art. 145, I, CF; as Taxas, previstas no art. 145, II, CF; as Contribuições de Melhoria, previstas no art. 145, III, CF; os Empréstimos Compulsórios, previstos no art. 148, CF e as Contribuições Especiais, previstas no art. 149, CF. E, nestas 05 (cinco) categorias, independente de sua denominação, desde que atendidos os requisitos específicos, enquadrar-se-iam, no entender dos cultores deste paradigma, todos e quaisquer tributos já criados ou a criar.

No presente estudo, bastante singelo e de pouco aprofundamento, sem outras pretensões que a de iniciar uma discussão sobre o tema, mais uma vez, traremos de forma rápida a demonstração, de que em nosso sistema jurídico tributário, por suas características únicas, diferenciadoras, específicas e inaplicáveis aos demais tributos existentes, encontra-se uma sexta espécie de tributo a integrar o rol acima, sendo justamente, o Pedágio com a nova conformação contida na previsão do art. 150, V da Constituição Federal de 1988.

Pela relevância do tema, necessário se faz o presente estudo, visando apresentar novo enfoque sobre o assunto, para que se estenda o diálogo sobre a questão.

2 – Sistema lógico das normas de interpretação

Isso nos leva a meditar sobre a forma mais correta de interpretação a ser utilizada, lembrando-nos que inicialmente necessário se faz observar a linguagem expressa nos textos legais, para somente então, após acurada análise gramatical, semântica e textual, como já preconizada por Paulo de Barros Carvalho, partirmos para a interpretação lógico-jurídica da norma posta em destaque, na forma já eternizada como correta pelos estudiosos do direito, entre eles também o dr. Ricardo Lobo Torres, in Normas de interpretação e integração do direito tributário, Ed. Renovar:

“A interpretação literal, em outro sentido, significa um limite para a atividade do intérprete. Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüística. É a fórmula brilhante de K. LARENZ, para quem a interpretação literal é a compreensão do sentido possível das palavras (mögliche Wortsinn), servindo esse sentido de limite da própria interpretação, eis que além dele é que se iniciam a integração e a complementação do direito. Esse conceito de interpretação literal desenvolvido por LARENZ influenciou na Alemanha as decisões judiciais sobre a matéria tributária, bem como a orientação da doutrina em geral e da teoria tributária em particular.”

Torna-se óbvio e é o que neste estudo se toma como parâmetro, que se deve efetivar o estudo e a própria tentativa de interpretação e integração da norma legal, iniciando-se pelo processo de aplicação da análise do sentido possível do texto atualmente vigente, para, seqüencialmente, após esta equalização, passarmos à aplicação dos demais recursos de argumentação retórica, de outros dados históricos, da hermenêutica, da teleologia e das demais valorações éticas, políticas e intencionais, para melhor compreensão do texto e assim da norma a ser alcançada.

Para penetrar o pensamento da lei e fazê-la regular, com os fenômenos sociais, a que deve presidir, pode o intérprete recorrer aos elementos puramente verbais (interpretação gramatical) ou ao raciocínio, à análise, à comparação, a todos os meios que fornecem à ciência jurídica a exata compreensão do direito na mecânica social, a história da formação da lei e a evolução do direito (interpretação lógica). Sobretudo deve atender a que o direito é um organismo destinado a manter em equilíbrio as forças da sociedade e, portanto, tem princípios gerais, a que os outros se subordinam (as permanências jurídicas, os preceitos constitucionais), e todas as suas regras devem ser entre si harmônicas (interpretação sistemática). (Clóvis Bevilacqua, In Teoria geral do direito civil, Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1976, pp. 45/46)

No entanto, antes de qualquer exercício de interpretação, sem ainda iniciar propriamente o estudo da norma e da figura jurídica em questão, entendemos necessário um rápido resumo histórico sobre as previsões ou não previsões constitucionais sobre o tema, visando verificar a atual independência entre a natureza jurídica exposta na Constituição de 1988 e aquelas constantes das Constituições anteriores.

3 – O pedágio nas constituições brasileiras

3.1. Constituição de 1824

Na “Constituição Política do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, já se tratava de impostos e de algumas taxas, contudo, não havia qualquer previsão ou conceituação de tributo. Nada falando sobre pedágio ou qualquer outra modalidade de cobrança pela passagem em estradas. Também não havia qualquer proibição expressa a tal prática, que era usualmente utilizada.

