Questões Processuais no novo Código Civil: A indenização pela dissolução culposa da sociedade conjugal

Resumo – A indenização na dissolução culposa da sociedade conjugal é um tema abrangente, bastante discutido na doutrina e na jurisprudência, e encontra amparo na responsabilidade civil, que adota o princípio geral de direito que impõe a quem causa dano a outra pessoa o dever de reparar. Tal instrumento foi inserido pelo constituinte brasileiro de 1988 entre os direitos e garantias fundamentais, no art. 5º, X, já as causas passíveis de argüição pelo autor na busca da reparação pela dissolução da sociedade conjugal por culpa do réu, vêm elencados no art. 1.573 do Código Civil de 2002. No caso concreto, o ordenamento jurídico tem a pretensão de preservar e manter os laços matrimoniais. Neste contexto surge a grande celeuma: haveria indenização na dissolução culposa da sociedade conjugal? Em que pese à polêmica em torno do assunto, tentou-se analisar de forma sucinta e objetiva, a reparação do cônjuge vítima, na dissolução da sociedade conjugal; especificamente, pretendeu-se avaliar os motivos causadores e sua reparação no âmbito da sociedade conjugal.


Palavras-chaves: Sociedade Conjugal. Dissolução Culposa. Reparação.


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Sumário – 1. Introdução. 2. Sociedade conjugal. 2.1. Origem. 2.2. Concepção moderna de família. 2.3. Situação dos cônjuges na família. 2.4. Deveres recíprocos. 2.4.1. Fidelidade recíproca. 2.4.2. Vida em comum no domicílio conjugal. 2.4.3. Mútua assistência. 2.4.4. Sustento, guarda e educação dos filhos. 2.4.5. Respeito e consideração mútuos. 2.5. Casamento e sociedade conjugal. 3. Dissolução da sociedade conjugal. 3.1. Origem. 3.2. A dissolução da sociedade conjugal no código civil 1916. 3.3. A lei n.º 6.515/77. 3.4. A dissolução no direito constitucional. 3.5. Dissolução culposa da sociedade conjugal. 3.6. As causas da dissolução em espécie. 3.6.1. Adultério. 3.6.2. Atentado contra a vida. 3.6.3. Sevícias. 3.6.4. Injúria grave. 3.6.5. Abandono injusto do lar. 3.6.6. Conduta desonrosa e condenação por crime infamante. 4. Reparação civil na dissolução culposa. 4.1. Evolução histórica da reparação do dano moral no brasil. 4.2. Natureza da reparação dos danos. 4.3. Cabimento de indenização na dissolução culposa. 4.4. Culpa recíproca. 4.5. Reparação e quantificação. 5. Conclusão. 6. Referências.


1 INTRODUÇÃO


A família nem sempre foi considerada uma instituição importante, na era primitiva o indivíduo vivia isolado e desprotegido. Posteriormente, devido às várias dificuldades passou a viver em grupos e a família ainda em evolução ganhou maior destaque em Roma.


Encontrava-se em Roma, na concepção de família, um pai que possuía plenos direitos no âmbito familiar, mas com o passar dos anos, viu-se a necessidade de a mulher e a prole também adquirirem, direitos e obrigações. Fatores como a Revolução Industrial e o aumento das necessidades econômicas, contribuíram para essa evolução.


Por conseqüência do surgimento da união entre homem e mulher, advieram leis emanadas da Igreja-Estado, com o intuito de regulamentar e proteger as relações familiares.


Dada à evolução da Sociedade e do Direito, houve que se regulamentar também o desfazimento das uniões. Nessa perspectiva o legislador previu algumas situações que, ocorridas, tornam insuportável a vida em comum entre os cônjuges.


Dentre os motivos elencados, encontram-se o adultério, tentativa de morte, sevícia ou injuria grave, abandono voluntário do lar conjugal, condenação por crime infamante, conduta desonrosa ou outro motivo que o juiz considere que torne a impossibilidade da vida em comum.


Ante ao acima expendido, nas especificidades que se fazem presentes na dissolução da sociedade conjugal provocado pelo cônjuge de forma culposa, deverá este reparar ao outro, pelos devidos danos causados através da indenização?


Portanto, o objetivo precípuo deste trabalho será analisar o cabimento de indenização pela dissolução culposa da sociedade conjugal; especificadamente verificar os motivos causadores da dissolução culposa e a sua reparação, justificada pelos transtornos gerados à pessoa do cônjuge ofendido.


2 SOCIEDADE CONJUGAL


Todo homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural, o organismo familiar. A ela conserva-se ligado durante a sua existência, embora venha a constituir nova família pelo casamento, compondo-se dos nubentes e de seus filhos.


Cahali ensina:


“Irrecusável assim que é ainda através do matrimônio que duas pessoas de sexo diferente adquirem o estado familiar de cônjuges, que por sua vez é fonte de direitos e obrigações recíprocas […].”[1]


Não é casual, ou desmotivada, a proteção estatal às famílias. O ordenamento jurídico leva em conta, fundamentalmente, a importância da família como núcleo básico e central de toda estrutura social, onde o indivíduo recebe seu primeiro sustento e assistência, além do mais essencial à sua educação.


Assim prescreve o art. 226 da Constituição Federal de 1988: “A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado”.[2]


No mesmo sentido, ensina Rodrigues:


A família se apresenta, portanto, como instituição que surge e se desenvolve do conúbio entre o homem e a mulher e que vai merecer a mais deliberada proteção do Estado, que nela vê a célula básica de sua organização social.[3]


A sociedade conjugal, composta pelo marido e pela mulher, constitui o núcleo básico da família, caracterizando-se pela convivência social, física, e pela solidariedade econômica, vindo o Estado a conferir especial proteção à família por considerá-la a célula base de toda sua estrutura.


2.1 ORIGEM


As sociedades primitivas tinham como preocupação básica a satisfação das necessidades primárias. Com meios técnicos rudimentares para enfrentar os rigores da natureza, o problema central do homem primitivo era prover sua própria subsistência.


Com o passar do tempo o homem passou a viver em grupos, assim homem e mulher dividiam as tarefas, por isso o indivíduo solteiro era uma calamidade para a sociedade dessa época, as sociedades primitivas não existiam propriamente uma relação conjugal individualizada, mas relações familiares grupais promíscuas.


Para o doutrinador Engels citado por Venosa:


“[…] no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integram a tribo […].”[4]


Posteriormente em Roma, a família passou a se organizar sobre o princípio da autoridade, que abrangia quantos a ela estavam submetidos.


O pai possuía e exercia total poder no âmbito familiar. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça. Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte, podia impor-lhes pena corporal, vendê-los e inclusive tirar-lhes a vida. A mulher vivia totalmente subordinada à autoridade marital, nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à esposa, sem alteração na sua capacidade; não tinha direitos próprios, podia ser repudiada por ato unilateral do marido.


Neste sentido, escreve Pereira:


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“O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava oficiava o culto dos deuses domésticos […] A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital (in manu mariti), nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade; […].” [5]


Somente o pai adquiria bens, exercendo o poder sobre o patrimônio familiar, como conseqüência do poder sobre a pessoa dos filhos e sobre a mulher.


