Resumo: Em 1963 o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 323, a qual dita que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Nas operações de importação de mercadorias, ocorre a incidência de diversos tributos e a legislação tributária e aduaneira estabelece que o desembaraço aduaneiro e a conseqüente entrega das mercadorias ao importador está condicionado ao recolhimento integral dos tributos incidentes na operação ou à prestação de garantia. A jurisprudência dominante dos tribunais tem entendido que este procedimento é inadmissível, por ser análogo à apreensão de mercadorias na forma vedada pela súmula, constituindo-se em sanção política ao contribuinte. Todavia, também se verificam decisões em sentido contrário. Através da análise das posições de doutrinadores que se dedicam ao estudo do Direito Aduaneiro, constata-se que o controle aduaneiro sobre as operações de comércio exterior efetuado pelo Estado tem por pano de fundo a política econômica e de comércio exterior que busca, entre outros objetivos, proteger e estimular a produção e o desenvolvimento nacional e promover a geração de empregos e renda. A tributação nas operações de importação é uma forma de implementação destas políticas e tem caráter eminentemente extrafiscal e sua função arrecadatória é secundária, sendo empregada como meio de proteção à soberania econômica nacional. O condicionamento do desembaraço ao prévio pagamento dos tributos visa a proteger especialmente o produtor e o mercado nacional, evitando o ingresso de produtos com preços aviltados. Não se constata violação a preceitos constitucionais, ao contrário, o procedimento busca realizar princípios e objetivos definidos na própria Carta Magna. Nas decisões judiciais há que se verificar adequadamente as situações dos casos concretos, pois o precedente que gerou a súmula 323 do STF não se aplica adequadamente às exigências tributárias efetuadas no curso do despacho aduaneiro de importação.[1]
Palavras-chave: Súmula 323 do STF. Apreensão de mercadorias. Tributação. Importação. Desembaraço aduaneiro.
Sumário: Introdução 1. O direito sumular. 1.1. A jurisprudência como fonte de direito. 1.2. A uniformização jurisprudencial e a origem das súmulas. 1.3. A interpretação das súmulas. 1.4. A súmula 323 do STF. 2. A fiscalização e controle do comércio exterior pelo estado. 2.1. O Direito Aduaneiro. 2.1.1. Direito aduaneiro e direito tributário. 2.2. A finalidade do controle aduaneiro pelo Estado. 2.3. A tributação nas operações de comércio exterior. 2.3.1. Antecedentes históricos. 2.3.2. Os tributos aduaneiros. 2.3.3. Dos tributos e direitos incidentes nas importações. 2.3.3.1. Imposto de importação. 2.3.3.2. Imposto sobre produtos industrializados. 2.3.3.3. PIS/PASEP-importação e COFINS-importação. 2.3.3.4. Cide combustíveis. 2.3.3.5. ICMS. 2.3.3.6. Direitos antidumping e compensatórios. 3. A súmula 323 do STF e o despacho aduaneiro de importação. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
A súmula 323 do Supremo Tribunal Federal – STF dita que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. No despacho aduaneiro de mercadorias importadas, a legislação tributária e aduaneira dispõe que as mercadorias não sejam entregues ao importador antes do pagamento dos tributos devidos na operação ou da prestação de garantia, estando, a priori, em conflito com a aludida súmula.
O controle aduaneiro sobre mercadorias importadas tem escopo eminentemente extrafiscal, mas a importação de mercadorias é hipótese de incidência de vários tributos. A súmula 323 foi editada em 1963, tendo por precedente decisão em Recurso Extraordinário no qual se analisou a constitucionalidade de dispositivo do Código Tributário do Município de Major Izidoro/AL que previa a possibilidade de apreensão de mercadorias como forma de cobrança de dívida fiscal.
Nos termos do art. 237 da Constituição Federal, a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior é exercido pelo Ministério da Fazenda, atuando este por meio da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Na importação de mercadorias, ocorre a incidência de diversos tributos. A legislação que rege tais exações determina que sejam recolhidos na data do registro da declaração de importação. A Secretaria da Receita Federal do Brasil, verificando por ocasião do despacho aduaneiro a insuficiência no recolhimento desses tributos, interrompe o despacho até a satisfação da exigência ou determina a prestação de garantia para prosseguimento do despacho aduaneiro.
Os tribunais têm entendido majoritariamente que a exigência de recolhimento de tributos ou prestação de garantias na hipótese é descabida, pois se trataria de utilização de meio coercitivo para levar o contribuinte a recolher os tributos, afrontando o teor da súmula 323 do STF. Em sendo esse o entendimento, seria direito subjetivo do contribuinte obter o desembaraço das mercadorias importadas independentemente do recolhimento de tributos e a legislação que trata da matéria seria ilegal ou inconstitucional. Entrementes, há também decisões em sentido contrário, entendendo que as exigências são cabíveis. Tal situação, bastante corriqueira, acaba por ensejar diversas ações judiciais, produzindo insegurança jurídica.
Para deslindar a hipótese em estudo, faz-se necessário verificar as origens e a motivação para a elaboração da súmula em comento, buscando observá-la em seu contexto histórico e sistemático, bem como identificar os dispositivos legais ou constitucionais violados.
Além disso, há que se verificar se a hipótese em estudo é meramente tributária, ou se a ela se aplicam dispositivos de outros ramos do direito, em especial o Direito Administrativo e o chamado Direito Aduaneiro.
Nesse contexto, busca-se: verificar quais são os fundamentos e razões da existência do controle aduaneiro pelo estado; identificar se a exigência de recolhimento de tributos na importação de mercadorias tem natureza precipuamente fiscal (arrecadatória) ou extrafiscal (regulatória); por fim, identificar a interpretação cabível para tal súmula na hipótese de cobrança de tributos no despacho aduaneiro de importação.
O desenvolvimento do presente trabalho encontra-se estruturado em três tópicos principais. O primeiro, traz considerações acerca do Direito Sumular e da origem da súmula 323 do STF. O segundo, aborda a fiscalização e o controle do comércio exterior pelo Estado, onde são tecidas considerações sobre o Direito Aduaneiro, a finalidade do controle aduaneiro e da tributação incidente sobre as operações de importação. Por fim, no terceiro, aborda-se especificamente a aplicação da Súmula em testilha ao despacho aduaneiro de importação, especialmente à luz da jurisprudência dos tribunais.
1 O DIREITO SUMULAR
Preliminarmente, para uma melhor compreensão do tema deste trabalho, faz-se necessário conceituar e contextualizar as súmulas no ordenamento jurídico brasileiro.
A existência do chamado Direito Sumular como ramo próprio da ciência jurídica é aceito por alguns doutrinadores, como Rosas (2006), para quem o Direito Sumular é o reflexo do direito emanado de súmulas de um tribunal. Já Carvalho, I.L. (s.d.), o define como “a elevação da jurisprudência esparsa, através do amalgamamento dos julgados, ao patamar de ramo da árvore do Direito.”
