Aberta a temporada de caça aos sonegadores, ou procura-se um novo tiradentes!

Nos últimos anos, tem sido presenciada no Brasil uma voracidade fiscal nunca dantes vista, revestida em duas roupagens distintas. Uma, a da instituição e majoração de tributos, em situações tais como aumento da alíquota da COFINS, prorrogação do prazo para a CPMF, para ficarmos em alguns exemplos. A outra roupagem é a da “caça” à sonegação, por meio, dentre outras mais ações, do acesso da Receita Federal aos dados bancários de contribuintes, independentemente de autorização judicial, do cruzamento dos dados relativos à CPMF (imposto sobre o cheque) com a declaração do Imposto de Renda para apuração de eventuais receitas não declaradas, bem como com a extinção de mecanismos legais que possibilitam às empresas suportar um encargo tributário menor, a chamada elisão fiscal.

Não causam surpresa os atos do governo, visto que este sempre foi um sorvedouro sem fundo, despendendo sempre mais recursos que possui. Contudo, com a lei de responsabilidade fiscal em vigor, tornou-se preemente o equilíbrio de caixa, o que somente pode ser feito com o corte de despesas ou mediante o aumento de receitas, tendo escolhido o governo este último caminho, fundamentando sua escolha ao alegar estar combatendo a sonegação.

Somente é possível ao governo combater a sonegação porque esta existe, é endêmica, histórica, e sempre presente no contexto tributário brasileiro, mas, por mais incoerente que a primeira vista pareça, não se pode culpar o segmento empresarial como se fosse este o grande vilão da sonegação no Brasil, visto que o maior responsável por sonegação é o próprio governo.

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O governo também sonega. Apesar de ser esta uma afirmação aparentemente inverossímil, o governo brasileiro tem sido sempre um excelente exemplo de sonegação, já que não se conhece setor com maior índice de “inadimplência” tributária do que o das empresas públicas, principalmente as estaduais e municipais. Todavia, a maior responsabilidade do governo não está em se esquivar ao recolhimento de tributos, quando por ele devidos, mas na forma de fixação da carga tributária.

O Brasil possui uma carga tributária extremamente elevada, correspondente a 31,67% de seu Produto Interno Bruto-PIB, enquanto em países como a Argentina e México, comparáveis ao Brasil em itens como renda per capita e eficiência dos serviços públicos, a arrecadação corresponde a 15,3% e 18,3% de seu PIB, e em países como os Estados Unidos e Japão, nos quais serviços públicos tais como saúde e educação efetivamente funcionam, a arrecadação representa, respectivamente, 29,7% e 21,0% de PIB. Contudo, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, nos quais a tributação incide principalmente sobre a renda, mais de 70% da elevada carga tributária brasileira resultam de tributação sobre o setor produtivo, tornando portanto absolutamente inverossímeis afirmativas no sentido de que empresários brasileiros são contumazes sonegadores, quando respondem estes por mais de 70% da carga tributária.

Temos no Brasil uma carga tributária em patamar extremamente elevado, centrada principalmente sobre o setor produtivo, segmento este, segundo afirma o governo, maior responsável pela sonegação. Se fosse isto verdade, e se toda empresa pagasse absolutamente tudo o que o governo pretende cobrar, teríamos a maior arrecadação proporcional ao PIB do mundo, ou, em outra possibilidade, teríamos o maior número de empresas falidas por dívidas fiscais do mundo, o que infelizmente me parece bem mais provável.

O empresário brasileiro como regra não sonega, simplesmente paga o que lhe é possível, ou, indo mais longe, recolhe o que o próprio governo estipulou como efetiva meta, visto que no Brasil a fixação de tributos sempre se fez contado com a existência de sonegação, como o pai que exige nota dez do filho na escola, contentando-se contudo com um mero sete. E ao mesmo tempo sempre se sonegou porque nunca se conseguiu pagar tudo o que era cobrado, criando um círculo vicioso, cobra-se muito porque se paga menos, e paga-se menos porque se cobra muito.

Para que haja um consistente crescimento na arrecadação, necessário é que este seja decorrente de um crescimento econômico, é imprescindível que o Brasil cresça como economia para que o governo obtenha aumento em sua arrecadação, qualquer situação distinta apresenta-se similar ao parasita que suga tanto do seu hospedeiro que acaba por matar ambos, o hospedeiro, por ter sido sugado em excesso, e o parasita, por não ter mais o hospedeiro para dele se alimentar.

A carga tributária brasileira efetiva (o que efetivamente é arrecadado no país) encontra-se situada no patamar de 78,4% da carga tributária potencial (a arrecadação em caso de total adimplência tributária), resultado do esmagamento tributário do governo sobre o setor produtivo, o que facilmente se constata quando analisados países desenvolvidos tais como Estados Unidos, Inglaterra, Suécia e Canadá nos quais a arrecadação efetiva representa, respectivamente, 53%, 69,2%, 78,6% e 72,7% da arrecadação potencial, patamares significativamente inferiores ao brasileiro.

Caso o governo conseguisse trazer aos cofres públicos todo o teoricamente possível, a arrecadação brasileira alcançaria o patamar de 39,1% do PIB. E as atuais medidas do governo demonstram o seu efetivo objetivo de aumento de sua carga tributária efetiva, impondo aos contribuintes um ônus que somente seria possível caso o sistema tributário brasileiro fosse de boa qualidade, justamente distribuído, e esse esforço do governo fosse motivado por uma causa amplamente aceita pela sociedade.

Aos olhos leigos pode parecer uma saída louvável a do governo em conceder aumento do salário mínimo lastreando-se para isso em recursos advindos do combate à sonegação, contudo, muitos dos que hoje aplaudem a iniciativa do governo poderão estar entre os que venham a ser chamados a arcar com o custo dessa iniciativa, não o custo financeiro, mas o custo social, pois se para financiar um aumento no salário mínimo precisarmos “espremer” mais ainda o setor produtivo, poderemos ter uma diminuição da despesa com salários em decorrência da falência de muitas empresas, com a conseqüente demissão de funcionários.

As ações de combate à sonegação, para serem justas e eficazes, devem ser praticadas concomitantemente com uma efetiva redução de carga tributária, caso contrário, corre-se o risco de uma situação similar à vivida pelo Brasil-Colônia quando a Coroa Portuguesa, necessitando de mais e mais recursos, passou a aumentar constantemente a tributação sobre o ouro, e, como a arrecadação não atingia os patamares pretendidos, chegou-se até à “Derrama”, que se caracterizava pela cobrança violenta de tributos, com o auxílio de tropas, podendo os cobradores de impostos adentrar a residência dos devedores com a assistência dos militares, situação que inclusive motivou a Inconfidência Mineira (qualquer semelhança entre a “Derrama” e a quebra do sigilo bancário e medidas correlatas talvez não seja mera coincidência).

Acredito estar na hora de fazermos uma “Inconfidência Tributária” contra a sistemática de tributação adotada pelo nosso ente governante. Para tanto precisamos de nosso “Tiradentes”, pois, sem a “Inconfidência Tributária”, corremos todos o risco de sermos decepados pela aguçada “foice fiscal”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Dênerson Dias Rosa

 

Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.

 


 

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