Considerações iniciais
A responsabilidade civil do Estado consiste na obrigação de reparar, in natura ou através do equivalente pratico ou econômico, os danos a bens juridicamente protegidos pertencentes a outros, derivados de seus atos ou omissões (como dito, manifestados por seus agentes), lícitos ou ilícitos.
Como conceitua Hely Lopes Meirelles,[1] “responsabilidade civil da administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiro por agente públicos, no desempenho de suas atribuições ou a terceiro por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.”
Antes de adentrarmos num estudo mais aprofundado, cumpre desde já, destacarmos que, diferentemente do que ocorre com as pessoas físicas ou jurídicas de natureza privada não prestadoras de serviço publico, a responsabilidade do Estado é regida por princípios e normas próprios, cuja natureza é de direito público.
Nesse sentido adverte a Profª Maria Helena Diniz que “a responsabilidade civil estatal não esta somente disciplinada pelo direito civil, mas, principalmente, pelo direito público, ou seja, direito constitucional, direito administrativo e direito internacional público”. Em verdade do direito civil vem os conceitos básicos de conduta, dano indenizável, nexo causal, dentre outros. Porém, o regime jurídico de direito público derroga todas as regras de direito privado, no que dispuser em contrario.
A idéia de responsabilidade do Estado decorre do fato de que, num Estado de Direito, o Poder Público esta sujeito ao ordenamento jurídico. Destarte, as lesões injustas a bens jurídicos de terceiros, que sejam a ele imputadas, importam na obrigação de repará-lo.
Tal qual ensina Celso Antonio Bandeira de Mello:[2] “Como qualquer outro sujeito de direitos o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou obstenção lesiva”.
E completa:
“Esta noção é, hoje, curial no direito publico. Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacifico, o dever estatal de ressarcir as vitimas de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, respectivamente, embora sem a extensão que seria de desejar, posto que ainda apresenta caracteres algo restritivos”.
Todavia, não se pode olvidar que o Estado é uma entidade abstrata, dotada de personalidade jurídica. E por assim ser, sua vontade e sua conduta manifestam-se através da atividade de seus agentes, cujos atos são do próprio Estado[3]. É por esses atos que o Estado responde, desde que preenchidos os pressupostos do direito à indenização[4].
Digno de transcrição, face à precisão da idéias, sintetizando os fundamentos da responsabilidade estatal, são as palavras da Professora Maria Helena Diniz, invocando a lição do grandioso mestre Celso Bandeira de Mello.
Expõe citada autora:
A responsabilidade extracontratual do Estado, ou melhor, das pessoas jurídicas de direito público,
“é, sem duvida, no caso de atos ilícitos (comissivos ou emissivos) uma conseqüência do principio da legalidade, sendo que, na hipótese de comportamentos ilícitos comissivos, também será o principio de isonomia ou da igualdade de todos perante a lei e, na de atos ilícitos e na de danos ligados à situação criada pelo Poder Público (mesmo que o autor do prejuízo não tenha sido o Estado), do principio da igualdade, pois o fundamento daquela responsabilidade e a garantia de uma equânime repartição do ônus resultante do evento danoso, evitando que uns suportem prejuízos oriundos de atividades desempenhadas em prol da coletividade. Funda-se a responsabilidade estatal, portanto, no princípio, da isonomia, logo deve haver razão de atividade administrativa somente alguns particulares sofrerem danos especiais e anormais, isto é, que não são comuns na vida social, haveria um desequilíbrio na distribuição dos ônus públicos se somente este suportasse o peso daquela atividade. Daí a imprescindibilidade de se restabelecer o equilíbrio, ressarcindo os lesados à custa dos cofres públicos. Conseqüentemente, ficará a cargo do Estado a obrigação de indenizar dano acarretado pelo funcionamento do Poder Público, evitando-se que se onere alguns cidadãos mais do que outros”.[5]
Portanto, o fundamento da responsabilidade estatal, nos atos ilícitos está no princípio da legalidade e no principio da isonomia ou igualdade de todos perante a lei; já nos atos ilícitos, encontramos seu sustentáculo no principio da igualdade de todos perante os encargos públicos, resultantes de atividades, que beneficiam a coletividade. Tal princípio, evitando que alguns sofram danos anormais e especiais.