A primeira turma do STJ, ao decidir por unanimidade em sede de Agravo Regimental em Recurso Especial, emitiu as seguintes considerações acerca do Direito Sumular:
“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RI/STJ, ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO. CLÁUSULA CONTRATUAL. INTERPRETAÇÃO. SÚMULA N. 05 – STJ. I – O direito sumular traduz o resumo da jurisprudência sedimentada em incontáveis e uniformes decisões das Cortes Superiores do país, que visam a ‘rapidificação de causas no Judiciário’. II – A se dar seguimento ao inconformismo das partes, manifestado em peça recursal, em total colidência com texto de Súmula do Tribunal, estar-se-ia a instaurar um regime anárquico, que afronta o princípio de uniformização das decisões. III- Prevalência do entendimento contido no direito sumulado, que traduz a manifestação de um colegiado, para negar provimento ao agravo regimental”. (1ª Turma do STJ – Agravo Regimental em Recurso Especial nº 10979 – Relator: Ministro Pedro Acioli – Data da decisão: 14/08/1991)
O vocábulo súmula tem origem etimológica na palavra latina summula, significando sumário, resumo. Em sentido jurídico, a súmula de jurisprudência se refere a teses jurídicas solidamente assentes em decisões dos tribunais, das quais se retira um enunciado, que é o preceito jurídico que extrapola os casos concretos que lhe deram origem e destina-se a orientar o julgamento de outros casos. Os vocábulos súmula e enunciado têm significados distintos, mas o uso acabou por consagrar a expressão súmula significando o próprio enunciado, ou seja, o preceito genérico tirado do resumo da questão de direito julgada (SIFUENTES, 2005, p.237-238). Na verdade, a Súmula do Tribunal é única, sendo formada por diversos enunciados ou verbetes. Desse modo, é tecnicamente incorreto referir-se ao vocábulo súmula seguido de determinado número, pois o número refere-se a determinado verbete/enunciado da Súmula do Tribunal. Logo, seria adequado dizer “Enunciado nº 323 da Súmula da Jurisprudência dominante do STF” e não “súmula 323 do STF”. Ocorre que a praxe forense consagrou a utilização do termo súmula no lugar de enunciado.
As súmulas decorrem da jurisprudência, entendida esta como forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos Tribunais (POLETTI, 1996). A jurisdição cria direito pela reiteração onde se firma sentido de interpretação das normas e se dota tal reiteração de certa obrigatoriedade (POLETTI, op.cit.). Súmulas são preceitos jurídicos que se extraem de uma série de julgados, desprendendo-se da matéria que as originou. Esses preceitos ganham autonomia através de um procedimento próprio e autônomo, dotando-os das características da generalidade e da impositividade (SIFUENTES, op.cit.). Todavia, a impositividade é característica das súmulas vinculantes e, em parte, das chamadas súmulas impeditivas de recurso, mas não das demais.
As súmulas[2] não podem ser consideradas normas jurídicas em sentido estrito, conquanto o que caracteriza tais normas é o fato de serem “uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória” (REALE, 2007, p.95). Porém, em sentido impróprio, a jurisprudência, consagrando a mais adequada forma de entendimento a ser dada a uma norma jurídica, também pode ser considerada “norma interpretativa” (REALE, op.cit., p.138).
Faltam às súmulas pelo menos dois atributos das normas jurídicas: a imperatividade e a coercibilidade. Por outro lado, têm em comum com as normas jurídicas as características da generalidade e da abstração, pois também são comandos gerais e abstratos. Ainda que sejam oriundas de jurisprudência recorrente dos tribunais decorrente da aplicação das leis aos casos concretos, nada mais fazem que resumir, em poucos vocábulos, o sentido dessa jurisprudência. Ou seja, ainda que se refiram à aplicação das leis a casos particulares, as súmulas contêm um comando geral aplicável a casos semelhantes.
O vocábulo jurisprudência é definido por Reale (op.cit., p.167) como “a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões de tribunais.”
1.1 A jurisprudência como fonte de direito
Questão que causa controvérsia é a de se definir se a jurisprudência (e por conseguinte, as súmulas) pode ser tida por fonte de direito. Reale (op.cit., p.140), define fonte de direito da seguinte forma:
“Por “fonte de direito” designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta, como ordenação vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas, ou estruturas normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial.”
Gomes (1983, apud SIFUNTES, op.cit.), em sentido contrário, embora reconhecendo a importância do papel dos tribunais na formação do direito, entende que os julgados dos tribunais não criam regras jurídicas, não podendo ser consideradas fontes formais. Já Pereira (1983, apud SIFUNTES, op.cit.) adota posição intermediária, a qual, sem atribuir à jurisprudência o caráter de fonte formal de direito, a vê revestida do caráter de fonte prática do direito, pois se no plano estritamente cientifico ela não é tida como fonte formal, na realidade prática ela evoluiu para se tornar autêntica fonte criadora.
De acordo com Poletti (op.cit.) a força criadora da jurisprudência está em interpretar, coordenar e preencher lacunas no ordenamento jurídico, pois não há aplicação de norma jurídica sem interpretação. Ademais, a jurisprudência acaba por coordenar diferentes interpretações em busca de uma origem comum com o fito da certeza do direito. Observa o autor, porém, que a jurisprudência pode ser uma faca de dois gumes, pois se é uma força criadora capaz de fazer surgir inúmeros institutos jurídicos, por outro lado se não colocada nos devidos termos pode se transformar em fator inibidor do progresso jurídico. Por tal motivo, é necessário saber usar a jurisprudência, não devendo o operador de direito restringir seu estudo à orientação traçada pelos tribunais, quando deveria considerá-la como um plus em sua pesquisa, não como seu fim. Pode haver semelhança entre os casos, mas não igualdade, e a interpretação dos tribunais quanto à aplicação de dispositivos legais a determinados casos concretos não é e nem deve ser definitiva.
Aduz ainda Reale (op.cit, p.169):
“Se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser o seu significado, não há como negar à Jurisprudência a categoria de fonte do Direito, visto como ao juiz é dado armar de obrigatoriedade aquilo que declara ser “de direito” no caso concreto. O magistrado, em suma, interpreta a norma legal situada numa “estrutura de poder”, que lhe confere competência para converter em sentença, que é uma norma particular, o seu entendimento de lei.”
A jurisprudência é tratada geralmente como fonte mediata ou informativa. “A jurisprudência uniformizada é, na realidade, uma baliza, fornecendo diretrizes aos aplicadores do direito, como um mecanismo hábil a obter a desejada unidade do direito” (SIFUENTES, op.cit., p.156-157).
1.2 A uniformização jurisprudencial e a origem das súmulas
A função de julgar não pode ser reduzida à utilização de esquemas e cálculos matemáticos, nem mesmo a um processo de lógica formal, de modo que postos o fato e a lei, se chegue invariavelmente à mesma conclusão. Nesse trabalho variam as perspectivas dos juízes, podendo um magistrado citar um texto legal em conexão com outros preceitos e chegar a conclusões diferentes das aceitas por outro juiz, inspirado em critérios diversos (REALE, op.cit.). Surge daí a necessidade de reduzir os conflitos e a insegurança jurídica que provêem da divergência entre decisões judiciais aplicadas a casos semelhantes.