Posteriormente a família passou a se organizar como célula de produção, ou seja, o pai utilizava sua esposa e prole, para o trabalho no campo, a fim de financiar sua subsistência e de sua família.


Como coloca Venosa:


“[…] A família monogâmica converte-se, portanto, em um fator econômico de produção, pois esta se restringe quase exclusivamente aos interiores dos lares, nos quais existem pequenas oficinas.”[6]


Mas, com o tempo, esfriaram estas regras severas: conheceram-se o casamento, trazendo fatores que modificaram tal realidade, pois, buscando a proteção dos bens adquiridos no decorrer da vida, e visando deixar os bens no âmbito familiar após sua morte, além do que, os princípios cristãos propagados, estimularam a criação de patrimônio independente para os filhos, constituídos pelos bens adquiridos como soldado ou pelos que realizavam atividades intelectuais, artísticas ou funcionais introduzidas pela Revolução Industrial.


Para Pereira:


“A partir do século IV, com o Imperador Constantino, instala-se no Direito Romano a concepção cristã da família, na qual as preocupações de ordem moral predominam, sob inspiração do espírito de caridade.”[7]


Também sobre o assunto, escreve Venosa:


“[…] Perdendo seu papel econômico, sua função relevante transfere-se ao âmbito espiritual, fazendo-se da família a instituição na qual mais se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais […] Essa situação vai-se reverter somente com a Revolução Industrial, que faz surgir um novo modelo de família.”[8]


O ser humano sempre teve a necessidade de viver em conjunto, contudo, somente após a civilização romana é que se pode visualizar a família estruturada, formada por um homem, uma mulher e sua prole, de onde partiram grandes evoluções até chegarmos à entidade familiar de hoje, como veremos a seguir.


2.2 CONCEPÇÂO MODERNA DE FAMÍLIA


Na sua evolução pós-romana, a família recebeu a contribuição do direito germânico. Recepcionou, sobretudo, a espiritualidade cristã, reduzindo o grupo familiar aos pais e filhos.


No direito moderno, revestiu-se de outras características. Substituiu-se a organização autocrática por uma orientação democrática efetiva, ou seja, os membros deliberavam diretamente, adquiriram direitos e obrigações no seio familiar, inclusive a mulher, antes sufocada pelo poder do pai ou do marido.


Para o professor Wald, a família brasileira, como hoje a conceituamos, sofreu as influências da família romana, da família canônica e da família germânica. A evolução da família romana foi no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do “pater”, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos e substituindo-se o parentesco agnatício pelo coagnatício (relação de parentesco traçada por linha exclusivamente masculina;). [9]


A expressão poder marital já se considera um eufemismo vazio do antigo conteúdo, hoje, os filhos podem adquirir bens, que, em sua menoridade, são administrados e usufruídos pelos pais. A mulher forma seu patrimônio reservado, de que o marido não pode dispor, e ainda tem a faculdade de defender a sua parte no acervo comum, contra os credores do marido. Coopera na administração do lar, repartindo com ele as decisões e as responsabilidades.


Modernamente, o grupo familiar se reduz numericamente. A necessidade econômica ou a simples conveniência leva a mulher a exercer atividades fora do lar, o que enfraquece o dirigismo no seu interior. A função educacional, em seu aspecto formação pessoal dos filhos, sofreu alterações. Neste contexto está cada dia mais perdendo espaço, diante da falta de tempo dos pais. A necessidade de trabalhar e qualificar-se ocupa-lhes, praticamente, o dia todo, deixando pouco tempo para educar os filhos.[10]


No mesmo sentido, escreve Venosa:


Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes e recreação preenchem atividades dos filhos que originalmente eram de responsabilidade dos pais. Os ofícios não mais são transmitidos de pai para filho dentro dos lares e das corporações de oficio. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas. [11]


A família modifica-se profundamente, e o Estado com seu dever de proteção sobre ela, deve criar mecanismos com a finalidade de garantir-lhe maior estabilidade, por isso, tanto mais adiantado um país, mais fortalecida a família se faz sentir.


A família recebeu grande proteção do Estado, recebendo um Capítulo na CF/1988, disposto a partir do art. 226 até o art. 230, que zelam pela família, casamento, filhos, idosos, cônjuges, deficientes físicos, direitos trabalhistas e previdenciários, etc., baseando-se principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana.


2.3 SITUAÇÃO DOS CÔNJUGES NA FAMÍLIA


A família brasileira se assentou em tradição eminentemente patriarcal, em que a chefia do grupo familiar se deferiu sempre ao homem, no interesse da subsistência, do equilíbrio e harmonia da entidade familiar, só possíveis quando submetida esta a uma autoridade diretiva unificada, sendo que o desdobramento de tal autoridade ao propiciar seu exercício ao mesmo tempo pelo homem e pela mulher, por certo poderia fazer entre estes uma situação de verdadeiro confronto, sem condições de ser, no futuro contornado.


Assim escrevia Aarão:


Não se traduz em onipotência do marido: implica, apenas, na necessidade de se conferir a alguém, na comunhão familiar, de acórdão com as práticas difundias na sociedade, o poder de resolver divergências em instâncias finais. [12]


Com a evolução da sociedade e crescente dificuldade financeira estabeleceu-se entre o homem e a mulher uma igualdade na colaboração que prestavam à família, sem, todavia, conceber tal igualdade perante a lei e a sociedade, reconhecendo-se a necessidade de existir sempre uma autoridade que decidisse no caso de divergência entre os cônjuges. A unidade e a conservação da família faziam com que se preferisse entregar a chefia ao marido, assim reconhecido no antigo Código Civil de 1916, in verbis:


“Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.


Compete-lhe:


I – a representação legal da família.”


O texto da vigente Constituição, assim como no Código Civil atual, não deixa mais dúvidas de que ficou abolida a figura do chefe da sociedade conjugal. Não mais se concede ao marido qualquer privilégio, ou sobrecarga de responsabilidades como provedor financeiro do lar, assim as decisões que interessam à família deverão ser tomadas por ambos os cônjuges, conforme prescreve o art. 226, § 5º, da CR/88 e o art. 1.565 e 1.568 do Código Civil/2002.


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“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]


§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.


Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.


Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.”


Os cônjuges se encontram no mesmo nível de igualdade na sociedade conjugal, da qual adquirem direitos e obrigações, assumidos por eles mutuamente.


2.4 DEVERES RECÍPROCOS


Visando dar maior segurança a entidade familiar, a lei civil fixou alguns deveres existentes entre os cônjuges e para com os filhos, visando assim, preservar por conseqüência a harmonia social.


São deveres recíprocos entre os cônjuges, a fidelidade, a vida comum no domicílio conjugal, à mútua assistência, o sustento, a guarda e educação dos filhos, o respeito e a consideração mútuas, conforme o art. 1.566 do CC/2002, contudo, ocorrendo grave violação de qualquer desses deveres, resultará em causa para a separação judicial litigiosa, segundo art. 1.572 do CC/2002.


2.4.1 FIDELIDADE RECÍPROCA


A fidelidade é entendida no sentido físico e moral, ou seja, como manutenção de relações sexuais exclusivas como o outro cônjuge e dever de lealdade de cada membro do casal em relação ao outro.