Incluem-se, ainda, no regime jurídico da responsabilidade do Estado, os atos e omissões das pessoas jurídicas de direito público auxiliares do Estado (autarquias e fundações), bem como os das pessoas jurídicas de direito privado, que desempenham atividades típicas da administração pública (Por exemplo a educação, sob regime de delegação (em modalidades de concessão, permissão ou autorização).
Em virtude de ser regida pelo direito público, nota-se certas peculiaridades na responsabilidade em tela, consagrada no art. 37, § 6º da Magna Carta. Notadamente, cumpre destacar que, na maioria dos casos, o dever de indenizar se funda na teoria subjetiva, derivada de atos ilícitos praticados pelos agentes públicos ou de falha do serviço público.[6] Outras vezes se fulcra na teoria objetiva, baseada no risco, falta impessoal do serviço ou na equânime repartição dos encargos públicos.
Na relação entre Estado e seu agente, ter-se-á sempre uma responsabilidade subjetiva, visto que o direito de regresso daquele contra este, embora obrigatório, ex vi da indisponibilidade dos interesses públicos está sempre condicionado à conduta culposa ou dolosa deste (art. 37, § 6º, in fine da CF). Como bem destaca, Hely Lopes Meirelles
“A responsabilidade do dano causado pela Administração a terceiro obtém-se amigavelmente o por meio de ação indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva autorizada pelo § 6º, do art. 37 da CF)“.
Firma-se, portanto, a regressividade como princípio.
Lembra Maria Sylvia Zanella di Pietro que quando se fala em responsabilidade do Estado está se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: – a administrativa; a jurisdicional e a legislativa.
Pacificamente admite-se a responsabilidade do Estado decorrente de sua atividade administrativa. Hoje, porém, a doutrina moderna já é quase unânime quanto à responsabilidade estatal decorrente do exercício das funções legislativa e jurisdicional. Novos ares, fatalmente, hão de atingir a retrograda orientação jurisprudencial que ainda, insiste (salvo raras e brilhantes exceções) em sustentar o vetusto “mito” da irresponsabilidade estatal pelos atos legislativos e judiciários.
Por tal razão, não procede o argumento de Hely no sentido de preferir a designação “responsabilidade civil da administração pública” à do Estado, porque, em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração e não de atos do Estado como entidade política. Ora, a responsabilidade, quer seja ela por dano resultante do exercício de função administrativa, legislativa ou jurisdicional, é sempre do Estado – pessoa jurídica. A rigor, nos termos e amplitude do art. 37, § 6º da CF e como adverte Di Pietro, a capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas, que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais, não distinguindo se essas atribuições são administrativas, legislativas e judiciárias.
A responsabilidade aqui tratada será a extracontratual ou aquiliana. A responsabilidade contratual é regida por princípios e normas próprios, elencados na disciplinados contratos administrativos.
Feitas essas considerações acerca da responsabilidade Extracontratual do Estado, então passemos agora a focalizar aspectos mais específicos deste instituto, como a sua evolução histórica, suas teorias, seus requisitos e previsão no ordenamento jurídico pátrio e brevemente do ordenamento jurídico português.
Teorias acerca da responsabilidade do Estado (evolução histórico-doutrinária)
Como adverte Di Pietro, a responsabilidade extracontratual do Estado tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço. Inúmeras teorias tem sido elaboradas. A regra adotada por muito tempo, da irresponsabilidade subjetiva, vinculada à idéia de culpa. Após, evolui-se para a admissão de preceitos próprios, regrados pelo direito público, admitindo-se as teorias da falta do serviço público, do risco administrativo e do dano objetivo.
