Preservação da empresa: princípio constitucional não escrito

Resumo: O presente trabalho tem por objeto a abordagem da preservação da empresa como princípio constitucional não escrito. Para atingir este propósito, discorre dos fundamentos que regem a ordem econômica, da obrigatoriedade da proteção da dignidade da pessoa humana, da axiologia dos princípios na Constituição Federal de 1988, para, através da aplicação da função social da propriedade, concluir o posicionamento da preservação da empresa como princípio constitucional não escrito.


Palavras-chave: ordem econômica; princípios e fundamentos constitucionais; preservação da empresa; dignidade da pessoa humana;

Sumário: Introdução. 1. Fundamentos da ordem econômica. 1.1. Valorização do trabalho humano. 1.2. Livre iniciativa. 2. Obrigatoriedade da proteção da dignidade da pessoa humana. 3. A preservação da empresa. 3.1. Axiologia dos princípios na Constituição Federal. 3.2. Princípios constitucionais não escritos. 3.3. Princípio da preservação de empresa. Conclusão.


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INTRODUÇÃO


O presente artigo tem por objeto a preservação da empresa como princípio constitucional não escrito, com o enfoque em salvaguardar e garantir a todos uma existência digna. A própria Constituição Federal de 1988, instituiu a ordem econômica como um complexo de normas reguladoras do fator econômico, onde suas relações e efeitos estão norteadas pelos fundamentos da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, através dos princípios da soberania nacional, da propriedade privada seguida de sua função social, da livre concorrência, da defesa do consumidor, do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras, que regulamentam a atividade econômica nacional.


A Ordem Econômica Nacional, fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por finalidade preservar e garantir a dignidade da pessoa humana. Nesse contexto o legislador ratificou sua pretensão em evitar que a livre iniciativa fosse desenvolvida de maneira prejudicial à pessoa humana e conseqüentemente a justiça social, rejeitando os espaços privados, como a família, a empresa e a propriedade, representando uma zona de franca violação dos projetos fundamentais.


Nesse sentido Marcos Juruena Villela SOUTO ao trabalhar o Direito Administrativo Regulatório, registrou que a regulação na ordem econômica tem por objetivo “viabilizar o princípio da livre iniciativa e a defesa do consumidor, instituindo e preservando a competição onde ela seja viável e minimizando os efeitos do monopólio, onde ele se faça indispensável”[1]. Com isso, o Estado fazendo uso de seu poder regulador intervem na economia, através de seus órgãos reguladores, através de suas funções de fiscalização, edição de normas, conciliações, mediação e arbitramento de conflitos, e executoriedade de suas decisões, atuando no sentido de salvaguardar o interesse da coletividade, vez que estabelece is critérios para que o mercado se aproxime do ideal, que para os economistas, segundo Sidnei TURCZYN, é a “existência de um local de atuação dos agentes econômicos em que exista a concorrência perfeita”.[2]


Nesse cenário a empresa, enquanto condicionador da atividade econômica e da propriedade privada, através de sua função social, se tornou o paradigma da existência de toda a estrutura. É tão somente a partir do exercício de suas atividades que haverá o beneficiamento, às vezes prejuízos, para toda a sociedade, o que a torna objeto primordial de tutela, enquanto dever-poder, do Estado.


Para Raul Machado HORTA, os fundamentos que regem a ordem econômica são “fonte das normas e decisões que permitirão à República garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[3].” É a partir do exercício da atividade empresarial que se verifica que os direitos do homem não são de obrigação exclusiva do Estado, mas sim de todo a sociedade, que em maior grau se verifica sua concretização no desenvolvimento das atividades da empresa.


1. FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA


1.1. VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO


 A partir do desenvolvimento das atividades empresarias e ante a necessidade de coibir a prática de abuso do poder econômico e concorrência desleal, o legislador preocupou-se em garantir a proteção do trabalho humano e a preservação da dignidade da pessoa humana. Ronaldo Leite PEDROSA expôs que o princípio fundamental da valorização do trabalho humano lida com a grande massa dos cidadãos brasileiros como forma de subsistência individual e o progresso do país. O que se concluir que “sem os trabalhadores, de todos os níveis e áreas, estaríamos na idade da pedra[4].”


Com essa preocupação o legislador constituinte, fundamentou na ordem econômica a valorização do trabalho humano interligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. O princípio em estudo foi elevado à posição de fundamento que devera sempre ser observado, respeitado e cumprido.


A valorização do trabalho humano significa, dentre outros, a legitimidade da ordem construída sobre um empenho constante e permanente em promover a dignidade do trabalho do homem no desenvolvimento e progresso de uma atividade econômica.


A expressão trabalho humano esta aberta a interpretações. Em termos de cidadania há de se resguardar o termo “trabalho”, qualificado pelo adjetivo “humano”, de todas as formas desumanizadoras da atividade laboral. O trabalho em estudo é a atividade humana realizada como relação de meio e fim, uma atividade instrumentalizadora que tem um produto, a saber, tudo aquilo que o trabalhador fabrica e coloca no mundo, como algo que vem de sua arte e esforço para ganhar vida própria no comércio com os outros. É a partir do trabalho do homem que se acresce a natureza, ao mudá-la conforme os seus propósitos. O trabalho, assim, humaniza a natureza, criando o mundo humano, mundo em que o homem criou com sua realidade objetiva. A valorização do trabalho, desse modo, se liga a valorização do artifício que o homem guarda para si, que é o exercício de sua própria liberdade.


