Restrições ambientais e o IPTU


As limitações ao uso da propriedade, decorrentes de legislações ambientais ou urbanísticas, têm reflexo imediato na cobrança do IPTU.


Às vezes as restrições são de tal ordem que acabam por subtrair uma das faculdades inerentes à propriedade, que é o direito de gozar da coisa exteriorizando-se na percepção de seus frutos e na sua utilização. Sem a possibilidade de exploração econômica da coisa a propriedade perde o seu valor de mercado e, por conseguinte, torna impossível ao seu proprietário o exercício da outra faculdade que lhe é inerente, ou seja, o direito de dispor da coisa, tudo nos termos do art. 1.228 do CC.


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Uma propriedade urbana esvaziada em seu conteúdo econômico, quer em razão da preservação dos mananciais d’água, quer em função da manutenção de matas virgens, quer em virtude de interesses urbanísticos, não pode ser objeto de tributação pelo IPTU.


Falece ao proprietário nessas condições a necessária capacidade contributiva de que cuida o § 1º do art. 145 da Constituição Federal.


Outrossim, se bem interpretado o texto legal definidor do fato gerador verificar-se-á que não haverá possibilidade desse fato gerador ocorrer concretamente em relação ao proprietário de imóvel despido de conteúdo econômico, como passaremos a demonstrar.


A Constituição Federal outorgou aos Municípios competência para instituir o imposto sobre “propriedade predial e territorial urbana” (art. 156, I).


Instituindo o fato gerador do IPTU, em âmbito nacional, dispõe o art. 32 do CTN:


 “O imposto de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”.


Para justificar o aparente conflito entre o dispositivo do Código, que inclui o domínio útil e a posse, e o preceito constitucional, que se limita à propriedade predial e territorial urbana sustentamos o seguinte:


“Entendemos que a norma definidora do fato gerador, seja a da lei municipal, seja a do CTN, não pode ser interpretada em sua literalidade. O IPTU é um imposto de natureza real, que grava a disponibilidade econômica do imóvel, nunca o imóvel ou seu título aquisitivo. O fato gerador, que é um elemento jurídico, não pode ser confundido com o objeto ou matéria tributável, que é um elemento extrajurídico. Por isso, o fato gerador, definido no art. 32 do CTN, dever ser entendido, e em consonância com legislação ordinária de cada Município, como o fato de alguém ser proprietário, titular de domínio útil ou possuidor de bem imóvel, em 1º de janeiro de cada ano. Não se pode confundir a propriedade, elemento extrajurídico, com o fato gerador, elemento jurídico. Para os que entendem que o IPTU grava a propriedade, é o caso de se perguntar: como fica o imposto em relação a um imóvel sem dono? Não grava, também, o título dominial, pois, nos termos do art. 118 do CTN, a validade, a invalidade, a nulidade ou a anulabilidade do título jurídico da propriedade são irrelevantes para o cumprimento da obrigação tributária, que nasce da ocorrência do fato gerador. O essencial é que o bem imóvel esteja na disponibilidade econômica do contribuinte, lícita ou ilicitamente, não importa. Daí a correta inclusão do domínio útil e da posse, como prescrito no CTN.”[1]


No dizer de Héctor Villegas o fato gerador do IPTU “consiste na situação jurídica de ser proprietário ou possuidor a título de dono de um bem imóvel: vale dizer que a circunstância geradora da obrigação tributária é o fato de ter a disponibilidade econômica do imóvel como proprietário ou fazendo as vezes de tal”.[2]


Por isso, o CTN, em seu art. 34 definiu o contribuinte do IPTU nos seguintes termos:


“Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o possuidor a qualquer título”.


Só uma ressalva quanto à expressão final “possuidor a qualquer título”. Não se trata de posse desprovida de conteúdo econômico, como a posse do locatário. O possuidor a que se refere o art. 34 do CTN é aquele detentor de posse de conteúdo econômico, como a da pessoa que detém fisicamente a posse da coisa. Trata-se de posse como sentinela avançada da propriedade, do contrário, estaria se violando o princípio da capacidade contributiva previsto no § 1º do art. 145 da CF.


Ora, se o proprietário do imóvel for atingido pelas restrições legais que lhe retiram a disponibilidade econômica da propriedade não há como falar em ocorrência do fato gerador do IPTU, que corresponde exatamente ao fato de o proprietário ou de quem faz suas vezes deter a disponibilidade econômica do imóvel.


Finalmente, um imóvel despido de conteúdo econômico não teria, dentro da legalidade, meio de apuração da sua base de cálculo, que é o valor venal do imóvel apurado de conformidade com a legislação específica que aprova a Planta Genérica de Valores.


Não há, nem poderia haver nas PGVs o valor unitário do metro quadrado de um imóvel que está fora do mercado imobiliário, por impossibilidade legal de sua utilização.


Nem se argumente com a avaliação por perícia. Esta não é o meio legal de apuração do valor venal que, por ser um dos elementos do fato gerador, está submetido ao império da legalidade (art. 146, III, “a” da CF e art. 33 do CTN). A avaliação é meio idôneo para contraditar o valor venal apurado de conformidade com a legislação em vigor, bem como meio de apuração do justo valor da indenização em caso de desapropriação.


E pouco importa se a restrição ao uso da propriedade decorre de legislação federal, estadual ou municipal. O fato é que, sem a disponibilidade econômica da propriedade, não haverá ocorrência do fato gerador do IPTU a legitimar sua cobrança pelo Município.


Finalmente, em casos extremos de limitação ao direito de propriedade impõe-se a desapropriação indireta da propriedade atingida em seu elemento essencial, quer seja, o direito de uso pelo seu proprietário. O particular prejudicado por razões de interesse coletivo deve ser ressarcido. Como as restrições ao uso da propriedade de natureza ambiental ou urbanística têm fundamento nos interesses coletivos, os ônus desses desfalques patrimoniais do particular atingido devem igualmente ser suportados pela comunidade como um todo, isto é, ressarcidos pelo dinheiro público.




Notas:

[1] Cf. nosso Direito tributário municipal, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.93.

[2] Curso de finanzas, derecho financero y tributário, 2ª ed., Buenos Aires: Depalma, 1975, p. 485-486.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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