Neto leciona:


“Todo relacionamento humano depende dela, traz idéia de estabilidade, de transparência e de reciprocidade. A falta de fidelidade pode gerar crescimento econômico, mas acarreta a marginalização dos infiéis.”[13]


A nossa base familiar está centrada num relacionamento familiar monogâmico, pelo qual o casal tem sobre si o dever de lealdade.


2.4.2 VIDA EM COMUM NO DOMICÍLIO CONJUGAL


A vida em comum ou a coabitação é a residência no mesmo local, escolhido de comum acordo e no interesse do casal, conforme o art. 1.569 do CC/2002.


Para Venosa:


“Vida em comum no domicilio conjugal é decorrência da união de corpo e de espírito. Somente em situação de plena exceção é de admitir-se quebra ao preceito.”[14]


Escolhido o local de convivência por ambos os cônjuges, os mesmo deverão nele habitar, contudo, algumas situações poderão ocorrer, trazendo uma exceção à regra, como no caso de um ou ambos os cônjuges necessitarem se ausentar do domicílio conjugal em virtude de trabalho, doença ou outros motivos que não venham figurar o abandono do lar voluntariamente.


2.4.3 MÚTUA ASSISTÊNCIA


Outro dever existente entre os cônjuges, é o de mútua assistência moral e econômica, devendo ambos colaborarem na manutenção da família, conforme o art. 1.566, inciso III, do CC/2002.


Assim, ensina Venosa:


“A mútua assistência também é derivada da união material e espiritual. Esse aspecto é fundamental no matrimônio, consagrado tradicionalmente pela Igreja. Nesses dois aspectos desdobra-se a assistência recíproca.”[15]


Passando os cônjuges a viverem juntos, deverão ambos contribuir um com o outro, ou seja, haverá assistência mútua, para atender as necessidades da família e entre eles no campo material e moral. Podendo inclusive, tal direito vir a ser estendido após a dissolução da sociedade conjugal.


2.4.4 SUSTENTO, GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS


Nesse sentido, os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos de seu trabalho, para o sustento da família e da educação dos filhos, qualquer que seja o regimento patrimonial adotado pelo casal, assim prescreve o art. 1.568 do CC/2002.


Oliveira, neste sentido escreve:


“Quanto ao sustento, guarda e educação dos filhos, essas funções são desempenhadas pelos cônjuges em regime de co-gestão, oportunizando estes a seus filhos as condições mínimas de crescimento em termos materiais e afetivos para que se tornem pessoas de bom caráter. Os filhos devem ter dentro do lar a estrutura necessária e suficiente para o amadurecimento.”[16]


Neste dever, os cônjuges em relação à prole, deverão em conjunto dispor de recursos, materiais e morais, para a criação dos filhos, conforme também prescreve o art. 229 da CF/88, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, seguindo tal preceito constitucional o Estado visa oferecer maior proteção à prole.


2.4.5 RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS


Acréscimo vindo com o atual Código Civil, aumentando assim o rol de deveres recíprocos.


No entendimento do professor Venosa:


“O atual Código acrescentou mais um item a esse rol de deveres recíprocos […], dentro da isonomia de poderes e deveres da nova sociedade conjugal, não há que se admitir poderes discricionários de qualquer um dos cônjuges que impliquem violação dos direitos da personalidade ou de direitos individuais.”[17]


Baseados nesta nova modalidade, os cônjuges deverão estabelecer comportamento pessoal condizente com os princípios morais, com a finalidade de proporcionar ao outro cônjuge, segurança, respeito e consideração recíprocos.


2.5 CASAMENTO E SOCIEDADE CONJUGAL


Casamento e sociedade conjugal não se confundem embora se relacionem de forma tão estreita que se tornam interdependentes e não admitem falar na existência de um sem que o outro também esteja presente. A instituição matrimonial é o que normalmente se visualiza e que se busca concretizar quando se adota todas as providências em lei previstas e que se volta a emprestar-lhe a mais ampla validade. Habilitam-se os nubentes para o casamento e com este nasce à sociedade conjugal, como efeito naturalmente decorrente.


Diniz, ao cuidar desse tema em particular, assevera que o casamento é um instituto mais amplo que a sociedade conjugal, pois segundo ela este se presta a regular a vida dos consortes, suas relações e suas mútuas obrigações, preocupando-se tanto com aquelas de cunho moral quanto com as de natureza afetiva e os deveres com a família e a prole. Contida no matrimônio, a sociedade conjugal “é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo, apenas, o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles.” [18]


A sociedade conjugal resulta diretamente do casamento, constituindo-se em efeito dele decorrente. Assevera Silva que “a sociedade conjugal, que se institui pelo casamento, importa no estabelecimento de uma comunhão de bens e de interesses, de que participam os dois cônjuges.” [19] 


A necessidade de coexistência entre ambos os institutos é inegável, não se podendo dizer que haja casamento sem que dele não advenha à formação de uma sociedade de caráter peculiar entre os consortes, sendo que o casamento mais abrangente, pois advém de um contrato celebrado entre os cônjuges, já a sociedade conjugal é a efetivação do contrato, com os atos praticados dentro do casamento.


3 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL


A sociedade se distingue do vínculo conjugal, que existe entre os cônjuges em virtude do matrimônio, este só desaparece nos casos de morte de um dos cônjuges, sentença anulatória ou declaratória de nulidade do casamento ou divórcio; já a sociedade conjugal cessa em sua existência quando as partes promovem a separação judicial, amigável ou litigiosa, conforme o art. 1.571 do CC/2002.


“Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:


I – pela morte de um dos cônjuges;


II – pela nulidade ou anulação do casamento;


III – pela separação judicial;


IV – pelo divórcio.”


No cotejo dessa norma, fica bem claro que a separação judicial faz terminar a sociedade conjugal, com ela põe-se termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens, conforme os arts. 1.575 e 1.576 do CC/2002. Já o vínculo matrimonial somente dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, pela anulação ou nulidade do casamento e pelo divórcio, sendo que o divórcio põe termo aos efeitos civis do matrimônio, podendo inclusive, o divorciado contrair novas núpcias, pois deixará de existir o impedimento previsto no art. 1.521, VI do Código Civil de 2002.


3.1 ORIGEM


A Igreja foi titular quase absoluta dos direitos sobre a instituição matrimonial; os princípios do Direito Canônico representavam à fonte do direito positivo.


Com a proclamação da independência e instaurada a monarquia, o direito brasileiro permaneceu sob a influência direta e incisiva do direito da Igreja, em matéria de casamento.


Neste entendimento, Lotufo escreve:


“[…] a Igreja Católica, que tratava do direito de família em todo território nacional, continuou mesmo após a independência, em que foi instaurada a monarquia […].”[20]


No Brasil – Império, um grande passo no sentido da desvinculação deu-se com o Decreto 1.144 de 11.09.1861, que regulou o casamento entre pessoas de seitas dissidentes, celebrado em harmonia com as prescrições da respectiva religião.


Posteriormente, várias tentativas visaram à plena secularização do casamento, o que, aliás, transparece nos projetos da codificação civil; mas somente com a República, mercê da laicização do Estado através do Decreto 119-A, de 07.01.1890, veio o instituto a perder o caráter confessional.


