Contribuição previdenciária sobre participação nos lucros das empresas: algumas controvérsias


A Constituição Federal, repetindo mandamento desde a Constituição de 1946, previu a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas, no art. 7º, XI, in verbis:


“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


XI – a participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.


A questão que se coloca é se incide ou não contribuição previdenciária sobre parcela percebida por empregado a título de participação nos lucros da empresa.


Da simples leitura do artigo é possível concluir que, o valor recebido como parcela denominada ‘participação nos lucros’, não tem natureza de remuneração, razão pela qual não deve incidir contribuição previdenciária.


No entanto, o dispositivo constitucional em apreço é uma norma de eficácia limitada, sujeita a posterior regulamentação por lei para ter eficácia plena.


A regulamentação da matéria se deu por sucessivas medidas provisórias até culminar na MP 1.982-77/2000, convertida na Lei 10.101/2000. Mas, o marco temporal da regulamentação do texto constitucional se deu em 1994, com a MP 794/94.


O que importa dizer é que a MP 794/94 expressamente desvinculava a remuneração do empregado dos lucros da empresa. Assim sendo, a partir da vigência dessa norma, não há que se falar em incidência de contribuição previdenciária.


No entanto, antes da edição da MP 794/94, a matéria era carente de regulamentação, de modo que podia incidir livremente contribuição previdenciária sobre qualquer parcela paga como participação nos lucros. O STF tem dois precedentes neste sentido: RE 393764 AgR/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 25/11/08 e RE 398284/RJ, Relator Ministro Menezes Direito, julgado em 23/09/08.


No entanto, em 04 de junho de 2009, o STJ se deparou com uma situação inédita. Trata-se de um recurso especial interposto por contribuinte que se insurgia contra a cobrança de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros, após a vigência da MP 794/94, mas o pagamento se deu sem a observância dos dispositivos  legais. O STJ, tendo como relatora a Ministra Eliana Calmon, negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão do TRF da 4ª Região. Nesse sentido:


“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS. ISENÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA À LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. 1. Embasado o acórdão recorrido também em fundamentação infraconstitucional autônoma e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso especial. 2. O gozo da isenção fiscal sobre os valores creditados a título de participação nos lucros ou resultados pressupõe a observância da legislação específica regulamentadora, como dispõe a Lei 8212/91. 3. Descumpridas as exigências legais, as quantias em comento pagas pela empresa a seus empregados ostentam a natureza de remuneração, passíveis, pois, de serem tributadas. 4. Ambas as Turmas do STF têm decidido que é legítima a incidência da contribuição previdenciária mesmo no período anterior à regulamentação do art. 7º, XI, da Constituição Federal, atribuindo-lhe eficácia dita limitada, fato que não pode ser desconhecido por esta Corte. 5. Recurso especial não provido”[1]


Como se depreende do voto da Ministra Eliana Calmon, a participação nos lucros da empresa deve obedecer à lei, pois do contrário há violação do art. 7º, XI, da Constituição Federal, que expressamente remete à disciplina da matéria à lei.


Em consonância com a Constituição, dispõe o art. 28, I, § 9º, da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97, in verbis:


Art. 28. Entende-se por salário de contribuição:


I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato social ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa (Redação dada pela Lei 9.528/97).


§ 9º. Não integram o salário de contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente (Redação dada pela Lei 9.528/97):


j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica”.


Entendemos correta a decisão do STJ. Desse modo, quando a participação nos lucros ou resultados não se coaduna com os ditames legais, incide a contribuição previdenciária, pois nessa situação a parcela é considerada remuneração, conforme define o inciso I, do art. 28, da Lei 8212/91, e não há que se falar em benefício fiscal.


Podemos concluir que, as empresas não podem se valer do artifício de ofertar o pagamento de verba com denominação ‘participação nos lucros’, para camuflar uma verba de caráter remuneratório paga aos empregados e trabalhadores avulsos. A participação nos lucros é um direito constitucional assegurado aos trabalhadores, mas para ter natureza desvinculada da remuneração, e consequentemente, ser livre de contribuição previdenciária, deve preencher os requisitos da lei.






Nota:
[1]
RE 856.160; Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 04/06/2009, noticiada no Informativo nº 397 do STJ, em www.stj.gov.br, acesso em 03/07/2009.




Informações Sobre o Autor

Simone de Sá Portella

Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Professora de Direito Constitucional; Autora do Livro “As Imunidades Tributárias na Jurisprudência do STF”, Editora Baraúna; Colunista da Revista Jurídica NETLEGIS


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