A valorização do trabalho humano é um repúdio a automatização ou animalização do sistema de produção, a um processo que se rejeita a si mesmo, uma espécie de repetição compulsória de atividades que cessam apenas para o homem comer, dormir e recuperar forças. Não é um repúdio a máquina ou ao animal, mas sim a maquinalização e animalização da atividade laboral do homem. O que se repudia não é a capacidade operacional das máquinas, mas a exploração do homem enquanto máquina, em prejuízo da dignidade da pessoa humana. Aceitar a automação e ou animalização da do homem, em seu escopo laboral, certamente destrói todo o universo que conhecemos como cidadania.


A dignidade do trabalho humano é um direito fundamental, positivado na Constituição Federal de 1988, com relevância para o ordenamento jurídico, eis que sua recusa implica em uma grave violação do texto magno. Nesse sentido, Maurício Godinho DELGADO, doutrinador do Direito do Trabalho, dispôs que:


“À medida que a Democracia consiste na atribuição de poder a quem é destituído de riqueza – ao contrário das sociedades estritamente excludentes antes do século XIX, na História -, o trabalho assume o caráter de ser o mais relevante meio garantidor de um mínimo de poder social à grande massa da população, que é destituída de riqueza e de outros meios lícitos de que alcance. Percebeu desse modo, com sabedoria a Constituição a falácia de instituir a Democracia sem um correspondente sistema econômico-social valorizador do trabalho humano”.[5]


A partir da exposição do autor é possível concluir que todas as relações jurídicas que envolvam trabalho, devem ser observadas o seu valor social, de modo que o trabalho e a força de produção humana não sejam tratados como mera mercadoria, mas sim como inserção do trabalhador na vida social, participante do contexto organizacional do Estado, na forma de cidadão.


1.2. LIVRE INICIATIVA


A livre iniciativa, prevista no artigo 170 da Constituição Federal, é o segundo fundamento que rege a Ordem Econômica Nacional e assegura a dignidade da pessoa humana e a justiça sócia, a partir do contexto que representa. Nesse contexto, Eros GRAU lecionou que


“O Brasil – República Federativa do Brasil – define-se como entidade política constitucionalmente organizada, tal como a constitui o seu texto de 1988, enquanto assegurada, ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, a dignidade da pessoa humana. Por outro, significa que a ordem econômica mencionada no art. 170, caput do texto constitucional – isto é, mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna que todos devem gozar”[6].


O que se pode concluir que a livre iniciativa e a valorização do à valorização do trabalho humano são os instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana.


José Afonso da SILVA ensina que a livre iniciativa somente é legitima quando exercida no interesse da justiça social, sendo, portanto ilegítima quando o fim é o puro lucro e realização pessoa do empresário:


“num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com objetivo no puro lucro e realização pessoal do empresário”[7].


Nesta mesma concepção Celso Ribeiro BASTO toma a livre iniciativa como uma manifestação dos direitos fundamentais em prol daqueles que deveriam estar incluídos, visto que equivale ao direito de todos a lançarem no mercado:


“uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através da realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado de produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa”[8].


A livre iniciativa, a luz de sua concepção constitucional, seja o fato de ser um fundamento da República Federativa do Brasil ou o fato de ser um dos fundamentos que rege a ordem econômica, não se resume a liberdade de desenvolvimento da empresa, sob pena de vislumbrar-se apenas e tão-somente como uma afirmação do capitalismo.  Para Eros GRAU não se trata somente da expressão de liberdade da empresa como também do trabalho, abrangendo todas as formas de produção, individuais ou coletivas, esclarecendo-se que a livre iniciativa não consistirá na livre atuação da empresa privada no serviço público, mas sim que o Estado não deverá opor empecilhos à liberdade humana[9].


José Afonso da SILVA finaliza o entendimento ao afirmar que o legislador constituinte não se preocupou apenas em apontar a livre iniciativa como uma mera liberalidade. Mas sim, como uma limitadora do poder econômico privado, que quando de sua concentração em um grupo de empresa, torna-se um fator de limitação da própria livre iniciativa privada, na medida em que impede, impossibilita a expansão das pequenas iniciativas. Nesse moldes, o Poder Público nos termos da lei, por vezes, regula a liberdade da atuação, impondo a necessidade de autorizações e ou permissões para determinado fim, seja regulando a liberdade de contratar, nas relações de trabalho, seja a fixação de preços sobre determinados produtos, além da intervenção direta na produção e comercialização de determinados produtos[10].


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Dessa forma os fundamentos da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano funcionam como freios e contrapesos da atuação da ordem econômica. Ordem esta, traduzida como conjunto de normas jurídicas onde seus efeitos e resultados estão estabelecidos ante a finalidade de garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios constitucionais a que lhe são inerentes.


2. OBRIGATORIEDADE DA PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


A finalidade da Constituição é assegurar a manutenção de uma existência digna, segundo ditames da justiça social, que por vezes se torna uma tarefa árdua em decorrência da atuação no sistema de economia capitalista, pautada no individualismo, vigente. A justiça social se realize com a distribuição equitativa de direitos e deveres.


Nesse sistema, caracterizado pelo acúmulo de riqueza e poder econômico em mãos de poucos, origina um grande número de classes sociais diversificadas com uma grande lacuna que os diferencia entre si. Sendo assim, ainda que tarefa árdua, a ordem econômica tem por escopo a própria justiça social, através da garantia de uma vida digna, utilizando para concretização de seu objetivo ferramentas de peso e contrapesos com finalidade de harmonizar o sistema. Como vimos anteriormente, estes pesos e contrapesos estão consignados na figura dos fundamentos da valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que ao mesmo tempo em que geram direitos, eles geram deveres.