Neto, neste sentido, escreve:


“Antes do Código Civil, tratava das formas de dissolução da sociedade conjugal o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, chamada de Lei do Matrimônio, obra do eminente Rui Barbosa.”


Nos arts. 80 a 92 cuidou o Decreto do que chamou de divórcio, que, no entanto, não se identifica com o que hoje conhecemos por divórcio já que dispôs, em seu art. 88, que “o divórcio não dissolve o vínculo conjugal […].” [21]


Em institutos anteriores à legislação civil de 1916, já era prevista a dissolução da sociedade conjugal, sem que houvesse, contudo, a dissolvição do vínculo conjugal.


3.2 A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL NO CÓDIGO CIVIL 1916


No Código Civil de 1916, permitia-se tão-somente o término da sociedade conjugal por via do desquite, amigável ou judicial (art. 315, II, CC/1916), fazendo certo que a sentença do desquite apenas autorizava a separação dos cônjuges, e punha termo ao regime de bens, como se o casamento fosse dissolvido (art. 322, CC/1916), restava, porém, ileso o vínculo matrimonial.


Dias ainda ressalta que:


“A separação judicial dissolve a sociedade conjugal, mas conserva íntegro o vínculo, impedindo os cônjuges de convolar novas núpcias, pois o vínculo matrimonial, se válido, só termina com a morte de um deles ou com o divórcio.”[22]


Tem-se como nota marcante da legislação civil de 1916 a inserção da palavra desquite, para identificar a simples separação de corpos, descartando a expressão, já não rigorosamente técnica, de divórcio, que o direito canônico criara, em contraposição ao divortium, na acepção autêntica que lhe emprestara o direito romano.


Rodrigues leciona:


“A palavra desquite foi introduzida no Direito brasileiro com o Código Civil de 1916. O Decreto n.º 181/1890, que instituiu entre nós o casamento civil, ainda utilizava a expressão divórcio, embora não o admitisse com o efeito de romper o vínculo conjugal. De forma que o Código Civil, fora modificações menores, nada inovou ao direito anterior, a não ser o nome do instituto.”[23]


Assim, o Código Civil de 1916, passou a admitir o término da sociedade conjugal por via do desquite tanto amigável como judicial, tendo como fator marcante a inserção da palavra desquite em substituição a expressão divórcio, mas que ainda não desfazia o vínculo conjugal.


3.3 A LEI N.º 6.515/77


A Emenda Constitucional n. 9/1977, que pôs termo à indissolubilidade do vínculo conjugal, foi complementada pela lei n° 6.515/77, que possuindo natureza material e formal, não se limitou a tratar apenas do divórcio e da separação judicial. Foi além, promovendo uma minirreforma do Direito de Família. Assim, seu art. 50, alterou, entre outros, o art. 240 do Código Civil 1916, tornando facultativa a adoção do nome do marido pela mulher ao casar, também alterou o art. 258 daquele diploma, impondo ser o regime de comunhão parcial, quando outro não for fixado em pacto antenupcial pelos cônjuges.


Diniz relata que:


“Com a Emenda Constitucional n.9, de 1977, instituiu o divorcio no Brasil. Regulamentou-o a Lei n. 6.515 de 1977. Essa lei passou a regular os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, revogando os arts. 315 a 328 do Código Civil de 1916.”[24]


No mesmo entendimento escreve Rodrigues:


“[…] o a Lei n. 6.515/1977 que regulamentou o divórcio no Brasil, possuía natureza material e formal. Com a vinda da lei passou com o divórcio dissolver todo o vinculo conjugal, ou seja, terminado com os deveres e obrigações de um cônjuge para com o outro, podendo se casar novamente com uma outra pessoa.”[25]


A pessoa desquitada, encontrava discriminação, por causa do seu atual estado, principalmente a mulher, pois ela estaria desimpedida de se relacionar com outro homem.


Assim sendo, Pletsch ensina:


“Em 1977, a Lei do Divórcio (6.515/77) substitui a expressão desquite por separação judicial. É que a palavra desquite carregava o peso de um preconceito que passou a designar mais que um simples estado civil. desquite tornou-se significado de mulher ‘livre’, ou cuja conduta sexual era sempre colocada em dúvida.”[26]


A lei trouxe mudanças de grande relevância para o direito de família, tal revolução legislativa provocou a regularização de uniões “espúrias”, ou seja, condenadas à discriminação da sociedade, por haver impedimento matrimonial a um, ou a ambos os cônjuges, proveniente de um casamento anterior. Com o advento da Emenda Constitucional n° 9/77 e da Lei n° 6.515/77, passou-se a admitir a dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio, acabando assim com qualquer laço matrimonial existente entre os cônjuges, podendo dessa forma, constituírem novas núpcias.


3.4 A DISSOLUÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL


A Constituição de 1988 também contribuiu com importantes alterações no Direito de Família, inclusive em relação a dissolução da sociedade conjugal. Em seu art. 226, § 6º, diminuiu consideravelmente o prazo para a obtenção do divórcio e tornou o divórcio direto regular e não mais excepcional.


Conforme Rodrigues:


“[…] o divórcio no Brasil passou a designar o desquite como separação judicial. Essa mudança se manifestou em duas etapas. A primeira, ocorrida em 1977, é representada pela Emenda Constitucional n. 9, que pos termo à indissolubilidade do vínculo, e completada pela Lei n 6.515, de 26 de dezembro, que regulamentou o divórcio.”[27]


Assim, prescreve o art. 226, § 6º da Constituição Federal:


“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]


§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”[28]


A dissolução do vínculo conjugal foi inserida na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 226, posteriormente regulamentada pelo Código Civil de 2002, em seus arts. 1.571 à 1.590 que dispõem sobre seus requisitos e efeitos.


3.5 DISSOLUÇÃO CULPOSA DA SOCIEDADE CONJUGAL


Embora as relações familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenando a durar para sempre; por vezes o sonho acaba, o amor termina, o rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da personalidade dos envolvidos nessas relações, vindo a acarretar graves danos aos membros da família.


Monteiro, neste sentido, ensina:


“[…] a separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro, conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum.”[29]


Vários são os fatores que podem acarretar a dissolução da sociedade conjugal, quais sejam: sevícias, ofensas à integridade física, injúrias graves, violação da honra e outros atos praticadas por um dos cônjuges contra o outro, o atentado à vida do convivente, que pode configurar-se inclusive pela contaminação de doença grave e letal ou mesmo o abandono moral e material do companheiro, assim como outros fatores de acordo com o entendimento do juiz.


Havendo a impossibilidade de convivência entre os cônjuges, por culpa do cônjuge ofensor, caberá ao cônjuge ofendido o direito de pleitear a separação judicial culposa.


Para Cahali:


“Assim, é necessário que do ato ou da conduta do infrator resulte gravemente perturbada a convivência conjugal, tornando intolerável a manutenção ou restauração da vida em comum, em termos que correspondam à essência do matrimonio.”[30]


Nos termos do art. 5º da Lei 6.515/77, a separação judicial poderia ser pedida por um só dos cônjuges quando imputasse ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento resultando em insuportável vida comum.


