Resumo: O presente artigo visa analisar a questão da SAP – Síndrome da Alienação Parental, ou seja, daquela situação em que o guardião (geralmente a mãe) de uma criança ou adolescente o programa para que, depois da separação ou divórcio, odeie o genitor (geralmente o pai) não guardião, lançando mão de ardis condenáveis, tais como a maledicência, mentiras, falsas acusações etc. Sob esse viés será feita uma análise da SAP na sua forma mais extremizada, qual seja a denúncia de abuso sexual (incesto), abordando-se também sua manifestação maléfica por meio do manejo de cautelares para arrefecer ou extirpar os laços afetivos existentes entre o agente não guardião e o agente alienado. Considerando-se a imaterialidade que envolve o tema em apreço é que focalizar-se-á a perícia psicológica, ressaltando-se a excelência do labor da metodologia psiquiátrica no Direito. Por último, serão apontadas as medidas profiláticas e punitivas acerca da SAP, algumas das quais foram recepcionadas pelo Projeto de Lei 4.053/2008, além de decisões judiciais sobre o assunto, ressaltando-se a função dos operadores da ciência jurídica (promotores, advogados, peritos, assistentes sociais etc.) diante do quadro alienatório, destacando-se o papel da magistratura. Em seguida, efetuar-se-à uma reflexão conclusiva sobre o assunto em testilha, tendo por leme aspectos voltados para a sensibilidade humana presentes no homem-médio.
Palavras-chave: Responsabilidade-parental. Dano-afetivo. Alienação. Psiquismo. Direito.
Abstract: The present article is going to analyze the Parental Alienation Syndrome (PAS) issue, specially on that situation that the guardian (generally the mother) of an infant or adolescent undermines the relationship that the child has with the other parent (generally the father), after the divorce in order to make the child hate the target parent, making use of condemnable tricks, such as the malicious gossips, lies, false accusations etc. Under this perspective will be developed an analysis of the PAS on it’s most extreme form, such as denunciation of sexual abuse (incest), commenting also it’s harmful manifestation by entering with precautionary requests in courts, aiming to refresh or to eradicate the existing affective ties between the not guardian agent and the alienated agent. Considering the inmateriality that involves the subject in regard, it is necessary to focus on the psychological expertise, outstanding the excellence of the psychiatric methodology working in the Law. At last, will be discussed the punitive and preventive measures about the PAS, in which some of them will be received by the Brazilian Project of Law number 4.053/2008, and to illustrate better this article, will be brought some judgments about this subject, valuing not only the function of the Law scientists (prosecutors, lawyers, experts, social workers etc.) towards the alienation problems, but also the paper of the magistracy on their decisions. And to conclude, will be made reflection about the general matter in this article, in concern to the aspects of the human sensibility present in the ordinary man.
Keywords: Parental responsibility. Affectionate mischief. Alienation. Psychism. Law.
Sumário: 1. Proêmio. 2. Abordando o tema da alienação parental. 3. A extremização da SAP por meio da denúncia de abuso sexual através de cautelares para cessar os laços afetivos entre o pai e o agente alienado. 4. O Poder Judiciário e a perícia psicológica: redesenhando o papel da prova a partir da metodologia psiquiátrica. 5. Solução dos casos de SAP: uma questão de uso da razão, acuidade e sensibilidade. 6. Conjecturas à guisa de conclusão. Referências bibliográficas.
1. Proêmio
À luz da noção da responsabilidade familiar o estudo em tela abordará o tema da alienação parental como síndrome nefasta às relações familiares a partir de sua conceituação e manifestações desde as mais mascaradas até as mais graves, tais como a denúncia de abuso sexual (incesto).
Ressaltar-se-à a SAP – Síndrome da Alienação Parental como perniciosa também à ciência jurídica por possibilitar a movimentação da máquina judiciária, através da interposição maliciosa de ações cautelares como meio de obstacularizar ou romper, por longo lapso temporal, o liame afetivo entre o não-guardião e o infante/adolescente alienado.
Engajando-se aspectos de cunho probatório para a detecção da SAP, serão analisadas as provas pericial, testemunhal e documental, além da atinente à denúncia de incesto (exame de corpo de delito).
Pelo fato da matéria incitar um “mergulho” no campo da subjetividade, serão abordadas a Psiquiatria e a Psicologia, enfatizando-se a relevância de ambas áreas do saber médico como pilares essenciais para o futuro embasamento de justas decisões jurídicas acerca da SAP.
Apontar-se-ão as medidas profiláticas e punitivas relacionadas com a SAP, as quais também foram alvo do Projeto de Lei nº 4.053/2008, além de alguns arestos jurisprudenciais sobre o assunto, ressaltando-se o papel dos operadores da ciência jurídica diante do quadro alienatório, mormente o do juiz, por representar a instância primeva adonde a contenda apresenta suas nuances iniciais.
E, em seguida, será efetuada uma reflexão sobre o tema em apreço, tendo por base questões puramente voltadas para a sensibilidade e razão humanas presentes no homem-médio.
Por derradeiro, advirta-se que esta abordagem não pretende ser definitiva, contudo flexível e aberta, com o escopo de conferir continuidade ao debate, em face dos ideais maiores que lastreiam a família nesse milênio, quais sejam a afectio e a responsabilidade parental.
Logo, eis aí o contexto temático que permeia o delineamento científico imiscuído no presente artigo.
2. Abordando o tema da alienação parental
“Jasão[1] corre para a casa de Medéia a [sic] procura de seus filhos, pois ele agora teme pela segurança deles, porém chega tarde demais. Ao chegar em sua antiga casa, Jasão encontra seus filhos mortos, pelas mãos de sua própria mãe, e Medéia já fugindo pelo ar, em um carro guiado por serpentes aladas que foi dado a ela por seu avô o deus Hélios. Não poderia ter havido vingança maior do que tirar do homem sua descendência.[2]”
A transcrição do excerto mitológico acima guarda liame com a peça escrita por Eurípedes, dramaturgo grego, no ano de 431 antes de Cristo e serve de ilustração para a abordagem inicial do tema do artigo em tela, por ressaltar até onde pode chegar o sentimento de vingança humano por ocasião do rompimento de uma união conjugal.
É fato que o sentimento de retaliação, regra geral, não chega a ocasionar a morte física, porém permite o sepultamento afetivo de outrem.
Assim, a SAP – Síndrome de Alienação Parental consiste em “programar uma criança para que, depois da separação odeie um dos pais. Geralmente, é praticada por quem possui a guarda do filho. Para isso, a pessoa lança mão de artifícios condenáveis, como falar mal e contar mentiras.[3]”
A SAP, “implantação de falsas memórias” ou ainda Síndrome de Medéia é comum em crianças de até 06 (seis) anos de idade, sendo possível o direcionamento da alienação também para adolescentes, quando o pai, mãe ou até mesmo um terceiro (avó ou avô) a manipula a ponto de fazê-la crer que vivenciou algo que nunca ocorreu de fato[4].
Terminologicamente, alienação é proveniente do latim alienatione que no sentido psicológico corresponde a “Qualquer forma de perturbação mental que incapacita o indivíduo para agir segundo as normas legais e convencionais do seu meio social”.[5]
“Alienado” ou alienatu diz respeito à pessoa que é louca, doida, desvairada, demente, alheada etc., que se encontra no estado de alienação[6].
Por corolário, “alienar” ou alienare consiste em perturbar, alucinar, alhear[7].
Destarte, resta evidente a mácula de cunho psicológico que circunda a SAP que deturpa fatos e pessoas.
O fenômeno da SAP começou a aparecer com mais freqüência nos tribunais a partir dos anos 80, como conseqüência do aumento das separações e, ainda, do maior vínculo entre pais e filhos[8].
Observe-se que a cognominação do processo de alienação como síndrome teve seu berço, em 1985, nos Estados Unidos, através das pesquisas desenvolvidas pelo psiquiatra e psicanalista americano Richard A. Gardner[9] que destacou que na SAP o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro, pelo fato da mãe monitorar o tempo do filho com o outro genitor e também os seus sentimentos para com ele.[10]
A expressão SAP é comum nos consultórios de psicologia e psiquiatria e, há 4 (quatro) anos, começou a aparecer em processos de disputa de guarda nos tribunais brasileiros, servindo de lastro para os juízes e promotores analisarem casos desse estilo. Inspirados em decisões tomadas nos Estados Unidos, advogados e juízes começaram a usar o termo como argumento para regulamentar visitas e inverter guardas[11].