O Código de Processo Civil – CPC, de 1939, trazia dois instrumentos de uniformização da jurisprudência, o recurso de revista e o prejulgado. O primeiro era possível quando houvesse divergência entre decisões, quanto ao modo de interpretar o Direito em tese, de duas ou mais câmaras, turmas ou grupo de Câmaras, ou quando fosse contrariado outro julgado das câmaras cíveis reunidas, devendo pronunciar-se o tribunal sobre a interpretação controvertida. O Código de Processo Civil de 1973 suprimiu o recurso de revista, trazendo duas hipóteses de prejulgado, nos termos do art. 476, por meio das quais se solicita pronunciamento prévio do tribunal sobre a interpretação do direito, quando se verificar que a seu respeito há divergência ou quando no julgamento do qual se recorre houver sido dada interpretação diferente da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Na primeira hipótese, é competente o juiz componente de turma ou câmara. Na segunda, a própria parte poderá, no próprio recurso ou em petição à parte, requerer o prévio pronunciamento do tribunal sobre a matéria. Também o representante do Ministério Público que atuar junto ao tribunal poderá suscitar o incidente nos processos em que for parte ou atuar como fiscal da lei (SIFUENTES, op.cit.; DELGADO, s.d.).
Pelo expediente previsto no art. 476 resolvem-se primeiramente as divergências de interpretação jurídica para só depois se decidir o mérito da demanda. O art. 479 do CPC, por sua vez, estabelece que o julgamento efetuado com base nos art. 476, 477 e 478, tomado pelo voto da maioria dos membros do tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente de uniformização de jurisprudência, visando a reduzir os conflitos em matéria de interpretação.
A súmula de jurisprudência (art. 479 do CPC) pode surgir por dois caminhos: o da divergência e o da convergência, de acordo com Delgado (op.cit.). O da divergência ocorre nas situações previstas no art. 476 do CPC, antes citadas, tendo por objetivo fixar qual o entendimento do tribunal em relação à determinada questão de direito. Já a súmula por convergência (ou súmula decorrente de entendimento uniformizado) surge quando não há divergência jurisprudencial. O procedimento não está regulado no CPC, mas está disciplinado nos regimentos internos dos tribunais.
No STF, há previsão nos arts. 102 e 103 do Regimento Interno, estabelecendo que a jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal, sendo que a inclusão, alteração ou cancelamento de enunciado será deliberado em plenário, por maioria absoluta. No STJ, as súmulas estão previstas nos arts. 122 a 127 de seu regimento, prevendo esse que será objeto da súmula o julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram a Corte Especial ou de cada uma das Seções, em incidente de uniformização de jurisprudência, bem como que poderão também ser inscritos na súmula os enunciados correspondentes às decisões firmadas por unanimidade dos membros componentes da Corte Especial ou da Seção, em um caso, ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos concordantes (SIFUENTES, op.cit.; DELGADO, op.cit.).
Merece destaque também a chama súmula impeditiva de recursos, decorrente da previsão contida no art. 557 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.756/98, que trata do processamento dos recursos nos tribunais. De acordo com esse dispositivo, o relator negará seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou do STJ. Em mão contrária, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do STF ou do STJ, o relator poderá, em decisão monocrática, dar provimento ao recurso.
Recentemente, foi introduzida no direito pátrio a figura da súmula vinculante, por meio da Emenda Constitucional nº 45, prevendo-a no art. 103-A da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 11.417/06. A edição de tais súmulas compete ao STF, agindo de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que tenham por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, sobre as quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão, tendo efeito vinculante para os demais órgãos judiciais e para administração pública. Sem dúvida, esse novo instituto prestigia a importância das súmulas no direito brasileiro e deixa explícitos os dois principais motivos pelos quais isso acontece: a necessidade de maior segurança jurídica que a uniformização jurisprudencial oferece e o elevado número de processos envolvendo questões já pacificadas nos tribunais.
Há uma diferença de grau entre as jurisprudências, pois as oriundas do STF e STJ têm mais força, pois, aos poucos, os juízes vão se ajustando aos julgados do órgão superiores, não tendo, porém, obrigatoriedade de fazê-lo (REALE, op.cit.).
Acerca da uniformização da jurisprudência e da sua relação com as súmulas, manifesta-se Reale (op.cit., p.175):
“Através de diferentes formas de prejulgados abre-se uma clareira à uniformização da jurisprudência. Os recursos ordinários e extraordinários ao Supremo Tribunal, por exemplo, vão estabelecendo a possível uniformização das decisões judiciais, tendo partido de nossa mais alta Corte de Justiça a iniciativa de coordenar ou sistematizar a sua jurisprudência mediante enunciados normativos que resumem as teses consagradas em reiteradas decisões. São as “súmulas” do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça, que periodicamente vêm sendo atualizadas, constituindo, não um simples repertório de ementas e acórdãos, mas sim um sistema de normas jurisprudenciais a que as Cortes, em princípio, subordinam seus arestos.
Dizemos “em princípio”, pois tais “súmulas” são sempre suscetíveis de revisão pelos próprios tribunais, e não têm força obrigatória sobre os demais juízes e tribunais, os quais conservam íntegro o poder-dever de julgar segundo as suas convicções.
Podemos dizer que as súmulas são como que uma sistematização de prejulgados, ou, numa imagem talvez expressiva, “o horizonte da jurisprudência”, que se afasta ou se alarga à medida que se aprimoram as contribuições da Ciência Jurídica, os valores da doutrina, sem falar, é claro, nas mudanças resultantes de novas elaborações do processo legislativo”.
O surgimento das súmulas no direito brasileiro se deu por iniciativa do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal, o qual liderando a Comissão de Jurisprudência do STF foi autor da proposta que foi acolhida através de emenda ao Regimento Interno, em agosto de 1963, ficando instituída a súmula da jurisprudência dominante do STF, concebida então com caráter persuasivo, servindo de orientação ao julgador. Na sessão plenária de 13 de dezembro de 1963 foram aprovadas as primeiras trezentos e setenta súmulas do STF. Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1973 acolheu as súmulas, estendo-as aos demais tribunais brasileiros (SIFUENTES, op.cit.).
Por ocasião da publicação da Súmula da Jurisprudência dominante contendo os primeiros trezentos e setenta enunciados, o STF divulgou nota explicativa[3], da qual se transcreve alguns pontos.
“NOTA: Para melhor orientação dos consulentes da Súmula, muito embora a mesma, nas referências, dê tôdas as indicações necessárias, compilamos os julgados, reunindo, assim, todos aquêles referidos nas respectivas Súmulas, bem como a legislação indicada e, abaixo, transcrevemos a explicação preliminar da Excelsa Comissão de Jurisprudência, e, ainda, as abreviaturas usadas.
EXPLICAÇÃO PRELIMINAR (1.ª Edição) Esta Súmula é publicada, oficialmente, como Anexo ao Regimento do Supremo Tribunal Federal, em obediência ao disposto no Tit. III, cap. XX […]. Organizada pela Comissão de Jurisprudência, com a cooperação dos eminentes colegas, foi aprovada na sessão plenária de 13-12-1963, para vigorar a partir do reinício dos nossos trabalhos, em março de 1964.
A citação da Súmula – que se admite abreviadamente: Súmula do Supremo Tribunal ou simplesmente Súmula – será feita pelo número do enunciado e dispensará, perante o Tribunal, a indicação complementar de julgados do mesmo sentido.