A dignidade da pessoa humana é considerada a razão de ser do próprio Estado, constitui o núcleo essencial dos direitos humanos. Ela está indissociavelmente vinculada às idéias de liberdade e de igualdade, o que constitui o eixo axiológico em torno do qual deve ser construído a fundamento legitimador para o Legislador Constituinte e como limite ao exercício do poder.


A dignidade se manifesta na autodeterminação consciente da própria vida, trazendo para si a pretensão ao respeito das demais pessoas. Essa dignidade, como qualidade inerente ao ser humano, é irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui o elemento que caracteriza a personalidade do ser humano e dele não pode ser retirado.


Dalmo de Abreu DALLARI, já havia ponderado que a dignidade da pessoa humana deve ser concretizada em todos os lugares, de maneira igual a todos, independentemente do preeminente crescimento econômico e progresso material.


Com relação ao significado e ao conteúdo do princípio da dignidade humana, há que se dizer que não parece possível traçar uma definição clara e absoluta do que seja efetivamente dignidade, pois se trata de conceito de contornos vagos e imprecisos. Ainda assim, a dignidade é real e concreta, facilmente identificada quando de casos de agressões, circunstâncias em que caracteriza uma categoria axiológica aberta, com uma variedade de valores e princípios presentes nas sociedades democráticas contemporâneas.


Salienta-se que a dignidade em estudo é inerente a pessoa do homem, ela é, portanto irrenunciável, imprescritível e inalienável. Seu respeito sempre deve existir, em todos os lugares, de maneiras iguais a todos, ainda que o princípio da isonomia seja relativizado ao tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais na medida de suas desigualdades.[11] Trata-se de um dever do Estado e de todos.


Seu objetivo é pautado na realização e proteção do bem comum, o que se constitui o início, meio e fim de todos os direitos.


A Constituição Federal de 1988, ao colocar o instituto da vida digna alicerçadas sobre os ditames da justiça social, como finalidade da Ordem Econômica Brasileira, objetivou a construção da civilização da cidadania em seu âmbito interno, com respeito integral aos direitos humanos, segundo o principio da solidariedade ética.


Farracha de CASTRO[12], ao mencionar a preocupação de Ingo Wolfganf Sarlet, no que diz respeito à banalização, quando não do uso inflacionário e panfletário do princípio da dignidade da pessoa humana cujo resultado pode redundar no esvaziamento do conteúdo da noção de dignidade, já o expôs como centro de todo sistema.


Insensivelmente a problemática envolvendo a dignidade da pessoa humana no sistema capitalista, estabelece-se no quesito justiça social, visto que são com o acúmulo de riquezas que acentuam a desproporção existente ente os agentes da relação envolvida. O Estado se viu obrigado a trazer para sua tutela a incumbência de minimizar os efeitos dessa diferença, sem eximir os demais agentes sociais de suas responsabilidades.


Farracha de CASTRO ressaltou que, o desafio não se exaure com a simples tutela do Estado, com o simples plano do “dever ser”, mas sim na construção de um novo paradigma, no qual a ordem econômica possa contribuir para com a construção de uma sociedade justa e solidária. De modo que o cenário social globalizado implique na analise da relação do direito com a economia.[13]


Com o exercício da atividade mercantilista, indubitavelmente o Legislador Constituinte teve que trazer para a proteção do ordenamento constitucional a tutela das relações sociais, econômicas e políticas, na tentativa de assegurar o exercício de uma vida digna. Incumbindo-lhe ponderar os interesses antagônicos, favorecendo a convivência harmônica, mesmo porque o fim econômico presta-se a proporcionar um padrão de vida melhor. A dignidade humana não seria, portanto, manchada se a Ordem Econômica se limitasse as definições de juros, preços, rendas e lucros.


Consigna-se que a dignidade da pessoa humana é o valor-fonte de todo o ordenamento jurídico nacional, visto que deve orientar “a atividade política, social, econômica e judiciária do Estado, bem como, dos particulares, influindo diretamente, na atividade estatal, na feitura das leis, na sua aplicação e na em entrega da tutela jurisdicional”[14], assim, representa o alicerce na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com o viés de garantir à todos os indivíduos as parcelas mínimas que proporcione a manutenção de uma vida digna.


A construção de uma ordem econômica mais ética, justa exige não só dos economistas, mas como também dos juristas, princípios éticos e jurídicos sólidos.[15] Certamente as relações econômicas, não só podem beneficiar a dignidade humana e a construção de uma sociedade livre, pautada na justiça social, mas também pode e possui o dever de contribuir para a erradicação da pobreza e consolidação de uma sociedade mais justa e solidaria o que é totalmente compatível com a proteção da pessoa humana. Neste sentido, Farracha de CASTRO expôs:


