Posicionamentos Doutrinários acerca do Dano Moral no Casamento em face do Direito Comparado

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Reparação do Dano Moral entre Consortes no Direito Comparado.No âmbito do Direito Francês. No âmbito do Direito Português. No Âmbito do Direito Alemão. No Âmbito do Direito Latino – Americano.


1.Introdução


O direito brasileiro ainda precisa evoluir, significativamente, quanto à reparabilidade do dano moral no rompimento do casamento, tendo em vista que em inúmeros países a discussão acerca desse tema já é bastante avançada.


Analisemos agora a admissibilidade da reparação dos danos morais na dissolução marital com vistas nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais adotados em alguns países de destaque.


2. Reparação do Dano Moral entre Consortes no Direito Comparado


2.1 No Âmbito Direito Francês


Na França a discussão acerca da reparação do dano moral é bastante avançada. O tema é tratado nos arts. 1.382 a 1.384 do Código Civil e em função de uma interpretação extensiva desses artigos a reparação dos danos morais é aceita de forma irrestrita e genérica.


Em igual entendimento Reis (2002, p.33):


“Aliás, a posição da doutrina e da jurisprudência francesa tem sido considerada como um verdadeiro marco perante as outras nações, quando se trata da adoção do princípio da reparabilidade dos danos extrapatrimoniais. A beleza doutrinária dos defensores da tese positivista foi marcante perante outros Estados, que cederam aos coerentes e filosóficos argumentos esposados.”


Quanto à reparação do dano moral no rompimento do casamento, a priori a sua admissibilidade sofreu certa resistência, tendo em vista, o poder que o marido exercia sobre a mulher. Esse comportamento preponderava na sociedade.


Contudo, com as transformações sociais que favoreceram a independência das mulheres esse panorama patriarcalista foi sendo mudado. As Leis de 1928, 1942 e 1965 que foram publicadas na França passaram a admitir a reparação dos danos morais oriundos do divórcio. A partir delas registram-se vários julgados admitindo a reparação do dano moral na dissolução do matrimônio, casos em que o consorte lesionado teria sofrido adultério, abandono do lar etc.


O Código Civil Francês no seu art. 266 trata expressamente sobre o tema dispondo que será responsabilizado civilmente, por possíveis danos materiais e morais, aquele cônjuge que deu azo ao rompimento do casamento.


Branco (2006, p. 72) em breve síntese, trata sobre o art. 226 do CC francês:


“[…] o art. 226 do CC francês, com redação que lhe foi dada pela Lei de 11 de julho de 1975, dispondo que no caso de divórcio decretado por culpa exclusiva de um dos cônjuges, este estará sujeito à reparação ao seu consorte dos danos materiais e morais decorrentes da dissolução do casamento. Assim, os efeitos deletérios da própria separação do casal, quando aptos a produção de dano moral, podem fundamentar o pedido de reparação.”


Desta forma, podemos perceber que o tema da reparação do dano moral no rompimento do casamento, no âmbito do direito francês, foi tratado com a devida importância e relevância que o assunto merece, tanto que já foi positivado no seu Código Civil.


2.2 No Âmbito Direito Português


O atual Código Civil português (Decreto – Lei nº 47344/67 de 25.11.1966) nos seus artigos 483 e 496 prescrevem com clareza a reparação do dano moral, vejamos:


“Art. 483. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação.


Só existe obrigação de indenizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.


Art. 496. Na fixação da indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.”


Como se pode perceber, a previsão legal a respeito da reparação do dano moral é irrefutável. A legislação lusitana conseguir desvencilhar-se das teorias oposicionista a reparação do dano moral contemplando de forma aplausível a responsabilidade civil pelos danos extrapatrimoniais.


O Código Civil Anotado (1997, p.415) apud Reis (2002, p.41) apresenta uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça:


“I – O art. 496 do Código Civil fixou-se devidamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado. II – Assim, será o Tribunal que, equitativamente, terá que fixar quais os danos relevantes e qual a indenização que lhe corresponderá, de harmonia com as circunstâncias de cada caso, o que importará numa certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca estabelecer indenização rigorosa e precisa.” (STJ – 16.04.1991: BMJ, 406 – 618) (in Código Civil Anotado, 11ª Edição Refundida e Actualizada, Lisboa/Portugal, EDIFORUM – Edição Jurídica, Lda. 1997, p.415).