3.2. Constituição de 1891

É na “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, de 24 de fevereiro de 1891, que mesmo não tratando ou conceituando a figura do tributo, e sem mencionar o pedágio ou qualquer outra exceção, vemos pela primeira vez, a expressa previsão de vedação à utilização de impostos de forma a impedir o trânsito. Quando no parágrafo 1º do seu artigo 11, impede a criação de impostos de trânsito e de passagem, mas, apenas referentemente a produtos e veículos. É o primeiro indício de que tal prática, tem conseqüências danosas ao mercado e aos negócios, preocupação primeira daquela carta. Pois ainda naquela época nada se falava sobre as liberdades e direitos individuais.

Art. 11 – É vedado aos Estados, como à União:

1º. criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportarem; …”

3.3. Constituição de 1934

Com a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, de 16 de julho de 1934, que também nada fala sobre pedágio, já vemos reconhecida a existência da figura jurídica do gênero tributo e aprimorada a proibição ao impedimento do trânsito através destas cobranças. É no inciso IX de seu art. 17, que vemos tal disposição. Desta feita, previsão sem exceções, quando a proibição alcança a livre circulação de bens, pessoas e dos veículos que os transportem.

Art 17 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IX – cobrar, sob qualquer denominação, impostos interestaduais, intermunicipais de viação ou de transporte, ou quaisquer tributos que, no território nacional, gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou pessoas e dos veículos que os transportarem; …”

3.4. Constituição de 1937

E, a “Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, de 10 de novembro de 1937, basicamente repete os termos da constituição anterior, quando em seu artigo 25, impede o estabelecimento de barreiras alfandegárias ou outras limitações ao tráfego, mediante a utilização de impostos, sob qualquer denominação. Previsão em que mais uma vez não vemos qualquer exceção, ou alusão ao pedágio.

“Art 25 – O território nacional constituirá uma unidade do ponto de vista alfandegário, econômico e comercial, não podendo no seu interior estabelecer-se quaisquer barreiras alfandegárias ou outras limitações ao tráfego, vedado assim aos Estados como aos Municípios cobrar, sob qualquer denominação, impostos interestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, que gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou de pessoas e dos veículos que os transportarem.

3.5. Constituição de 1946

É a partir da “Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, de 18 de setembro de 1946, que surge juridicamente a figura do Pedágio, quando em seu artigo 27, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por meio de tributos, ressalvou a cobrança de taxas, inclusive de Pedágio, desde que destinadas à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento das estradas. E, naquele momento, além da obviedade de ser expressamente identificado como uma taxa, verificou‑se também ser o Pedágio um tributo, já que exceção àquela regra proibitiva.

“Art 27 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de taxas, inclusive Pedágio, destinadas exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.”

Veja-se que aquele momento é anterior à edição do Código Tributário Nacional – CTN, Lei nº 5.172/66,  já louvado como o ‘Livro Bom’ pelo ilustre professor Carlos Sapavini em suas incomparáveis aulas, com o qual, tomamos a liberdade de fazer coro, no particular, passando a assim identificar o códice.

Época em que, por falta de sistematização, ainda não se tinha uma perfeita visão do conceito de tributo e nem de suas possíveis espécies.

E, mesmo assim, sem a sistematização necessária, como perfeitamente verificado e demonstrado pelo renomado jurista e expositor Rones Fontoura de Souza, o Pedágio já era, indiscutivelmente, identificado como tributo da espécie taxa, sendo expressamente incluído neste rol, vez que visava, como outras taxas que fossem criadas, indenizar e remunerar as despesas ocorridas com a construção, conservação e melhoramento das estradas.

Justamente esta característica de ser remuneratória, ou seja, de pagar por serviços prestados, é que se estabeleceria como o diferencial específico do tributo da espécie Taxa, como posteriormente reconhecido pela doutrina e mesmo pela legislação, especialmente pelo Livro Bom – CTN, que a partir de 1966 trouxe legalmente os conceitos de tributo e de algumas de suas espécies, adotando alguns estudos já produzidos.

Interessante notar ainda, que a exceção ao impedimento de se criar embaraços ao tráfego era abrangente de toda e qualquer taxa e não só a de Pedágio, desde que vinculadas ao fato. O que se alteraria posteriormente, e até os dias atuais, onde tal exceção só, e unicamente, alcança o Pedágio e nenhum outro tributo.

3.6. Constituição de 1967

Trilhando o mesmo caminho de sua antecessora, a “Constituição da República Federativa do Brasil”, de 20 de outubro de 1967, por sua vez, manteve no inciso II de seu artigo 20, disposição bastante semelhante, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias por meio de tributos, excetuando o Pedágio, desde que destinado a atender o custo das vias de transporte. Também neste momento, vemos que, mesmo com algumas diferenças, o texto é claro ao afirmar ser o Pedágio um tributo, quando é o mesmo exceção àquela regra impeditiva.