O miolo da SAP gira em torno dos sentimentos da criança/adolescente (agente alienado) que ama o seu genitor não-guardião, mas é levado a afastar-se dele que também o ama, geralmente, por seu guardião, mas em alguns casos o sujeito alienador pode ser o avô/avó ou outrem que detenha a guarda (agente alienador).
Tal situação gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo sentimental entre genitor e descendente em função do detentor da guarda que, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total por incutir a idéia, geralmente, falsa de que o pai passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço.
Eis aí vingança do alienador contra o ex-parceiro, sendo tal “jogo patológico” produzido de forma prazerosa, diluída, sutil e até mesmo mascarada, podendo ser comparado a um conta-gotas que paulatinamente (o processo pode levar até anos) acaba por extirpar o afeto entre pai e filho, já que o alienador vai graduando o acesso ao menor alienado conforme o comando de seu cérebro doentio.
As razões de tal vingança localizam-se, geralmente, na insatisfação do alienador por não conseguir auferir uma renda financeira maior (aumento na pensão alimentícia, por exemplo) ou na constatação do envolvimento afetivo e bem sucedido do ex-companheiro com outra pessoa.
Dessarte, por não conseguir elaborar adequadamente o luto da separação o agente alienador desencadeia um processo de destruição, descrédito e desmoralização contra o ex-cônjuge perante o filho de ambos.
Como hipóteses de manifestação da SAP no seio familiar pelo guardião alienador (em grau mais brando), têm-se os diversos “esquecimentos”, tais como o:
“Esquecer de informar compromisso da criança em que a presença da outra parte seria importante.
Esquecer de informar sobre consultas médicas e reuniões escolares.
Esquecer de avisar sobre festas escolares.
Esquecer de dar recados deixados pelo outro genitor.
Fazer comentários inocentes, pejorativos, sobre o outro genitor.
Mencionar que o outro se esqueceu de comparecer às festas, compromissos, consultas, competições. E que convenientemente se esqueceu de avisar.
Criar programas incríveis para os dias em que o menor deverá visitar o genitor.
Telefonar incessantemente durante o período de visitação.
Pedir que a criança telefone durante todo o período de visitação.
Dizer como se sente abandonado e solitário durante o período que o menor está com o outro genitor.
Determinar que tipo de programa o genitor poderá ou não fazer com o menor”.[12]
Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a grave assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual.
Saliente-se que a narrativa de um episódio deste tipo durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação incestuosa é o que basta, extraindo-se deste fato, verdadeiro ou não, denúncia de incesto.
O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido e nem sempre a criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida.
Com o tempo, nem a própria mãe consegue distinguir a diferença entre realidade e mentira, vez que a sua verdade passa a ser também verdadeira para o filho que vive com falsas personagens de uma existência inverídica, implantando-se, assim, as “falsas memórias”.
Sobreleva assinalar que a SAP sempre foi uma realidade constante nos lares brasileiros ganhando maior vulto e cognominação jurídica hodierna em face da presença latente de um dos elementos que, no século XXI, ganhou cadeira cativa no seio do organismo familiar, qual seja a responsabilidade parental.
Cinge-se a questão em apreço ao fato da naturalização da função materna que conduz a guarda dos filhos junto à mãe, sendo que ao pai restava somente o direito de visitas em dias predeterminados, normalmente, em fins-de-semana alternados.
Em que pese tal fato, a noção moderna de família que não mais possui a configuração primeva da família nuclear intacta e de primeiras núpcias é voltada para o eudemonismo, ou seja, para o alcance da felicidade, destacando-se o primado da afetividade na identificação das novas estruturas familiares, levando à valoração do que se chama filiação afetiva.
Diante disso, a evolução dos costumes que levou a mulher para fora do lar convocou o homem a participar das tarefas domésticas e a assumir o cuidado com a prole. Assim, quando da separação/divórcio, o pai passou a reivindicar a guarda filial, o estabelecimento da guarda conjunta, a flexibilização de horários e a intensificação das visitas.
Assentando-se a família sobre bases de afeto e solidariedade o exercício da autoridade parental não é mais tutelado em razão de um interesse familiar supra-individual, antes ele se funcionaliza, encontrando seu sentido na plena realização e no desenvolvimento de seus membros[13].
Isso gerou maior conscientização quanto à co-responsabilidade parental na educação dos filhos, arrimada na nova compreensão da relação entre aqueles e seus genitores, nascida da superação do conceito de pátrio poder (hoje denominado poder familiar), assentando-se sobre três pilares fundamentais: a affectio, a publicização das relações de família e a emergência de um novo sujeito, qual seja a criança e o adolescente[14].
A CF/88 – Constituição Federal de 1988 e o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente constituem-se como marcos históricos referenciais para toda e qualquer reflexão sobre autoridade parental por içarem a criança e o adolescente no centro do palco das relações jurídicas que lhes dizem respeito.
E isso se justifica na medida em que as decorrências do reconhecimento da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento são diversas e, certamente, contribuem para demarcar os novos contornos da autoridade parental[15].
Desta feita é no espectro relevante e constituidor dos novos traços da autoridade paterna que se localiza a alienação parental.
E, devido ao tratamento interdisciplinar que vem recebendo o Direito de Família, passou-se a emprestar maior atenção às questões de ordem psíquica, permitindo o reconhecimento da presença do dano afetivo pela ausência de convívio paterno-filial[16].
Insta ter presente que a literatura aponta que os danos afetivos decorrentes das manifestações da SAP nos filhos menores ganham forma por meio da propensão a distúrbios psicológicos como depressão crônica, desespero, ansiedade e pânico, incapacidade de adaptação em ambiente psico-social normal, transtornos de identidade e de imagem, sentimento incontrolável de culpa, isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade, uso de drogas, dificuldade de estabelecer relações afetivas estáveis e, quando adultos, às vezes até o suicídio.[17]
É fato que a SAP é uma realidade que sempre acompanhou os núcleos familiares, contudo foi apenas, contemporaneamente, (há cerca de quatro anos) que a ciência jurídica, em face dos avanços na seara familiar, curva-se à autoridade parental por voltar sua tutela para esse fato que pode ser pernicioso e nefasto aos integrantes da célula mater da sociedade, ou seja, à família.
Logo, deve-se compreender a SAP como uma patologia jurídica caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda, sendo a vítima maior a criança ou adolescente que passa a ser também “carrasco” de quem ama, vivendo uma contradição de sentimentos até chegar ao rompimento do vínculo de afeto, através da distorção da realidade (processo de morte inventada ou implantação de falsas memórias) onde o filho (alienado) enxerga um dos pais totalmente bom e perfeito (alienador) e o outro totalmente mau.
3. A extremização da SAP por meio da denúncia de abuso sexual através das cautelares para cessar os laços afetivos entre o pai e o agente alienado
Abre-se parêntese para valorar as conseqüências da manifestação mais grave da SAP que consiste na denúncia de abuso sexual (incesto).
Tal denúncia possui aspecto dúplice, pois, de um lado, há o dever de tomar imediatamente uma atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem mantinha excelente convívio.
Debruce-se maior acuidade sobre a falsa acusação do abuso sexual, a qual pode ser efetuada com o intuito de obter afastamento imediato e radical entre o ente alienado e o acusado injustamente desse ato abusivo.
A dificuldade de se provar um fato negativo faz com que este genitor, na maioria das vezes, o pai, seja afastado por longo tempo de seu filho (a) até que se consiga acreditar na inexistência do ocorrido.
Ressalta-se que o termo “acreditar” é bem diferente de “provar”, posto que a acusação de abuso sexual, principalmente, contra infantes é uma mácula na vida do acusado que jamais será completamente apagada.
Nesse ponto, ressalta-se que inócuos serão as entrevistas, testes, estudos sociais e sessões de terapia, além da submissão das partes vitimadas no processo – criança e acusado – à repetição de procedimentos e questionamentos sobre o fato (às vezes não ocorrido), quando a acusação é feita com base em impressões da mãe, sensações e “achismos”, não havendo como se comprovar a absoluta inocência do acusado.