O Supremo Tribunal Federal tem por predominante e firme a jurisprudência aqui resumida, embora nem sempre tenha sido unânime a decisão nos precedentes relacionados na Súmula. Não está, porém, excluída a possibilidade de alteração do entendimento da maioria, nem pretenderia o Tribunal, com a reforma do Regimento, abdicar da prerrogativa de modificar sua própria jurisprudência. Ficou, assim, explícito que qualquer dos Ministros, por ocasião do julgamento, poderá “propor ao Tribunal a revisão de enunciado constante da Súmula”. […]
Sempre que o Plenário decidir em contrário ao que constar da Súmula, será cancelado o enunciado correspondente, até que de nôvo se firme jurisprudência no mesmo ou em outro sentido. Em matéria constitucional, o enunciado será substituído pelo que resultar da decisão divergente, desde que tomada por seis votos ou mais.[…]
A finalidade da Súmula não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes. […]
Êste volume, evidentemente, não inclui tôdas as questões em que o Supremo Tribunal tem jurisprudência firme. Não convinha, porém, retardar por mais tempo a sua publicação pela simples preocupação de torná-lo menos incompleto. Por esta razão, também não foi possível relacionar as decisões sôbre matéria constitucional pela forma prevista no Regimento. Aliás, um levantamento exaustivo da nossa jurisprudência seria tão demorado que frustraria os objetivos da instituição da Súmula. A experiência do seu funcionamento e a continuação da pesquisa é que permitirão o acréscimo de novos enunciados.[…]
Brasília, janeiro de 1964.”
Através da citada nota, percebe-se que a edição da súmula buscou propiciar maior estabilidade jurídica, facilitando e tornando ágeis os trabalhos dos advogados e do próprio Poder Judiciário, resguardada, porém, a possibilidade de que os enunciados viessem a ser alterados na hipótese de modificação do entendimento da maioria.
1.3 A interpretação das súmulas
Já se afirmou que as súmulas não são, propriamente, normas jurídicas. Todavia seus verbetes exprimem comandos gerais e abstratos, como as normas jurídicas. Daí a necessidade de extrair-se do enunciado a sua interpretação, seu significado, seu sentido. No mínimo, é necessário compreendê-las para verificar se são aplicáveis às especificidades do caso concreto, se a interpretação jurídica que exprimem é condizente com a que se deve dar às normas jurídicas quando aplicadas à determinada situação de fato. No que diz respeito à interpretação jurídica, afirma Poletti (op.cit. p.276-277):
“Toda norma merece interpretação. Quando temos diante de nós um caso concreto e vamos buscar no ordenamento jurídico a norma abstrata que lhe deve ser aplicada, já estamos perto de uma interpretação do direito, exatamente na escolha do mandamento aplicável. Embora as duas operações – interpretação e aplicação – sejam diferentes, não pode haver aplicação de uma norma sem que haja interpretação, pois esta é implícita na escolha em abstrato. Uma vez escolhida a norma, ainda que ela seja tão clara, que dispense qualquer indagação, estará sendo interpretada. A exegese é que revela a sua clareza. Por isso o brocardo in claris cessat interpretatio não corresponde à verdade. Por mais clara que seja a lei, ainda assim merece ela alguma interpretação. O que parece claro aos nossos olhos pode ensejar múltiplos matizes escuros ou nublados por parte dos outros.”
Ocorre que as súmulas já exprimem uma interpretação das normas jurídicas. Mas a interpretação que traduzem é expressa de forma sintética, posto que é impossível resumir em poucos vocábulos todo o seu conteúdo. Por tal motivo, não só e conveniente como necessário buscar a interpretação que lhe deu origem. Lorenz (1978, apud POLETTI, op.cit., p.292) afirma: “[…] não é o precedente que vincula, enquanto tal, mas a interpretação correta da norma, que nele porventura se exprima”. Sobre o assunto, comenta Slaibi Filho (s.d.):
“Também o enunciado sumular, como qualquer ato normativo genérico e abstrato, nada mais é do que um dispositivo que pode conter uma ou mais normas, ou pode até mesmo complementar normas já existentes. De qualquer forma, a apreensão do seu conteúdo não pode ser feita de forma isolada ou meramente literal.
A súmula, vinculante ou não, é um enunciado gráfico. Não dispensa, como qualquer ato genérico e abstrato, a atividade de sua apreensão pelo intérprete que vai concretizar individualmente o seu comando genérico e abstrato.”
Diz-se que a lei, depois de publicada, ganha vida própria, independente da intenção do legislador. O mesmo não se pode afirmar das súmulas, posto que elas seguem atreladas à interpretação jurídica que lhes deu causa. Extraindo-se da súmula a interpretação que encerra, pode-se concluir que o caso concreto sob análise é similar aos dos precedentes que ensejaram a uniformização jurisprudencial ou que, não sendo similar, é ainda assim análogo, merecendo a mesma interpretação. Mas também pode ocorrer que se verifique que as semelhanças são superficiais e portanto a interpretação jurídica aplicável não será necessariamente a mesma. Tal entendimento não pode ser extraído da simples compreensão literal do verbete, porquanto é mera síntese de uma orientação jurisprudencial mais complexa.
1.4 A súmula 323 do STF
O Enunciado nº 323 foi aprovado na sessão plenária de dezembro de 1963, junto com outros trezentos e sessenta nove. O Supremo Tribunal indicou como precedente um único julgado, o Recurso Extraordinário nº 39.933. Transcreve-se, por oportuno, o relatório e o voto do Ministro relator Ary Franco, a decisão e o acórdão respectivo[4]:
“RECURSO EXTRAORDINÀRIO Nº 39.933 – ALAGÔAS. RELATOR O EXMO. SR. MINISTRO ARY FRANCO RECORRENTE PREFEITURA MUNICIPAL MAJOR IZIDORO. RECORRIDO COMPANHIA AGRO MERCANTIL PEDRO CARNAUBA. R E L A T Ó R I O: O EXMO. SR. MINISTRO ARY FRANCO –
Sr. Presidente, interpôs-se mandado sustentando-se a inconstitucionalidade do texto do Código Tributário local. Concedido o mandado, veio recurso extraordinário, em que se defende a constitucionalidade do referido texto. Como se tratava de matéria constitucional, o processo veio ao Tribunal Pleno. A decisão do Tribunal local fôra a seguinte:
” É vedado ao município, ainda que sob a denominação de taxa, criar impôsto não incluindo na sua competência tributária ou expressamente proibido pela Constituição.
Os municípios não têm competência para dispor sôbre apreensão de mercadorias ou bens, como meio de forçar o pagamento de seus tributos e multas.
Inconstitucionalidade manifesta dos arts. 75, 25, §1º e 26, do Código Tributário do Município de Major Izidoro, relativos á taxa de Melhoramentos e à apreensão de mercadorias ou bens para arrecadar dívidas fiscais.”
A respeito, disse a Procuradoria Geral da República:
“A Prefeitura Municipal de Major Isidoro, de inconformada com o venerando aresto do Egrégio Tribunal de Justiça de Alagôas […], recorreu, extraordináriamente, sem indicar os permissivos constitucionais ou o permissivo constitucional em que fundamentava o apêlo […].
Decidiu o respeitável acórdão recorrido, […], ser inconstitucional a cobrança da nomeada taxa de melhorais, como medida de cobrança de debito fiscal.
Indefere-se das razões do extremo apêlo ter pretendido a recorrente fundá-lo nas alínéas a e d do permissivo constitucional.