E nesta nova ordem constitucional e social, em que já se iniciava uma nova visão e uma maior valorização aos direitos individuais, vemos que a exceção mencionada já tinha previsão de ser alcançada somente pelo Pedágio e por mais nenhum outro tributo. Restringindo, ainda mais, a possibilidade de limitação à liberdade de ir e vir.

“Art 20 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, exceto o Pedágio para atender ao custo de vias de transporte; …”

Ainda naquele momento, como o Pedágio tinha o viso de arcar com o custo das vias de transporte, portanto, pagar por serviços prestados, mantinha Ele o elemento específico e configurador dos tributos da espécie taxa, que seja, o caráter remuneratório. Mesmo que não mais fosse o texto constitucional expresso no sentido de denominar o Pedágio como taxa. Isto porque, a clara e precisa conceituação de taxa contida no ‘Livro Bom’ já em vigor, perfeitamente recepcionada por aquela nova ordem constitucional, sobejamente se aplicava ao caso, sendo despiciendas maiores remissões e explicitações.

3.7. Constituição de 1988

De forma diferente das previsões existentes nos sistemas constitucionais anteriores, a atual “Constituição da República Federativa do Brasil”, de 05 de outubro de 1988, mesmo mantendo o Pedágio como um tributo, não lhe dirigiu aquele cunho remuneratório, que o atrelava à condição de ser um tributo da espécie taxa.

O artigo 150, inciso V, da CF/88, prevê que a ressalva à proibição de se estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, somente se dá em relação ao Pedágio, mantida então aquela exceção já conhecida.

Mas, agora, o Pedágio é devido pela utilização de vias que sejam conservadas pelo Poder Público. E não mais para indenizar ou remunerar quaisquer serviços de conserto, construção ou manutenção.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: …

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de Pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; …”

4 – O pedágio como taxa

É pacífico na melhor doutrina, não merecendo neste momento maiores argumentações, pela clareza dos conceitos, que o Pedágio não se enquadra na tipologia dos Impostos, das Contribuições de Melhoria, dos Empréstimos Compulsórios e nem das Contribuições Especiais. Justamente pelas características específicas de cada tributo, que claramente não permitem a inclusão do Pedágio em qualquer destas categorias. Não sendo escopo do presente estudo aprofundarmo-nos mais em tais questões. Assim, já vimos aqui o que o Pedágio não é.

Somente quanto à figura tributária da taxa, existe certa aceitação por parte de doutrinadores de escol, como Geraldo Ataliba, Aires Barreto, José Eduardo Soares de Melo e outros, da subsunção do Pedágio às previsões normativas das taxas. Discussão que nos parece, data maxima vênia discordar de tão renomados doutrinadores, é oriunda de uma interpretação equivocada, pois toma por certa e óbvia a premissa de que a condição de taxa prevista em constituições anteriores ainda teria lugar no nosso atual sistema constitucional tributário.

É neste contexto, com a promulgação daquelas duas cartas magnas anteriores, tratando o Pedágio como um tributo da espécie taxa, inclusive, explícita e precisamente assim o denominando. Que, até hoje, apesar da clareza do atual texto constitucional, parte da doutrina tem entendido, que o Pedágio ainda se conforma à figura do tributo da espécie taxa. Alguns autores, até mesmo entendendo ser o Pedágio uma taxa de uso. O que, nos parece, não é possível, em virtude de não haver previsão, em nosso sistema constitucional tributário, para tal figura jurídica. Aliás, nem mesmo nos sistemas constitucionais anteriores, havia previsão de existência para taxas de uso, vez que mesmo o pedágio, naqueles momentos, se configurava como uma taxa referenciada ao pagamento de serviços prestados pelo poder público.

Não devemos utilizar conceitos óbvios, por  mais óbvios que sejam, sem maiores cuidados com a interpretação da norma. Não é porque em constituições anteriores, o Pedágio tinha as características de uma taxa, que devemos supor que ainda hoje e sempre, permaneça com este mesmo conteúdo. Guardadas as devidas proporções, pois o caso não é exatamente o mesmo, mas, aplicaremos aqui os ensinamentos do mestre Alfredo Augusto Becker, in “Teoria geral do direito tributário”, 3. ed., Ed. Lejus, p. 11, que nunca é cansativo ou inconveniente repetir:

O Direito Tributário está em desgraça e a razão deve buscar‑se – não na superestrutura – mas precisamente naqueles seus fundamentos que costumam ser aceitos como demasiado “óbvios” para merecerem análise crítica.

