A sociedade e nosso ordenamento jurídico, não pode mais manter-se fechado ou alienado a um fato social que cresce e que jamais deixará de existir:
O aumento da escalada da violência contra homossexuais faz-se refletir num questionamento os níveis de “civilidade” alcançados pela humanidade.
Os homossexuais brasileiros são titulares de direitos inalienáveis, cumpridores das leis, eleitores e contribuintes de impostos, mesmo assim ainda são vistos como cidadãos inferiores, não adquirindo proteção legal para suas relações de afeto, como é garantida aos demais sendo seu único amparo estatal limitado a decisões favoráveis, após longas batalhas judiciais.
Nosso ordenamento jurídico deve voltar-se a Constituição Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, § IV, o qual proíbe e não admite qualquer forma de discriminação, seja ela de qualquer natureza. A expressão “qualquer natureza” inclui, os motivos de orientação sexual, observa-se também que é objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação”.
O legislador volta para o respeito à liberdade do indivíduo, amparado no Estado Democrático de Direito de acordo com o artigo 5º da Constituição Federativa do Brasil.
Artigo 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo – se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes (…).”
Envolvendo os direitos relativos às uniões homossexuais, pertence à esfera moral, deve sobretudo enfatizar a guarda e respeito da justiça de maneira igual para todos. Os parceiros homossexuais, ao não terem seus direitos respeitados e salvaguardados, estão sendo vítimas de uma imoralidade que no mínimo deve ser reformulada, sob pena do judiciário atravessar sistemas enaltecendo a injustiça para alguns em prol da falsa moral.
Proclamar os direitos dos homossexuais, não importa onde quer que se encontrem, desde que, possam expressar livremente sua natureza e aspiração para obter uma futura legislação que imponha limites às formas de discriminação.
Não existe em nosso ordenamento jurídico qualquer alusão à proteção do indivíduo baseado em sua orientação sexual. Nossa Carta Magma fica omissa em relação à proteção do indivíduo, porém oferece o pressuposto que ninguém pode sofrer discriminação de qualquer natureza.
Os argumentos contra a legislação das uniões entre pessoas do mesmo sexo não merece suporte legal ? Por parte do Estado vez que sua função não é promover a moralidade partindo de opiniões populares, mas o direito de seus cidadãos.
A finalidade da Instituição Estado é preservação dos direitos de seus cidadãos, heterossexuais ou homossexuais e não apoiar qualquer forma de preconceito irracional das massas.
Existe uma tendência significativa no meio jurídico de vislumbrar a família a partir de um conceito moderno, de acordo com atual realidade social.
ADOÇÃO HOMOAFETIVA
Entende-se que adoção é possível, pois de acordo com o artigo 43 do Estatuto da Criança e Adolescência (ECA), “ A adoção poderá ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.
Uma união entre pessoas do mesmo sexo, os parceiros tiverem um lar duradouro, onde cumpram com os deveres e assistência recíproca e convivam num ambiente digno e tranqüilo, não se pode negar uma real vantagem para o adotando.
Segundo o Desembargador Rui Portanova do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. “O sistema jurídico como um todo permite adoção por homossexuais, uma vez que não existe norma que proíba tal ato.”
Portanova, lembra que as pessoas solteiras não tem nenhum empecilho para adotar, é preciso apenas que tenha a idade mínima exigida pelo Novo Código Civil de 2002, basta que a pessoa tenha 18 anos como defini o artigo 1.618 do Novo Código Civil, estando dentro dos requisitos exigidos para adoção poderá adotar independentemente da sua opção sexual.
Segundo o mesmo, deveria acontecer também com os casais homossexuais, à entendimento jurisprudência na questão que:
“Adoção – pedido efetuado por pessoa solteira com a concordância da mãe natural – possibilidade – hipótese onde os relatórios social e psicológico comprovam condições novas e materiais da requerente para assumir o mister, a despeito de ser homossexual – circunstância que por si só, não impede adoção, que constitui medida que atende aos superiores interesses da criança, que já se encontra sob os cuidados da adotante – Recurso não provido. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo- (Apelação Civil n.º 51.111-0 – Câmara Especial – Relator: Oetterer Guedes – 11. 11. 99 – v.g. )”.
A sociedade brasileira ainda não está preparada para aceitar tal situação e o adotando estaria completamente passivo a tais discriminações.
É papel dos pais proporcionar o bem estar dos filhos, orientando na sua formação, influenciando na construção dos seus valores morais e éticos. Estando portanto havendo um descumprimento ao artigo 227 da Constituição Federativa do Brasil, não protegendo o adotado de tais preceitos.