Com relação à reparação do dano moral no rompimento do casamento, esta se deu de forma gradativa, pois assim como ocorria na França predominava em Portugal uma estrutura patriarcalista, de modo que não existia igualdade entre os cônjuges.


Apenas com a Constituição Portuguesa de 1976 que os consortes passaram a ser vistos juridicamente de forma igual. A partir daí se seguiram inúmeras transformações a favor do princípio de igualdade entre os cônjuges ora exaltado pela Constituição desse país.


O Código Civil português passa a admitir a responsabilidade entre cônjuges no seu art. 1792. Nesse diapasão, Branco (2006, p.73):


“A partir da promulgação da Constituição da República de 1976, Portugal passou a admitir o princípio da igualdade entre cônjuges, o que induziu à modificação na legislação civil, de maneira a autorizar expressamente aquela reparação, seja dos danos causados como conseqüência da separação ou do divórcio (art.1792 do CC), seja daqueles produzidos durante a vida em comum e que foram determinantes para a dissolução do matrimônio, neste último caso pela aplicação geral da responsabilidade civil (art.483 do CC)”.


Diz ainda:


“Neste particular, anote-se que no direito português o pedido fundado no art. 1792 do CC deve necessariamente ser deduzido na própria ação de divórcio, enquanto a reparação dos danos derivados das causas que determinaram a dissolução do matrimônio, tidas como atos de natureza ilícita, equiparados aos demais independentemente do vínculo entre ofensor e ofendido, deve ser reclamada sempre em ação autônoma.”


Inferindo, pode-se notar que o direito português assim como o francês segue a mesma senda, no sentido de adotarem e aprimorarem cada vez mais a admissibilidade da reparação dos danos morais entre os consortes no intuito de diminuir, ou mesmo acabar, com as indesejáveis violações e quebra de direitos entre eles das quais são gerados os danos materiais e morais.


2.3 No Âmbito do Direito Alemão


O dano moral no direito alemão é analisado com bastante restrição. Pois, o país elenca aqueles bens que se infringidos resultariam numa possível reparação.


Sendo assim, ao contrário da corrente doutrinária adotada na França e em Portugal que promovem uma interpretação extensiva das normas para se englobar o maior número de direitos do homem, quer sejam materiais ou morais, o direito alemão possui uma conduta bem diversa.


 Assim dispõe Mendes (2000, p. 50):


“[…] importa observar, em essência, a postura limitada da legislação germânica, que só reconhece a reparabilidade do dano moral para casos escassos previstos na lei, o que redunda em insuficiência legislativa não descritas pelo legislador […].”


Mais uma vez, diversamente da maioria dos países, como exemplo os que foram citados acima, o posicionamento adotado pelo direito alemão é veementemente contrário a responsabilidade por dano moral na dissolução do casamento.


Isso ocorre porque esse país ainda possui o dogma de que as relações conjugais são dotadas de intangibilidade jurídica, não admitindo qualquer interferência externa nessa seara.


O ilustre professor Andrade (2002, p.19) explica melhor o posicionamento adotado pelos juristas alemães:


“O direito alemão se mostra refratário a qualquer interferência externa no âmbito das relações matrimoniais, considerando, portanto, que a possibilidade de indenização por conte de ofensas praticadas no casamento, conquanto sejam estas consideradas como violação aos direitos da personalidade, constituiria uma pressão externa para que houvesse o cumprimento dos deveres inerentes àquele vínculo, o que não seria admissível.”


Sendo assim, fica evidente que o direito alemão apresenta-se claramente contrário às regras da responsabilidade civil nas relações familiares e apresentam como forma de justificativa para esse comportamento o fato de que se se aplicasse o instituto da responsabilidade civil entre cônjuge se estaria impondo aos mesmos o cumprimento dos deveres do casamento, sendo que estes devem ser respeitados livremente e não por imposição, ainda que de forma indireta, que é o que ocorre segundo a doutrina alemã.


2.4 No Âmbito do Direito Latino – Americano


Assim como no direito brasileiro, grande parte do direito latino – americano ainda não possui uma legislação específica acerca da reparação no âmbito das relações conjugais.


A exceção do que acabou de ser dito, tem-se o país peruano que já apresenta leis específicas sobre o assunto, ainda que de forma tímida.