Estamos em que a cobrança da nomeada taxa de melhoramentos não é inconstitucional, data venia de entendimento em contrario pelo venerando acórdão recorrido.
Nos têrmos do artigo 27 da Lei Maior, a cobrança de taxass destinadas, exclussivamente, à indenização de despesas de construção, conservação e melhoramentos de estradas é permitida aos Municipios.
No que diz á apreensão de mercadoria, como forma de cobrança de dívida fiscal, é manifesta a ilegalidade do ato da corrente. Não lhe cabe, na espécie, fazer justiça de mão própria se a lei estabelece a ação executiva fiscal, para a cobrança da divida ativa da Fazenda Pública em geral.
Diante do expôsto, havemos que, preliminarmente, se conheça do extraordinário; e, conhecido, que o Excelso Supremo Tribunal Federal lhe dê provimento, em parte, tão só para declarar constitucional a cobrança de taxa de melhoramento.
Distrito Federal, 9 de julho de 1958 – ASS – Firmino Ferreira Paz – Procurador da República – Aprovado Carlos Medeiros Silva – Procurador Geral da República.”
É o relatório,
V O T O
Sr. Presidente, foi criado um tributo sob o título de indenização para construção, conservação, etc. de estradas. Queixa-se a parte de que a taxa, porém, é cobrada sôbre tôda mercadoria que sai do Municipio, o que não seria constituicional, porque equivaleria a taxa se exportação.
Meu voto é no sentido da inconstitucionalidade do art. 75 do Código Tributário de Major Isidoro, pois não é lícita a apreenção de mercadorias, e da constitucionalidade dos artigos relativos às taxas.”
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 39.933 – ALAGÔAS (MATÉRIA CONSTITUCIONAL) RECORRENTE : Prefeitura Municipal Major Izidoro RECORRIDA : Cia. Agro Mercantil Pedro Caraúba D E C I S Ã O
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: UNANIMEMENTE, DECRETARAM A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 75 DA LEI QUESTIONADA, E A CONSTITUCIONALIDADE DOS DEMAIS DISPOSITIVOS INVOCADOS.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro BARROS BARRETO.
Relator o Exmo. Sr. Ministro ARY FRANCO.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Ministros SAMPAIO COSTA, substituto do Exmo. Sr. Ministro NELSON HUNGRIA, que se acha à disposição da Justiça Eleitoral, VICTOR NUNES LEAL, GONÇALVES DE OLIVEIRA, VILLAS BÔAS, CÂNDIDO MOTTA FILHO, ARY FRANCO, LUIZ GALOTTI, HAHNEMANN GUIMARÃES, RIBEIRO DA COSTA e LAFAYETTE DE ANDRADA.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 39.933 – ALAGÔAS
RECORRENTE: PREFEITURA MUNICIPAL MAJOR IZIDORO. RECORRIDO : CIA. AGRO MERCANTIL PEDRO CARAÚBA. ACÓRDÃO
Inconstitucionalidade do artigo 75 do Código Tributário.
Acórdam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plena, e à unanimidade, em decretar a inconstitucionalidade do artigo 75 do Código Tributário, nos têrmos das notas taquigráficas antecedentes. Custas ex lege. Brasília, 9 de janeiro de 1961 (as.) BARROS BARRETO – Presidente (as.) ARY FRANCO – Relator”
Observa-se, no referido precedente, que o Recurso Extraordinário cuidava de verificar a constitucionalidade, por um lado, da instituição de Contribuição de Melhorias pelo município, e por outro, do art. 75 do Código Tributário do município, que previa a apreensão de mercadorias como forma de arrecadar dívidas fiscais. A decisão entendeu inconstitucional o referido art. 75, sem que, contudo, tenha sido abordado, no relatório ou no voto do ministro relator, o dispositivo constitucional violado.
A esse propósito, o STF apontou como referência legislativa à súmula 323 unicamente o Decreto-lei 960/1938, art. 1º e art. 6º (NAVES, 1981, p.215), ao contrário do que se verifica em outras súmulas, onde há indicação como referência legislativa aos dispositivos constitucionais violados. Eis o texto dos arts. 1º e 6º do referido Decreto-lei:
“DECRETO-LEI Nº 960 – DE 17 DE DEZEMBRO DE 1938
Dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, em todo o território nacional
O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º. A cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública (União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios), em todo o território nacional, será feita por ação executiva, na forma desta lei.
Por dívida ativa entende-se, para esse efeito, a proveniente de impostos, taxas, contribuições e multas de qualquer natureza; foros, laudêmios e alugueres; alcances dos responsáveis e reposições. […]
Art. 6º. A citação inicial, que será requerida em petição instruída com a certidão da dívida, quando necessário, far-se-á por mandado para que o réu pague incontinenti a importância da mesma; se não o fizer, pelo mesmo mandado se procederá à penhora. […]”
O que se percebe é que a súmula, de acordo com a referência legislativa indicada, estaria a apontar a ilegalidade da apreensão de mercadorias, haja vista que o Decreto-lei nº 960/38 disciplina o procedimento a ser adotado para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, não sendo aceitável que os entes públicos apreendam mercadorias com o fito de satisfazer seus créditos frente aos contribuintes.
Rosas (op.cit.) traz comentários às súmulas do STF. Quanto à súmula 323 o autor não tece maiores comentários, remetendo à leituras dos comentários às súmulas 70 e 547. A súmula 70, dita que “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos”. Nesse verbete, o autor também remete à leitura das súmulas 323 e 547. Por fim, a súmula 547 afirma que “ao contribuinte em débito, não é lícito à autoridade proibir que adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.” Sobre essa, afirma Rosas (op.cit., p.276):
“O Tribunal Pleno decidiu que a Fazenda deve cobrar seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte (RTJ 45/629). Posteriormente reafirmou sua orientação (RE 63.026 e 63.647). Ver súmulas 70 e 323”.
Desse modo, o autor equipara as três súmulas citadas. Observa-se que estas têm em comum a inadmissibilidade do uso pela Fazenda Pública de meios coercitivos inadequados para obrigar o contribuinte a saldar dívidas fiscais, seja através da interdição de estabelecimentos, proibição de aquisição de estampilhas ou de promover despachos nas alfândegas ou apreensão de mercadorias, devendo se valer da execução fiscal.
A doutrina denomina sanções políticas às restrições impostas ao contribuinte com o intuito de coagi-lo a pagar tributos. Nesse sentido, manifesta-se MACHADO (s.d.):
“Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.
Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do país.
O Supremo Tribunal Federal sumulou sua jurisprudência no sentido de serem inconstitucionais as sanções políticas. A Súmula 70 diz que é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Diz a Súmula 323 que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo, e a 547 estabelece que não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. […]
Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal. […]
A ilicitude do não pagar os tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude do não pagar o tributo não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária, principal ou acessória.”
Considerando tais entendimentos, parece não haver dúvida da interpretação jurídica a ser extraída do conteúdo da súmula 323, mas ainda permanece a questão de seu alcance. A legislação aduaneira, ao estabelecer que o desembaraço de mercadorias importadas somente deve acorrer após o recolhimento dos tributos incidentes na operação, cria uma sanção política? Tem como objetivo precípuo coagir o contribuinte a promover o recolhimento dos tributos? Para uma compreensão adequada do tema, se faz necessário discorrer sobre a fiscalização e controle do comércio exterior pelo Estado, assunto a ser abordado a seguir.