Minuciosamente analisando o fato de pais serem diferentes daquilo que a nossa sociedade considera como normal humilharia aquela criança, poderia traumatiza –la deixando graves conseqüências para sua vida adulta pois a criança não tem discernimento para entender porque só os pais dela são diferentes e com isso, a tendência seria ela se fechar, prejudicando não só seu desenvolvimento escolar quanto sua relação com o mundo.
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
Há doze (12) anos o Projeto de Lei n.º 1.151/95, da então Deputada Marta Suplicy, aumenta a pilha das propostas engavetadas na Câmara dos Deputados. O texto propõe a Legalização da Parceria Civil entre Pessoas do mesmo Sexo, o que significa que os casais homossexuais passariam a usufruir de direitos como:
Recebimento de heranças, pensões, plano e saúde em comum e aquisição de bens conjuntos.
O Novo Código Civil manteve silêncio com relação às uniões homossexuais, ignorando regras na prática já adotadas, verificando que a democratização do Judiciário não pode apenas e tão somente viabilizar o acesso à justiça para um número maior de cidadãos, essa democratização é bem mais profunda do que visto, não adianta ter poder que atinja um maior de pessoas, se as leis e as decisões proferidas por esta justiça apresentarem injustas e favorecerem a uma minoria privilegiada.
Não pode ser demo – crático um Judiciário que se coloca como inimigo da reforma e criminaliza os movimentos sociais, democratizar o Judiciário é rediscutir suas Leis e a Justiça de suas decisões.
Buscar a Justiça é transformá-la em arma dos oprimidos e desposados contra os opressores. Contudo, por Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil, ao valor da dignidade humana acolhida como paradigma é referencial ético. É nesse nível que a relação homoafetiva deve ser analisada para qualquer efeito e finalidade, registrando que direitos humanos “não nascem todos de uma só vez e nem todos de uma vez por todas”.
O Supremo Tribunal de Justiça, em Ementa que teve como Relator o Ministro Quaflia Barbosa, que tratava e Direito Providenciaria, fez constar: “Não houve, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo providenciaria, configurando-se nessa lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do Direito.”
O Tribunal Superior Eleitoral, recentemente, considerou que o relacionamento homossexual estável gera a inelegibilidade prevista no artigo 14, Parágrafo 7º da Constituição Federativa do Brasil. Em Legislação Estrangeira, há previsão expressa de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo na Dinamarca; França; Portugal; Suécia e Alemanha entre outros onde há autorização de registro de casais de um mesmo sexo e contratos especiais.
No Brasil, temos posições legislativas de caráter restrito que não chegaram a termo e estão nos meandros do Congresso. Entretanto, a Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica introduz novo parâmetro de aplicação do Direito na matéria, ao estabelecer no artigo 5º que as relações pessoais “independem de orientação sexual”. A Dignidade da Pessoa Humana é fundamento da República que acolhe os Princípios da Igualdade e da Liberdade.
AVANÇO NA JUSTIÇA
No Rio de Janeiro, as relações homoafetivas ainda são processadas nas Varas Cíveis, que reconhece a União Homoafetiva como uma mera sociedade de fato. Mas com o avanço da jurisprudência, num futuro próximo, elas deverão ser tratadas nas Varas de Família, como já ocorre no Rio Grande do Sul.
Os Tribunais tem concedido Direitos Próprios dos Institutos do Direito de Família aqueles que vivem em União Homoafetiva, com base em interpretações principiológicas, sendo os responsáveis pelo direcionamento de uma Justiça mais humana, acolhendo fatos sociais relevantes e convivendo com as diversidade de forma racional.
Se a relação homoafetiva é vista pelos Tribunais como uma “sociedade de fato” (como se fosse uma sociedade comercial), não há que se falar em sucessão, pois os “sócios” não são herdeiros uns dos outros. Os parceiros tem Direito a herança, concorrendo com os filhos, pais ou parentes sucessíveis do falecido, até 4º grau (irmão, sobrinhos, tios, primos, tios – avós e sobrinhos – netos). Se a relação é reconhecida como União Estável opera – se a sucessão e pode-se falar em herança, os parceiros só serão herdeiros um do outro com relação aos bens adquiridos durante à União Estável, exceto os bens advindos de doação ou herança.
Compreende – se que a União Homoafetiva implica uma situação representativa de entidade familiar, quando decorrente de convivência duradoura, pública e contínua, porque o princípio da não discriminação afasta a limitação de tal união seja somente homem e mulher.