“O uso adequado e responsável da técnica da ponderação, portanto, pode contribuir para a convivência harmônica entre o lucro e a dignidade da pessoa humana. Os pilares do Código Civil (eticidade, socialidade e operabilidade) e o princípio da preservação da empresa auxiliam nesse desiderato, inclusive caso venham a ser interpretados de modo a incentivar que o lucro seja visualizado não só como causa para a constituição das sociedades empresariais, mas também como incentivo da concretização da função social da empresa, caso parcela dele venha a ser destinada ou repartida a sujeitos não-proprietarios envolvidos naquela relação empresarial. Em assim sendo, a busca do lucro deixaria de se constituir objeto de rejeição por parcela da sociedade, tornando-se elemento que agrega os interesses dos empresários, trabalhadores e consumidores, propiciando aumento da produtividade daquela atividade empresarial, gerando, pois, benefícios coletivos, o que contribui para a redução das desigualdades de nossa sociedade.”[16]


Do que se extrair que é a partir do instituto da preservação da empresa que a dignidade da pessoa humana estará assegurada e preservada. A atividade empresarial deverá atingir a sua função social, não se limitando apenas a aferir lucros para si, mas sim cooperar para com os interesses da sociedade que são os verdadeiros sujeitos daquela atividade empresarial.


3. A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA


3.1 AXIOLOGIA DOS PRINCIPIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Por axiologia entende-se filosofia de valores, particularmente os valores morais e nesse sentido a Ordem Econômica Brasileira está fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando ao respeitar esses valores fundamentais e constitucionais, construção de uma sociedade justa, livre e solidária sem prejuízo do desenvolvimento nacional.


O foco desse sistema de freios e contrapesos é lançar mão de todas as ferramentas disponíveis, sejam aquelas formalmente expressas no texto constitucional, como aquelas implícitas lançadas no mesmo texto, para a realização do contido no artigo 3º da Carta Magna.


Juarez de FREITAS lecionou que a Constituição Federal constitui o alicerce do sistema, utilizando uma ferramenta normativa para a sua interação na sociedade, qual seja a própria Constituição, enquanto “rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim se encontram consubstanciados, expressas ou implicitamente, na Constituição” [17].


Portanto, a interação do ordenamento constitucional na sociedade, o debate envolvendo direitos fundamentais e o direito privado encontra-se na ordem do dia, havendo por se privilegiar não só os direitos dos particulares, mas também os deveres destes para com toda a coletividade observadas, porém, as distinções envolvendo as relações mantidas exclusivamente entre particulares, e de particulares com agentes públicos. Assim, os operadores do Direito contribuem para solidificar a unidade do sistema, privilegiando a dignidade humana, em detrimento do sentimento individualista e patrimonialista.[18]


É convicto o entendimento de que o ordenamento jurídico é construído dos princípios e valores existentes na Constituição Federal, compostos por normas jurídicas e princípios e regras. Nesse sentido Edilson Pereira de FARIAS, no que tange a diferenciação entre o gênero e a espécie, assim expôs:


“A distinção lógica entre princípios e regras evidenciada nos casos de colisão de princípios e conflitos de regras, porquanto a maneira de solucioná-los é diversa. No caso de conflito entre regras, este é resolvido introduzindo uma cláusula de exceção ou declarando uma das regras inválida. Quando a primeira hipótese não for possível, só restará alternativa de afastar pelo menos uma das regras conflituosas, declarando-a inválida e expurgando-a do ordenamento jurídico. Esta é essencialmente uma decisão referente à validez de regras, uma vez que vale ou não vale juridicamente. Por seu turno, se o conflito de regras tem lugar na dimensão da validez, a colisão entre princípios (como só podem colidir princípios válidos) ocorre não à dimensão da validez, mas vai mais além, acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois princípios entram em colisão e um deles prevalece sobre o outro, isso não significa que o principio preterido deva ser declarado inválido, senão que sob determinadas condições um principio tem mais peso ou importância do que o outro e, em outras circunstâncias poderá ocorrer o inverso”.[19]


Paulo BONAVIDES, por sua vez, ressalta que “as regras vigem, os princípios valem; o valor neles se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais governam a Constituição, o regime, a ordem jurídica. Não é apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência” [20].


Estabelecidas tais premissas, e tendo em mente que o termo princípio esta sendo trabalhado com a idéia de norma jurídica vinculante, dotada de efetiva juridicidade e caráter universal, transcendendo, inclusive, determinadas decisões positivadoras do legislador, vinculando o próprio legislador constituinte, e que servem para orientar a interpretação e a aplicação de toda e qualquer norma, tanto que transgredir um princípio importa ofensa a superior a negativa de vigência do texto de lei.[21]


Em um breve resumo, quando no ordenamento jurídico brasileiro houver o conflito entre um princípio e uma norma, deverá se interpretar a norma com embasamento nos ensinamentos trazidos pelos princípios. Ou seja, os princípios possuem um papel axiológico em nosso ordenamento jurídico e na própria Constituição Federal, sob a finalidade de nortear a aplicação das normas e atingir o objetivo da Constituição Federal que é justamente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.


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3.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NÃO ESCRITOS


No que diz respeito à ordem econômica, é imprescindível a proteção da dignidade da pessoa humana, de modo que não se constitui um mero dever privativo do Estado, mas também dever de toda a sociedade, dos empresários e demais sujeitos atuantes no mercado.


Sob esse prisma, a preservação da empresa esta consignada de forma não positivada no texto constitucional com um dos princípios da ordem econômica, eis que, sob pena de não atingir os objetivos pretendidos, a sua aplicação no mundo fático torna-se o meio pelo qual a construção de uma sociedade livre, justa e solidária se torna viável.


