Resumo: Com a atual realidade do Brasil, as prisões cautelares, lamentavelmente, têm sido usadas como resposta à opinião pública, que clama por “justiça”, de acordo com o que a mídia nos mostra. Nesse artigo visamos abordar as mudanças trazias pela lei 12.403/2011: analisaremos a prisão em flagrante, como pré-cautelar e as três modalidades de prisões cautelares existentes no nosso ordenamento jurídico, quais sejam: preventiva, temporária, e domiciliar.
Palavras-chave: Código de Processo Penal – Lei 12.403/2011 – Flagrante – Prisões
Quando a prisão resulta de sentença condenatória, transitada em julgado, que impôs o cumprimento de pena privativa de liberdade, chama-se de prisão penal. Para chegar-se a prisão penal, deve haver o devido processo penal, com observância de todas as garantias.
A prisão penal é o resultado da pretensão punitiva estatal, e se caracteriza por ser definitiva. Muito embora o seu uso venha sendo reduzido ao mínimo necessário, ela representa um mal do qual não podemos prescindir.
A prisão cautelar é decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e visa assegurar a eficácia da investigação ou do processo, garantindo a sua instrumentalidade. É medida excepcional, onde não é analisada a culpabilidade do agente, mas, sim, a sua periculosidade.
Para Lima (2011, p.78)
“Em um estado que consagra o princípio da presunção de não culpabilidade, o ideal seria que a privação da liberdade de locomoção do imputado somente fosse possível por força de uma prisão penal, ou seja, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Todavia, entre o momento da prática do delito e a obtenção do provimento jurisdicional definitivo, há sempre o risco de que certas situações comprometam a atuação jurisdicional ou afetem profundamente a eficácia e utilidade do julgado. Daí o caráter imperioso da adoção de medidas cautelares, a fim de se atenuar o risco”.
A prisão cautelar se caracteriza como uma providência urgente que objetiva uma prestação jurisdicional mais justa em prol do estado no processo penal. A prisão cautelar não pode ser decretada para dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, sob pena de se desvirtuar da sua natureza instrumental (LIMA, 2011, p.79).
Em suma, a prisão penal é o exercício do direito de punir do Estado, enquanto que a prisão cautelar é uma forma de prevenção de um eventual direito de punir, através da qual se pretende eliminar os riscos à instrução do processo ou à eventual aplicação da lei penal (NICOLITT, 2011, p.46-47).
Antes da lei 12.403/2011 o art. 283 do CPP, dizia que “a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, após a reforma, o referido artigo passou a dispor que,
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. [grifos nossos].
Lamentavelmente, no Brasil, as prisões cautelares têm sido usadas como resposta à opinião pública, que clama por “justiça”. E essa justiça, obrigatoriamente, deve ser penal e com grades. Conforme bem concluiu LOPES JÚNIOR (2011, p.31) “o problema não é legislativo, mas cultural”.
Com as mudanças trazias pela lei em análise, existem apenas três modalidades de prisão cautelar no processo penal brasileiro atual, quais sejam: preventiva, temporária e domiciliar.
O art. 300 dispõe que os presos provisórios deverão ficar separados dos presos definitivos, nos termos da Lei de Execução Penal. Mudança sutil, mas significativa e promissora da lei 12.403, tendo em vista que o antigo texto dizia que “sempre que possível, as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas”. [grifo nosso]
Adequou-se o CPP a LEP e a Convenção Americana de Direito Humanos, que já previam a separação dos presos. Agora o Estado é obrigado a buscar meios de separa-los. Trata-se de reflexo da presunção de inocência como regra no tratamento, não pode ser visto como benefício, mas como tratamento digno àqueles que são presumidamente inocentes.
Com a alteração, passou a ser norma obrigatória, caso não se tenha condições de cumprir a medida, estará configurado constrangimento ilegal, devendo a prisão ser substituída por outra medida, ou relaxada.
Passaremos a analisar as prisões cautelares em espécie.
PRISÃO EM FLAGRANTE: PRÉ-CAUTELAR
A prisão em flagrante está prevista na Constituição Federal, em seu art. 5.º, LXI, e tem caráter pré-cautelar, pois não visa garantir o resultado final do processo, tem como objetivo colocar o preso à disposição do juiz, que, por sua vez, deve optar ou não por aplicar alguma medida cautelar.