PRINCÍPIOS APARENTES DE DIREITO
Somente através de uma interpretação sistemática, permeada pelos Princípios Gerais do Direito, se contempla a verdadeira intenção do constituinte ao trazer um conceito amplo de família, posicionando, nessa qualidade, independentemente do casamento, aquelas pessoas voltadas para a colaboração e crescimento na União Homoafetiva.
O Constituinte visa proteger os sentimentos, a intenção de colaborações para concretização de um mesmo projeto de vida, pouco importando qual era o vínculo ou liame que ligava uma pessoa a outra, podendo ser nomeado de União Estável, intitulada de relação de companheirismo, estabelecido entre pessoas heterossexuais ou homossexuais. Com base em princípios tem – se reconhecido vários direitos daqueles que vivem União Homoafetiva.
Mostra-se competente para julgamento da causa uma das Varas de Família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Faz-se mister a relutar do entendimento do artigo 126 do Código de Processo Civil, o qual in verbis: “ O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da Lei. No julgamento da Lide caber-lhe – á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à Analogia, aos Costumes e aos Princípios Gerais de Direito.”
Por Analogia da Lei 9.278/96 temos a jurisprudência:
“Ementa: Apelação Civil. Ação de Reconhecimento de Dissolução de Sociedade de Fato cumulada com partilha – demanda julgada procedente. Recurso Impróvido.”
Aplicando-se analogicamente a Lei 9278/96, a recorrente e sua companheira tem direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante a convivência, ainda que dissolvida a União Estável. O Judiciário não deve distanciar-se de questões pulsantes, revestidas de preconceitos só porque desprovida de norma legal.
A relação homossexual deve ter a mesma atenção dispensada ás outras ações. Comprovado o esforço comum para a ampliação ao patrimônio das conviventes, os bens devem ser partilhados. Recurso Impróvido. (Tribunal de Justiça da Bahia – Apelação Civil n.º 16313/99. Terceira Câmara Civil- Relator: Desembargador- Mário Albiani. Julgado em 04. 04. 2001) .
O centro de gravidade das relações de família situa-se modernamente na mútua assistência afetiva (affectio maritalis), é perfeitamente possível encontrar tal núcleo afetivo em duplas homossexuais. O Direito não regula, mas as uniões que associam afeto a interesses comuns, que ao terem relevância jurídica, merecem proteção legal, independentemente da orientação sexual do par.
Decisão inédita do juiz Luiz Fernando Lapenda Figueiroa, da 2º Vara da Fazenda Pública de Recife, ele reconheceu o Direito à pensão num caso de relação conjugal entre mulheres. O juiz determinou que a Fundação de Aposentadorias e Pensões do Estado de Pernambuco pague à companheira, reconhecendo os vinte e oito (28) anos que mantinham relação estável.
No entendimento do juiz, “devemos quebrar nossa carga de preconceito”. Lapenda esclarece que a relação conjugal entre duas mulheres ficou comprovada com os documentos juntados no processo. “A Lei de Previdência Municipal e a Federal reconhecem o Direito dos companheiros em relação familiar e de convivência homoafetiva, inclusive para efeito de compartilhamento de bens e direitos e ao recebimento de pensão providenciaria”.
CONCLUSÃO
A sociedade não se mostra em condições de tais perspectivas no avanço da evolução humana, tudo que é inovador é visto com temor pela sociedade.
Muitas transformações estão ocorrendo e por ser um fenômeno social, tem grande relevância para o direito.
Negar a adoção à uma pessoa pelo simples fato dela ser considerada diferente dos padrões normais estabelecidos pela sociedade, é um ato de discriminação.
Entende-se que deferir um pedido de adoção à um casal homossexual é um ato de grande responsabilidade, vez que é dada total confiança de que o casal manterá um comportamento respeitável no lar, protegendo a criança dos sofrimentos e humilhação que passará por conviver com algo diferente dentro do seu lar. Necessário é que mais debates sobre o tema e ações que visem resguardar o direito destes cidadãos.
Observa-se uma onda renovadora que estende-se pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas. Todas as espécies de vínculo afetivo que tenham por base o afeto são merecedoras da proteção do Estado.
Se o convívio homoafetivo gera família e se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser união estável, não se pode fechar os olhos ou ignorar à realidade da existência das uniões homossexuais e dos seus efeitos jurídicos prevalecendo a garantia da igualdade de tratamento na dignidade da pessoa humana.
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Mario Bezerra da Silva