Ilustrativamente, torna-se oportuno analisar a observação atenta da assistente social Valdeci G. Campos, nos autos da ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo MP – Ministério Público, em 29-8-2003, nº 1467-115/2003, em face do genitor M. M. W., nos autos da ação de guarda provisória da menor L. S.W., sob a afirmação de que a mesma teria sofrido novo abuso sexual por parte do pai durante o período de visita à família paterna, já que ela sofreria possíveis abusos desde os 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de idade por seu genitor, in verbis:
“[…] Relatório 16/2005, elaborado em 18-6-2005 (fls. 379-380):
A pedido de [omissis], brincamos de “mãe e filha”; onde ela era “minha mãe” e eu a “filha dela”, durante a brincadeira ela me dizia que eu (a filha) teria que ser uma filha boazinha, se não ela (a mãe) iria morrer e “eu iria morar com uma família muito ruim. Seria a família do meu pai e que meu pai ia colocar o dedinho na minha bundinha e no meu xixi”. Após falar isto, ela me beijou e disse: “Não é verdade! É minha mãe [omissis] que me diz isto quando eu não obedeço”. E mudamos a brincadeira. […] ela [omissis] alterna momentos de extrema felicidade com momentos de tristeza, chora e xinga todo mundo: “vocês querem me tirar da minha mãe”. Continuo preocupada, desde que aceitei o caso, com as condições psicológicas da [omissis]. […] Quando a [omissis] viaja comigo ela chega mais tranqüila, ela conversa o tempo todo, conta da escolinha, das coleguinhas, da mãe, etc., pede para que eu não conte que ela “ama o pai” porque sua mãe fica “muito braba”. […] A menina brinca, corre, abraça e beija o pai, quando lembra pede que eu “não comente com a fada” pois sua mãe diz que ela “só é amada pela mãe e só pode amar a mãe. A menina disse: “eu amo meu pai mas digo para minha mãe que não gosto, para ela não me bater”.[18] (Sem grifo no original)
O caso vertente se encaixa como “luva à mão”, pois dele dessume-se com exatidão a forma como a SAP está instalada, pois mesmo a infante tendo consciência da falsidade das alegações de abuso imputadas ao pai, vê-se obrigada a compactuar com sua mãe, por ter medo de ser agredida verbal ou fisicamente, o que contribui para o aumento da alienação em níveis mais do que preocupantes.
Insta ter presente que a notícia de abuso sexual pode ser informada ao juiz por meio do manejo de ação cautelar, seja na forma incidental ou preparatória, revelando-se como instrumento jurídico exitoso por, geralmente, lograr de modo rápido o intento do alienador requerente, o que no caso em discussão é a célere suspensão das visitas do pai ao filho, rompendo-se de forma quase que instantânea o contato entre ambos.
Simultaneamente com a suspensão das visitações há a determinação da realização de estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do abuso sexual noticiado.
Em tal contexto, exsurge a figura da morosidade diante do longo tempo que é necessário para a execução de tais procedimentos, os quais se tornam ainda mais arrastados diante do imenso arcabouço recursal que integra a recorribilidade tanto dos atos decisórios, quanto das interlocutórias expendidas pelos magistrados, sem contar das decisões prolatadas em segunda instância ou nas nossas mais altas cortes (STF – Supremo Tribunal Federal e STJ – Superior Tribunal de Justiça).
Desse modo, o alienador se aproveita da morosidade da Justiça para incutir ainda mais suas idéias no menor sob sua guarda, dando azo ao que se pode chamar de comportamento anti-social ou atípico.[19]
A abrupta cessação das visitas pode trazer constrangimentos à criança/adolescente em função das inúmeras entrevistas e testes a que é submetida na perseguição pela identificação da verdade.
No máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada, na companhia de terceiros, ou no recinto do fórum, lugar que não se revela como o mais adequado e, como a intenção da mãe é cessar a convivência paterno-filial, os encontros são boicotados, sendo utilizado todo o tipo de artifícios para que não se concretize a visitação.
Como os encontros são impostos de modo tarifado, eles acabam por não contribuir para o estreitamento dos vínculos afetivos e a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a convivência traz, afrouxando-se os elos de afetividade, culminando no distanciamento, tornando as visitas rarefeitas.
Com isso, os encontros acabam protocolares: uma obrigação para o pai e, muitas vezes, um martírio para os filhos.
Resta evidente a extensão da SAP que tem como seu ápice a utilização da máquina judiciária, através da interposição de ações cautelares de suspensão de visitação, tendo por esteio a denúncia de abuso sexual do pai em relação ao filho.
Conjuntamente com a tramitação da cautelar, tem-se ainda a responsabilização do pai acusado em processo-crime, face à necessidade de se apurar o incesto noticiado.
Diante de tais fatos, verbera-se a necessidade do Direito não servir de veículo a retaliações pessoais, tendo em mente a sua função primeira que é a Justiça, a qual na concepção aristotélica corresponde a “dar a cada um o seu”.
É de sabença comum que crimes de ordem sexual para sua cabal comprovação carecem da realização de exame de corpo de delito quase que em seguida à sua ocorrência.
O que não se torna possível em casos como os em discussão, vez que a busca de provas do abuso encontra subsídios, regra geral, no campo do imaterial, da consciência, das recordações, ou seja, na memória sensorial do infante/adolescente.
Como censura maior à SAP, aborde-se um dos seus aspectos mais sombrios consistente na dificuldade de se provar o abuso sexual por meio da denúncia de incesto, pois pode ocorrer a hipótese de tal fato ser noticiado contemporaneamente em juízo, tendo por base vestígios de violência tais como manchas e marcas rochas ou lesões símiles e/ou membros quebrados etc.
Vale dizer que após a execução do exame de corpo de delito, ter-se-á a conclusão de um laudo que terá apurado a existência de tais lesões, ensejando o pronto processamento do genitor não guardião acusado, não obstante a mãe alienadora possa ter se aproveitado de um acidente doméstico e/ou brincadeira em que o filho tenha se machucado para imputar ao não guardião falsamente aquele grave ilícito de caráter penal.
Se o alienador é detentor de um psiquismo enquadrável fora dos padrões normais de aceitabilidade, é fato que sua índole é cabalmente apartada da ética, moral e bons costumes, tornando-se possível que eventuais laudos que apurem a existência de violência com base nas lesões alhures apontadas possam ensejar o processamento e/ou até mesmo a condenação de um pai inocente.
A questão da falsa denúncia de abuso sexual por parte do agente alienador, em juízo, deve conduzir o magistrado a questioná-lo no sentido de que se ele sabia que o infante/adolescente era abusado por que só decidiu revelar isso agora? Qual o motivo de seu silêncio ou omissão anteriormente?
Tal indagação guarda relação direta com questão da omissão, a qual possui assento no Código Penal Brasileiro – CPB, nas alíneas do § 2º do seu art. 13 que tem a seguinte redação, in verbis:
“Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.[…]
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;”
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.[20]
Entende-se que a denúncia tardia de abuso sexual, quando esta realmente existiu, pode ter sua responsabilização a partir da alínea “a” da passagem legal acima citada.
No entanto, em casos de SAP, onde são maiores as chances de denúncias de abusos serem falsas, o juiz pode e deve utilizar o teor da alínea “a”, do § 2º, do art. 13 do CPB como argumento intimidativo ao agente alienador, com o fim inibir falsas imputações de abusos.
No sentido da exegese aqui exposta, o que se ressalta é o processamento/condenação de alguém com base em provas frágeis em que a violência poderia ter sido praticada por qualquer outra pessoa (até mesmo pela própria mãe do infante) ou ser decorrente de um acidente.
Lado outro, a incerteza alhures apontada não prospera no caso de um eventual laudo concluir o abuso sexual mediante, por exemplo, a coleta de um sêmen que seja identificado como sendo do acusado, restando aí patente e irrefutável sua punibilidade, tendo em vista ser possível sua identificação como legítimo e único autor do abuso incestuoso.
Dessa sorte, o que se almeja com tais ponderações é apontar a incerteza jurídica que as acusações advindas por quem seja detentor da SAP pode causar na vida de outrem, além de guiar o Judiciário a uma “cegueira jurídica”, por possivelmente correr o risco de embasar seu decisum em falsas acusações a partir de provas eivadas de debilidade.
Daí a imensa dificuldade no alcance de provas robustas da SAP, as quais quando da sua confecção tem o inconveniente, repise-se, de tomar largo tempo da relação paterno filial.
Logo, é mister que os operadores da ciência jurídica (juízes, promotores, assistentes sociais, advogados etc.) tenham acuidade na identificação do real intento da parte quando pleiteiem a suspensão da visitação ou até mesmo a destituição do poder familiar ao argumento de existência de abuso sexual, seja por meio de cautelares ou por manifestação em processo ainda em curso.
