Princípio do Direito Previdenciário: irredutibilidade dos benefícios e preservação do valor real dos benefícios.

Este breve estudo tem por escopo buscar os diversos posicionamentos doutrinários sobre o Princípio da Irredutibilidade do Valor dos Benefícios, que está assegurado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 194. Ainda, busca a relação desse princípio com a regra da preservação do valor real dos benefícios, buscando assim, algumas posições jurisprudenciais.


1. A Previdência Social


A seguridade social abrange a Previdência Social, a Assistência Social e Saúde Pública. A Previdência Social é o sistema pelo qual mediante contribuição do segurado, sendo este pessoa que exerce atividade laboral e contribui para a previdência, busca protegê-lo do risco social, por meio de benefícios pecuniários. Nesse sentido, o Direito Previdenciário, segundo Castro e Lazzari (2001, p. 62), tem por objeto estudar, analisar e interpretar os princípios e normas constitucionais, legais e regulamentares que se referem ao custeio da Previdência Social.


O seguro social nasceu com a concepção dos trabalhadores necessitarem de proteção. A proteção do trabalhador denota então a preocupação com o perecimento deste no decorrer do tempo, devido ao risco social, o desgaste do trabalhador ou infortúnios que poderiam vir a ocorrer na atividade laboral. Para tanto o trabalhador, mediante a obrigação de contribuir para a previdência social, tendo como prestação a posteriori o benefício quando sua capacidade de trabalho se esgotar. Pode-se então comprender que o benefício do seguro social propõe ao trabalhador, quando cessar sua capacidade para o trabalho, proporciona-lhe condições de sobrevivência como no período em que estava trabalhando. Portanto os benefícios possuem caráter alimentar.


Baltazar Júnior e Rocha (2006, p. 31) definem a previdência como:


“Ela é um seguro social compulsório, eminentemente contributivo – este é seu principal traço distintivo – mantido com recursos de trabalhadores e de toda sociedade – que busca propiciar meios indispensáveis à subsistência dos segurados e seus dependentes quando não podem obtê-los ou não é socialmente desejável que eles sejam auferidos através do trabalho por motivo de maternidade, velhice, invalidez, morte, etc.”


Neste sentido, o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), autarquia federal, foi criado para organizar e administrar as questões referentes ao seguro social e contribuições. O objetivo da previdência é garantir ao trabalhador que quando necessitar aposentar-se não ficará na miséria. O próprio Ministério da Previdência Social define a previdência como:


“A Previdência Social é o seguro social para a pessoa que contribui. É uma instituição pública que tem como objetivo reconhecer e conceder direitos aos seus segurados. A renda transferida pela Previdência Social é utilizada para substituir a renda do trabalhador contribuinte, quando ele perde a capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade avançada, morte e desemprego involuntário, ou mesmo a maternidade e a reclusão.”


2. Princípios basilares da Previdência Social


Os princípios de direito são fontes norteadoras do direito. Buscam suprir lacunas no ordenamento jurídico. Para doutrina moderna, a norma seria o gênero do qual a regra e o principio são espécies. Inicialmente, não possuem hierarquia entre eles, convivem paralelamente as regras jurídicas, elucidando-as conforme o caso. O julgador deve utilizar os princípios como fonte norteadora no caso concreto. Para Martinez (2001a, p. 40)


“Se eles são importantes num ramo jurídico amadurecido, mais ainda no em consolidação. Não se veja aí contradição; os princípios também têm papel de luzieiros e abridores de picadas. Apontados os caminhos, eles se afastam de cena, deixando lugar à norma jurídica. Eles não têm comando imperativo da norma jurídica, mas, quando ignorados, a conclusão os evidencia e os reclama; alguma coisa no espírito do interprete – sua coincidência jurídica se revolta e o intranqüiliza até a desconformidade ser arredada.”


