Recentemente, e ainda com a memória fresca dos confrontos ocorridos em São Paulo, protagonizados pelo crime organizado versus representantes do Estado, a sociedade brasileira foi acordada com novas notícias de ataques criminosos contra suas entidades representativas, dessa vez o teatro de operações[1] foi instalado no Rio de Janeiro.
Falar de violência no Brasil está se tornando cada vez mais comum. A exemplo do futebol, onde todo brasileiro se considera “técnico”, o tema da violência vem sendo tratado por “técnicos especialistas” em todas as regiões do país. O detalhe que muitas vezes passa despercebido é que estão esquecendo, na grande maioria das vezes, de consultar a opinião dos que operam a segurança pública do país. Discutir amplamente o tema da produção agrícola no Brasil é de grande importância para o crescimento do país e o debate deve ser amplo e irrestrito, só não podemos deixar de consultar a opinião dos agrônomos brasileiros, sob pena de ficar discutindo o sexo dos anjos.
Nesse artigo, o foco da violência será restrito a incidência de homicídios entre jovens. Resolvemos fazer uma breve apresentação comparativa do problema da violência em duas capitais brasileiras que possuem altos índices de homicídios. A primeira cidade comentada será o Recife, capital pernambucana, e a segunda será a cidade do Rio de Janeiro, capital do estado com mesmo nome.
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) na sua quarta edição do Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil, apresentou dados demonstrando que entre 1993 e 2002 Pernambuco passou a figurar no 3º lugar do ranking de assassinatos com vítimas entre 14 e 25 anos, com uma taxa de 103,4 para cada 100 mil habitantes. Apresentando o ranking da criminalidade contra jovens, Pernambuco aparece na terceira colocação ficando atrás apenas do Rio de Janeiro (118,9) e Espírito Santo (103,7). Segundo o mesmo estudo, considerando os índices gerais e não apenas os jovens vitimizados, o Estado sobe para o 2º lugar, com taxa de 54,5 contra 56,5 do Rio de Janeiro.
Segundo, Gilliatt Falbo[2], diretor de pesquisa do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, a violência na cidade do Recife, considerando especialmente o homicídio, é tratada como problema de saúde pública pelos técnicos. O mesmo pesquisador afirma que as vítimas são basicamente constituídas por jovens com um perfil padrão de comportamento considerado de risco. Mas o que podemos considerar comportamento de risco? Ser “favelado” é ter comportamento de risco? Ou, para ser “politicamente correto”, ser “morador de comunidade carente” é ter comportamento de risco? É fato que as respostas a essas perguntas levam ao conceito de exclusão social. Naturalmente o risco é maior quando o jovem usa drogas e está inserido em um ciclo que possui poucas oportunidades de educação, saúde e convívio familiar saudável. Entretanto, a idéia de que morar na zona sul ou na periferia é característica necessária para a definição da vítima de homicídio entre jovens é duvidosa, quiçá preconceituosa. O crime pode ser encontrado em todas as localidades e camadas sociais, principalmente o homicídio que é um crime muitas vezes com características peculiares. SUTHERLAND (1940)[3] descartou essas teorias que indicam que as pessoas das classes mais favorecidas praticam poucos crimes. Segundo o pesquisador norte-americano, o criminoso não deve ser encarado como uma pessoa anormal e pertencente a determinados grupos sócio-econômicos.
Em outros artigos sobre o tema da segurança pública já citamos a trilogia da subcultura da violência criada por Wolfgang e Ferracuti com seus pilares de sustentação: A facilidade na posse e uso de armas; A glamurização do machismo; e A incapacidade cognitiva de resolução pacífica de conflitos.
É nesse ponto que gostaríamos de lançar uma reflexão comparativa entre as cidades do Recife e do Rio de Janeiro no tocante às características dos homicídios de jovens nas duas cidades. O problema do Recife está baseado na violência do homem contra o homem, são vários atos violentos ocorridos normalmente sem ligação direta entre si, ou quando existe uma ligação, geralmente é relacionada a um ato de vingança e não propriamente a uma atividade criminosa anterior. São essas ocorrências que aliadas às ações de latrocidas engordam os índices de mortes violentas por armas de fogo no estado. Utilizando os ensinamentos da trilogia da subcultura da violência e avaliando empiricamente o comportamento social do pernambucano, podemos afirmar que o pernambucano possui a característica psicosocial do machismo acima do normal, que aliada à incapacidade cognitiva de resolução pacifica de conflitos quase que cultural no estado, além da facilidade de obtenção de armas de fogo, tornam o povo pernambucano mais violento e tendente a utilizar a violência para dirimir conflitos que facilmente poderiam ser resolvidos através do diálogo.
No Rio de Janeiro o problema enfrentado possui um forte viés econômico, os homicídios que assolam a cidade possuem o condão de estarem incluídos como “atividade meio” das facções criminosas, ora para afastar concorrência de outras facções, ora para defesa de territórios ocupados pelas organizações, ou ainda, para causar o terror na cidade em represália a atos do estado que desagradem os interesses dos criminosos. A violência é de facção contra facção, ou ainda, de facção contra a sociedade.
Não estamos dizendo que a perda da vida humana em uma cidade é menos importante que em outra, mas os gestores públicos precisam levar em conta que o tratamento dado para diminuição dos índices de homicídios no Recife não pode ser semelhante ao tratamento dado no Rio de Janeiro. Ao que parece o “homicídio pernambucano”, que figura nos índices é muito mais fruto de uma “cultura da morte”, onde as divergências, sejam elas oriundas de crimes ou não, são resolvidas “na faca ou na bala”, que propriamente de confrontos de facções rivais em guerra por lucros maiores em suas atividades ilícitas. Combater essa mazela na capital pernambucana passa por campanhas de conscientização e mudança de cultura do povo pernambucano, realização permanente do controle das armas de fogo, além, obviamente da repressão e punição dos homicidas e latrocidas que realizaram seus ataques e feriram as regras impostas pelo bom convívio social.