Como bem relata Aliomar Baleeiro, lembrando por Dergint:[7] “A história do instituto da responsabilidade civil pode ser escrita como a historiada sua continua e progressiva ampliação”.
O desenvolvimento teórico, elaborado pela doutrina e pela jurisprudência, acerca da responsabilidade do Poder Público, funda-se em razões de justiça e de solidariedade social. Não é justo deixar que, apenas, uma pessoa suporte o dano causado pelo funcionamento de um serviço público eu, por definição, traz proveito à toda coletividade. A defesa do individuo isolado, em sua situação de hipossuficiência é, por seu turno, outra inspiração constante de justiça social, inspirando a adoção da teoria objetiva em sua defesa.
Pode se demarcar três fases acerca das idéias quanto à responsabilidade do Estado. Foram elas decorrentes das influências do regime político e ideológico dominante. Dessa feita, identificamos uma primeira fase, de irresponsabilidade; e uma segunda fase – civilista, e a atual, regida pelo direito publico.
Elucidativamente, dentro dessas três fases pode-se apartar as seguintes teorias acerca da responsabilidade do Estado:
1. Teoria da Irresponsabilidade.
2. Teorias civilistas.
a) Teoria dos atos de império e atos de gestão.
b) Teoria da Culpa Civil ou da responsabilidade Civil, baseada na relação de preposição.
3. Teorias Publicistas:
a) Teoria da falta de serviço público.
b) Teoria do risco integral.
c) Teoria do risco administrativo.
D) Teoria do dano Objetivo.
Antes de tratarmos sobre cada uma dessas teorias para que entendamos a posição do Estado e da justiça no direito educacional. Porém, existe muita divergência terminológica quanto as denominações dessas teorias. Adotamos, doutrinando, a terminologia supra exposta porque, ao nosso ver, guarda maior precisão técnica esse compartibiliza melhor com o conteúdo informativo de cada teoria, evitando-se os não raros tropeços e enganos que, atualmente, ainda se faz, invocando uma teoria, mas trazendo a lume a fundamentação de outra.
Teoria da Irresponsabilidade
A teoria da irresponsabilidade coincidiu co a época dos Estados Absolutistas. Seu sustentáculo sempre foi a idéia de soberania. Entendia-se que o Estado dispunha de uma autoridade infinita e incontestável perante seus súditos. Como era o Estado que exercia a tutela do direito, jamais poderia agir contra ele. Daí os princípios do “the ring can do wrong” e do “le roi ne peut mal fair”. O rei não pode errar, o Rei não pode fazer mal. Além disso, vigorava a idéia de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi plaicut habet legis vigorem).
Desta feita, não se poderia atribuir qualquer responsabilidade ao Estado porque isto significaria colocá-lo ao mesmo nível que o súdito e tal atitude seria afrontosa à sua soberania.
Com efeito, os particulares deviam suportar os prejuízos que lhe fossem causados pelos servidores no exercício regular de suas funções. No Maximo, somente se admitia a responsabilidade pessoal dos agentes, quando agissem contra ou extrapolassem os limites legais.
A teoria da irresponsabilidade, por sua evidente injustiça, logo começou a ser combatida. Ora, se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua atividade causar danos a terceiros. Aliás, o Estado sendo pessoa jurídica não é só titular de direitos, é titular de direitos e obrigações – portanto, é ente passível de ser responsabilizado.
Adverte Dergint que no Direito contemporâneo, a tese da irresponsabilidade (pelo menos quanto aos atos da Administração Pública) encontra-se superado. Os últimos paises que a adotavam – Inglaterra – com base no principio do “king can no not wrong” e Estados Unidos – com fulcro no argumento de que o Estado não pode ser julgado por um de seus órgãos já abandonaram-na.