O novo Código Civil, simplesmente reproduziu o art. 5º, caput, da Lei do Divórcio, apontando como causa da separação judicial, conduta desonrosa ou qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. Em seu art. 1.573, elenca as causas de divórcio enumeradas no art. 317 do Código anterior, acrescentando em repetição a conduta desonrosa, e no parágrafo único, possibilidade jurídica diante de outros fatos, que o juiz considere evidenciada à impossibilidade da vida em comum.


Neste sentido, escreve Cahali:


“[..] sendo constatado pelo juiz, fatos que importe evidente a impossibilidade da vida em comum entre os cônjuges, deverá o mesmo considerar, deverá conceder o pedido de separação […].”[31]


Qualquer um dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, justificada na imputação ao outro, de qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. Exige-se, pois, esteja fundada em um dos motivos a que alude a lei, os quais devem, de forma suficiente, acarretar insuportabilidade da vida em comum. Contudo, sem que isto esteja demonstrado não se torna possível decretar a separação do casal.


Assim prescreve o art. 1.572 do Código Civil de 2002, in verbis:


“Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputada ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.”


Ocorrido à impossibilidade de convivência, qualquer um dos cônjuges poderá, ingressar em juízo para buscar a separação litigiosa, no qual visa a sua desobrigação para com o outro cônjuge. Vindo o cônjuge a ser declarado culpado na ação de separação judicial perderá este, o direito de usar o sobrenome do outro, além da possibilidade de reparação como veremos em capítulo próprio.


3.6 AS CAUSAS DA DISSOLUÇÃO EM ESPÉCIE


É na própria lei que se encontra as circunstâncias para a caracterização da inviabilidade de preservação da vida em comum, estando dispostas no art. 1.573 do Código Civil de 2002, in verbis:


“Art. 1573. Pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:


I – adultério;


II – tentativa de morte;


III – sevícia ou injúria grave;


IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano continuo;


V – condenação por crime infamante;


VI – conduta desonrosa.


Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”


Tais situações, pelo que claramente se colhe na disposição inscrita no parágrafo único do mesmo artigo, não esgotam o rol de hipóteses de que se podem valer as partes para alegar e demonstrar a insuportabilidade da vida em comum. Prevê-se ali, de modo a ampliar esse rol, que ao juiz é dado considerar outros fatos que tornem isso evidente.


Assim, Venosa relata que:


“[…] o parágrafo único do art. 1.573 do CC/2002, permite que o juiz considere outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum […].”[32]


A separação, na modalidade ora estudada, ou seja, culposa; admite e possibilita a mais ampla apuração das causas da dissolução e enseja, ao final, que se venha a apontar a responsabilidade de um dos cônjuges pela deterioração da relação e conseqüente extinção da sociedade. Disso resulta diretamente um conjunto de sanções que ao culpado serão cominadas.


Segundo Diniz:


“Separação litigiosa como sanção, que se dá quando um dos consortes imputar ao outro qualquer ato que importe em grave violação dos deveres matrimoniais e torne insurpotável a vida em comum (CC/2002, arts. 1.572 e 1.573, I a VI).”[33]


O Código Civil de 2002 trouxe seis incisos constando motivos que geram a impossibilidade de convivência entre os cônjuges, dando ao cônjuge vítima o direito de buscar em juízo a separação.


Sendo assim, passaremos a estudar de forma minuciosa cada um dos motivos enumerados pelo Código Civil de 2002, taxados como forma de dissolução culposa da sociedade conjugal. Contudo, vale lembrar que tal rol não é exaustivo e sim exemplificativo, conforme o preceito do § único do art. 1.573 do CC/2002.


3.6.1 ADULTÉRIO


Entendido como grave violação dos deveres conjugais, no âmbito da atual sociedade, fundada pelo casamento monogâmico, ou seja, o marido e a esposa terem apenas um ao outro no seio conjugal.


Neste sentido, Cahali escreve:


“A violação do dever de fidelidade representa a mais grave infração dos deveres conjugais; dentro dos padrões convencionais da sociedade moderna, estruturada à base do casamento monogâmico, o adultério constitui séria injúria ao consorte e grave ameaça à vida conjugal.”[34]


O Direito Civil Brasileiro adotou o sistema monogâmico, em se tratando de união entre homem e mulher, corroborado pelo art. 1.724 do Código Civil de 2002, in verbis:


Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.


Conforme já citado anteriormente no trabalho, o art. 1.521, VI do Código Civil de 2002 vem trazendo como forma de impedimento para novas núpcias, a pessoa que tenha vínculo conjugal, ou seja, casada. Ficando impedidas de se casar, as pessoas que já se encontram casadas, segundo o artigo in verbis:.


“Art. 1.521. Não podem casar: […]


VI – as pessoas casadas;”


Objetivamente considerado, o adultério é a conjunção carnal entre duas pessoas de sexo diferente, sendo que uma das quais, pelo menos, deve ser vinculada a um terceiro pelo laço matrimonial.


Para Coelho, o adultério constitui-se “no fato de um dos cônjuges manter conjunção carnal com terceira pessoa, de sexo diverso do cônjuge adúltero”.[35]


A fidelidade não é apenas um dever imposto pela moral, mas também, obrigação jurídica, que repousa sobre o homem e a mulher, conforme o art. 1.566, I do CC/2002, in verbis:


Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:


I – fidelidade recíproca;


Trata-se de um dever de grande relevância na proteção da entidade familiar que se desenvolveu sob o princípio da monogamia, visando o Estado evitar relações promíscuas e até mesmo, confusões de cunho patrimonial.


3.6.2 ATENTADO CONTRA A VIDA


O atentado contra vida, constitui o ato pelo qual um dos cônjuges atente de alguma forma contra à vida do outro, podendo vir a produzir efeitos ou não.


Na lição de Silva:


“A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, […]. consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável.”[36]


O atentado contra a vida do consorte, além de dar causa à separação litigiosa culposa, gera também a obrigação de indenizar os danos causados, ainda que se trate de tentativa branca, ou seja, que nenhuma lesão seja causada à vítima.


3.6.3 SEVÍCIAS


Outra causa elencada expressamente no Código Civil de 2002 como justificativa para a impossibilidade da comunhão de vida, é a prática de sevícias por um cônjuge contra o outro, configurando também grave violação ao dever de mútua assistência, conforme abordado no trabalho no capítulo dos deveres recíprocos entre os cônjuges.


Para Cahali, “a sua prática configura infração ao dever de respeito à integridade física do outro cônjuge, com a negação do dever de mutua assistência e socorro”.[37]


Assim, além de justificar a separação litigiosa por culpa do que infringe ao consorte as sevícias, e além da possível ação penal pelo crime de lesões corporais; pode configurar também obrigação de indenizar pelos danos materiais e ou morais sofridos pelo cônjuge vítima. O direito à integridade física configura verdadeiro direito subjetivo da personalidade.