Para Baltazar Júnior e Rocha (2006, p. 35) os princípios são dotados de generalidade, fazendo com que seu cumprimento seja em diferentes graus, sendo a medida de execução ser determinada por possibilidades reais e jurídicas. Neste sentido destaca-se o dizer de Flores da Cunha (1999, p. 17)


“Os princípios são aquele conjunto de idéias, expressas ou não, que estão na origem de toda a nossa conduta e do nosso raciocínio, que nos impulsionam a agir ou a nos omitirmos, sempre em busca de um objetivo que tem valor superior ao dos objetivos meramente pessoais, e razão pela qual deles não podemos nos afastar em quaisquer circunstancias, sendo aquilo que prevalecendo garantirá a paz social, o bem-estar comum de nossa espécie e do nosso universo, e que não sendo obedecido gerara conflitos morais e possivelmente de direito positivo.”


Os princípios representam a consciência jurídica do Direto. No Direito Social, campo jurídico mutante por natureza, a utilização dos princípios deve ser cercada de maiores cuidados, pois colhidos praticamente em seu berço de nascimento, desenvolvem-se com grande rapidez (MARTINEZ, 2001a, p. 31). Afirma Martinez que os princípios norteadores do direito previdenciário são bases referentes a seguridade social, do direito social, e outros oriundos do seguro privado, demonstrando assim a origem do direito previdenciário.


São princípios constitucionais basilares do direito previdenciário aqueles que estão elencados no artigo 194 da Constituição Federal de 1988:


Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.


Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:


I – universalidade da cobertura e do atendimento;


II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;


III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;


V – eqüidade na forma de participação no custeio;


VI – diversidade da base de financiamento;


VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.”


Estes princípios devem ser empregados na interpretação do Direito Previdenciário, com a função de auxiliar o julgador. Para Martinez (2001a, p. 45) os princípios têm por funções informar, construir, normatizar, interpretativa e integrativa.


3. O benefício previdenciário


A prestação previdenciária tem caráter de contrapor o segurado quando este se encontrar em uma das situações elencada na legislação, isto é, no caso de doença, invalidade, idade avançada, a maternidade e a pensão por morte. Uma vez ocorrida uma destas situações, a entidade tem por obrigação prestar o benefício e serviços. O benefício é a prestação pecuniária paga ao segurado e dependentes.


Para Horvath Júnior (2006, p. 78) “benefício é a prestação pecuniária exigível pelos beneficiários. […] os benefícios previdenciários são dívida de valor, ou seja, são dívida em dinheiro mas não de dinheiro, o qual tem apenas o sentido de medir o valor do objeto da prestação”. Assim Balera (2006, p 51) complementa que o benefício “não pode sofrer modificação nem em sua expressão quantitativa (valor nominal), nem em sua expressão qualitativa (valor real)”.


4. O principio da irredutibilidade dos benefícios


Este estudo busca preliminarmente o significado o principio da irredutibilidade do valor dos benefícios, que está assegurado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 194. Não há como pensar separadamente este princípio, daquela regra que prevê a manutenção do valor real dos benefícios, no §2, artigo 201.


Segundo Castro e Lazzari (2001, p. 82) a irredutibilidade dos benefícios busca, da mesma forma que o principio da intangibilidade do salário dos empregados e do vencimento dos servidores do ramo do direito do trabalho, que o benefício legalmente concedido não pode ter seu valor nominal reduzido, dentro da mesma idéia do art. 201, § 2º que estabelece o reajustamento periódico dos benefícios para preservar em caráter permanente seu valor real. Nesse sentido Horvath Júnior (2007, p. 76) afirma que “a irredutibilidade nominal projeta-se em dois momentos distintos: o da concessão de benefícios e o do reajustamento dos benefícios previdenciários”.


O princípio da irredutibilidade do valor do benefício também está assegurado na legislação ordinária que trata do Plano de Custeio (Lei 8212/1991) e na lei que trata do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei 8213/1991), bem como no Regulamento da Previdência Social (Decreto 3048/1999).