Importante salientar, como já apontado pelo Professor Carlos Alberto Farracha de CASTRO, nem todos os princípios constitucionais estão escritos, como é o caso da segurança jurídica, que assim expôs:


“Embora tal princípio não esteja expresso no Texto Constitucional, podemos extrair sua formulação a partir dos princípios explícitos, como, v.g., o princípio da legalidade (art. 5º, II), a irretroatividade das leis e a proteção à coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI), o princípio do Juiz Natural (art. 5º, inc. XXXVII), o livre acesso ao Poder Judiciário (5º, inc. XXXV), o princípio da anterioridade tributária (art. 150, inc. III, “b”), entre outros. Da análise sistêmica dos dispositivos citados podemos sentir a preocupação do constituinte em garantir a estabilidade e seguranças jurídicas. Assim, o indivíduo somente estará submetido ao comando da lei, preexistente ao tempo da conduta. Caso este direito seja violado, poderá pleitear junto ao Poder Judiciário a resolução da lide, tendo certeza de que será julgado por um magistrado imparcial e que a sentença, após adquirir os tributos da definitividade e imutabilidade, nos temos da lei processual, terá posto fim à controvérsia que o afligiu. Nota-se, pois, que todo o sistema jurídico-constitucional será voltado para a realização desse princípio que, embora implícito, se reveste de capital importância para a estrutura do Estado de Direito”[22].


Ora, sob essa perspectiva falar em principio constitucional não-escrito, não é nenhum absurdo jurídico em si, visto que a própria Constituição Federal, ao tratar dos direitos fundamentais, asseverado pelo professor Farracha de CASTRO, em seu art. 5º, §§ 1º e 2º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e que os direitos e garantias expressas na Constituição não excluem os outros, decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte” [23], ou seja, a própria Constituição Federal abriu lacuna para princípios que nela já estava implícita, como é o caso em estudo.


Da análise do texto constitucional, não muito difícil, se encontra diversos princípios constitucionais não escritos, já ponderado por Paulo BONAVIDES que destacou o próprio princípio da proporcionalidade, extraída da interpretação das normas escritas no art. 5º, V, X e XXV, art. 7º, IV, V e XXI, art. 174 § 1º, onde se observa que “é na qualidade de princípio constitucional ou princípio geral de direito, apto a acautelar do arbítrio do poder o cidadão e toda a sociedade, que se faz mister conhecê-lo, já implícito e, portanto, positivado em nosso Direito Constitucional.” [24]


3.3. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DE EMPRESA


A Constituição Federal não reconhece expressamente o princípio da preservação de empresa, entretanto ao ser analisado o texto constitucional com maior parcimônia verifica-se o seu reconhecimento material, seja através da análise de seus fundamentos, seus objetivos ou até mesmo a finalidade da própria ordem econômica.


Da análise do modo de produção capitalista e a interação existente entre o capital econômico e a sociedade se verifica que o Princípio da Proteção de Empresa esta implicitamente prevista no ordenamento constitucional.


A influência que o universo econômico exerce sob o universo fático-social é explícito. Quando uma empresa se encontra em crise, com a possibilidade de “quebrar”, a sociedade sofre as conseqüências do infortúnio experimentado pelo empreendedor. Muito mais está em “jogo” do que a simples relação existente entre a empresa e seu mercado, eis que essa crise pode significar coisas distintas. Utilizado a sistematização do Mestre Paulo Ulhoa COELHO[25], essa crise pode ser distinguida como econômica, financeira e patrimonial, sendo que uma, em um sistema complexo e em suas relações econômicas, poderá desencadear na outra. Sem adentrar nos tipos de crises elencados pelo autor, esse sistema complexo pode ser fatal, gerando prejuízo não só para os empresários e investidores que empregaram o seu capital no desenvolvimento, como para credores e, em alguns casos, num encadear de sucessivas crises, também para outros agentes econômicos.


A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos e serviços, diminuição na arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo, nacional, como é o caso da Falência da Empresa Varing, que repercutiu no âmbito nacional[26] e a recente quebra do mercado imobiliário norte-americano que repercutiu efeitos nocivos à economia global.


Nesses moldes, é de suma importância a intervenção do Estado quando da crise sofrida por uma empresa. No Brasil, com o advento do novo Código Civil foi inovado com um livro específico para o Direito da Empresa, e em 2006 passou a viger a nova Lei de Falência introduzindo o procedimento para recuperação das empresas, em substituição à concordata. Demonstrando se assim a atuação do princípio da preservação da empresa, implicitamente existente no art. 170 da Constituição Federal, pois tão somente assim, em um sistema capitalista, que será alcançado o objeto do ordenamento constitucional.


Com o advento da Nova Lei de Recuperação da Empresa (Lei n. 11.101 de 2005), ficou comprovada a importância que a empresa representa para a sociedade. Motivo o qual, de forma sintética, chama o dirigente da empresa inadimplente, o Poder Judiciário, os credores e outros para encontrarem os meios legais e exeqüíveis, no sentido de restabelecer as condições econômico-financeiras da empresa em dificuldade. Do que se verifica a aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa, fundados na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa, largamente abordado pelo presente trabalho.