Hoje vivemos a responsabilidade como principio. No Brasil, principio constitucional, que deve ser respeitado.
Teorias Civilistas
O adentrar nesta segunda fase da evolução das teorias sobre a responsabilidade do Estado foi marcado pela ideologia do individualismo liberal do século XIX. Em sua formulação adotou-se princípios do direito civil ma idéia da culpa.
a) Teoria dos atos de império e dos atos de gestão.
Num primeiro momento distinguem-se dentro da ação estatal, atos de império e atos de gestão. Caracterizam-se os atos de império quando o Estado age no exercício de sua soberania. Portanto, em razão do exercício do seu iure imperii não poderia ser responsabilizado pelos seus atos lesivos. Já nos atos de gestão, o Estado procedia como uma pessoa privada, equiparando-se ao particular na gestão patrimonial. Daí porque se submetia ao direito comum, pelo que, seria responsável pelos prejuízos que causasse.
Separava-se a pessoa do rei, totalmente soberana e não passível de erro praticante de atos que manifestavam seu ius imperium, dos atos de gestão, praticados por seus prepostos, no gerenciamento do patrimônio público.
Todavia, grandiosa foi a oposição a essa teoria, face à impossibilidade de dividir-se à personalidade do Estado. Tal divisão não passaria de uma ficção; o Estado agindo através dos seus agentes políticos ou através de outros agentes públicos, age na qualidade de Estado.
b) Teoria da Culpa Civil ou da Responsabilidade Subjetiva baseada na relação de preposição.
Abandonada a distinção entre atos de império e de gestão, baseados na doutrina civilista, surge a supra nominada teoria, que embasava a responsabilidade do Estado, desde que demonstrada a culpa, afirmando existir uma relação de preposição entre o agente público e o Estado. Equiparava-se a responsabilidade do Estado à do patrão ou comitente pelos atos dos empregados ou prepostos.
Tratando-se de responsabilidade subjetiva, ao lesado incumbia o ônus de demonstrar além do dano e do nexo causal, a atuação culposa do agente público.
Teorias Publicistas
Inicia-se a terceira fase no final do século passado, através do caso Blanco, ocorrido em 1973, e julgado pelo Conseil d’Etat da França, no qual se entendeu que a responsabilidade do Estado, por sua natureza, não poderia se reger pelos princípios do direito civil, mas a regras especiais, derivadas do direto público.
Como adverte Mario Masagão (in: Curso de Direito Administrativo, 5ªed. São Paulo: – Ed. RT, 1974 – p.298): “A natureza do serviço público e do próprio Estado impunham a disciplina da responsabilidade desde pelos princípios do direto público, capazes tecnicamente de assegurar nesse terreno a realização da justiça”.
Tornando-se a responsabilidade civil do Estado, matéria de direito público, ou seja, direto constitucional,administrativo,e direito internacional público,surge como principio consagrado pelo direito constitucional moderno, a sujeição de todas as pessoas, inclusive o Estado, à ordem jurídica. Assim, a lesão a bens jurídicos de outrens implica na obrigação imposta a seu causador (mesmo que este seja o Estado) de repará-la.
A responsabilidade civil do Estado na seara do direito público, encontra seu fundamento, ora no principio da igualdade de todos perante a lei, pois entre todos devem ser eqüitativamente distribuídos os ônus ou encargos. Afinal, não é justo que, para beneficio da coletividade somente um ou alguns sofram. Outras vezes, a responsabilidade fundamenta-se no dever do Estado de zelar pela regularidade e certo grau de qualidade dos serviços públicos. Noutros casos, ainda, o suporte do seu dever de indenizar reside no risco da exploração de uma atividade perigosa.