A finalidade do princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, segundo Rocha e Baltazar (2006, p. 40) é impedir a diminuição dos valores nominais das prestações previdenciárias, não podendo os benefícios sofrerem redução nominal. Ainda mais, afirmam, que os benefícios por possuírem caráter alimentar, são impedido de serem penhorados, arrestados ou seqüestrado. Cabe destacar que outra relevância deste principio é o sistema de reajuste dos benefícios, que busca que a inflação não diminua o poder aquisitivo dos aposentados e pensionistas, que necessário destacar, no passado, em tentativa de equilibrar as contas do Governo consistia em não repor integralmente a defasagem nestes benefícios.


Para Martinez (2001b, p. 42) o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios significa que eles não podem ser onerados, especificamente com contribuições da previdência, e devem manter o poder aquisitivo do valor original, devendo levar em consideração no momento do reajuste o contexto histórico. Assim ele busca afirmar que o próprio constituinte já se preocupava com o encolhimento dos benefícios no decorrer do tempo. Assim, para Martinez (2001a, p. 175):


“São evidentes um principio e dois comandos imperativos, cuja origem histórica é o processo inflacionário precedente a 1988, buscando corrigir as distorções da legislação vigente. É visível a influencia da conjuntura e a preocupação do constituinte e o achatamento do valor das aposentadorias e pensões ocorridos nos últimos 20 anos, fato circunstancial sedimentado num precioso postulado jurídico, dos mais importantes como expressões prática do principio do direito adquirido. […] no mínimo, o princípio significa duas coisas: 1) os benefícios não podem ser  onerados; e 2) devem manter o poder aquisitivo do valor original, através de parâmetro definido segundo a lei ordinária e com vistas às circunstancias de cada momento histórico.”


Mas Martinez (2001b) destaca a idéia do princípio da irredutibilidade não se confunde com o reajuste dos benefícios para assegurar o valor real, ambos assegurados na carta constitucional. Segundo o autor, “um é princípio, preceito não imperativo, carente de disposição expressa; o outro é regra regulamentar. O segundo é instrumento do primeiro, caso contrário, queda-se como norma programática”. Nesse sentido, Castro e Lazzari (2001, p. 409) concordam e afirmam que a preservação do valor real é garantia constitucional, cabendo a legislação ordinária estabelecer os parâmetros para o reajuste, devendo os benefícios refletir sempre o poder aquisitivo original da data de inicio. Estes critérios estão previstos no artigo 41 da Lei 8.213/1991 que repete o preceito constitucional.


Ainda, vale lembrar que os benefícios devem respeitar um valor mínimo, de acordo com o texto constitucional, § 2° do artigo 201, com o objetivo de atender as necessidades vitais da família. Combina portanto com o inciso IV do artigo 7 da Constituição Federal, que considera o valor mínimo referencia o salário mínimo nacional. Desta forma, para Horvath Júnior (2007, p. 77) “o princípio da irredutibilidade visa manter o poder real de compra, protegendo os benefícios dos efeitos maléficos da inflação”.


Os motivos as quais fez com que o constituinte se preocupasse com o valor dos benefícios foi muito bem explicado por Marly Cadone, citada por Rocha e Baltazar Júnior (2006):


“A razão deste minucioso dispositivo é o verdadeiro assalto que sofreram os aposentados e pensionistas no valor de seus benefícios na década de 80. Por meio de ilegalidades cometidas pelo INPS o valor real dos benefícios de longa duração foi sofrendo uma perda de poder aquisitivo de tal maneira que um benefício concedido, por exemplo, em janeiro de 1985, que naquela data correspondia a 8,0088 salários mínimos, em janeiro de 1989 equivalia a 3,5 salário mínimos (piso nacional de salários).”


Como completa os autores Rocha e Baltazar Júnior (2006), os aposentados e pensionistas que não trabalham não possuem poder de barganha ficando a mercê do legislador no que se refere a condição do manutenção do poder aquisitivo do benefício. Uma vez que eles, em sua maioria das vezes, já estão em idade avançada e sobrevivem apenas com o benefício. Portanto a garantia da irredutibilidade não deveria ser apenas formal, não poderia permitir que o valor dos benefícios sofresse diminuição no valor real.