Ao trabalharmos com os princípios elencados no art. 170, I-IX da Constituição Federal de 1988, facilmente enxergamos os princípios da função social da propriedade, princípio da livre concorrência e busca do pleno emprego. Com o embasamento nos ensinamentos de Carlos Farracha de CASTRO, “não se pode falar em busca do pleno emprego, sem propiciar a preservação da empresa (…). Afinal, o exercício da atividade empresarial é a fonte de tributos e empregos. Ou seja, sem a preservação da atividade empresarial inexiste emprego, razão pela qual não há como valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte ficaria reservada ao seu emprego” [27]. Parafraseando Luiz Edson FACHIN, a busca pelo pleno emprego corresponde à preservação da empresa, de modo que, quando das dúvidas de emprego de regra que implique paralisação empresarial e regras que se destina a aplicar solução jurídica sem a paralisação, por óbvio dever-se-á aplicar esta ultima, sem sacrifícios de outros direitos dignos da regra jurídica.[28]


A preservação de empresa como principio constitucional não está estabelecido especificamente na busca pelo pleno emprego, mas também, dentre outros, o principio constitucional da função social da propriedade, visto que a Constituição Federal não admite a extinção de propriedades produtivas, o que seria uma incoerência em si, justamente quando da observância dos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho.


Falar em empresa é falar em propriedade. A empresa enquanto propriedade deverá atender sua função social, isto é, gerar benefícios não só para os seus proprietários ou acionistas, mas sim a toda a coletividade, seja para os trabalhadores, seja para os credores, para os fornecedores, na arrecadação de tributos pelo exercício da atividade econômica. Sendo assim, a Constituição Federal levou em conta a propriedade, considerada em sob o seu aspecto econômico, mas com evidentes reflexos sociais, que abrangem, primordialmente, a empresa, como atividade organizadora que é da propriedade em sua fase dinâmica, nesta reconhecida, como meio de produção. Sob essa perspectiva o Professor Carlos Alberto Farracha de CASTRO concluiu que o Legislador Constituinte defende a preservação da empresa, eis que, do modo contrário, não existiria uma função social concreta, desenvolvimento da atividade produtiva e seus efeitos diretos e indiretos na sociedade.[29]


O autor ainda ressaltou em seu Livro Preservação de Empresas que no postulado do estudo da ordem econômica, não está explicitamente previsto o instituto do principio da preservação, entretanto, quando da análise da ordem econômica e com uma interpretação extensiva, percebe-se, o entendimento da preservação da empresa como principio constitucional, ainda que não escrito, permite e facilitar o melhor entendimento da ordem econômica nacional, auxiliando na concretização dos direitos fundamentais, sobretudo a dignidade da pessoa humana.


Para melhor entendimento do instituto da preservação de empresas e a proteção de uma interpretação tendenciosa, o principio constitucional da preservação da empresa, não se aplica a toda e qualquer empresas, mas sim aquelas que atendem a sua função social, ou seja, aquelas em que, em caso de liquidação imediata gera efeitos graves e de difícil reparação na sociedade. Como é o exemplo das montadoras de veículos, que a exemplo, em razão de sua atividade fim, da geração de empregos diretos e indiretos, no recolhimento de tributos e demais interações com a sociedade, não é de seu interesse o fechamento, a liquidação imediata de uma dessas fábricas, de modo que, na maioria das vezes, o Estado aplica capital publico, na qualidade de empréstimos e ressalvas legais, com o intuito da preservação daquela entidade privada. Ou seja, o simples fechamento daquela instituição acarretaria prejuízos de difícil reparação no seio da sociedade.


No entanto, quando de uma empresa que, diga de passagem, cumpre com sua função social não é de interesse do Estado sua liquidação, mas sim sua manutenção, recuperação e preservação que deverá ocorrer de forma imediata. Nesse contexto, com a aplicação imediata do principio constitucional da preservação da empresa, o legislador ao redigir o artigo 1º e 47 da Lei n. 11.101/05, assim expôs:


Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referida simplesmente como devedora. (…)


Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”


Ou seja, princípio constitucional da preservação da empresa já é largamente aplicado pelo próprio legislador e pelo operador do direito, visto que, na maioria dos casos, a sociedade sofre mais com a liquidação imediata da atividade empresarial do que algum benefício.


Entretanto, como acima ressaltado, este princípio também se aplica quando da liquidação imediata de determinadas empresas, quando é o caso da preservação dos demais que funcionam naquele sistema, sob essa perspectiva Paulo Penalva SANTOS, esclareceu que nada poderia ser mais nocivo ao interesse público do que a preservação e manutenção das empresas ineficientes, visto que nem mesmo os interesses dos trabalhadores devem prevalecer em detrimento dos interesses dos demais contribuintes que pagam subvenções, e do conjunto da sociedade que sofrem com o desenvolvimento daquela atividade empresarial.[30] Ou seja, percebe-se que o instituto da falência propriamente dito, desempenha seu papel social ao tirar de circulação àquelas instituições privadas inescrupulosas e incompetentes, preservando as demais instituições da cadeia produtiva que preservem a manutenção dos empregos, dos interesses dos credores, do recolhimento de tributos e outros, atingindo, portanto, sua função social.


Em síntese, para a aplicação do art. 47 da Lei n. 11.101/05, deve-se efetuar uma analise do caso concreto, primando e ponderando a manutenção da unidade produtiva em detrimento dos credores, ou a liquidação imediata, evitando que seu estado de insolvência permaneça indefinido, abalando não só a comunidade envolvida, mas também a credibilidade do mercado. Cabe, portanto, ao operador do direito essa analise concreta, versado nos princípios e fundamentos norteadores da ordem econômica, com a análise do princípio constitucional da preservação de empresa, decidindo pela sua manutenção ou liquidação imediata.