O caso, Rio de Janeiro ao que parece, diferentemente do Recife apresenta um grande índice de homicídios entre jovens por conseqüência das disputas por pontos de drogas e guerras entre as facções criminosas que dominam as áreas de exclusão da cidade. Na atual situação do estado as ações preventivas devem atuar tentando mostrar ao jovem carioca que o seu ídolo deve ser buscado entre os atletas, trabalhadores honestos, ou seja, nos bons exemplos, e não considerar “herói” o líder do tráfico local. É importante ressaltar, que com o atual confronto que se instalou entre o estado e o crime organizado o risco dos agentes de prevenção se tornarem alvos das facções é considerável. As ações de policiamento preventivo devem ser realizadas com as cautelas e consciência dos riscos de um simples policiamento de rotina se tornar em um confronto de grandes proporções. Nisso, a Polícia Militar do Rio de Janeiro é “expert”.
Portanto, entendemos que no Rio de Janeiro, o tratamento a ser aplicado deve ser voltado para o controle e repressão das atividades ilícitas das organizações criminosas que atuam naquele estado. O lucro do “CV” (Comando Vermelho), “TCP” (Terceiro Comando Puro), “ADA” (Amigo dos Amigos) ou mesmo das “Milícias” deve ser atacado ferozmente pelas forças constituídas do Estado. Baixar a capacidade logística das organizações criminosas, dificultando o acesso às drogas e às armas de fogo é essencial para diminuição do problema. A princípio, a estratégia adotada pelo estado do Rio de Janeiro com o Governo Federal está no caminho certo, a operação Divisa Integrada deverá comprometer a logística das facções por algum tempo. Ressaltamos que como as soluções para a segurança pública não estão na esfera policial, que possui a importante, porém restrita, função social de fiel da balança do convívio social, o trabalho de policiamento se restringirá ao retorno desse equilíbrio necessário para a ordem pública. Os aspectos que trarão a solução prolongada do problema estão na esfera das pastas públicas da educação, saúde e infraestrutura urbana. No plano das ações preventivas é necessário resgatar o jovem em situação de risco mostrando a esse cidadão que, apesar dos fatos aqui e alhures conspirarem contra, vale a pena ser honesto. O mundo do mercado ensina que enquanto houver um consumidor haverá sempre um fornecedor. Ações com foco na inclusão social não podem esquecer de atacar os consumidores de drogas que teoricamente estão inseridos na sociedade dita saudável, a exemplo do que foi conseguido com o tabagismo, onde a sociedade conseguiu transformar um hábito que no passado era um estilo, um valor, em uma vergonha a ser combatida.
Já no Recife as ações de repressão devem atuar na criminalidade de massa e nos chamados “crimes problema”, com um ativo policiamento preventivo no combate as ações de assaltantes que atuam isolados e que se proliferam livremente na cidade. Segundo ensinamentos do professor DANTAS[4], crime problema é:
“Os órgãos de segurança pública, a mídia e até mesmo o imaginário popular são fontes de informação sobre o crime e a violência. A maioria das pessoas não percebe com clareza o problema do crime ou a chamada criminalidade de massa, em sua prevalência global, e que incide predominantemente sobre o patrimônio material sob a forma de freqüentes e pequenos delitos, caso dos furtos. Ao contrário, a maior parte da comunidade é constantemente exposta a informações sobre crimes problema. Entre eles figuram os homicídios, seqüestros, roubos e outros delitos, não tão freqüentes, mas de grande impacto social pela violência com que são perpetrados. Informações sobre crimes problema podem ser tendenciosamente disseminadas com diferentes motivações: entreter acerca do que é fora do comum, explorar a curiosidade pública sobre um grave problema social, ou mesmo angariar simpatia ou promover antagonismo político-eleitoral.” (Dantas)
Mas, atenção! A premissa que defende que mais policiais nas ruas aleatoriamente resolvem o problema da insegurança, já foi descartada pelo estudo “THE KANSAS CITY PREVENTIVE PATROL EXPERIMENT[5] (1973)”. Segundo o estudo o aumento da presença de policiais ostensivos em patrulhamentos aleatórios, por si só, não causa impacto na criminalidade. É necessário fazer uma repressão qualificada, aliando a força ostensiva aos dados trabalhados por uma análise criminal que produza um conhecimento capaz de apontar os pontos e momentos corretos para as ações de repressão. Verificando as primeiras ações do ano desencadeadas pela Secretaria de Defesa Social do estado de Pernambuco voltadas para o desarmamento e repressão à criminalidade de massa se essas estiverem integradas com dados trabalhados por uma análise criminal, devem diminuir a insegurança no Recife. No tocante ao resgate do jovem pernambucano esse trabalho social deve ser focado na diminuição da “cultura da morte” demonstrando que a vida humana não pode ser interrompida por banalidades do dia a dia.
Apesar das duas capitais estarem sofrendo de doenças semelhantes os remédios para cura são diferenciados. No entanto, o mais importante é que ao final do tratamento aplicado, as organizações criminosas, criminosos isolados e cidadãos das duas capitais precisam redescobrir que o longa manus do Estado não é apenas longa, mas também pesada.
Informações Sobre o Autor
Luiz Carlos Magalhães
Agente de Polícia Federal, lotado na SR/DPF/DF – Especialista em Gestão da Segurança Pública e Defesa Social, Pesquisador integrante do Núcleo de Estudos em Defesa Segurança e Ordem Pública do Centro Universitário do Distrito Federal (UNIDF).