Como bem salienta Matto (2007) a irredutibilidade do valor dos benefícios propõem que o beneficio não seja alterado no decorrer do tempo seu valor real. A irredutibilidade somado com valor real é a garantia de que o beneficio não será reduzido pela inflação. Ainda destaca-se o posicionamento de Cretella Júnior citado por Mattos (2007):


“A irredutibilidade do valor dos benefícios é outro dos pilares orientadores do Poder Público, na organização da seguridade social. Assim, uma vez concedido, deverá o beneficio manter-se inalterado, ou seja, conservando o poder aquisitivo inicial. Além disso, como medida complementar, para a referida mantença, deverão ser outorgados reajustamentos periódicos do valor recebido, o que, nas épocas de inflação galopante, tem maior importância. Como manter o padrão de vida, já baixo, com benefícios corroídos pela constante desvalorização da moeda? Se prevalecesse a regra da redutibilidade dos benefícios, o quantum, já irrisório, perderia todo o significado, no campo da seguridade social, pois insuficiente para quem outorga a função social, que lhe é inerente.”


Então, para Mattos (2007), o valor real do benefício não pode ser examinado de forma abstrata, pois é a garantia de que ele não sofrerá queda pela inflação. Sendo o valor real o valor de compra, os benefícios deveriam ser sempre atualizados no momento em que fica registrado a perda do poder aquisitivo do aposentado. Como sintetiza Mattos (2007) “sempre que for acumulada uma inflação significativa em um determinado período, os proventos previdenciários deverão ser reajustados pelos percentuais inflacionários, de forma a preserva-lhe o valor real do beneficio”. Assim, Martinez (2001a) complementa que


“em condições econômicas normais ou não, o valor dos benefícios mantém o poder aquisitivo da data do inicio, posicionando o critério em lei. Só pode ser modificado se as condições do país a isso obrigarem. Ocorrendo, todavia, erosão da moeda, sobrevém atualização da importância, adotando-se um indexador previdenciário, único para todos os fins da correção monetária.”


Com a Constituição Federal de 1988, a legislação que até aquele momento regulamentava as regras previdenciárias, houve um certo clareamento do que até então estava em vigor. Os artigos 201 e 202 trataram de normatizar a Previdência Social, cuidando de estabelecer regras para aplicação do cálculo de benefícios e sobre o reajustamento, devendo ser regulamentadas pela legislação ordinária. Além disso, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) normatizou algumas regras de transição para os benefícios já prestados naquele período.


No período de transição da Constituição até a o vigor da nova lei que tratasse dos planos de benefícios e custeio da Seguridade Social, vigorou a regra do artigo 58 da ADCT, em que os benefícios de prestação continuada teriam seus valores reajustados, com a finalidade de restabelecer o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimo que tinham na data de sua concessão. A regra era simples e tinha sua vigência determinada no tempo, buscava reparar imediatamente os benefícios defasados. Conforme Theisen (1999, p.161) “pela primeira vez, houve uma efetiva vinculação dos benefícios à variação do salário mínimo ao mesmo tempo e nos mesmos índices”. Esse reajuste iniciaria ao sétimo mês contado da promulgação da Constituição e terminou até a implantação do novo plano de custeio e benefícios, sendo estes as leis 8.212 e 8.213 de 1991.Este foi o único período em que o reajuste dos benefícios ficou vinculado ao valor do salário mínimo, sendo que no momento em que entrou em vigor as leis citadas anteriormente, o critério de reajuste passou a ser aquele adotado naquela legislação.


Em pesquisa jurisprudencial referente a ações movidas contra o INSS buscando o reajuste de benefícios vinculado ao valor do salário mínimo, após esse período definido na Constituição, praticamente todas ações revisionais que buscam vínculo de reajuste com o salário mínimo são improcedentes nos mais diversos Tribunais Regionais Federais, bem como decisões do Superior e Supremo Tribunal.