4. O Poder Judiciário e a perícia psicológica: redesenhando o papel da prova a partir da metodologia psiquiátrica
A mediação familiar, a guarda compartilhada, o reconhecimento das uniões homoafetivas, dentre outros inúmeros exemplos são provas factíveis da interdisciplinaridade entre o Direito de Família e outras áreas de estudo.
Diante disso, é notável a interdisciplinaridade entre o Direito e a Psiquiatria, ainda mais quando se tem como foco a alienação parental que se constitui como uma verdadeira síndrome por consistir em um conjunto de sintomas associados a uma mesma patologia e que definem o diagnóstico de uma condição médica.[21]
Os estudiosos mais modernos do Direito de Família foram em busca de ciências afins ao Direito para melhor compreender o fenômeno jurídico da família pós-moderna, com o propósito de analisar, de modo mais abrangente (e com a complexidade devida), os intrincados modelos familiares atuais.
Tem-se assistido a um “mergulho” na Psiquiatria e na Psicologia, com ênfase na Psicanálise, para tentar entender as mudanças ocorridas no seio das famílias, principalmente as brasileiras, a partir das leituras da personalidade e do ambiente em que vivem seus integrantes, aos moldes das lições de Freud e Lacan.
Assim, tem-se na Psiquiatria, palavra que deriva do grego e quer dizer “arte de curar a alma”, uma especialidade da Medicina que lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das doenças mentais em humanos, sejam elas de cunho orgânico ou funcional, tais como depressão, doença bipolar, esquizofrenia e transtornos de ansiedade.[22]
A meta principal é o alívio do sofrimento e do bem-estar psíquicos, sendo necessária, para a consecução de tal mister, uma avaliação completa do doente, com perspectivas biológica, psicológica, sociológica e outras áreas afins.
Uma doença ou problema psíquico pode ser tratado através de medicamentos ou várias formas de psicoterapia, tais como a avaliação psiquiátrica que envolve o exame do estado mental e a história clínica, os testes psicológicos, neurológicos e exames de imagem, assim como exames físicos. Os procedimentos e diagnósticos variam, mas os critérios oficiais estão descritos em manuais como a CID – 10 da OMS – Organização Mundial de Saúde e o DSM – IV da American Psychiatric Association.[23]
No caso do tema em análise é interessante o desenvolvimento de um trabalho pelo psiquiatra da infância e adolescência, o chamado pedopsiquiatra que atende problemas específicos desta faixa etária (autismo, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade).[24]
Acerca do desenvolvimento de tal trabalho, tem-se em comum entre o Direito e a Psicanálise a necessidade do entendimento do conflito, pois, para o Direito há uma pretensão resistida, ou seja, um conflito que faz um barulho que deve ser silenciado. Lado outro para a Psicanálise deve haver uma escuta do conflito, ou seja, a busca de suas razões.[25]
E tal colocação se justifica na medida em que:
“Se existe o direito é porque existe o esquerdo, o torto; se existe a lei é porque existe o desejo; para a Psicanálise, o sujeito está assujeitado a outra lógica, às leis regidas pelo inconsciente e pelo desejo, pelos nossos impulsos, impulsos da sexualidade e, […], também da agressividade. Impulsos que desordenam e que tentamos, até certo ponto, em vão, ordenar.[26]”
Diante da “agressividade” tem-se a lição do pater da psicanálise, Freud que aponta que:
“A evidência trazida pela Psicanálise demonstra que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas, que dura por algum tempo – casamento, amizade, as relações entre pais e filhos – contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, que somente escapa da percepção como resultado da repressão. Isto está menos disfarçado nas disputas comuns entre parceiros de negócios ou em resmungos de um subordinado com seu superior. O mesmo ocorre quando os homens se reúnem em unidades maiores.[27]”
Nesse sentido, os afetos são o equivalente da energia psíquica, dos impulsos e dos desejos que afetam o organismo e se ligam a representações, pessoas, objetos, significativos, transformando-se em sentimentos que dão um sentido às relações e, ainda, influenciam nossa forma de interpretar o mundo.
Como ciência oriunda da psiquiatria, tem-se a Psicologia, vocábulo derivado dos termos gregos psique que significa “alma” e logia que significa “estudo de” que analisa os processos mentais (sentimentos, pensamentos e a razão) e o comportamento humano[28].
A psicologia ganhou espaço na ciência no final do século XIX e hoje ela não é apenas a ciência da alma, mas também do comportamento e da experiência, pois corpo e mente não são separados e um exerce influência sobre o outro.
Considerada como áreas sociais ou humanas a psicologia é uma ciência também da área médica e as questões estudadas por ela estão relacionadas à personalidade, aprendizagem, motivação, memória, inteligência, funcionamento do sistema nervoso, comunicação interpessoal, desenvolvimento, comportamento sexual, agressividade e comportamento em grupo[29].
Informe-se que o estudo das personalidades desviantes, com comportamentos inadaptáveis, é estudado pela psicopatologia, outro objeto de estudo da psicologia.
Dessa forma, tanto a psicologia, quanto a psiquiatria são ciências que possuem aplicação irrestrita e multidisciplinar, sendo sua incidência salutar e necessária também na seara jurídica, notadamente, na apuração da existência da SAP, por meio de relatórios, entrevistas, testes, acompanhamentos de visitas, etc., até que seja possível elaborar um laudo conclusivo.
Quanto à confecção da perícia, tem-se que ela parte de um modelo psicanalítico ou psicodinâmico, tendo como base a noção de inconsciente, pois a psicanálise tira da consciência o eixo fundamental do funcionamento psíquico do sujeito, deslocando-o para o inconsciente, postulando-o como fonte de energia pulsional e continente de conteúdos recalcados[30].
No trabalho pericial se considera ainda o conflito psíquico, ou mental, constitutivo do ser humano uma vez que o psiquismo está estruturado sob a forma de instâncias as quais impõem ao sujeito exigências contrárias, uma vez que ao mesmo tempo em que existem no interior do aparelho psíquico desejos que reclamam por pronta satisfação, há também um sistema que contém as representações das normas e interdições que são próprias da cultura, impedindo sua plena realização. Desta forma, cada sujeito estrutura sua personalidade de modo a organizar internamente a ação destas forças intrapsíquicas[31].
Não obstante os profissionais responsáveis pela elaboração do laudo pericial lancem mão de uma série de avaliações, testes e entrevistas que se sucedem durante anos, acabam por encerrar um trabalho, algumas vezes, não conclusivo, por estarem lidando com lembranças e/ou quimeras infantis, lançando-se um outro problema para o juiz diante de um caso de SAP, pois ele terá que decidir se mantém ou não as visitas, se as autoriza somente com acompanhamento psicológico ou se extingue o poder familiar de vez.
Oportuno é ponderar que são nas ações de família onde ocorre a perfeita articulação entre as disciplinas da Psicanálise e da Psicologia, as quais, por meio de seus profissionais, escutam as informações que estão nas entrelinhas dos relatos e entrevistas judiciais, sendo que tais palavras quase ocultam a “verdade dos fatos”.
Nesse particular, deve-se lembrar que “onde a palavra erra, é ali que ela confessa”, ou seja, estamos todos sujeitos a cometer atos falhos e quando isso acontece o inconsciente faz sua aparição, geralmente dizendo uma verdade constrangedora.
A exemplo disso, em uma audiência de tentativa de conciliação, diante de uma disputa de guarda de um menor, um pai disse: Quero a minha filha com pais. Esse pai até quis dizer “paz”, mas o inconsciente o fez falar “pais”, onde se torna possível pontuar, então, sobre o desejo dele que dizia da preservação da criança que deveria ser cuidada pelos dois genitores, o que ensejou, a partir daí, a possibilidade da guarda compartilhada, apontada pela fala deste pai[32].
Partindo deste pressuposto, a metodologia psicanalítica objetiva criar condições a partir das quais os aspectos inconscientes dos indivíduos analisados possam ser reconhecidos e considerados, utilizando-se, para isto, de certos procedimentos técnicos[33].
A atenção a pequenos lapsos, reiterações, omissões, associação entre assuntos aparentemente díspares, recordações, entonação de voz, gesticulação, expressão facial, etc. dá ao entrevistador/perito oportunidade de acesso ao discurso latente do sujeito, à sua dinâmica intrapsíquica[34].