Nesse sentido, entende Gomes:


“Mas é claro que, se o agente for processado e condenado criminalmente, a causa de dissolução será peremptória, no sentido de que o juiz não poderá deixar de decretá-lo.”[38]


Rizzardo, ao tratar desse tema, cita alguns exemplos:


“o tapa, a bofetada, o pontapé e outras modalidades de agressões, mais ofendem pelo que representam: a humilhação, o vexame, o escândalo, o ridículo. Ou seja, ainda que não provoque lesões corporais, as sevícias são indenizáveis a título de dano moral.”[39]


Trata-se, de hipótese bastante comum, que convém ser repelida com rigor pelo Judiciário, já que os casais se devem respeito mútuo. Não pode um dos cônjuges ficar à mercê da agressividade de seu consorte. A dignidade da pessoa humana não é um simples valor moral, mas um valor jurídico, tutelado pelo direito, quando a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.


3.6.4 INJÚRIA GRAVE


O matrimônio desencadeia uma série de obrigações, sendo necessário que os cônjuges procurem continuamente um convívio amoroso entre si, para que possam realizar as finalidades da instituição.


A injúria é um dos ato que importe em grave violação dos deveres do casamento, de acordo com o art. 1.572 do Código Civil de 2002, in verbis:


“Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.”


Na definição de Beviláqua “injuria grave é toda ofensa à honra, à respeitabilidade, à dignidade do Cônjuge, quer consista em atos, quer em palavras”.[40]


O Código Penal Brasileiro, no seu art. 140, prescreve:


“Art.140. Injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:


Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”


As ofensas graves produzidas por um cônjuge ao outro, constitui uma violação ao dever de reciprocidade, configurando a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal culposa, assim como punição na esfera penal.


3.6.5 ABANDONO INJUSTO DO LAR


O abandono do lar por um dos cônjuges, especialmente quando se tratar daquele mantenedor da família, indiscutivelmente causará danos materiais ao outro, com a privação do necessário para o seu sustento, infringindo dessa forma o dever de mútua assistência entre os cônjuges.


“O Código Penal incrimina o abandono material no art. 244, que dispõe:


Art. 244 – Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente, gravemente enfermo:


Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.“


Ademais, independentemente de se tratar do cônjuge que mantém a família materialmente, naturalmente o abandono provocará a quebra da vida em comum no domicílio conjugal, a ausência de convivência sob o mesmo teto, resta também a compreensão do débito conjugal, ou seja, a inexistência da satisfação recíproca das necessidades sexuais que deve haver entre os cônjuges.


Viana menciona que:


“Se ele repousa em justa causa (maus-tratos, expulsão, tentativa de morte, sevícias, exigência de atos contra a natureza, etc.), não concorre a causa. O exercício de determinada atividades profissionais impõe o afastamento do lar, por longos períodos, como dá com o piloto ou o homem do mar, o que não tipifica a violação desse dever.”[41]


Este motivo refuta-se no fato do cônjuge abandonar o lar e por conseqüência deixar de cumprir, por ato voluntário, deveres próprios de cônjuge perante o outro. Tais conseqüências se estendem a prole, pois deixa de prover sua subsistência material e afetiva.


3.6.6 CONDUTA DESONROSA E CONDENAÇÃO POR CRIME INFAMANTE


Outro fator que poderá da causa à dissolução da sociedade conjugal, é o fato de um dos cônjuges praticar ato ou comportamento imoral, que provoque ao outro cônjuge situação de constrangimento.


De acordo com Cahali:


“Conduta desonrosa é todo ato ou comportamento imoral, ilícito ou anti-social de um dos cônjuges que, infringindo os deveres implícitos do matrimônio, provoca no outro cônjuge um estado ou situação de constrangimento, humilhação, desprestígio moral ou social, desconsideração no ambiente da família, do grupo ou da sociedade.”[42]


A conduta desonrosa pode decorrer exemplificadamente de embriaguez habitual de um dos cônjuges, o vício absorvente do jogo e a aversão ao trabalho, à vida criminosa de um dos cônjuges, sempre às voltas com a polícia.


A condenação por crime infamante, proporciona ao cônjuge estado de insegurança em relação ao outro cônjuge, devido a prática de condutas delituosas, que podem ter até acontecido antes do casamento, mas que só após o seu acontecimento o outro cônjuge veio a saber, como assaltos, homicídios e estupros, (de acordo com o art. 1.573, V do CC/2002), justificando assim, a possibilidade de dissolução do vínculo e por conseqüência reparação ao cônjuge lesado.


4 REPARAÇÃO CIVIL NA DISSOLUÇÃO CULPOSA


A questão fundamental a ser tratada diz respeito à possibilidade de se obrigar o cônjuge culpado pela separação litigiosa culposa, a reparar os danos causados ao outro pelo seu ato culposo que resultou na dissolução do casamento.


Realidade difícil, mas compreensível de entender o caminho trilhado desde o sonho construído a dois, no qual o par se basta para viver na mais plena felicidade e, percorrendo todas as decepções, chegando às necessárias indenizações que cada um sente merecer por ter sido enganado, ludibriado, traído.


Cada um quer ser indenizado pelo prejuízo sofrido em nome do amor que acabou, e assim o dinheiro torna-se pleno de significações simbólicas. Transforma-se em prêmio e castigo que as pessoas feridas não hesitam em usar para dar vazão às suas mais inconfessáveis emoções.


4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL NO BRASIL


A idéia da reparação integral do dano já estava em germe na obra de Augusto Teixeira de Freitas e, particularmente, em seu esboço do Código Civil, de 1864. Teixeira de Freitas previu a ocorrência de dano em termos amplos, atribuindo neste conceito não só as ofensas ao patrimônio da vítima, mas também as relativas à sua própria pessoa, assim prescrevia o projeto em seu art. 828.


“Art. 828 – Haverá dano, sempre que se causar a outrem (arts. 298 e 300) algum prejuízo suscetível de apreciação pecuniária; ou diretamente nas coisas do domínio, posse ou detenção do prejudicado; ou indiretamente pelo mal feito à sua pessoa, ou a seus direitos e faculdades.”


Segundo Bittar, a amplitude com que Teixeira de Freitas inseriu “os efeitos decorrentes de delitos e a técnica da determinação estipulada demonstram a compreensão, em seu bojo, da reparação dos danos morais”.[43]


Posteriormente com o advento do Código Civil Brasileiro, promulgado em 1916, as regras gerais de responsabilidade (arts. 159, responsabilidade por danos extra contratuais, e art. 1.056, responsabilidade por danos contratuais) eram de caráter amplo e aberto, permitindo-se entender que compreendem os danos morais, especialmente diante da explícita previsão de certas hipóteses delituosas em que se ferem aspectos da moralidade e da afetividade pessoais, conforme os artigos abaixo transcritos:


“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.


Art. 1.056. Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos.”


Os inúmeros dispositivos específicos onde o Código anterior previa já reparações por danos morais (Código Civil/1916, arts. 1537, 1538, 1543, 1548, 1549 e 1550), o Prof. Caio Mário da Silva Pereira conclui que o princípio da reparação por dano moral encontra guarida no ordenamento brasileiro. Lamenta ele, a falta de uma norma genérica textualmente assecuratória da reparação por dano moral, mas conclui que, nem por isso, uma interpretação sistemática do direito positivo brasileiro autoriza uma conclusão contrária.[44]


Na constituição da República de 1988, o dano moral é admitido no art. 5º, incisos V e X, assim dispondo:


“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]


V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […]


X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”[45]


A reparação no Código Civil de 2002, manteve o que estava exposto na legislação anterior. O Ordenamento Jurídico brasileiro prevê o reparação no caso de dano moral, ou seja, lesão causada por outrem que afeta a pessoa, hoje previsto na CF/88, legislação ordinária, ou seja no Código Civil de 2002 em seus arts. 944, 948, 949 e 954, assim como na jurisprudência.