2 A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE DO COMÉRCIO EXTERIOR PELO ESTADO
2.1 O Direito Aduaneiro
Para iniciar a abordagem do assunto, se faz necessário discorrer sobre o Direito Aduaneiro. Na Constituição Federal, não há referência à expressão Direito Aduaneiro. O art. 22 da Carta Magna, em seu inciso VIII, defere competência privativa à União para legislar sobre comércio exterior. Por sua vez, o art. 237 dita que a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda. A Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão subordinado a esse Ministério, é que executa essa fiscalização e controle.
O principal diploma legal a dispor sobre o comércio exterior é o Decreto-lei nº 37/66 e suas alterações posteriores. Esse Decreto dispõe sobre o imposto de importação, o controle aduaneiro, os regimes aduaneiros especiais e as infrações e penalidades à legislação aduaneira, remetendo, em diversos dispositivos, à disposições estabelecidas em regulamento. Presentemente, é o Decreto nº 4.543, de 26.12.2002, denominado Regulamento Aduaneiro, que disciplina a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.
Carluci (2001) define Direito Aduaneiro como o conjunto de normas e princípios que disciplinam juridicamente a política aduaneira, entendida esta como a intervenção pública no intercâmbio internacional de mercadorias e que constitui um sistema de controle e de limitações com fins públicos. Afirma o autor que o Direito Aduaneiro se constitui em ramo autônomo, pois possui princípios específicos, citando entre eles o da submissão de todas as mercadorias ao controle aduaneiro na entrada e na saída do país; o fato de as exações aduaneiras se constituírem em exceções ao princípio da anterioridade; o princípio da responsabilidade objetiva no que tange às infrações aduaneiras. Relaciona também institutos tipicamente aduaneiros, como o alfandegamento, a admissão temporária, o entrepostamento aduaneiro, a revisão e a vistoria aduaneiras.
Carluci (op.cit.) ainda indica os fatores que estabelecem a especificidade ou singularidade do Direito Aduaneiro. Aponta para sua origem consuetudinária, pois os usos comerciais, internos ou externos, exigiram e condicionaram as normas que o instruem, dando-lhe feições próprias. Menciona a técnica específica desse ramo do direito, representada, por exemplo, pela classificação alfandegária de mercadorias, e seus conceitos jurídicos e econômicos próprios e precisos, tais como o de valor aduaneiro, de preço, de mercadoria, de origem, de sistema harmonizado, dumping, salvaguardas, drawback, etc. Indica seu acelerado dinamismo, decorrente da evolução técnica dos transportes e comunicações, da incidência de convênios e acordos internacionais, do incremento dos blocos econômicos e organismos internacionais e da corrente de tráfico imposta pelas empresas internacionais.
Ainda, considera que no Direito Aduaneiro o fator econômico predomina sobre o fator arrecadatório, bem como que o contencioso aduaneiro possui procedimento administrativo diferenciado dos demais tributos, no que tange, por exemplo, aos processos de perdimento e aos de vistoria aduaneira. Aponta para a influência preponderante dos tratados internacionais, tais como o Acordo de Valoração Aduaneira, o Sistema Harmonizado para designação e classificação de mercadorias e o Acordo para Facilitação Aduaneira no Transporte Marítimo de Mercadorias. Admite, porém, que tal autonomia não é pacífica na doutrina. Por sua vez, Costa (2004, p.19) assim conceitua o Direito Aduaneiro:
“Conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações decorrentes da atividade estatal destinada ao controle do tráfego de pessoas e bens pelo território aduaneiro, bem como à fiscalização do cumprimento das disposições pertinentes ao comércio exterior.”
Para Costa (op.cit.), o Direito Aduaneiro tem caráter multidisciplinar, pois conjuga normas relativas a diversas áreas jurídicas, obedecendo aos princípios da isonomia, legalidade, supremacia do interesse público sobre o privado, impessoalidade e moralidade, aplicáveis a toda Administração Pública. Quanto ao princípio da isonomia, considera que as normas voltadas ao controle do tráfego de pessoas e bens e à fiscalização do comércio exterior devem ser aplicadas igualmente, considerando as diversas situações. Refere-se ao princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, da CF, que estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o que, para o Poder Público, ao exercer a fiscalização e controle do comércio exterior, traduz-se no fato de que as condutas de seus agentes devem, necessariamente, estar previstas em lei. No que tange a supremacia do interesse público sobre o privado, afirma Costa (op.cit., p.22):
“A persecução dos objetivos constitucionalmente eleitos aponta para a eficácia da supremacia do interesse público sobre o particular também no âmbito da disciplina aduaneira. Conhecido igualmente como princípio da finalidade pública ou do interesse público, preconiza que a Administração Pública, em sua atuação, deve buscar, sempre, o atendimento do interesse coletivo ou do interesse público primário, como quer Celso Antônio Bandeira de Mello.
As normas aduaneiras hão de ser aplicadas tendo-se em conta o interesse nacional, vale dizer, interesse público de maior expressão. Os expedientes instrumentalizadores da atividade aduaneira são, inegavelmente, meio de satisfação do interesse público.”
Costa (op.cit.) indica três princípios específicos informadores do Direito Aduaneiro, por lhe tocarem especialmente ao seu objeto, embora não lhe sejam exclusivos: o princípio da universalidade do controle aduaneiro, o princípio da competência federal para a disciplina aduaneira e o princípio da excepcionalidade dos impostos incidentes sobre o comércio exterior em relação à anterioridade da lei tributária.
Gonzáles (1982, apud CARLUCI, op.cit., p.23-24) faz o seguinte comentário acerca da relação jurídica aduaneira:
“Quando uma mercadoria atravessa a linha teórica que delimita dois espaços territoriais submetidos a soberanias aduaneiras diferentes, se produz o acontecimento mais significativo de uma cadeia de elos cujo denominador comum é o de formar parte de um mundo especial, regido por normas sui generis, que abarca desde um momento, anterior a aquele evento e se prolonga até outro momento posterior. Este mundo especial é o mundo aduaneiro composto de relações tributárias e não tributárias cujo objetivo é produzir um resultado determinado, e diferente segundo os casos, querido por ambas as partes: o Estado e outra pessoa pública e privada, sob o império de umas normas que por referir-se a matéria concreta que toma a atividade aduaneira como eixo se denominam aduaneiras, sejam ou não de natureza tributária.”
Na opinião de Sosa (2000, apud COSTA, op.cit.), o Direito Aduaneiro possui uma vertente de Direito Interno e outra de Direito Internacional. Enquanto ramo especializado de Direito Interno, tem caráter administrativo, por regular procedimentos e condutas de agentes públicos e privados que interagem no comércio exterior. Quanto ao Direito Internacional, pode ser tido como parte do mesmo, por regular a economia internacional, devido à necessidade de dar às atividades de comércio exterior um tratamento globalizado, buscando aproximar as legislações nacionais.