Aspecto importante na Psicanálise e que guarda elo com o tema que por ora se enfrenta recai sobre a chamada “compulsão à repetição”, a qual consiste no risco de reiteração dos padrões comportamentais de nossos pais, avós, parentes, enfim.
E tal conceito quando analisado sob a ótica de um caso de SAP gera vários questionamentos, tais como: será que os filhos devem ser arrastados para a desilusão de uma relação (de consortes) que termina? Como ficará a expectativa de construção de relações de afeto dessas crianças ou adolescentes com seus cônjuges no futuro? Impregnada de falsas impressões? Contaminadas por um pai ou uma mãe desimplicados de sua solidão?
Tais indagações têm seu cerne no fato de que se a SAP não for identificada e adequadamente tratada, pode ela ainda perdurar por várias gerações, em uma repetição incessante e nefasta de modelos de educação e de construção de afetos assimilados durante o processo de manipulação, o que evidencia o papel relevante da psiquiatria no campo legal.[35]
A prova possui papel ímpar na dinâmica processual. Basta recordar como que ela se tornou elemento integrante da própria história da humanidade, haja vista, por exemplo, os remotos tempos do sistema ordálico, na Idade Média, em especial nos Tribunais da Inquisição, momento esse em que a crença era a da intervenção da divindade em favor de quem estivesse com a razão, cabendo ao juiz somente apreciar e declarar o resultado.
Recordem-se alguns exemplos da perseguição pela verdade na época das ordálias, através da:
“[…] prova da água fria: jogado o indiciado à água, se submergisse, era inocente, se viesse à tona seria culpado […]. A do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria que passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta […]”.[36]
Dessarte a prova é inerente à humanidade, pois ela representa um aspecto alterador do destino dos homens por, em muitos momentos, abreviar ou prolongar suas vidas, quer seja condenando-os ou absolvendo-os, seja justa ou injustamente.
A partir disso, notou-se que a prova possui liame direto com a construção da verdade, a qual, contemporaneamente, em nosso ordenamento, tem sua busca efetuada a partir da introdução das garantias que são mais caras à pessoa humana (contraditório e ampla defesa) e mais afinada com a moderna concepção do processo.
Na seara familiar, especificamente, em processos em que haja a suspeita de SAP e/ou denúncia de abuso sexual, as provas ganham feição mais do que relevante, destacando-se as de cunho testemunhal, documental e testemunhal.
Acerca da prova testemunhal, pondere-se que sua visualização como instrumento probante é frágil por ser detentora de notória debilidade, pois é de ciência geral a facilidade de se produzir testemunhos falsos em juízo, através de favores de amigos, parentes, colegas etc., que podem relatar fatos que, muitas vezes, nem sequer presenciaram, o que leva à afirmação de que nem sempre as testemunhas são “os olhos e os ouvidos da Justiça”.
Diante disso, resta claro que a prova testemunhal não merece tanto apreço.
A prova documental pode ser salutar quando seu conteúdo puder ser devidamente valorado judicialmente, seja por ser registrado, possuindo fé pública ou por ter factível veracidade, o que é raro em casos onde a SAP esteja presente.
Em que pese tais colocações, é fato que cada prova tem o seu valor, sendo desprovidas de hierarquia entre si, contudo das espécies probatórias em menção a pericial é a que ganha maior destaque, em face do modo como é confeccionada, ou seja, por meio de entrevistas, testes, respostas a quesitos de assistentes técnicos e promotores etc., tudo feito por profissionais qualificados na seara da saúde mental.
Destaque-se, acerca da prova pericial, que raros são aqueles juízes que possuam formação específica em psicanálise e/ou psiquiatria, o que eleva o labor dos peritos e assistentes técnicos em tais áreas da medicina como longa manus do Estado para o perfeito alcance do Direto e do ideal de justiça.
Tudo isso contribui para que o magistrado da seara familiar valore a prova pericial com acuidade extrema, o que é louvável, tendo em mente as conseqüências da existência da SAP e/ou abuso sexual, quais sejam a perda da autoridade parental e do direito de visitação, além de punição na esfera penal.
Seguindo essa trilha é possível se afirmar que a interdisciplinaridade entre o Direito e a Psiquiatria/Psicologia evidencia a relevância da prova na seara familiar, por desvendar as reais afeições e/ou desafeições, abusos ou inexistência dos mesmos de qualquer ordem e as mudanças ocorridas no seio das famílias, interpretando-se a personalidade psíquica do agente em foco (guardião alienador/criança/adolescente).
A excelência da comunicabilidade entre o Direito e a Psiquiatria reside não somente no seu potencial de produzir provas em juízo através das conclusões de seus laudos, mas também pelo alívio e bem-estar do sofrimento psíquico que pode proporcionar aos indivíduos através, por exemplo, do acompanhamento psicológico dos membros da família após a detecção latente da SAP, visitas assistidas etc., o que contribui para que se evite a repetição negativa de modelos de educação e de construção de afetos eivados de alienação.
Ponto crucial é a percepção de como o tempo trabalha em favor do alienador e, quanto mais demorada for a identificação do que realmente aconteceu, menos chances há de ser detectada a falsidade das denúncias.
E, como é impossível provar fatos negativos, ou seja, que o abuso não existiu, um dos modos de se descobrir a presença da alienação é mediante perícias psicológicas e estudos sociais, sendo que laudos psicossociais precisam ser realizados de imediato, inclusive, por meio de procedimentos antecipados, além da obrigação de serem transparentes e elaborados dentro da melhor técnica profissional[37].
Desse modo, aos assistentes sociais e psicólogos cabe identificar nos atendimentos o grau de desejo de vingança dos pais, de forma a trabalhar preventivamente, avisando ao juiz da possibilidade de uma futura alienação parental, esclarecendo aos pais que o desejo de retaliação vai prejudicar apenas e tão somente a criança/adolescente.
Ademais, a Psicologia fornece instrumentos com razoável grau de segurança para avaliar até que ponto o relato de uma criança ou adolescente está contaminado como o produto de uma programação e mera repetição da fantasia construída por adulto[38].
Logo, operante é o papel da Psiquiatria/Psicologia no âmbito do Direito por permitir, quando possível, a produção de provas (laudos) que auxiliam o Judiciário a ter uma correta e justa valoração da prova em casos em que haja suspeita de SAP e/ou denúncia de abuso sexual, tendo por leme o fim máximo da ciência jurídica que é o alcance da justiça social, através da decretação de um decisum justo.
5. A solução dos casos de SAP: uma questão de uso da razão, acuidade e sensibilidade
O tema por ora enfrentado enfecha em si a dificuldade de sua solução, tendo em mente o quanto é complicado identificar a existência ou não da SAP e conjuntamente com ela de episódios de abuso sexual.
Diante disso, relevante se torna que o juiz tome cautelas redobradas, já que não há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam reconhecer que se está frente à SAP e que a denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como instrumento para acabar com o relacionamento do filho com o genitor.
Para isso, é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz se capacite para poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de afastá-lo do genitor.
E tal colocação se arrima no fato do juiz ser o “pai social”[39], ou seja, “a porta inaugural por onde a lide adentra”, cabendo ao mesmo ter atenção e sensibilidade com todos os aspectos do processo, notadamente, por ocasião das audiências (conciliação, instrução, oitiva de menores etc.), tendo acuidade redobrada com as palavras proferidas pelas partes em juízo, vez que a “boca fala o que vai cheio o coração”.
Nesse passo, tem-se também como fundamental o papel do advogado que, em casos em que esteja presente a SAP, deve atuar como o primeiro juiz da causa, avaliando se vale a pena levá-la adiante.
Registre-se que em alguns casos, equivocadamente, o advogado pode até mesmo atuar como co-alienador, incentivando o litígio, ao invés da conciliação.
Assim, a atuação conjunta dos operadores do Direito diante de casos de SAP é relevante porque quanto antes a síndrome for detectada, mas fácil será curá-la, haja vista que não é preciso ser uma “mente iluminada” para perceber, por exemplo, quando pode haver uma conduta objetiva de obstruir o convívio de uma criança ou adolescente com um pai, sendo que isso merece efetiva reprimenda estatal.