Segundo Branco (2006, p.79):


“[…] o art. 351 do CC peruano, é expresso ao admitir a reparação moral pelos fatos determinantes do divórcio, não chegando, como fazem alguns países europeus, a admitir idêntico direito por conta dos prejuízos derivados do próprio rompimento do relacionamento matrimonial.”


É certo, porém, que a doutrina e a própria jurisprudência que está se desenvolvendo na América Latina têm buscado aprimorar o assunto em tese. Desta forma, inúmeros julgados estão sendo proferidos nesse sentido, além disso, os posicionamentos adotados apontam a adoção das teorias mais abrangentes que são aquelas adotadas nos países europeus, como por exemplo, na França a qual adota uma postura positiva no sentido da reparabilidade do dano moral entre cônjuges – sem muitas restrições.


Numa visão geral dos países da América Latina merece destaque a Argentina que embora não tenha uma legislação específica sobre a reparação do dano moral entre cônjuges, o país já usufrui uma discussão bastante avançada sobre esse tema na seara doutrinária e jurisprudencial. O que demonstra que em pouco tempo a Argentina poderá apresentar uma legislação aprimorada acerca do tema.


Vejamos o que menciona Reis (2002, p.48):


“Nesse particular, a título de apontamento de uma disposição do Código, art. 1080 admite a reparação compensatória a título de injúrias, ao dispor que: “o marido e seus pais podem reclamar perdas e interesses pelas injúrias feitas à mulher e aos seus filhos”. O preceito constitui caso de aplicação do direito de defesa da honra da família no caso de ofensa aos seus integrantes. Como se não bastasse à influente e marcante postura doutrinária, os tribunais argentinos vêm se manifestando de forma ampla e irrestrita a respeito da reparação dos danos extrapatrimoniais, inclusive aqueles invocados pelas pessoas jurídicas.”


Por fim, cumpre ressaltar que a abordagem sobre esse tema no âmbito brasileiro ainda é bastante precária, pois ainda há uma forte impenetrabilidade dos princípios que regem a responsabilidade civil nas relações familiares. Isso é verificado pela precariedade de teses, conferências, discussões ou mesmo de livros que versam sobre o assunto. Branco (2006, p. 81) assim aduz:


“A abordagem do problema sob a ótica do direito brasileiro e comparado revela quão é difícil se mostra a tarefa daqueles que buscam aprofundar a discussão científica a respeito da reparação civil do dano moral nas relações familiares, de modo específico no caso da dissolução do casamento, uma vez que a tradição cultural sobre a qual se encontram assentados os princípios que norteiam o direito que rege as relações familiares ainda não permite a muitos vislumbrar a existência de pontos de convergência entre aquele ramo da ciência jurídica e os modernos postulados que emergem do amplo debate que se faz na atualidade em torno da reparação do dano moral e o seu papel no estabelecimento de relações sociais menos díspares e mais justas.”


E quanto à jurisprudência, esta ainda se encontra um pouco divergente sobre a admissibilidade ou não da indenização do dano moral na dissolução do casamento porque como dito acima a discussão acerca do tema é escassa e preocupante. Mas, com base nas recentes decisões dos tribunais há um apontamento no sentido de que essa matéria em breve será pacificada, positivamente, no direito brasileiro.


3. Conclusão


No campo da reparação civil, o instituto família não tem um tratamento específico, já que o legislador ordinário não se preocupou em evoluir no assunto.


Entretanto isso não pode servir de obstáculo para a pretensão à reparação civil por ato ilícito que possa ter se originado num relacionamento familiar, quer seja entre pai e filho, irmãos ou mesmo entre consortes.


Portanto, a presença da responsabilidade civil no âmbito familiar não é só possível, mas sim, preciso. E como se pode observar, em regra, o direito estrangeiro está a passos largos em relação ao direito brasileiro.


Apesar da não existência de uma legislação específica, é justo que se diga que a jurisprudência e a doutrina brasileira estão se aprimorando cada vez mais para supri essa falha do legislador ordinário.


Desta forma, ainda que de forma lenta, porém contínua, o direito brasileiro vai dando contornos próprios e importantes acerca da adoção da reparação civil por dano moral entre cônjuges. Impedindo assim que ações lesivas ocorridas entre consortes venham a destruir a própria família.




Referências:

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Informações Sobre o Autor

Karolyne Moraes Ribeiro

Advogada.


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