Garcia (2004) afirma que o Direito Aduaneiro não é uma subdivisão do Direito Tributário, porque seu papel principal não é o de prover a arrecadação tributária ou obter os meios financeiros para o Estado atingir seus fins. Entende que também não pode ser tido com parte do Direito Administrativo, pois, embora também se destine a regular relações entre o Estado e aos administrados, o faz sob um prisma diferenciado. Por tais motivos, vê o Direito Aduaneiro como ramo do Direito Público voltado ao comércio exterior, cuja fiscalização e controle são privativos da União. Tal consideração não conflita com o fato de, quando da exigência de tributos incidentes nas operações de comércio exterior, as normas tributárias devem ser rigorosamente respeitadas, bem como o exercício do poder de polícia não pode se afastar dos princípios administrativos correspondentes.
Para Costa (op.cit.) as relações jurídicas do Direito Aduaneiro classificam-se em dois grandes grupos: as que decorrem do exercício da função puramente administrativa e as provenientes do exercício da função administrativo-fiscal. A função administrativa envolve procedimentos e atos administrativos próprios, tais como o despacho aduaneiro, a vistoria aduaneira, o contencioso aduaneiro. Trata-se de atividade plenamente vinculada, não havendo margem para a discricionariedade. Nesse mister a União exerce a atividade de Polícia Administrativa, ao aplicar aos casos concretos as limitações constitucionais e legalmente previstas ao exercício de direitos individuais, em favor do interesse coletivo. Os procedimentos aduaneiros envolvem, em essência, o controle e a fiscalização do tráfego de pessoas e bens pelo território nacional mediante o exercício de Polícia Administrativa, que é um dos poderes outorgados à Administração Pública mediante o qual seus atos interferem diretamente na esfera jurídica dos administrados.
Já no exercício da função administrativo-fiscal estão compreendidos procedimentos e atos administrativos de controle, destinados a verificação do correto cumprimento das exigências fiscais, tais como a classificação tarifária de bens, a valoração de mercadorias importadas e aplicação de regimes aduaneiros. Trata-se de exercício de função administrativa voltada para fins tributários. Todavia, não estão compreendidos no âmbito do Direito Aduaneiro as normas concernentes à instituição de tributos ou ao exercício da competência tributária, que estão definidas na Constituição Federal e nas Leis. Ao Direito Aduaneiro tocam apenas as relações jurídicas concernentes à arrecadação e fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre comércio exterior. Por tais motivos, conclui:
“Do exposto, infere-se que o Direito Aduaneiro traduz-se numa especialização do Direito Administrativo, sendo sua essência a atividade administrativa, realizada pelo Estado, consistente na gestão dos serviços aduaneiros. Mesmo observando-se em seu perfil a presença de outras disciplinas jurídicas, sobreleva o Direito Administrativo, induvidosamente.” (COSTA, op.cit., p. 29)
Como se vê, não há doutrinariamente uma posição uniforme sobre a colocação do Direito Aduaneiro no âmbito dos demais ramos do direito. Ora é visto como ramo independente, ora como especialização do Direito Administrativo, mas sempre guardando estreita relação com o Direito Tributário.
2.1.1 Direito Aduaneiro e Direito Tributário
Como se percebe, há uma interligação entre as normas tributárias e as normas aduaneiras, as quais, no entanto, não se confundem. Sobre o tema, manifesta-se Costa (op.cit., p.30-31), fazendo também importantes considerações sobre o caráter extrafiscal dos tributos aduaneiros:
“Com efeito, se resta evidente que o Direito aduaneiro não se resume a um conjunto de disposições pertinentes ao controle de exigências fiscais, por outro lado é inegável que tal regramento configura a face mais visível desse ramo multidisciplinar do direito.
Em verdade, o caráter regulatório, típico do direito Aduaneiro, faz exsurgir o ponto de toque entre essa disciplina e o Direito Tributário: a extrafiscalidade.
Consoante o magistério de Geraldo Ataliba, “consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados”.
A extrafiscalidade apresenta-se, assim, como poderoso expediente utilizado pelo Estado, a estimular ou inibir condutas ao abrigo do ordenamento jurídico-positivo.
Vários instrumentos podem ser empregados para imprimir caráter extrafiscal a determinado tributo: as técnicas da progressividade e da regressividade, a seletividade de alíquotas – já abordada -, a concessão de isenção e de outros incentivos fiscais.
Esse objetivo de moldar as condutas dos contribuintes é nítido nos tributos incidentes sobre o comércio exterior, especialmente naqueles não vinculados a uma atuação estatal.
É o que acontece no Imposto de Importação e no Imposto de Exportação, nos quais aflora, facilmente, o caráter extrafiscal, consubstanciado na regulação do comércio exterior e na proteção da indústria nacional.
Em resumo, ao nosso ver, as noções de Polícia Administrativa e de extrafiscalidade apresentam-se fundamentais para a adequada compreensão das relações jurídicas inseridas no contexto aduaneiro.”
Carluci (op.cit., p.24) afirma que a diferença fundamental entre uma relação aduaneira e uma relação tributária reside no fato de que nesta o tributo é condição essencial e naquela o tributo é uma contingência, não é essencial.
É característica marcante das normas de Direito Aduaneiro o fato de serem decorrentes do intervencionismo estatal nas relações econômicas internacionais. De acordo com Carluci (op.cit.) esse intervencionismo decorre da política comercial do País, que no comércio exterior se efetiva por meio da política aduaneira, a qual é condicionada em grande parte pelos acordos internacionais. Observa que esse intervencionismo se baseia notadamente em fundamento econômicos, como a proteção de indústrias nascentes, o pleno emprego e oferta de melhores salários, a estabilidade da economia nacional e a necessidade de defesa das fronteiras econômicas. Nesse diapasão, são utilizados meios fiscais para a execução e o controle da política aduaneira nacional, mas também de procedimentos operacionais, de natureza essencialmente administrativa, tais como o licenciamento de importações e exportações, controles prévios, simultâneos e posteriores às operações, procedimentos de entrada e saída de mercadorias, veículos e pessoas.
Sobre a relação íntima existente entre o fato jurídico aduaneiro e o fato jurídico tributário manifesta-se Carluci (op.cit., p.22):
“O fato aduaneiro é um complexo de fatos jurídicos de variada natureza – tributária, comercial, administrativa – e também fatos econômicos, ocorríveis no território aduaneiro. É, portanto, o fato aduaneiro, mais que o tributário, sendo este não mais que o complemento de fatos de outra natureza, comerciais por exemplo. Assim, o fato tributário se dá dentro do aduaneiro e não o contrário. É como um acessório que acompanha o principal. Ele comporta disciplinamento e estrutura jurídica distinta da tributária, que nele está contida.”
Infere-se, portanto, que na visão desse autor a relação jurídico-tributária relativa às operações de comércio exterior está contida dentro da relação jurídico-aduaneira.
2.2 A finalidade do controle aduaneiro pelo Estado
O controle aduaneiro estatal está presente em todos os países. Os estados nacionais, como entes soberanos, precisam controlar o fluxo de pessoas e bens que entram e saem de seu território, pois esse fluxo interfere na vida social e atividade econômica das nações. No dizer de Carluci (op.cit., p.34):
“[…] a defesa e vigilância de nossas fronteiras econômicas reduz-se em última instância à defesa da soberania e da fronteira física. É pelas zonas primárias e zonas de vigilância aduaneira que o olhar atento do funcionário aduaneiro pode detectar a entrada e a saída de mercadorias em fraude à lei e à política de comércio exterior, de armamentos clandestinos para o terrorismo, de material impróprio ao consumo, à saúde pública, aos padrões morais da sociedade e lesivo ao erário e às nossas reservas cambiais. Somente assim, o bem jurídico tutelado pelo sistema aduaneiro, o trabalho nacional, será devidamente protegido.”