De forma geral, os tribunais, no Brasil, ainda são conservadores em excesso ao enfrentar questões relacionadas à alienação parental, prevalecendo a postura de negá-la, com exceção de algumas decisões gaúchas que por ora se traz à lume, in verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. 1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome de alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas aos avós, a ser postulada em processo próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”[40]
“GUARDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna. Negado provimento ao agravo”[41]. [40]
“Para mitigar os efeitos sensíveis do processo de alienação, instaurado pela mágoa e o rancor, inicialmente da mãe, e depois dos avós maternos, [omissis] já está recebendo acompanhamento psicológico. Contudo, para que o tratamento seja realmente efetivo, imperioso que também os avós se submetam a tratamento especializado, para que seu imenso amor pela neta reverta puramente em favor dela, despido dos sentimentos negativos remanescentes dos rancores da filha falecida, até então não tratados. Desde logo, porém, convém que fiquem advertidos de que, caso persistam no comportamento alienante, poderão ter as visitas suspensas, por meio de processo próprio”[42].
As passagens retro transcritas demonstram a preocupação do Judiciário em minar a SAP, mesmo que para isso seja necessário afastar a criança/adolescente do guardião alienado, por meio da mudança de guarda, ainda que provisoriamente.
Em alguns casos é recomendável se deferir a guarda à pessoa diversa da dos genitores, tal como um avô ou avó, em função precipuamente do princípio do melhor interesse da criança, in verbis:
“[…] através dos relatórios da Assistente Social [omissis], contata-se que a autora tem condições de cuidar da neta, que ambas têm vínculos afetivos e que a menina fica bem quando está na companhia da autora. Tudo isso, somado ao fato de que existe a possibilidade de o pai ter praticado os abusos sexuais contra a filha (o que está sendo apurado em processo criminal e ação de destituição do poder familiar) e do fato de que, segundo perícias psicológicas realizadas e os relatórios acima mencionados, a mãe está causando prejuízos ao desenvolvimento sadio da filha, havendo suspeitas de que até tenha inventado e orientado a menina a mentir que o genitor teria praticado o abuso, esta magistrada é obrigada a concordar com a representante ministerial quando afirma que a pessoa mais indicada a cuidar de [omissis] neste momento é a avó paterna”.[43]
Com espeque no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, observa-se que o trecho do último acórdão acima estampado teve seu alicerce no que se revelou mais salutar para o menor, ou seja, no princípio do melhor interesse do menor, calcado na chamada Doutrina da Proteção Integral que prestigia a colocação de jovens e crianças como prioridade absoluta dentro de um novo modelo de estrutura e gerenciamento das políticas públicas a eles destinadas.
Tal postura é mais do que plausível, tendo em vista que:
“Vivemos sob o império do interesse do menor, no sentido de que a decisão judicial deve buscar a solução que melhor preserve o direito das crianças. Devem, pois, os filhos ficarem com o genitor que demonstrar melhor capacidade de criá-los e educá-los.”[44] [43]
Ademais, o combate à SAP também foi alvo de tutela específica do ECA, o qual almejou a preservação da higidez mental de infantes e adolescentes por meio, notadamente, de seus arts. 17 e 18, os quais, respectivamente, seguem reproduzidos abaixo, in verbis:
“O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.[45]” (Sem grifo no original)
“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”[46]
Os trechos normativos acima reproduzidos evidenciam que o deferimento da guarda à pessoa diversa da dos genitores é dever de todos (sociedade, Poder Judiciário, Ministério Público etc.), sendo uma medida profilática e louvável por se revelar coadunada com o espírito do ECA que prima por buscar a situação que melhor atenda aos interesses do menor, seja no sentido sentimental, moral, material e, principalmente, psíquico.
Em outros termos punitivos é possível a reparação do dano moral sofrido pelo não guardião, já que a cumulação de dano material e moral é cabível quando advindos do mesmo fato consoante entendimento firmado por nosso Tribunal Superior (Súmula nº. 37 do STJ).[47]
A devida aplicação da Convenção sobre os direitos da Criança (aprovada pela ONU – Organização das Nações Unidas e pelo Decreto Legislativo nº. 28, de 14.09.1990) e do ECA que, em seu art. 3º, preserva os direitos fundamentais da criança e adolescente como instrumentos de desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual em condições de liberdade e dignidade, determina que a criança e o adolescente não podem ser objeto de nenhum forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punida qualquer atividade ilícita atentatória aos direitos fundamentais.[48]
À responsabilidade civil no Direito de Família se aplica o CCB – Código Civil Brasileiro, a partir do seu art. 927 que tem o dever de reparar o prejuízo, quem por ato ilícito causar dano a outrem; sendo que o art. 186 do diploma em menção reporta-se à ilicitude decorrente pela ação ou omissão voluntária de quem, pela negligência ou imprudência, causa dano material ou moral a outrem.[49]
A despeito das controvérsias sobre a extensão ou não dos efeitos da responsabilidade civil ao Direito de Família não se vislumbra a necessidade de norma específica para punir o alienador e impedir seu silencioso projeto de “morte inventada”, sendo dispensável a expressa previsão legal de uma reparação civil para as relações de família, sendo a regra indenizatória genérica e projetável para todo o ordenamento jurídico, já sendo um mecanismo eficaz, bastando a boa vontade e o conhecimento por todos a quem o estado atribui a tarefa de efetivar a justiça.[50]
Assim, é plenamente cabível a indenização por dano moral e material em face da necessidade de haver uma graduação na justa punição do alienador, já que um genitor que simplesmente dificulta as visitações não pode ser visto da mesma forma daquele que, maliciosamente, inventa, cria e denuncia um abuso sexual inexistente para que os membros do Poder Judiciário, no melhor interesse da criança, afastem o acusado do convívio do menor.
Pondere-se que a perpetuação da SAP depende da postura comportamental do genitor não guardião, já que o “jogo” cruel empreendido pelo alienador que alija aquele do convívio filial, através de sua exclusão de datas significativas, tais como natal, ano novo, aniversários, dia dos pais etc., contribui para o comodismo, covardia e desistência do pai em ficar próximo do filho.[51]
Acerca de tal ponto, a maior pesquisa realizada até hoje sobre as relações paterno-filiais, depois do divórcio (Clawar e Rivin), concluiu que em 90% (noventa por cento) dos casos em que os tribunais decidiram aumentar o contato com o agente alienado, problemas psicológicos e educativos, existentes antes da medida, foram reduzidos ou até suprimidos. E, o mais curioso e interessante é que metade dessas decisões foi tomada mesmo contra a vontade dos menores.[52]
O agente alienado não deve desistir de seu filho pois ele:
“[…] deve ter presente que a ambigüidade e a omissão também constituem uma forma de violência, a violência psicológica, que pode ser tão perversa quanto a violência física. Ao se acomodar passivamente às condições ditadas pelo alienador, o cônjuge alienado pode ser tão prejudicial aos filhos quanto aquele. Por isso, ele deve ser o primeiro a interromper o processo da Síndrome da Alienação Parental, em parte face à natural posição de fragilidade em que se encontram os filhos e também porque diante da doença do alienador, ele poderá ser o único membro da família com estrutura emocional e com competências psicológicas que permitem dar o passo inicial em direção à saúde”[53].
Ainda em termos sancionatórios, configurada e percebida a alienação parental, pode-se responsabilizar o alienador por meio da reversão da guarda ou destituição do poder familiar, uma vez que sua conduta configura abuso de autoridade por descumprimento dos deveres que lhe são inerentes (CCB, arts. 1.637 e 1.638, inciso IV)[54], bem como multa (art. 461 do CPC – Código de Processo Civil[55]), além de medidas como a fixação de visitas (monitoradas ou em locais públicos, se as particularidades do caso exigirem), advertências dirigidas ao alienador e encaminhamento dos pais a tratamento psicológico ou psiquiátrico.
Atualmente, uma das soluções propostas pela doutrina e que já é implementada é a instituição da guarda compartilhada como primeira opção em casos de SAP, pois, na maioria dos casos, aquele que detém a guarda única, exclusiva ou unilateral é que usa do maior tempo de contato com o filho para manipulá-lo[56].
Discorda-se de tal posicionamento, pois a guarda compartilha pode ser uma boa alternativa quando não há um alto grau de litigiosidade entre os genitores, posto que a natureza de tal modalidade de guarda reclama a tomada de decisões conjuntas em relação à criança (férias escolares, mudança de escola, atividades físicas etc.).
No entanto, é fato que a maturidade e o equilíbrio nem sempre estão presentes na ocasião de um divórcio ou separação, sendo esse um momento de tensão e propício para o cultivo de sentimentos como o ódio, vingança e ira, os quais podem ser projetados sobre o filho do ex-casal alienando-o.