É necessário que afastemos o fundamento supostamente óbvio e verdadeiro, de que, anteriormente o Pedágio era uma taxa, para, analisando criticamente a situação presente, verificarmos sua atual condição e seu real conceito.

5 – A análise da norma

Então devemos seguir os passos e os preceitos do ilustre professor Tárek Moysés Moussallem, que em seu festejado e elucidativo livro ‘Fontes do Direito Tributário’, Ed. Max Limonad, 1ª ed., 2001, nos ensina que devemos iniciar a análise da norma pelo texto posto e nunca por idéias anteriores e pré-existentes, devendo encontrar o sentido claro e preciso de cada palavra e também sua ingerência e significação dentro do contexto existente.

A distinção clara entre as palavras e as coisas é um produto tardio do espírito humano. (fls. 25)

De acordo com o “giro lingüístico”, a experiência, além de só se tornar possível por causa da linguagem, resta condicionada pela própria linguagem. A palavra não é só a materialização do pensamento, é o próprio pensamento. (fls. 29)

Impende-nos destacar que, na averiguação das fontes do direito, percorreremos este caminho: partiremos da análise do produto para estudarmos o processo, ou seja, o nosso objeto de estudo imediato é a regra posta, e a partir dela é que buscaremos, por elementos de linguagem, a sua fonte produtora, quais sejam, o procedimento e o agente (fls. 134)

A novel Constituição Federal de 1988 veio dar novos contornos ao Pedágio. De forma que a apreciação de sua singularidade e de suas características, deve se dar a partir da promulgação desta nova carta magna, destas novas palavras, significados e pensamentos, que se desenvolveram e alteraram com a evolução histórica e dogmática dos conceitos. Mesmo que tardiamente, devemos encontrar a distinção clara. Não se podendo a toda evidência, pretender-se que as cartas anteriores ainda estejam vigendo. Agora, além de mantido no rol dos tributos, foi o Pedágio alçado ao patamar de uma espécie autônoma.

6 – O pedágio é tributo

Inicialmente devemos verificar a condição de tributo do pedágio, utilizando o elemento gramatical e lógico de interpretação, restando claro que ao vedar a cobrança de tributos como meio de limitar o tráfego de pessoas ou bens, deles ressalvando apenas a cobrança do pedágio, o texto do artigo 150 lhe atribuiu a natureza jurídica de tributo.

Vejamos que, além de expressamente nominado como Tributo pela própria CF/88, assim como acontecia nas anteriores, o Pedágio também atende às demais características inerentes e elencadas no artigo 3ª do ‘Livro Bom’, subsumindo-se perfeitamente à figura jurídica do conceito legalmente posto de tributo. Afinal, como se percebe e já reiteradamente afirmado pelo ilustre jurista Osias Gonçalves Lima, em suas inúmeras manifestações, o Pedágio é uma prestação pecuniária, em moeda. É compulsório. Não constitui sanção de ato ilícito. Deve ser instituído em lei. E, deve ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

 “Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. …”

7- A natureza jurídica das taxas na atual constituição

Nossa atual Constituição Federal, de 1988, recepcionou, no particular, o conceito de taxa já exposto no ‘Livro Bom’. E dando efetividade a tal conceituação, nos mesmos termos, no inciso II do seu artigo 145, expressamente prevê a existência, conceitua e define o alcance dos tributos da espécie taxa, que somente se instituirão para remuneração de serviços prestados em função do poder de polícia do Estado, fiscalização, ou, da utilização de serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte. Não sendo possível ampliar-se seu alcance para incidir sobre o uso de patrimônio público ou assemelhado. Sendo então de sua natureza jurídica a condição de tributo de espécie autônoma. Não existindo assim, em nosso ordenamento, ainda hoje, a figura da taxa de uso.

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: …

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; …”

8 – A natureza jurídica do pedágio na constituição de 1988

De forma diferente das previsões existentes nos sistemas constitucionais anteriores, a atual Constituição mesmo mantendo o Pedágio como um tributo, não lhe dirigiu aquele cunho remuneratório, que o atrelava à natureza jurídica dos tributos da espécie taxa.

O artigo 150, inciso V, da CF/88, transcrito acima,  prevê que a ressalva à proibição de se estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, somente se dá em relação ao Pedágio, mantida então aquela exceção já conhecida. Mas, agora, o Pedágio é devido pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. E não mais para indenizar ou remunerar quaisquer serviços de conserto, construção ou manutenção.