Diante do quadro normativo brasileiro, a responsabilidade do Estado derivada, num primeiro plano da falta do serviço público e em caráter secundário, na teoria do risco ou da equânime repartição dos encargos públicos.
a) Teoria da Falta do Serviço Público
Pela Teoria da Falta de Serviço Público, os danos decorrentes do mau funcionamento de um serviço público serão atribuídos como de responsabilidade da pessoa jurídica que o explora. A “faute du service” se caracteriza quando o serviço público: a)funciona mau; b)não funciona ou c) funciona tardiamente.
Essa teoria parte do pressuposto de que os agentes públicos nada mais são do que órgãos da Administração; dela fazem parte, num todo uno e indivisível.
Desvincula-se, pois, da idéia da culpa civil, ora baseada na culpa “in eligendo” ou na “in vigilando” da pessoa jurídica sobre seus funcionários, ora por equiparação à responsabilidade do patrão ou comitente por atos ilícitos dos seus funcionários ou pressupostos.
Basta, para fins de responsabilidade, uma chamada “culpa impessoal (ou anônima) do serviço público”, que se traduz no descumprimento, atribuído ao Estado por imputação direita dos atos e omissões de seus agentes, ao dever de velar pelo bom funcionamento do serviço público.
Pelo termo “culpa impessoal ou anônima do serviço” quer dizer-se que não se discute aqui a culpa do funcionário; apura-se, apenas, se houve ou não falha no serviço prestado pelo Estado através de seus agentes.
Se o prejuízo exsurge do mau funcionamento do serviço público – sendo irrelevante o fato de haver ou não culpa do funcionário – presente estará o acidente administrativo, suficiente para embasar a responsabilidade.
Paul Duz e Guy Debeyer, citados por Dernint, delineiam os traços gerais da responsabilidade do Estado pela faute du service: 1º) caráter autônomo; 2º) caráter primário; 3º) caráter anônimo; 4°) caráter graduado; 5°) caráter geral.
Sob o fundamento da culpa anônima do serviço, cumpre a vitima comprovar o funcionamento deficiente do serviço para que se configure a irresponsabilidade do Estado, que tem o dever de prestá-lo adequadamente. Essas questões agravam o problema educacional sobremaneira. Ora, a educação enquanto dever do Estado e relacionado com o direito do cidadão a este bem faz com que o Estado tenha uma responsabilidade subjetiva para com esse direito.
Assim, tal teoria impessoal do serviço vem de encontro com as necessidades do Estado Social implantado neste século, marcado por uma maior intervenção estatal na área social e econômica. Diferentemente, do Estado Liberal, do século XIX, de intervenção mínima, pregado pelo tema do Laizzes-faire, o “deixar passar, deixar fazer”, o Estado Social tem uma atuação intensa, tornando-se mais suscetível de causar danos.
b) Teoria do Risco Integral
Pela Teoria do Risco Integral, o Estado tornar-se-ia uma espécie de “Segurador Universal”. Todo e qualquer evento danoso ocorrido em seu território seria por ele indenizado. Os contribuintes, responsáveis pela formação do patrimônio público, seriam, então seus segurados. Por absurda e impraticável, tal teoria não é adotada.
Hely Lopes Meirelles emprega o termo “teoria do risco integral” para denominar a modalidade extremada da doutrina do ”risco administrativo”, cuja característica é não admitir a demonstração da culpa da vitima como causa de exclusão ou atenuação da indenização.
c) Teoria do Risco Administrativo
Essa teoria t4em aplicabilidade porque muitos serviços importam no desempenho das atividades perigosas, como por exemplo, a utilização de explosivos numa obra pública, a transmissão de energia elétrica por linhas aéreas, a utilização de armas pela policia, etc.
Dessa forma, a teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano derivado de só fato e injusto a obrigação À vítima pela administração quando do exercício de atividade perigosa. Nota-se, assim, a irrelevância da existência ou não do ato ilícito ou da falha de funcionamento do serviço. Mesmo funcionando regularmente o serviço, se do simples fato da atividade perigosa explorada pelo Estado advir dano injusto será o suficiente para nascer o dever estatal de repará-lo.
d) Teoria do Dano Objetivo
Distingue-se essa teoria da anterior, em virtude do dever de responsabilidade do Estado estar desvinculado como exercício de qualquer atividade perigosa, cujo risco de gerar danos tenha sido assumida pelo explorador da atividade.