A guarda compartilhada, em situações de suspeita ou certeza da presença da SAP é medida que deve ser muito bem analisada em um caso concreto, por se depender da imediata medição da maturidade e da superação do fim da união matrimonial entre os ex-consortes.
A questão da guarda onde haja SAP pode e deve ser ditada pelos contornos do caso concreto posto sub judice, mesmo porque nosso ordenamento jurídico não dita como obrigatória esse ou aquele tipo de guarda, onde se torna admissível até mesmo a guarda socioafetiva presente no parágrafo único do art. 1.584 do CCB.
Tal colocação tem como esteio a repercussão negativa no psiquismo da criança/adolescente causado pela SAP, bem como e principalmente pelo papel do afeto no trinômio pai/mãe/filho que deve vir acompanhada de “responsabilidade” e “maturidade”, o que permite admitir a concessão da guarda a um parente (avô, avó, tio, tia etc.) ou até mesmo a quem não seja pai ou mãe biológico.
Desse modo, é possível a concessão da guarda a terceiro com base no vínculo da parentalidade, afetividade e melhor interesse da criança/adolescente, quando for incabível a guarda unilateral ou compartilhada.
Além disso, a guarda pode ser alterada no futuro em função da mutabilidade que pode predominar nas decisões judiciais no Direito de Família por envolver interesses relacionados à capacidade e ao estado do envolvidos, sendo que a guarda nunca será definitiva por causa do princípio do melhor interesse da criança e das particularidades do caso levado a juízo.
Para os casos em que a SAP já está instalada de forma grave, tem-se como tentativa de solução a psicoterapia (familiar ou individual), sendo interessante observar que:
“Como o tempo do processo judicial nem sempre coincide com o tempo do processo psicológico, que às vezes prossegue no caminho de uma lenta elaboração das cicatrizes emocionais, recomenda-se um monitoramento mais prolongado da situação, abrindo-se a possibilidade que cada um dos envolvidos na Síndrome da Alienação Parental vença as dificuldades de acordo co os vetores de seu próprio ritmo interno”[57].
Como medida preventiva, na seara administrativa, pode-se lançar mão dos Conselhos Tutelares os quais possuem competência outorgada pelo ECA para atuar em casos de exercício abusivo da autoridade parental.
Ao ensejo, como exemplo de futuras medidas profiláticas, tem-se as normas imiscuídas no PL – Projeto de Lei nº 4.053/2008[58] que foi apresentado ao Congresso Nacional pelo deputado Régis de Oliveira (PSAC/SP), por meio da idealização do juiz do trabalho do TRT – Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), Elizio Luiz Perez.[59]
Tal Projeto iniciou sua tramitação no Congresso desde o dia 07 de outubro de 2008 e visa oferecer à sociedade e aos operadores de Direito uma definição sobre a alienação parental, bem como a sugestão de medidas para coibir tal prática.
Registre-se que em seu art. 1º, o Projeto tem como proposição a adição de outros membros da família como possíveis agentes alienadores, já que:
“Considera-se alienação parental a interferência promovida por um dos genitores, pelos avós ou pelos detentores da guarda na formação psicológica da criança ou do adolescente para que repudie o outro, bem como atos que causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este”.[60]
Tal Projeto de Lei prevê a participação de equipe multidisciplinar – formada especialmente por profissionais da saúde mental e assistentes sociais – para ajudar a distinguir as falsas e as verdadeiras denúncias contra o ex-cônjuge, por meio de entrevista pessoal dos pais, exame de documentos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a fala da criança ou adolescente se apresenta acerca da eventual acusação contra o genitor.[61]
Outro ponto do Projeto em comento repousa sobre a ausência de obrigação do magistrado em ter aptidão para diagnosticar atos de alienação parental, mas apenas aos peritos que deverão apresentar histórico profissional ou acadêmico que lhes assegurem conhecimento do que seja a SAP e de como caracterizá-la, sendo inadmissível a atuação judicial de profissionais (técnicos auxiliares) que desconheçam os contornos da síndrome alienatória. [61]
É certo que em alguns casos clássicos indicados no rol exemplificativo o projeto já confere ao juiz retaguarda para que declare imediatamente a ocorrência da alienação parental, independentemente de perícia e, a partir daí, haja a prestação jurisdicional, com efeito, e caráter prático e preventivo.[62]
Penalidades como a multa e a perda da guarda estão previstas no Projeto de Lei 4.053/2008 que pune pais e demais familiares alienadores – também sujeitos a processo criminal por abuso psicológico.[63]
O Projeto, se aprovado, pode se revelar como medida salutar por se constituir em mais um meio de defesa do menor diante da SAP, contudo não será um remédio infalível já que o combate à alienação depende em grande parte da sensibilidade dos juízes, promotores de justiça, advogados, partes, peritos e assistentes sociais.
Desse modo,o Projeto de Lei 4.053/2008 será um instrumento de cunho preventivo e punitivo, no sentido de fortalecer a atuação estatal contra o exercício abusivo da autoridade parental.
A SAP possui medidas de combate e de punição, as quais devem ter sua implementação sopesadas ao extremo, eis que o grande desafio está em saber detectar quando a síndrome está efetivamente presente ou quando a repulsa do filho ao pai é justificada.
Aponte-se que o modo mais relevante de combate a essa nefasta realidade latente no seio social consiste na atenção que os membros do Judiciário devem ter quando estiverem diante das partes envolvidas na alienação, esteja ela instalada ou em vias de concretização.
Por atenção se compreenda o exercício silencioso da observação atenta da vida pregressa, fala, gestos, expressões faciais e demais elementos que denotam o que se passa no interior do indivíduo possivelmente alienado que mesmo usando “máscaras” acaba, em algum momento, distraindo-se e exteriorizando seus reais intentos.
A adoção da sugestão acima proposta não é impossível, podendo ser avaliada como prudente e coadunada com a capacidade de percepção que é comum ao homem médio, sendo até mesmo desnecessário, apenas nesse instante, o domínio sobre o conteúdo dos tratados e teses esboçados por Freud.
Portanto, a SAP é uma mácula que se instala no seio familiar, devendo e podendo ser minada a partir do labor atento dos magistrados, promotores, assistentes, peritos etc., no sentido de usarem sua sensibilidade para perceberem os sutis ou explícitos contornos do quadro alienatório.
6. Conjecturas à guisa de conclusão
O aumento da responsabilidade parental teve como base o maior número de separações judicias/divórcios e o desenvolvimento da consciência dos direitos da personalidade dos filhos e dos genitores, ampliando o exercício das funções parentais.
Em que pese a preocupação com o exercício de uma paternidade responsável, é fato que advém disso alguns aspectos negativos, tais como a SAP – Síndrome da Alienação Parental que é uma patologia, caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda, sendo a vítima maior a criança ou adolescente que passa a ser também “carrasco” de quem ama, vivendo pari passu uma contradição de sentimentos até chegar ao completo rompimento do vínculo de afeto, através da distorção da realidade.
Tal síndrome é uma realidade que já se encontrava instalada no seio social, contudo é contemporaneamente que ela ganha corpo, forma e cognominação definidos, devendo receber tutela jurídica mais próxima do eficaz, prestando-se maior atenção às questões de ordem psíquica como meio do alcance do reconhecimento da presença do dano afetivo pela ausência de convívio paterno-filial.
A sociedade é composta de indivíduos que têm sua “bagagem psíquica” construída com base na educação recebida pelos pais, reiterando o comportamento adotado pelos seus genitores e por isso passa a repetir o modelo dos mesmos, o que revela a necessidade de combate à SAP para que esta não seja perpetuada por várias gerações, em uma repetição incessante e nefasta de modelos de educação e de construção de afetos assimilados durante o processo de manipulação.
E tal combate se justifica ainda mais quando se torna possível visualizar a sociedade com membros que tenham: depressão crônica, desespero, pânico, incapacidade de adaptação em ambiente psico-social, transtornos de identidade, sentimento incontrolável de culpa, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade, etc.
A SAP também pode ser perniciosa ao meio jurídico por levar seus membros a proferir decisões eivadas de injustiça, posto que a notícia de abuso sexual pode ser informada ao juiz por meio do manejo de ação cautelar, seja na forma incidental ou preparatória, revelando-se como instrumento jurídico exitoso por, geralmente, concretizar, de modo rápido, a pretensão do postulante/alienador que anseia ver deferida a suspensão da visitação do pai ao filho, rompendo-se de forma célere o contato entre ambos.