Por essa razão a detenção em flagrante delito deverá ser comunicada ao juiz no prazo máximo de 24 horas, conforme artigo 306, da lei 12.403/2011. Esse prazo é inovação da referida lei, dado que o CPP não fixava limite para a comunicação do flagrante a autoridade judiciária.
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.”
O art. 310 corrobora a ideia de pré-cautelaridade do instituto, uma vez que o juiz não pode manter ninguém preso em flagrante, devendo, se for o caso de continuar no cárcere, converter a prisão em preventiva.
“Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.”
A prisão em flagrante só se justifica pela brevidade de sua duração, visto que o magistrado deve ser comunicado em até 24horas e decidir entre o relaxamento, a conversão em prisão preventiva, a decretação de outra medida cautelar alternativa à prisão preventiva, ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
Não pode mais um sujeito ficar preso em flagrante por vários dias, como acontecia no Brasil, onde pessoas ficavam presas em flagrante muitas vezes durante toda a investigação. Salienta-se que para o caso da manutenção da restrição da liberdade, agora como prisão preventiva, a decisão deve ser fundamentada pelo juiz.
Nas lições de Bonfim (2011, p.75) o art. 310, modificado pela Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011, consagrou uma ruptura na forma com que vinha sendo tratada a prisão em flagrante.
O flagrante pode ser realizado por qualquer pessoa do povo, flagrante facultativo, ou por agentes policiais, flagrante obrigatório, e tem natureza administrativa, pois trata-se do poder de polícia estatal, que pode ser conferido a qualquer pessoa. Segundo Nucci (2011, p.54) a autorização constitucional para a concretização de uma prisão cautelar, sem ordem judicial. Decorre da legítima defesa da sociedade, em função da ocorrência delituosa.
Cumpre salientar que qualquer pessoa pode realizar a prisão em flagrante, mas somente o magistrado poderá mantê-la (art.310, II, op. cit.).
O art. 302, do CPP, elenca quatro hipóteses de flagrante, vejamos de forma breve: flagrante próprio: estar cometendo a infração penal ou ter acabado de cometê-la; flagrante impróprio: ser perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; flagrante presumido: ser encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser o autor da infração.
A prisão em flagrante deve ser formalizada diante da autoridade competente, com a oitiva da pessoa que deu a voz de prisão, das testemunhas que presenciaram e do detido (este, por sua vez, tem o direito ao silêncio).
Destacamos que a lei 12.403, alterou o art. 306, do CPP, tornando necessária a ciência ao Ministério Público, também, da prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre. O Ministério Público é parte imparcial ou fiscal da lei no processo criminal, podendo requerer o relaxamento da prisão em flagrante ou a liberdade provisória do detido.
Por fim, se houver falha, seja na legalidade do flagrante ou nas formalidades legais, a prisão se torna ilegal, devendo o juiz relaxá-la de pronto, sem qualquer condição ou pagamento de fiança, entretanto, o inquérito poderá continuar, mas o agente estará em liberdade.
No caso de flagrante legal, mas não sendo necessária a privação da liberdade do acusado, enquanto é feita a investigação ou durante o andamento do processo, deve ser concedida a liberdade provisória, com ou sem fiança. Caso seja extremamente necessário manter o sujeito privado de sua liberdade, o magistrado deve, de forma fundamentada, converter a prisão em flagrante em preventiva, todavia, esta deve ser a última das medidas aplicáveis, quando todas as outras medidas cautelares diversas da prisão se mostrarem inadequadas ou insuficientes.
Em síntese, a prisão em flagrante visa impedir a continuidade delitiva e pôr fim ao estado de flagrância do sujeito. Assim, a prisão se faz necessária apenas para cessar a prática criminosa, não sendo bastante, sob essa condição, para a manutenção do réu em custódia cautelar durante todo o processo (BONFIM, 2011, p.76).
PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária é a prisão cautelar que tem como finalidade auxiliar a investigação criminal, podendo ser decretada apenas na fase de inquérito policial, jamais na fase processual, ou seja, após ser recebida a denúncia não cabe mais a prisão temporária, apenas a preventiva.
É decretada pelo magistrado, mas ele não pode fazer de ofício, deve esperar a provocação do parquet ou da autoridade policial. Importante ressaltar que o fato de o juiz ter decretado a prisão temporária não o tornará suspeito para a ação penal.
Antes de aplicar a medida de restrição da liberdade, através da prisão temporária, o juiz deve observar se as medidas cautelares trazidas pela lei 12.403 não se mostram mais adequadas e menos gravosas para o fim que se objetiva.
