Uma abordagem sobre o usufruto de bem imóvel

Resumo: Análise sistemática do direito real de usufruto que recai sobre bens imóveis, a começar pela compreensão dos atributos da propriedade que o constituem, as formas e o momento de sua constituição, o aspecto tributário, as formas de extinção e, ainda, a relevância da legislação registral imobiliária aplicada ao referido direito.


A compreensão do direito real de usufruto e seus efeitos depende do conhecimento dos atributos do direito real de propriedade, uma das maiores garantias constitucionais. Pelo teor do artigo 1.228 do Código Civil “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Desta forma, entende-se que a propriedade é composta pelos descritos atributos, quais sejam, os direitos de usar (jus utendi), gozar ou fruir (jus fruendi), dispor (jus abutendi) e reivindicar.


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O jus utendi permite retirar da coisa o proveito econômico que ela possa dar sem interposta pessoa. A utilização do imóvel para moradia do proprietário é um exemplo do direito de uso. Por seu turno, o jus fruendi pressupõe o direito de colher os frutos que a coisa possa gerar, como ocorrer com a colheita de frutas e rendimentos dos aluguéis. O jus abutendi representa a garantia de retirada do imóvel da esfera patrimonial dos proprietários, por alienação (compra e venda, p. ex.) ou mesmo por abandono. Por último, a reivindicação ou direito de sequela permite recobrar a coisa de quem a injustamente a possua ou detenha, bem a dar a finalidade pretendida para a coisa.


O usufruto, então, representa o exercício simultâneo de dois atributos da propriedade, os direitos de usar e fruir. Deste modo, conceitua-se como o direito real de uso e fruição sobre coisa alheia que atribui ao titular, denominado de usufrutuário, temporariamente, o direito de usar e fruir do bem móvel, imóvel ou universalidades pertencentes ao nu-proprietário. Assim, é possível compreender que o usufruto limita, mas não afasta o direito de propriedade. No mesmo sentido, a autora Maria Helena Diniz disserta que “perde o proprietário do bem o jus utendi e o fruendi, que são poderes inerentes ao domínio, porém não perde a substância, o conteúdo de seu direito de propriedade, que lhe fica na nua-propriedade”. O presente direito real está regulado no Código Civil de 2002 entre os artigos 1390 e 1411.


O usufruto pode ser constituído pela lei, por ato inter vivos (contrato, p. ex.), por ato causa mortis (testamento), por doação e por usucapião. É cabível o usufruto simultâneo, ou seja, duas ou mais pessoas exercerem o referido direito ao mesmo tempo. Entretanto, não pode haver usufruto sucessivo, tendo em vista se tratar de direito personalíssimo, portanto, intransmissível com a ocorrência do evento morte. O registro do usufruto na serventia imobiliária encontra base legal no artigo 167, inciso I, item 7, da Lei Federal 6.015/73, sendo lançado no Livro 2 – registro geral.


O Código Civil também estatui em seu artigo 1.391 que “o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis”. A exceção ao usucapião se dá por que, neste caso, a constituição do usufruto ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença declaratória de usucapião, a qual servirá de título para fins de registro imobiliário. Em complemento, Nicolau Balbino Filho ensina que “é sumariamente importante deixar claro que o usufruto constituído pela usucapião não depende do registro para confirmar sua legitimidade erga omnes. Mas para poder aliená-lo ao proprietário da coisa, com o objetivo de tornar plena a propriedade, em obediência ao princípio da continuidade registrária, ele não escapa à pré-inscrição, ou seja, ao registro propriamente dito”.


Como dito acima, é possível a existência de co-usufruto. Contudo, caso algum co-usufrutuário falte, por morte ou renúncia, o que ocorre com a sua parte? Nesta hipótese, surge o instituto do direito de acrescer que atribui a parte do indivíduo faltante ao co-usufrutuário remanescente. Em outras palavras, se A e B eram usufrutuários conjuntos, depois da morte de um deles, o outro poderá agregar o direito de usufruto do falecido.  Todavia, só há que se falar em direito de acrescer no usufruto quando o instituidor ou reservante expressamente previr o referido direito no título que constituir o usufruto. Deste modo, a possibilidade de acréscimo deve ser expressa, na forma do artigo 1.411 do Código Civil, o qual prescreve que “constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente”.