Como forma de evitar o equívoco em decisões judiciais, o magistrado deve analisar com atenção as provas que possam detectar a SAP, a qual tem como principais espécies aplicáveis as provas testemunhal, documental e pericial.
Inobstante cada prova possua seu valor, não havendo hierarquia entre elas, tem-se que a pericial é a que merece destaque acentuado, face ao modo como é elaborada (através de entrevistas estudos sociais, testes, respostas a quesitos de assistentes técnicos e promotores etc.) e também pelo fato de não haver tantos magistrados com formação específica em psicanálise e/ou psiquiatria.
Isso eleva o labor dos peritos e assistentes técnicos em tais áreas da medicina como longa manus do Estado para o perfeito alcance do Direto e do ideal de justiça, contribuindo para que o magistrado da seara familiar valore a prova pericial com acuidade extrema, o que é louvável, tendo em mente as conseqüências da existência da SAP e/ou denúncia falsa de abuso sexual, quais sejam a perda da autoridade parental e/ou do direito de visitação.
O tema da prova na SAP engendra outra questão delicada e grave que se repousa na dificuldade de se provar o abuso sexual por meio da denúncia de incesto em casos em que ela já esteja instalada de forma intensa.
Leva-se em conta que mesmo que haja o noticiamento hodierno de um abuso de tal ordem à via judicial, haverá a necessidade da realização de exame de corpo de delito, o qual, em caso de apuração de violência, ensejará de pronto o processamento do genitor não guardião acusado.
Tal contexto deve ser analisado com cautela, já que o registro de vestígios de violência tais como manchas, marcas rochas ou lesões símiles, além de membros quebrados etc., podem servir de um outro ardil da mãe alienadora que pode ter se aproveitado, por exemplo, de um acidente doméstico ocorrido com o filho para imputar falsamente aquele ilícito de caráter penal ao genitor não guardião.
E tal ponderação ganha enlevo diante da morosidade da apuração de denúncias de tal espécie, ocasionando a perda do precioso tempo de convivência pai-filho, em função da suspensão das visitas, por ser essa a primeira providência a ser tomada em casos de denúncia de abuso sexual.
Neste particular, ressalta-se a coragem que o pai/não guardião deve ter em não admitir seu afastamento do infante/adolescente alienado, mesmo contra a vontade deste, nem que para isso seja necessária as visitações assistidas.
Vale mencionar que, em casos de SAP, onde são maiores as chances de denúncias de abusos serem falsas, o juiz pode e deve utilizar o teor da alínea “a”, do § 2º, do art. 13 do CPB (“Relevância da omissão”) como argumento intimidativo ao agente alienador, com o fim inibir falsas imputações de abusos.
Punitivamente, como medida punitiva contra a SAP é possível a reparação/indenização do dano moral sofrido pelo não guardião, já que a cumulação de dano material e moral é cabível quando advindos do mesmo fato, sendo despicienda a criação de norma específica para uma reparação civil nas relações de família, já que a regra indenizatória é genérica e projetável para todo o ordenamento jurídico.
Detectada a alienação parental também se pode responsabilizar o alienador por meio da reversão da guarda, da destituição do poder familiar, multa, fixação de visitas (monitoradas ou em locais públicos, se as particularidades do caso exigirem), advertências e encaminhamento dos pais a tratamento psicológico ou psiquiátrico.
Em termos de guarda, recomenda-se a análise do caso concreto para se estabelecer a guarda unilateral, compartilhada, socioafetiva ou outra qualquer, posto que nosso ordenamento não estabeleceu como obrigatório um tipo único de guarda, bem como sua inalterabilidade, sendo imperativa preservação do melhor interesse do menor.
Observa-se que a guarda compartilhada se revela como medida positiva quando não há elevado grau de animosidade entre os ex-consortes o que, em casos onde haja a SAP, torna desaconselhável esse tipo de guarda.
Num futuro próximo, poderá ser possível visualizar a SAP através de um salutar corpo normativo, tal como o do Projeto de Lei 4.053/2008 que possui como aspectos destacáveis a adição de outros membros da família como possíveis agentes alienadores, além de determinar que os peritos devam apresentar histórico profissional ou acadêmico que lhes assegurem conhecimento do que seja a alienação parental e de como caracterizá-la, sendo inadmissível a atuação de profissionais que desconheçam os contornos da síndrome alienatória e que atuem como técnicos auxiliares junto ao judiciário.
Em que pese as medidas punitivas e o Projeto de Lei alhures apontados, verbera-se que a principal arma para combater a SAP consiste no uso da razão, observação, acuidade e prudência, atributos esses que não estão tão distantes assim do homem-médio.
Os operadores do direito (juízes, promotores, assistentes sociais, peritos etc.) devem lançar mão de um dos elementos mais valiosos do ser humano que é a observação atenta do comportamento humano nos casos que envolvam ou estejam por envolver a SAP.
Além disso, qualquer indivíduo quando está diante de algo que pode ser perigoso ou duvidoso acaba por lançar mão da observação atenta como instrumento de defesa na busca de uma decisão que seja positiva e benéfica para si.
É preciso empenho pelos membros do Judiciário, notadamente, em primeira instância, no exercício da observação, pois dos relatos contraditórios, análise da vida pregressa, comportamentos exagerados, gestos bruscos ou controlados ao extremo, timbres de vozes alteradas, olhares vingativos ou perdidos, pequenos lapsos, reiterações, omissões, associação entre assuntos aparentemente díspares, recordações, expressões faciais etc., torna-se possível identificar, parcial ou totalmente, a SAP, vez que o discurso latente do sujeito franqueia o acesso à sua dinâmica intrapsíquica, ou seja, ao seu animus.
Está-se diante de uma questão de sensibilidade, já que o verbo sentir não se aplica apenas e tão somente às sensações individuais, mas também em relação ao outro com alteridade, sendo mister nesse milênio que se judique sentindo o outro, interpretando-se a personalidade psíquica dos agentes em foco (indivíduos alienador e alienado).
Nesse ambiente, papel relevantíssimo será o desempenhado pelo juiz que é o pai social[64], ou seja, a “porta inaugural por onde a lide passa” e recebe assistência jurídica primeira, cabendo a ele ter atenção e sensibilidade com todos os aspectos do processo, notadamente, por ocasião das audiências (conciliação, instrução, oitiva de menores etc.), tendo atenção redobrada com as palavras proferidas pelas partes em juízo, vez que a “boca fala o que vai cheio o coração”.
E lutar contra a SAP é uma obrigação de todos nós, não cabendo apenas ao Poder Público, mas a toda a sociedade velar pela observância dos direitos fundamentais apostos na Carta Política de 1988 (caput do seu art. 227), bem como no ECA – Estatuto da Criança e do Menor Adolescente (notadamente em seu art. 18), onde se asseguram prerrogativas às crianças e aos adolescentes, tais como o direito ao respeito, à convivência familiar, à dignidade e, mormente, à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral.
A SAP deve ser combatida e, se possível, minada por consistir em verdadeira amputação psíquica que extirpa o amor paterno-filial que guarda liame com o afeto que se resume no locus do Direito de Família no século XXI, por colocar em risco a higidez psicológica de vários infantes e adolescentes que podem até mesmo ser vitimados por anos por tal síndrome.
O centro da gravidade das relações familiares, que não mais possui a configuração primeva da família nuclear intacta e de primeiras núpcias, calca-se na felicidade de seus membros, ou seja, no princípio da eudemonia, já que todos nós queremos ser felizes, destacando-se o primado da afetividade na identificação das novas estruturas familiares, levando à valoração do que se chama filiação afetiva, onde se localiza o primado do amor filial.
Portanto, a alienação parental deve ser eficazmente combatida para que os menores vivenciem, amplamente, os elementos preenchedores da célula familiar, ou seja, a convivência arrimada no amparo, solidariedade, afeto e, sobretudo, na liberdade de amar e ser amado, tanto por seu pai, quanto por sua mãe, ou até mesmo por um terceiro, se for o caso, deixando de serem “crianças órfãs de pais vivos”, para que a SAP que sob a ótica infantil pode ser traduzida sinteticamente na frase “quero te amar, mas não devo”, ceda lugar a outra oração, qual seja, “quero e posso te amar”.
Informações Sobre o Autor
Ana Surany Martins Costa
Especialista em Direito Previdenciário. Advogada militante em Minas Gerais