A maior problemática desta modalidade de prisão encontra-se na sua institucionalização no nosso ordenamento jurídico: ela foi criada pela Medida Provisória n.º 11, de 1989. Mesmo sendo competência exclusiva da União legislar sobre matéria penal e processual penal (art. 22, I, da CF), o Poder Executivo o fez através da Medida Provisória citada, que, posteriormente, foi convertida na Lei n.º 7.960/1989. Ressalta-se que a conversão da medida em lei não sana o vício de origem (LOPES JÚNIOR, 2011, p.144).
O surgimento da prisão temporária deu-se pela “necessidade” da “prisão para averiguação”, não mais permitida. Ou seja, veio para satisfazer o interesse da polícia, que pode dispor do imputado, pelo prazo determinado, ao seu bel prazer.
Para Lopes Júnior (2011, p.144-145)
“Ao contrário da prisão preventiva, em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e, se a polícia quiser conduzi-lo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação, deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz, a prisão temporária lhes dá plena autonomia, inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia. Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maus-tratos, especialmente das ardilosas promessas do estilo “confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba”.”
Os requisitos da prisão temporária estão previstos na Lei n.º 7.960/1989, em seu art. 1.º: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro.
O inciso I e II dizem respeito ao periculum libertatis, enquanto que o inciso III trata do fumus commisi delicti. Todos os incisos devem ser interpretados em conjunto, só podendo ocorrer a prisão de alguém suspeito de ser autor ou partícipe dos crimes do inciso III, cujo rol é taxativo, e quando imprescindível para a investigação.
O prazo da prisão temporária é determinado: 05 dias, prorrogáveis por igual período; 30 dias, prorrogáveis por igual período, em se tratando se crime hediondo. Em ambos os casos a prorrogação deve ser autorizada apenas em extrema e comprovada necessidade.
Cumpre frisar que é imposta sanção (abuso de autoridade) para o caso de o imputado não ser posto em liberdade findado o prazo da medida. Todavia, pode o imputado ser posto em liberdade antes de acabar o prazo da medida, pela própria autoridade policial, sem intervenção judicial, bastando não existir mais a necessidade de manter a custódia. Caso decorra o prazo e ainda se mostre necessária a medida, a prisão pode ser convertida em preventiva.
Vale a leitura de parte do voto do Min. Eros Grau, no julgamento do HC n.º 95.0009-4/SP (apud LOPES JÚNIOR, 2011, p.149-150), acerca do assunto:
“[…] O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindo-se a necessidade e indispensabilidade da medida. Daí que a primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5.º, n. LXIII) – e o temos afirmado aqui exaustivamente –, o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que exerça uma faculdade! Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evita-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o suspeito se quiser, sem necessidade de prisão.
31. Tampouco se pode acolher a prisão para impedir que provas sejam destruídas sem que o suspeito tenha dado qualquer motivo para que se afirme essa possibilidade. Na dicção do Ministro CELSO DE MELLO, para tanto é indispensável “base empírica idônea”.
32. Não falta quem diga que a prisão temporária é, às vezes, a “única punição” que o suspeito sofre. Mas prisão cautelar não é pena, de sorte que a circunstância de ter sido ela o único constrangimento por ele suportado consubstanciará prova cabal de que, não tendo sido condenado, o acusado não merecia ser punido.
33. Pior ainda é o argumento da “agilização” da investigação. Pois antes de ser ágil é preciso que ela seja legal e necessária, inexistindo qualquer outra via para o seu curso”. [grifos do autor]
No Estado Democrático de Direito a liberdade é a regra constitucional, por isso dizer que prender para depois investigar (como de fato ocorre na prisão temporária) é incompatível com o nosso ordenamento jurídico, violando, sobremaneira, a Constituição Federal, em especial o princípio da presunção de inocência.
PRISÃO PREVENTIVA
Ao contrário do flagrante, a prisão preventiva é regida pelo princípio da reserva de jurisdição e só pode ser decretada por juízes ou tribunais, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, em decisão fundamentada. Se for decretada durante o processo, pode ser feita de ofício pelo juiz.
Não sendo decretada de ofício, no curso da ação penal, deve partir de requerimento expresso do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou de representação da autoridade policial.
A possibilidade de o juiz decreta-la de oficio, já existia antes da reforma do CPP. Nesse ponto, pode-se dizer que a lei 12.403 não representou avanço para o processo penal, uma vez que apenas restringiu essa possibilidade para durante o “curso da ação penal”. Deste modo o juiz assume postura inquisitória, comprometendo a sua imparcialidade na causa.