Não se trata neste atual sistema jurídico constitucional, como dantes, de instituir o Pedágio tendo como fato gerador, ou, como leciona Paulo de Barros Carvalho, hipótese tributária, a ‘indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas’, ou mesmo, o ‘custo de vias de transporte’.

A instituição e a cobrança do pedágio têm hoje como fato gerador/hipótese de incidência a utilização da via. A Conservação da via é ordenamento voltado ao poder público como condicionante para instituir o Pedágio. Assim como, por exemplo, é necessária a delimitação do momento da devolução dos valores arrecadados, para os empréstimos compulsórios. Hoje, em relação ao Pedágio, não há previsão constitucional de que os valores apurados devam ser revertidos em função dos gastos ocorridos. Há sim, a previsão que, para sua instituição, as vias onde será cobrado devem estar conservadas pelo poder público.

Realmente, o Pedágio tem a natureza jurídica de tributo vinculado ao uso de bem público. Mas, taxa não é. Pois, efetivamente, constitucionalmente não há no nosso ordenamento a figura da taxa de uso. Assim, sua natureza jurídica, tudo indica, é a condição de tributo de espécie autônoma.

9 – conclusão

Assim, pelo princípio das particularidades específicas que identificam as espécies autônomas, vemos que o Pedágio, já identificado como Tributo, ante a nova configuração que lhe emprestou a Constituição Federal de 1988, tem também características únicas e diferenciadoras dos demais tributos, elevando-o à condição de espécie autônoma. Não se confundindo com as já reconhecidas e aceitas pela doutrina majoritária.

É Ele o único tributo ao qual a Constituição, em exceção ao princípio da vedação à liberdade de locomoção por meio de tributos, permitiu limitar o tráfego de pessoas ou bens. E, neste momento, ao criar exceção à regra de que tributos não podem limitar o trânsito, indiscutivelmente, a atual Constituição, mais uma vez, alçou o Pedágio à condição de tributo.

É também o único tributo cuja hipótese de incidência é o uso, é a utilização de via conservada pelo Poder Público. É a utilização da via que é tributada e não o serviço de conservação. Utiliza-se a via. Não é a utilização do serviço. Serviço a ser remunerado é fato gerador de taxa. Como era nas constituições anteriores. Alguns doutrinadores, assim, entendem insistir ser este o caso. Contudo, não é o serviço que é tributado, mas a utilização da via, de modo que não há convergência ou identidade entre as figuras. Havendo, hoje, neste novo sistema constitucional, diferenciação substancial. Com o que, o Pedágio não é mais uma Taxa. E, assim, mais uma vez, resta demonstrado ser uma outra espécie de tributo.

O artigo 4º do nosso ‘Livro Bom’, diz que o fato gerador, por vezes chamado hipótese de incidência, é que identifica a espécie tributária, e, portanto, ainda sob este ângulo, mesmo que vasta doutrina entenda não mais aplicável,  sendo o Pedágio o único tributo que tem como fato gerador/hipótese de incidência a utilização de vias conservadas pelo poder público, certamente Ele é uma espécie autônoma:

“Art. 4º. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.

De modo que, se o Pedágio não se enquadra em nenhuma das definições referentes às demais espécies de tributo. No máximo parecendo ser uma taxa de uso. E, se taxa pelo uso de qualquer bem público, como já vimos, não existia antes e nem existe em nosso ordenamento jurídico constitucional vigente. Não pode haver quanto a isso confusão, o Pedágio não é uma taxa e muito menos taxa de uso.

A nossa atual Constituição deu nome próprio e diferenciado ao Pedágio. Diferente dos demais tributos, pode Ele impedir o trânsito de bens e pessoas, até seu efetivo pagamento. E, também, diferente de todos os demais tributos, tem Ele como fato gerador, próprio e distinto, a utilização, o uso da via pública, que esteja conservada, bem entendido, pelo Poder Público. Assim, indiscutivelmente, vemo-nos obrigados a concluir ser o Pedágio a sexta espécie tributária existente em nosso sistema jurídico tributário atual.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Gildo Dalto Junior

 

Membro do CIPET – Centro Integrado e Participativo de Estudos Tributários, advogado em Cachoeiro de Itapemirim ES, Pós-graduado em direito tributário material e processual pelo IBET/CONSULTIME, Membro da banca examinadora de monografia jurídica em matéria tributária da FDCI – Faculdade de Cachoeiro de Itapemirim/ES

 


 

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