Então, cabe salientar que desde 1991 os benefícios não são nem devem ser reajustados com base no salário mínimo, bem como salienta Horvath Júnior (2007) que:


“Os dois únicos momentos que a Constituição regra acerca de benefícios previdenciários e faz menção à expressão salário mínimo são:a) art. 201, § 2 ao estabelecer que nenhum benefício que substitua o salário contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo; b) art. 58 da ADCT […]”


Com várias alterações desde sua promulgação, o artigo 41 da Lei 8.213/91 que rege a regra de reajuste dos benefícios previdenciários. Atualmente, sua redação pela MP 316/2006, o reajuste dos benefícios se dá de acordo com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pelo IBGE. No ano de 2007 a Portaria n 142 do Ministério da Previdência Social o percentual de reajuste com base na no INPC. Até esta redação atual, várias foram as alterações sofridas pelo artigo 41, sendo que no período de 1997 a 2000, o percentual de reajuste ter sido fixado por Medida Provisória, não vinculado a algum índice oficial, como o INPC, mas eram estipulados índices pelo INSS. Como bem destaca a Horvath Júnior (2007, p. 80) a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade dos índices estabelecidos:


“O STF julgou que não há qualquer ilegalidade nos índices aplicados pelo INSS, isso porque a irredutibilidade do valor real do benefício é aquela determinada pela correção monetária estabelecida pelo Legislativo, não podendo aprioristicamente taxar-se de inconstitucional o reajuste legal. Ainda mais, se não pode negar que os índice utilizados representam, de alguma forma, a inflação do período, tendo inclusive gerado em alguns anos o aumento real do valor do beneficio.”


Com posicionamento divergente, para Theisen (1999, p. 168) a irredutibilidade do valor dos benefícios é referente ao valor nominal e não ao valor real. Sendo assim, as normas legais não ferem a Constituição, apenas regulamentam. Esclarece também que a manutenção do valor real não significa paridade dos benefícios ao salário mínimo, pois o constituinte somente previu essa situação para aquele período de transição no art. 58 da ADCT. Seria claro que entrando em vigor legislação ordinária que regulamentasse a nova ordem previdenciária, aquela norma de transição não mais valeria. Como bem afirma Rocha e Baltazar Júnior (2006, p. 192) “o reajustamento dos benefícios previdenciários não está vinculado ao salário mínimo, nem há garantia constitucional de manutenção do número de salários mínimos a que correspondia a renda inicial do benefício nos reajustamentos”.


Interessante destacar que a posição do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, onde a Juíza Luiza Dias Cassales, em seu voto corrobora com o posicionamento doutrinário:


“Para melhor entendimento da questão, é necessário que se conceitue o que vem a ser o valor real do benefício, que, de acordo com os ditames da Carta Política, deverá ser preservado. O termo utilizado pela Constituição, valor real, não pode ser manobrado livremente pela Administração. Refere-se a situação concreta, perfeitamente definível. Em meu entender, o valor real, a ser preservado conforme posto na Constituição, só pode ser considerado como valor de compra, ou valor de moeda, ou seja, sua aptidão para aquisição de mercadorias. De acordo com a garantia constitucional, o segurado deverá poder adquirir com seus proventos, transcorridos cinco, dez ou mais anos, os mesmo, por exemplo, dez sacos de farinha que lhe eram possível comprar por ocasião da concessão do seu benefício. Certo que, para verificar-se sobre o cumprimento da referida garantia, tendo em vista o regime inflacionário e a instabilidade da moeda, necessário se faz que sejam utilizados pontos de referencia, sejam eles a variação do dólar, ou do ouro, ou de índices de atualização monetária, ou finalmente, da variação do preço de uma determinada mercadoria.” (Tribunal Regional Federal – 4 ª região, AC 94.04.40607-4, RS – 5a. Turma, Relatora Juíza Dias Cassales, Diário da Justiça da União de 29.03.1995)