Finalmente, ante o que foi exposto, se conclui que o princípio da preservação da empresa tem sua origem nos princípios da busca pelo pleno emprego e da função social da propriedade, sob o manto da orientação dos fundamentos da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, garantir a todos os brasileiros uma existência digna, sob os ditames da justiça social, conforme estabelecido no caput do artigo 170 da Constituição Federal Brasileira de 1988.


CONCLUSÃO


É indubitável que para o alcance dos objetivos fundamentais elencados no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, a saber, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com o pleno desenvolvimento nacional e a redução e erradicação das desigualdades e marginalização, bem como das diferenças regionais, é mister o papel desempenhado pela empresa no alcance do pretendido.


Para que todo o sistema social almejado se torne realidade, a estrutura empresarial deve ser devidamente regulamentada. Ou seja, além dos fundamentos que regem a ordem econômica nacional e os princípios constitucionais expressos no artigo 170 da Constituição Federal, é importante que haja o amadurecimento e reconhecimento do instituto da preservação de empresa como princípio constitucional não escrito.


O Direito Comercial Brasileiro, por muito tempo deixou de lado a figura da empresa, sendo que esta, na visão contemporânea, é a ferramenta que proporciona a manutenção da vida social em uma estrutura capitalista. Foi com o Código Civil de 2002, que inovou o ordenamento jurídico ao instituir em seu Livro II os Direitos da Empresa. Trata-se de uma inovação original, visto que o legislador nacional foi pioneiro em abordar o tema insculpido no Código Civil Pátrio, algo que não é usual nos ordenamentos jurídicos de outras nações.


Defender o instituto da preservação de empresa como principio constitucional da Ordem Econômica não implica em afirmar que a manutenção da atividade empresarial se aplica a todas as empresas. O princípio da preservação de empresa não se limite a atender os anseios individuais do empresário, mas sim salvaguardar os interesses da coletividade. Portanto, o princípio da preservação de empresa tem por escopo assegurar que a empresa atinja sua função social.


A função social da empresa reside no pleno desenvolvimento de suas atividades, ou seja, na atuação empresarial como organização dos fatores de produção destinados à criação e circulação de bens e serviços, com a geração de riquezas, empregos, tributos, desenvolvimento local, regional e nacional, aquecimento e movimento do mercado consumidor, reserva de capital responsável pela propulsão da representatividade do Estado no cenário nacional e internacional. Portanto, tão somente a partir do pleno desenvolvimento da atividade empresarial e por derradeiros as benesses essa atuação repercute na sociedade é que se deve gerir e preservação a instituição.


O instituto da preservação da empresa não é focado no interesse individual da pessoa do empresário, mas sim salvaguardar o interesse de toda a coletividade envolta daquela atividade empresarial. É tão somente a partir do pleno desenvolvimento da atividade empresarial que se proporciona tudo aquilo que foi descrito como função social da empresa.


Portanto, aquela empresa que descumpre com a sua função social e que a manutenção e preservação de suas atividades se tornem nociva e de difícil reparação, lhe é defeso a sua preservação, propriamente dita, pelo Ordenamento Jurídico. Dessa forma o Principio da Preservação da Empresa geraria seus efeitos negativos incidentes sobre aquelas empresa que descumpre sua função social, seja porque o seu exercício é feito de forma ilícita, seja pelo fato do desenvolvimento de suas atividades se de em desconformidade com as normas técnicas e de segurança de trabalho, seja porque aquela empresa gera efeitos gravosos ao meio ambiente, de difícil e até mesmo nula reparação, seja pelo alto índice de acidentes de trabalho em razão da negligencia do fornecimento de equipamentos de proteção individual, seja porque não há respeito à Legislação Trabalhista, Previdenciária e Tributária, em fim, seja pelo exercício nocivo a sociedade.


A função social da empresa visa, sobretudo, o interesse da própria empresa, quando do seu processo produtivo, da geração de renda, de empregos, de lucro, de tributos, do desenvolvimento, da preservação dos interesses da coletividade e de outras empresas do ramo, visto que é tão somente a partir do exercício concorrente e da competição pela preferência do mercado consumidor que o usuário final tem o seu quinhão de direitos e vantagens garantidos.


E nesse seara que o Legislador Constituinte não se limitou em apontar os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, ele preencheu as lacunas existente e instituiu os preceitos, regras e princípios que deveram ser observados e respeitados. Dessa forma, a Ordem Econômica Nacional foi alicerçada sobre os pilares de princípios fundamentais, que fomentam e garantem a dignidade da pessoa humana.


Princípios fundamentais são aqueles que representam as decisões políticas o Legislador Constituinte. São normas que dão estrutural fundamental ao Estado. Estão grafados por um grau de generalidade maior que os princípios gerais e os setoriais. Dessa forma, ao se estudar os fundamentos da Ordem Econômica Brasileira, o artigo 170 da Carta Magma, observam-se como pilares os princípios constitucionais da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano, para o alcance do objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil que é justamente tudo aquilo relacionado no artigo 3º do mesmo texto, a priori a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a garantia do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, com um alto grau de generalidade incidente sobre o texto constitucional. Para que tais objetivos sejam alcançados, em conformidade com a realidade jurídica, econômica e social é fundamental que a doutrina perceba o princípio não escrito insculpido no artigo 170, que é justamente a preservação da empresa.