Como bem aduz Lopes Júnior (2011, p.70) “assim, ao decretar a prisão preventiva de ofício, assume o juiz uma postura incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório e, principalmente, com a estética de afastamento que garante a imparcialidade.”. [grifos do autor]. Nesse mesmo sentido, lição de Nucci (apud GOMES e MARQUES, 2011, p.139):
“É mais uma mostra de que o juiz, no processo penal brasileiro, afasta-se de sua posição de absoluta imparcialidade, invadindo seara alheia, que é do órgão acusatório, decretando medida cautelar de segregação sem que qualquer das partes, envolvidas no processo, tenha solicitado”.
Em estando o crime elencando no rol do art. 1.º, III, da Lei n.º 7.960/1989 (prisão temporária), somente pode ser utilizada como prisão cautelar, a preventiva. De outra banda não podemos considera-la como antecipação da pena, pois estaria violando o princípio constitucional da presunção de inocência.
A nova lei não fixou prazo para o cumprimento da prisão preventiva, podendo durar enquanto houver necessidade da custódia. Entretanto, usa-se por analogia os prazos já previstos em lei e a jurisprudência tem avaliado a sua duração de acordo com a necessidade concreta de cada caso.
O CNJ, por sua vez, considerando de extrema necessidade a revisão da manutenção das prisões provisórias editou a Resolução 66, que trata do assunto em seu art. 3º “verificada a paralisação por mais de três meses dos inquéritos e processos, com indiciado ou réu preso, deverá a Secretaria ou o Cartório encaminhar os autos imediatamente à conclusão do juiz para que sejam examinados”. Tal medida faz com que os presos preventivos não sejam “esquecidos” nas prisões.
O artigo 312 da lei estabelece os requisitos para a decretação da prisão preventiva: a) como garantia da ordem pública; b) como garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal; ou d) para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
De acordo com Nucci (2011, p.63)
“O legislador poderia ter ousado, definindo ou detalhando o que vem a ser cada um dos fatores da prisão preventiva, ao menos os mais abrangentes, como garantia da ordem pública e da ordem econômica. Não o fez, possivelmente para continuar tolerando seja o juiz o protagonista da conceituação, conforme o caso concreto”.
Tendo em vista que o artigo 312 não sofreu modificação, apenas foi acrescentado um parágrafo único, os requisitos para o decreto da prisão preventiva continuam os mesmos “o que se lamenta, uma vez que se perdeu importante oportunidade para se adequar o texto aos ditames constitucionais”, conforme bem leciona Nicolitt (2011, p.67).
O requisito da custódia para assegurar a aplicação da lei penal, visa proteger o resultado útil do processo, ou seja, evitar fuga ou desaparecimento do acusado. Para tanto, deve haver indícios que respaldem a suspeita de fuga.
Para Carnelutti (1950 apud LOPES JÚNIOR, 2011, p.73):
“Quando se diz que para emitir um mandado de prisão é necessário que existam indícios suficientes de culpabilidade, “não se está dizendo nada”. A proposição “indícios suficientes” não diz nada. Como questiona o mestre italiano, devem ser suficientes, isso é óbvio, mas para quê? Sem indícios suficientes, sequer uma acusação pode ser formulada. Qual é o valor das provas de culpabilidade exigido para que o imputado possa ser detido? Será aquele mesmo que é necessário para ser processado?” [grifos do autor].
A conveniência da instrução criminal diz respeito, por exemplo, as tentativas de suborno de testemunhas ou peritos, destruição de provas etc.. Situações em que se mantem o acusado sob custódia, para se averiguar de forma clara os fatos. Entretanto, não se pode confundir com o direito constitucional ao silêncio e de não produzir prova contra si. Conforme Delmanto Junior (2001, p.173) “as mencionadas atitudes contrárias ao interesse da instrução jamais podem se caracterizar pela negativa do acusado em colaborar, em função dos direitos ao silêncio e à ampla defesa.”.
O projeto de Lei 4.208/2001, que deu origem à Lei 12.403/2011, em seu texto original, não previa a prisão preventiva para “garantir a ordem pública e a ordem econômica”, entretanto, o texto foi alterado e a Lei foi promulgada com esses dois fundamentos da prisão, os quais devem ser observados isoladamente, ou seja, basta que exista um para justificar a aplicação da medida cautelar.