4.2 NATUREZA DA REPARAÇÃO DOS DANOS


A natureza jurídica da reparação dos danos materiais é ressarcitória. No caso dos danos morais, existem várias correntes doutrinárias; umas afirmam ser de caráter ressarcitória, enquanto outras, de caráter punitivo, e ainda uma terceira que defende a natureza mista da reparação por danos extrapatrimoniais o que será analisado a seguir.


Segundo Oliveira:


“Nas reparações por danos materiais […] apura-se o prejuízo, envolvendo o dano efetivo e o lucro frustrado, causado com base em seu valor econômico e fixa-se o valor da compensação, recompondo-se a situação anterior, com restituição integral do prejuízo. Implica, literalmente, voltar as coisas ao estado que teria se não houvesse ocorrido o fato danoso.”[46]


Os que defendem que a natureza jurídica da indenização por danos morais é punitiva consideram que o ofensor não deve ficar sem receber reprimenda, para lembrar que não deverá nunca mais causar dano a alguém. Conforme ensinamento de Oliveira:


“A caracterização da reparação dos danos morais como punição tem origem na orientação dos direitos da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte, onde indenizações milionárias enriquecem vitimas de ofensas morais […]. A reparação é fixada em quantia relacionada com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo no patrimônio do lesante. O objetivo é que sinta em seu patrimônio a reprimenda, como uma pena”.[47]


Há ainda autores que defendem a natureza mista da reparação dos danos. Esse é o entendimento majoritário (inclusive jurisprudencial), na qual a reparação possui duplo caráter, de ressarcimento e de punição. Assim, “[…] no Brasil tem prevalecido a teoria da dupla natureza, reparatória-punitiva, da responsabilidade civil”.[48]


A indenização do dano moral, além do caráter ressarcitório, deve servir como sanção exemplar. Nesse sentido, Santos fala que:


“A reparação do dano moral é vista pela vítima como ressarcitório e sob o enfoque do autor do ilícito, como uma sanção. Por isso, o afastamento de qualquer dogma que aprisione em camisa-de-força critérios aprioristicos que parecem puros. Daí o caráter dúplice que deve revestir a reparação do dano moral.”[49]


Nesta perspectiva, o entendimentos de que é perfeitamente possível a indenização pelo dano moral no ordenamento jurídico, devendo o ofensor reparar o ato lesivo praticado, através de pena pecuniária que satisfaça tanto ao ofendido, no sentido de ressarci-lo pelo dano moral sofrido; quanto ao Estado no seu dever de punir o ofensor.


4.3 CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO NA DISSOLUÇÃO CULPOSA


Os pressupostos da obrigação estão assentados, havendo a ação ou a omissão do agente, está presente o dolo ou a culpa deste e resultando dano à vítima, está configurada a relação de causalidade entre o ato culposo e o dano gerado.


No presente trabalho estuda-se o cabimento de indenização pela dissolução culposa da sociedade conjugal. No Brasil, foi Amaral Gurgel, provavelmente, o primeiro autor a admitir a indenização em tal caso, assim expôs o autor: Ela, segundo a decisão do Tribunal, tinha quando de seu casamento, uma situação modesta. A sua situação vão ser notavelmente diminuídos, em razão do divórcio.


Ser-lhe-á mais difícil, em virtude de sua idade, de sua situação de mulher divorciada e do encargo do filho que lhe é confiado, poder conseguir a primeira situação.


É bem ver de sofre, por isso, um prejuízo moral, e não é admissível que um marido possa abandonar bruscamente sua mulher, sem motivos, depois de longos anos de vida comum e nas condições afrontosas por que o fez, para viver com uma mulher casada a seu lado.[50]


E Pontes de Miranda assim também entendia, refutando o argumento antes mencionado de que as conseqüências do descumprimento dos deveres do casamento geram dever de reparação pelo cônjuge ofensor:


A lei prevê, quase sempre, as conseqüências de toda infração dos deveres de direito de família, sejam conjugais, sejam parentais. Dão a opinião, que se alastrou, no sentido de não haver ação de perdas e danos, ou de indenização, quando alguém faltasse aos seus deveres de direito de família, conjugais ou parentais. Tal opinião foi posta de lado, porque, alem da infração e conseqüente sanção de direito de família, é possível haver causa suficiente para a indenização ou reparação, com fundamento noutra regra de direito civil. Desde que houve o dano, e é de invocar-se alguma norma relativa à indenização por ato ilícito, no sentido lato do direito das obrigações, ou da Parte Geral, cabe ao cônjuge ou ao parente a ação correspondente.[51]


Comprovado a lesão ao cônjuge pelo não cumprimento aos deveres recíprocos do casamento, terá o cônjuge lesado direito de ser indenizado, ou seja, deverá ser reparado no que ficou preterido ou lesado.


4.4 CULPA RECÍPROCA


É de se questionar, havendo culpa recíproca, se poderá qualquer dos cônjuges demandar a indenização ao outro, ou se ambos ficam impedidos de pleitear a indenização em face de seu ato culposo.


Santos, neste sentido escreve “se ocorrer a violação por ambos, é caso de decretação de culpas recíprocas, com eventual condenação de ambos à reparação civil”.[52]


O direito brasileiro não admite a chamada compensação de culpas, em que o adultério recíproco exclui a possibilidade de ambos requererem a separação. Praticando ambos os cônjuges atos culposos, poderá qualquer deles ou ambos, demandar a separação culposa contra o outro.


Assim, em caso de culpa recíproca, só há possibilidade, em tese, de indenização pelo dano decorrente dos atos culposos em si, não do rompimento da relação, visto que os dois deram causa à dissolução. 


Para Costa,


“Nos casos em que um dos cônjuges realmente for prejudicado pela conduta do outro, como situações graves de violência física ou psíquica, a solução a ser tomada não é a de discussão por ocasião da separação e sim, deve-se buscar uma possível indenização e/ou punição em processos diversos, autônomos, que se tenha por base a pretensão específica.”[53] 


Ambos os cônjuges, não observando os deveres recíprocos deverão ser condenados ambos a reparação civil, pois o ordenamento jurídico brasileiro não prevê a compensação.


4.5 REPARAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO


Fez-se presente no direito brasileiro, por longo período, a existência de correntes doutrinárias ora negando, ora afirmando a possibilidade de ressarcimento do dano moral. Com o advento da Constituição Federal de 1988 esta questão não tem mais razão de ser, pois a intenção de admissibilidade está fixada de forma clara no artigo 5º, X da CR, conforme visto anteriormente no Capítulo 4.1.


O ponto mais sensível da discussão era que a dor não admite uma valoração pecuniária. Mas no dano moral não há uma reparação no prejuízo, sendo preferível considerá-lo como uma compensação pelo abalo da paz interior. Esta compensação do dano moral deve exercer duas funções, uma de pena imposta ao causador da lesão e outra de satisfação para com o ofendido.