Mas como bem explica Horvath Júnior (2007, p. 81), o que a Constituição protege é que os benefícios deverão sofrer reajuste periódico que garanta a permanência do valor real. Cabe destacar que a forma que este reajuste será definido, o índice que será adotado, a instituição ou a periodicidade do reajustamento serão definidos por legislação ordinária. Interessante destacar decisão do Superior Tribunal de Justiça:


“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISIONAL DE BENEFÍCIO. VINCULAÇÃO À VARIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. LEIS 8.212/91 E 8.213/91. INPC E SUBSTITUTOS LEGAIS. PERDA DO VALOR REAL NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.FUNDAMENTOS SUFICIENTES A EMBASAR A DECISÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Conforme previsto no art. 535 do CPC, os embargos de declaração têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há omissão quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. 2. A partir da entrada em vigor das Leis 8.212/91 e 8.213/91, o reajuste dos benefícios previdenciários passou a ser feito mediante a aplicação do INPC e seus substitutos legais, nos termos do art. 41, II, da Lei 8.213/91. Aplicação da regra estabelecida no art. 58 do ADCT. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em consonância com precedente do Supremo Tribunal Federal, pacificou entendimento no sentido de que o índice adotado pelo art. 41, II, da Lei 8.213/91 não ofende as garantias da irredutibilidade do valor dos benefícios e da preservação do seu valor real. 4. Recurso especial conhecido e improvido.” (Resp. . n° 327.487/SP, STJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, Quinta Turma, DJ 20 nov. 2006,)


Destarte, para finalizar cabe destacar parte da decisão proferida pelo Ministro Arnaldo Esteves de Lima neste julgamento:


“Destarte, tendo sido criados, por legislação infraconstitucional, mecanismos de preservação do valor dos benefícios previdenciários, não é possível a aplicação de outros critérios que não aqueles estabelecidos na respectiva lei. Cumpre ressaltar, finalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o índice adotado pelo art. 41, II, da Lei 8.213/91 não ofende as garantias da irredutibilidade do valor dos benefícios e da preservação do seu valor real” (RE 231.412/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 18/8/1998).


Considerações


Então, pode-se destacar que os benefícios, no decorrer do tempo, devem manter o valor real de compra. Apesar de alguns doutrinadores divergirem sobre o que preconiza o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, se for referente ao valor nominal ou ao valor real, cabe salientar, que diante do primado do direito social, nada mais cabível para esse princípio sua relação com a manutenção do valor real. Até porque é o poder aquisitivo real de compra que está mais próximo a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.


De acordo com a legislação ordinária, especificamente o Art. 41 da Lei 8.213 de 1991, cabe a Administração Pública aplicar os índices corretamente sem que os beneficiários sofram perda real. Cabe salientar que a busca de beneficiários no Judiciário para correção de valor de benefícios ainda é intensa, uma vez que como bem colocado por vários doutrinadores, os segurados sofreram arrochos nos valores dos benefícios. A Administração nem sempre seguiu a norma constitucional, adotando equivocadamente índices que não condizem com a busca de manter o valor real do benefício. E assim primar pelo direito fundamental da dignidade da pessoa.


 


Referências

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HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 6 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 4 ed. São Paulo: LTr, 2001a.

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MINISTÉRIO DA PREVIDENCIA SOCIAL. Sítio institucional. Disponível em:  [www.mps.gov.br]. Acessado em: nov. 2007.

ROCHA, Daniel Machado; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 6 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, ESMAFE, 2006.

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THEISEN, Ana Maria Wickert. Do reajustamento do valor dos benefícios previdenciários. In: FREITAS, Vladimir de Passos de. (Org.). Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 141-213.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 4 ª região, AC 94.04.40607-4, RS – 5a. Turma, Relatora Juíza Dias Cassales, Diário da Justiça da União de 29.03.1995.


Informações Sobre o Autor

Sâmera Vanessa Backes.


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