Ao revés, a teoria do dano objetiva deriva, tão-só, do principio da equânime repartição dos encargos públicos.
Como diz o brocardo latino: “Quod omnes tangit ab omnibus debet supportari”. Trata-se de verdadeiro postulado da justiça comutativa, pregada por Aristóteles.
Esclarece Augusto Dergint, que o principio democrático da igualdade dos ônus e encargos sociais implica na distribuição pó toda a coletividade das conseqüências danosas do funcionamento do serviço público.
Tal qual adverte Celso Antonio Bandeira de Mello: “se a sociedade, encarnada juridicamente no Estado, colhe os proveitos, há de arcar os gravames econômicos que infringiu a alguns para o beneficio de todos”.[8]
Ou como defende Amaro Cavalcanti,
“assim como a igualdade dos direitos, assim também a igualdade dos encargos é hoje fundamental no direito constitucional dos povos civilizados. Portanto, dado que um individuo seja lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem comum, segue-se que os efeitos da lesão, ou os encargos de sua reparação, devem ser igualmente repartidos por toda a coletividade, isto é, satisfeitos pelo Estado, – a fim de que, por este modo, se restabeleça o equilíbrio da justiça comutativa”.
Ora, os danos que advém de desempenho de atividades estatais licitas e regulares, que visam atender a interesses da sociedade, devem ser indenizados, não sendo justo que, somente algumas pessoas sofram com o advento lesivo, oriundo de atividade exercida em beneficio de todos como bem diz Maria Helena Diniz: “Quem auferir os cômodos deve suportar o ônus, de maneira que, se a sociedade, encarnada juridicamente no Estado, obteve vantagens, deverá arcar com os encargos”.
Cumpre esclarecer que o dano objetivo, aqui tratado, é aquele dotado das características da “especialidade” e da “anormalidade”, alem dos outros atributos do dano indenizável. Dano especial é aquele, que atinge especificamente, determinada pessoa (ou grupo de pessoas) e não a coletividade. O dano anormal é aquele, que extrapola os pequenos comuns, à vida social, que atingem, sobremaneira, um restrito grupo, quando não um indivíduo, de forma isolada.
Ficará a cargo do Estado a obrigação de indenizar o dano acarretado elo funcionamento do Poder Público, evitando-se que se onere alguns cidadãos mais que outros.
Note-se que o dano objetivo provém de uma atuação estatal comissiva licita, encontrando sua indenização fundamento no principio basilar da igualdade, evitando um empobrecimento injusto do lesado. Face à ausência de culpa ou de ilicitude nos elementos dessa teoria, classificam-se como uma espécie de responsabilidade objetiva.
Exemplo que se encaixa como uma luva ao que foi acima dito e a obra publica que causa especial e anormal desvalorização imobiliária.
Aqui pouco importa se o Estado atuou licita o ilicitamente, se o serviço publico funcionou deforma regular ou irregular. Pouco importa. Basta o dano especial e anormal e sua ligação causal a uma atividade estatal, desempenhada para consecução do bem comum. Preenchidos esses requisitos, resta ao Estado o dever de indenizar. Por fim, temos que no Chile, Peru, Argentina e Portugal adotam o direito à indenização para as vitimas de erros judiciários penais.
Informações Sobre o Autor
Júlio Gomes Duarte Neto
Coordenador e Docente do Curso de Direito na Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL; Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação e Docente do Centro de Ensino Superior Arcanjo Mikael de Arapiraca – CESAMA; Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino; Pós-Graduado em Ciências Criminais, Direito Educacional e Fundamentos Científicos e Epistemológicos da Pesquisa.