Na lição de Maria Helena Diniz:


“[…] a reparação do dano moral não tem apenas a natureza penal, visto que envolve uma satisfação à vitima, representando uma compensação ante a impossibilidade de se estabelecer perfeita equivalência entre o dano e o ressarcimento. A reparação pecuniária do dano é um misto de pena e de satisfação compensatório.”[54]


Na reparação dos danos materiais o prejuízo é objetivamente calculável de acordo com o valor pecuniário do bem atingido. Contudo, na reparação dos danos morais, a lesão deverá corresponder a um valor de caráter ressarcitório à vítima, ou seja, esta deverá ser compensada pela perda ou dano que suportou e ao mesmo tempo punitiva ao ofensor.


Cahali menciona que:


“[…] no dano patrimonial, busca-se a reparação em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente, de modo a poder-se indenizar plenamente o ofendido, reconduzindo o seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesses ocorrido o fato danoso, com a reposição do equivalente pecuniário, opera-se o ressarcimento do dano patrimonial.[55]


Para alcançar-se a mais justa fixação utiliza-se de maneira uniforme o arbitramento do juiz. A este caberá determinação do valor com base em critérios subjetivos, com a posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: dolo ou culpa; ou em critérios objetivos, situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e claro, a recuperação da ofensa pelo cônjuge ofendido.


Segundo classificação de Diniz


“Portanto, para o estabelecimento eqüitativo, se baseará na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável, de maneira que o valor seja suficiente para se traduzir em uma punição a quem paga e uma justa compensação para quem sofreu o dano moral. Somente assim atendidas as duas funções essenciais da reparação do dano moral”[56]


Sendo assim, há que se ressaltar que, em se tratando de reparação patrimonial o juiz usará critérios previstos em lei, já na reparação moral a fixação do quantum competirá ao prudente arbítrio do magistrado, que de acordo com o caso concreto, arbitrará visando a reparação causada por outra pessoa, mesmo que seja o cônjuge.


5 CONCLUSÃO


No desenvolver da pesquisa empreendida, verificou-se a constituição da entidade familiar, os projetos e sonhos, empregados por ambos os cônjuges, na manutenção familiar.


Outrossim, observou que vindo a ocorrer adultério, sevicias e outros motivos elencados no art. 1.573 do Código Civil de 2002, por um cônjuge, causando a impossibilidade da comunhão de vida, poderá o cônjuge vitima pedir a separação judicial, e comprovada a culpa do outro cônjuge poderá também ser indenizado.


O presente estudo demonstrou essa possibilidade, ou seja, de indenização pela dissolução culposa da sociedade conjugal, como meio hábil e eficaz para a reparação do dano causado pelo cônjuge.


A indenização foi conquistada a nível constitucional na Carta Magna de 1988, sendo regulamentada pelo Código Civil, e elevada ao status de garantia constitucional inserido entre os direitos e garantias individuais fundamentais, previstas no art. 5º V e X da Constituição Federal vigente.


A legislação civil vigente apresenta a imputação de culpa, em princípio, como determinante, já que uma vez verificada fará com que incidam, à situação concreta, efeitos que prejudicam o cônjuge declarado culpado.


Inobstante isso, neste século XXI, vivendo um processo de transformação social em que valores e princípios arraigados são intensamente questionados. A demanda social, neste contexto, exige de todos os segmentos da sociedade, em especial do legislador e do juiz, uma adaptação a comportamentos contemporâneos de vida coletiva.


O novo Código Civil, mesmo datado do ano de 2002, ainda não incorpora em sua plenitude os condicionantes sociais e formais já relatados, vinculando a dissolução da sociedade conjugal ao rígido e traumático pressuposto da identificação de um culpado, acarretando-lhe resquícios de sanções.


O artigo legal vigente que prevê a culpa como causa da separação judicial não se ajusta aos novos padrões éticos e morais vigentes na sociedade moderna, sendo conveniente à implantação de um dispositivo que atingisse a possibilidade de dissolução conjugal pela própria e manifesta vontade de um dos nubentes.


 


Referências

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Notas:

[1] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002. p. 17.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

[3] RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de Família. 27. ed. São Paulo: Saraiva,  2002. p. 6.

[4] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 17.

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direito de Família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 19.

[6] VENOSA, 2004, p. 17e 18.

[7] PEREIRA, 1999, p.19.

[8] VENOSA, loc. cit.

 [9]  WALD, Arnaldo. Direito de família. 10. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004. p. 22 e 23.

[10] OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 269.

[11] VENOSA, 2004, p. 20.

[12] AARÃO, Carlos David S. Família e igualdade: a chefia da sociedade conjugal em face da nova Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 247.

[13] NETO, Inácio de Carvalho. Responsabilidade civil no direito de família. Curitiba: Juruá, 2003. p. 44.

[14] VENOSA, 2004, p. 161.

[15] Ibid., p. 163.

[16] OLIVEIRA, 2002, p. 122.

[17] VENOSA, 2004, p. 163-164.

[18] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 99.

[19] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 981.

[20] LOTUFO, Maria Alice Zarantin. Curso avançado de direito civil. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002. p. 54.

[21] NETO, 2003, p. 138.

[22] DIAS, Maria Berenice Dias. Direito de família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 154.

[23] RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 201.

[24] DINIZ, 2002, p. 219.

[25] RODRIGUES, 2002, p. 227.

[26] PLETSCH, Carmem de Fátima. União estável. O fim da união livre. In: Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar. Toledo: Unipar, 1999, vol. II. n. 1, p. 86-87.

[27] RODRIGUES, 2002, p. 227.

[28] BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

[29] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito de família. 34. ed. São Paulo: Saraiva. 1997, p. 206.

[30] CAHALI, 2002, p. 400.

[31] CAHALI, 2002, p. 247.

[32] VENOSA, 2004, p. 242.

[33] DINIZ, 2002, p. 257.

[34] CAHALI, 2002, p. 326.

[35] COELHO, Francisco Manuel Pereira. Direito matrimonial. 4. ed. Coimbra: Atlântica, 2001. p. 469.

[36] SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 200 e 201.

[37] CAHALI, 2002, p. 349.

[38] GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 197.

[39] RIZZARDO, Arnaldo. Separação e divorcio. In: Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 447 e 448.

[40] NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei do Divórcio comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 125.

[41] VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. Direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 159.

[42] CAHALI, 2002, p. 366.

[43] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 85.

[44] PEREIRA, 1999, p. 56.

[45] BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

[46] OLIVEIRA, Marcius Geraldo Porto de. Dano moral: proteção jurídica da consciência. São Paulo: Direito, 1999. p. 26.

[47] Ibid., p. 54.

[48] SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 189. 

[49] SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.164.

[50] GURGEL, J. do Amaral. Desquite. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 17.

[51] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família. Campinas: Bookseller, 2001. p. 76.

[52] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na separação e no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 137.

[53] COSTA, Judith Martins. A construção do direito privado: reflexos dos princípios e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 352.

[54] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 94.

[55] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 42.

[56] DINIZ, op. cit., p. 28 e 29. nota 18.


Informações Sobre o Autor

Fernando dos Santos

Advogado militante no Estado do Espírito Santo


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