O poder de alienar é conditio sine qua non para a constituição do usufruto e de qualquer outro direito real. Logo, a instituição de usufruto, que opera a favor de terceiro, somente poderá ocorrer enquanto o instituidor for titular do domínio. O mesmo vale para a reserva de usufruto, pois esta deve ser efetivada antes da transmissão da nua-propriedade do imóvel. Para elucidar a matéria, tomemos os seguintes exemplos:


a) Doação com reserva de usufruto: A e B são proprietários de um imóvel e resolvem doar a nua-propriedade do mesmo ao filho C, reservando para si o usufruto vitalício. Apresentada a escritura no Registro Imobiliário, é tecnicamente correto registrar a reserva de usufruto antes do registro da doação da nua-propriedade. Ora, se a constituição do usufruto depende do poder de alienação, impossível será proceder à reserva após a doação da nua-propriedade, ocasião em que os doadores não mais terão o imóvel na sua esfera patrimonial. Contudo, há na doutrina uma discussão pertinente quanto ao registro da reserva de usufruto. Se antes do referido ato os reservantes já eram titulares do direito de uso e gozo, é dispensável o registro daquilo que foi constituído na aquisição da propriedade plena.


b) Compra e venda/doação de nua-propriedade e instituição de usufruto pelos vendedores/doadores: A e B são proprietários de um imóvel. Resolvem vender/doar a nua propriedade a C e instituir o usufruto vitalício em favor do filho D. Como a instituição depende do poder de alienar, necessário será formalizar o registro da instituição do usufruto para, em seguida, efetuar o registro da compra e venda/doação da nua-propriedade;


c) Compra e venda de nua-propriedade e instituição de usufruto pelo comprador: A e B são proprietários de um imóvel. Resolvem vender o imóvel a C que, por sua vez, institui o usufruto vitalício em favor de D. A lógica registral é distinta dos exemplos anteriores, pois o instituidor é o próprio comprador. Desta forma, C deverá adquirir o imóvel a fim de obter o poder de alienação para depois instituir o usufruto. Assim, os atos serão os seguintes: registro da compra e venda da propriedade plena seguido do registro da instituição do usufruto em favor de D.


Dentre outros caracteres, o usufruto é revestido da intransmissibilidade, por disposição expressa do artigo 1.393 do Código Civil vigente. A referida norma versa que “não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. Contudo, é viável a alienação do usufruto ao proprietário da coisa resolúvel, tornando plena a propriedade. Tal transformação ocasiona a denominada consolidação que constitui forma legal de extinção do usufruto.


Como explanado acima, o usufruto registrado no fólio real pode ser constituído por ato inter vivos, causa mortis ou, ainda,  doação. Desta forma, o tributo incidente dependerá da natureza do ato. Se a manifestação de vontade ocorrer por ato oneroso (inter vivos) deverá ser recolhimento o Imposto de Transmissão sobre bens imóvel por Ato Oneroso Inter Vivos – ITBI, cuja instituição é de competência municipal. Por outro lado, sendo a constituição por ato gratuito ou não oneroso (testamento ou doação), incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD, de natureza estadual.


As formas de extinção do usufruto estão previstas no artigo 1.410 do Código Civil, a saber:


I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;


II – pelo termo de sua duração;


III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;


IV – pela cessação do motivo de que se origina;


V – pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;


VI – pela consolidação;


VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;


VIII – Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).


Embora não conste no rol do referido artigo, a desapropriação também constitui forma de extinção do usufruto. Lado outro, o usufruto sobre bens de menor termina com a extinção do poder familiar, quando o menor atinge a maioridade legal.


A extinção do usufruto por si só não encerra os efeitos jurídicos deste direito no Cartório de Registro de Imóveis. Neste sentido, o artigo 252 da Lei Federal 6.015/73 regulamenta que “o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. Frise-se então que, sempre que ocorrer alguma hipótese de extinção do direito real de usufruto, como morte ou renúncia, é indispensável proceder ao cancelamento do usufruto no fólio real, por averbação.


Com grande repercussão no mercado imobiliário, o usufruto de bem imóvel é um dos mais comuns direitos reais. Concluindo, o objetivo desta pesquisa foi demonstrar, além do aspecto conceitual e doutrinário do referido instituto, os efeitos percebidos pelo ingresso do título que formaliza o usufruto no Serviço de Registro Imobiliário, não apenas em relação aos sujeitos que participam do ato, mas também em relação a  terceiros.


 


Referências bibliográficas

CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FILHO, Nicolau Balbino. Registro de Imóveis. 14ª ed. São Paulo: Saraiva.

JÚNIOR, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2003.

VADE MECUM SARAIVA. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


Informações Sobre o Autor

Fabrício Petinelli Vieira Coutinho

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Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Conclusão do curso: dezembro de 2006; Tutor do Curso de Pós-Graduação \”lato sensu\” em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorário.


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