Os conceitos de garantia de ordem pública e garantia da ordem econômica são muito vagos, o que os torna alvo de severas críticas pela doutrina.
Costumam conceituar a “ordem pública” como o “clamor público”, para os crimes que geram um abalo social, com grande repercussão e comoção na sociedade, ou que são cometidos com maior gravidade e brutalidade. Como exemplo desse conceito, citamos Nucci (2011, p.63):
“Devemos conferir a garantia da ordem pública um significado realmente concreto, distante de ilações ou presunções de gravidade abstrata de qualquer infração penal.
A garantia da ordem pública envolve a própria segurança pública, não sendo necessário abranger toda uma cidade, bastando um bairro, uma região ou uma comunidade. Demanda quesitos básicos como gravidade concreta do crime, repercussão social, maneira destacada de execução, condições pessoais negativas do autor e envolvimento com quadrilha, bando ou organização criminosa.
Tais elementos não precisam ser encontrados cumulativamente, bastando que exista, pelo menos, um binômio, como regra.”
Nessa senda, a prisão seria a resposta do Estado à sociedade, resguardando a credibilidade da Justiça. Para os que defendem, trata-se de medida de segurança, imposta ao acusado perigoso, para impedi-lo de reiterar a atividade ilícita.
Com relação à garantia da ordem econômica, Nucci (op. cit.) defende que é uma espécie de gênero, já que, quando abalada, gera gravame na ordem pública, usado para os crimes de colarinho branco. Usa-se a magnitude da lesão econômica para justificar a prisão cautelar, afastando a sensação de impunidade.
Em contrapartida, para Lopes Júnior (2011, p.90)
“As medidas cautelares não se destinam a “fazer justiça”, mas sim garantir o normal funcionamento. Logo, são instrumentos a serviço do instrumento processo; por isso, sua característica básica é a instrumentalidade qualificada ou ao quadrado.
[…] Só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional.
[…] As prisões para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e, portanto, são substancialmente inconstitucionais.
Trata-se de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizando-as indevidamente como medidas de segurança pública.”
Na mesma seara, Delmanto Junior (2001, p.95) afirma:
“Não resta dúvida de que nessas hipóteses a prisão provisória afasta-se, por completo, de sua natureza cautelar instrumental e/ou final, transformando-se em meio de prevenção especial e geral e, portanto, em punição antecipada uma vez que uma medida cautelar jamais pode ter como finalidade a punição e a ressocialização do acusado para que não mais infrinja a lei penal, bem como o consequente desestimulo de outras pessoas ao cometimento de crimes semelhantes, fins exclusivos da sanção criminal”. [grifos nosso]
Em síntese, os conceitos são vagos e indeterminados, gerando uma grande polêmica doutrinária. Ressalta-se que concordamos com Lopes Jr. e Delmanto Jr.: a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica deturpa a finalidade das cautelares, uma vez que antecipa os objetivos da pena, violando, assim, a presunção de inocência constitucional, sendo, deste modo, inconstitucional.
Portanto, ao nosso ver, os únicos fundamentos, constitucionalmente válidos, para a prisão previstos no art. 312 do CPP são: o risco à instrução processual e o risco à aplicação da lei penal.
PRISÃO DOMICILIAR
Essa modalidade de prisão preventiva está prevista na Lei 12.403/2011 nos artigos 317 e 318, do capítulo IV “Da prisão domiciliar”, mas já existia no ordenamento jurídico no art. 117, da LEP.
“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I – maior de 80 (oitenta) anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”
Diverge do recolhimento domiciliar (art. 319, V), no sentindo de que trata de prisão domiciliar por motivos pessoais do agente, de natureza essencialmente humanitária, enquanto na primeira o agente tem liberdade para trabalhar durante o dia.
Trata de medida cautelar substitutiva a prisão preventiva, deste modo está submetida aos mesmos requisitos e princípios, e está limitada às condições previstas nos incisos do art. 318. Os requisitos devem ser comprovados por meio de certidão de nascimento ou laudo médico.
Informações Sobre os Autores
Ana Luiza de Lemos Nobre
advogada especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UniRitter – POA
Carine Brum da Costa Moreira
Advogada desde 2005. Especialista em Direito Processual Civil pela UNIDERP
Henrique Giusti Moreira
Advogados desde 2003.Trabalha na empresa Vellinho Soares Signorini e Moreira advogados associados. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis e CETRA
Taiane da Cruz Rolim
Advogada