O Ordenamento Jurídico Brasileiro pode ser dividido doutrinariamente em Direito Público e Direito Privado. É no seara do Direito Público, em um sistema de economia capitalista sob a figura da empresa, que se poderá falar em manutenção de toda essa estrutura jurídica que conhecemos. A preservação da empresa esta implícita em uma série de normas jurídicas, procedimentos e tendências jurisprudenciais destinadas a salvaguardar os interesses daqueles que exploram a atividade econômica. Para tal, é necessário abordar regras destinadas a manutenção do aparelho jurídico, seja sociedade, seja pessoa jurídica, seja a própria atividade organizada, caracterizando-se, mais uma vez, a incidência do princípio da preservação da empresa.


Ora, a empresa contribui para a elevação dos campos de trabalho, para a melhoria das condições de vida, para o aumento do poder aquisitivo, para a arrecadação tributária e desenvolvimento político-econômico do país. É nesse patamar que o Princípio da Preservação da Empresa deverá incidir e co-relacionar harmoniosamente com os Princípios da Soberania Nacional Econômica, da Livre Iniciativa, da Livre Concorrência e Princípios de Integração, defendidos José Afonso da SILVA, garantido a manutenção da Ordem Econômica Nacional.


A Ordem Econômica Brasileira, conforme largamente difundida, foi fundamentada em dois princípios constitucionais, a saber: os princípios da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano, além de ter os princípios expressos no rol do artigo 170 da Constituição Federal, onde se vê insculpido de forma implícita o princípio da preservação da empresa.


É a partir da interação dos preceitos, fundamentos e princípios constitucionais, expressos ou não, que se poderão garantir a todos brasileiros uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.


Nesse seara, através dos ditames da justiça social e da busca pelo pequeno emprego, que se visa propiciar o trabalho e todas as condições inerentes, no sentido de que o cidadão possa ingressar na atividade produtiva. Trata-se de um modo de viabilizar o meio produtivo e as relações de consumo, eis que é fundado na valorização do trabalho humano, um dos principais fundamentos da Ordem Econômica Brasileira.


A existência digna, consignada no objetivo fundamental da dignidade da pessoa humana, constitui núcleo essencial dos direitos humanos. Está indissociavelmente vinculada às idéias de liberdade e de igualdade, constitui-se o eixo axiológico em torno do qual deve ser construído a fundamentalizar e legitimar o Legislador Constituinte como limite ao exercício do seu próprio poder.


Portanto, é a partir da aplicação em larga escala do princípio da preservação de empresa que a dignidade da pessoa humana estará assegurada. A atividade empresarial devera atingir a sua função social e não se limitar a auferir lucros, mas sim cooperar para com os interesses da sociedade que são os verdadeiros sujeitos da atividade empresarial. A Empresa, o Estado e a Sociedade não existem por si, todos devem relacionar-se entre si, de forma harmoniosa, visando sem garantir a preservação dos interesses coletivos e, sobretudo da dignidade da pessoa humana.


A dignidade da pessoa humana não é um dever privativo do Estado, mas de toda a sociedade, dos empresários e sujeitos atuantes no mercado. Sendo assim, a preservação da empresa é erigida a principio constitucional, sob a pena de, com a sua negação, não ser alcançado os objetivos fundamentais pretendidos, dentre os quais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, pautada no desenvolvimento nacional e na dignidade da pessoa humana.


 


Referências

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Notas:

[1] SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 107.

[2] TURCZYN, Sidnei. O direito da concorrência e os serviços privatizados. In: SUNDFELD, Carlos Ari. (Coord.) Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 201.

[3] HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. In: CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação de empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. p.40.

[4] PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. 4. ed., rev., ampl. e atual. Nova Friburgo: Imagem Virtual, 2002. p. 382.

[5] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr. 2004. p. 34.

[6] GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Mallheiros, 2000. p. 222.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 774.

[8] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. v.7, São Paulo: Saraiva, 1990. p. 16.

[9] GRAU, Eros Roberto, op. cit. , p. 231.

[10] SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 775.

[11] DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

[12] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. p. 155.

[13] Ibidem, p. 161.

[14] MEDINA, Leila Regina Diogo Gonçalves. A dignidade da pessoa humana como fundamento da Ordem Jurídica Brasileira. In: ALVES, Fernando de Brito.; CAMBI, Eduardo.; KLOCK, Andrea Bulgakov. (Orgs.). Direitos fundamentais revisitados. Curitiba: Juruá, 2009. p. 285-307.

[15] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Op. cit. p. 170.

[16] Ibidem, p. 173-174.

[17] FREITAS, Juarez de. A Interpretação Sistemática do Direito. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 46.

[18] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Op. cit., p. 22.

[19] FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996. p. 26-27.

[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 260.

[21] CASTRO, Carlos Alberto Ferreira de. Op. cit., p. 23-24.

[22].PERRINI, Raquel Fernandes. Os princípios constitucionais implícitos. Revista dos Tribunais – Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 5, n. 17, p. 113-169, out./dez. 2002.

[23] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Op.cit. p. 42.

[24] BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 395.

[25] COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários a Nova Lei de Falencias e de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 4. ed. São Paulo:Saraiva, 2007. p. 21-23.

[26] Ibidem, p. 24-25.

[27] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Op. cit., p. 43.

[28] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimonio Minimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 99.

[29] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Op. cit., p. 45.

[30]SANTOS, Paulo Penalva. Nota aos Comentários à Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661 de 21 de junho de 1945). In: VALVERDE, Trajano Miranda. Direito Civil. v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 31.


Informações Sobre o Autor

Emerson dos Santos Varella

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil


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