No que tange à importação de bens, o controle aduaneiro está sempre associado a uma política governamental de importações. Essa política não é autônoma, pois encontra seus fundamentos em fatores diversos como a política de desenvolvimento econômico, programas industriais e de infra-estrutura, política monetária, cambial e de desenvolvimento. A respeito da política de importação manifesta-se Mângia (1983, pg.73):
“A política de importação é estabelecida segundo vários objetivos: substituição das importações pela produção interna, com finalidade de proteção à indústria nacional; seleção de produtos segundo a sua aplicação – insumos, componentes ou de consumo – facilitando a entrada de produtos da categoria de insumos ou componentes requeridos por setores de atividades de produção, e restringindo a entrada de bens de consumo por motivação de ordem até social, como por exemplo os bens denominados supérfluos; restringir importação em razão de situações apresentadas pelo balanço de pagamentos; estimular as importações com propósito de aumentar a oferta no mercado interno; facilitar importações para completar a oferta interna, conjunturalmente escassa; estimular certas importações para fins de desenvolvimento econômico, segundo setores de atividades ou segundo exigências regionais; favorecer as importações de mercadorias, por motivo de política externa, mediante negociações tarifárias, como meio de serem obtidas vantagens em benefício das exportações (reciprocidade de concessões tarifárias) ou em razão mais ampla de formação de mercado regional, criação de área de livre comércio, união aduaneira ou integração econômica regional; estimular a importação de produtos destinados a compor a produção de mercadorias exportáveis.”
Na visão de Sosa (1999, apud SANTOS FILHO, 2004, p.77), o controle sobre o fluxo internacional de mercadorias é uma necessidade dos estados contemporâneos:
“(…) não há Estado politicamente organizado que permita ingressos e saídas de mercadorias de seu território à exclusiva conveniência das forças do mercado, especialmente economias em desenvolvimento, altamente suscetíveis de verem aviltadas, a seu desfavor, as relações de trocas internacionais. O estado deve manter mecanismos capazes de proteger aqueles setores econômicos que sucumbiriam ante uma concorrência externa predatória, como também zelar pelo equilíbrio de sua balança comercial e de serviços, assim como acautelar-se com o “comércio” de produtos de alta periculosidade social etc. Assim, os Estados nacionais sempre exercerão a função normativa, reguladora e controladora de seus fluxos comerciais.”
O tópico seguinte trata da tributação nas operações de comércio exterior. Essa forma de tributação, porém, está diretamente ligada ao assunto aqui abordado, ou seja, a finalidade do controle aduaneiro, motivo pelo qual novas considerações sobre esse tema serão trazidas à baila.
2.3 A tributação nas operações de comércio exterior
2.3.1 Antecedentes históricos
Na preleção de Carluci (op.cit.), os direitos aduaneiros são conhecidos desde a antiguidade, quando eram exigidos pelo movimento de mercadorias de um local a outro. Inicialmente, consistiam em taxas cobradas sobre os meios de transporte, exigidos pelo uso de estradas para o transporte de mercadorias. Tal prática já era adotada pelos gregos e pelos romanos. Por tal motivo, as antigas aduanas se localizavam nos pontos onde havia pontes ou portos, onde se cobravam direitos pela passagem nas pontes, direitos de navegação ou portagem (pedágio).
Na Idade Média, tais taxas acabaram por se converter em verdadeiros impostos, os quais eram cobrados pelos senhores territoriais com o objetivo de aumentar suas rendas, deixando de ser direitos de passagem para se tornarem direitos de importação ou de trânsito. Assim, desde a Idade Média até o início da Moderna tais tributos possuíam caráter precipuamente arrecadatório, embora também fossem utilizados, em alguns casos, para proteção das manufaturas locais. No final da Idade Média, os territórios maiores passaram a organizar seu sistema aduaneiro, utilizando-o para fins de política econômica, controlando o fluxo externo de mercadorias para atender as necessidades dos Estados, impondo proibições a determinadas importações e taxações proibitivas.
A transformação desses tributos de fiscais em econômicos ou protetores deu-se a partir dos séculos XVI e XVII, quando passaram a ser utilizados para proteger a produção nacional dos Estados com a pesada taxação das mercadorias estrangeiras, devido à Revolução Comercial, ao fortalecimento dos grandes Estados e às idéias dos mercantilistas que prepunham que as nações exportassem o máximo e importassem o mínimo possível de produtos manufaturados, fazendo surgir, assim, o direito aduaneiro territorial, como direito de importação, de trânsito e de exportação.
No século XIX, as aduanas se deslocam para as fronteiras dos Estados, dando origem ao direito estatal de exigir o tributo aduaneiro no momento em que as mercadorias passassem pelas fronteiras. Mais tarde surge o controle aduaneiro com base em taxas, isenções e contingenciamentos, aplicados em decorrência da importância que o comércio internacional assume para a atividade econômica dos países.
A utilização dos tributos aduaneiros envolveu ao longo dos anos, e de certa forma ainda envolve, o conflito entre duas doutrinas econômicas: o livre-cambismo econômico (laissez-faire) e o protecionismo econômico. Conforme ensina Ratti (1994), o livre-cambismo defendia que os governos deveriam se limitar à manutenção da lei e da ordem e remover todos os obstáculos legais em relação ao comércio e aos preços. Baseava-se na crença da existência de uma divisão internacional do trabalho e de uma especialização das produções, motivada pela desigual distribuição dos recursos naturais ou por outros motivos, razão pela qual cada país deveria concentrar seus esforços na produção dos bens para os quais estivesse mais bem dotado, especializando-se. A aplicação dessa doutrina deveria levar à livre troca de bens do mercado internacional, pois as tarifas e outras restrições deveriam ser eliminadas.
Explica ainda o autor que os críticos dessa doutrina observaram que a ampla liberdade das atividades econômicas, ao contrário de aumentar o bem estar dos povos, levaria ao surgimento de desigualdades de riquezas e atividades econômicas entre eles. Surge assim o protecionismo econômico, doutrina pela qual cabe ao Estado um papel preponderante no controle das atividades econômicas, competindo ao mesmo efetuar o controle das entradas e saídas de bens e fatores de produção, de modo a condicioná-las a uma política de desenvolvimento. O protecionismo consistiria numa política de barreiras destinadas a favorecer o desenvolvimento econômico nacional. Todavia, a política protecionista poderia ser aplicada em diferentes graus de intensidade, desde um protecionismo agressivo, com a ruptura das relações comerciais com os demais países, até um protecionismo moderado ou de desenvolvimento, onde as barreiras são aquelas necessárias ao desenvolvimento econômico da nação.
Foschete (1999) aduz que praticamente todas as nações restringem de alguma forma o fluxo do comércio internacional, em nome da proteção das indústrias domésticas e do emprego dos trabalhadores, que poderiam ser prejudicados pelas importações. Sobre o assunto, afirma (op.cit., p.41,44-45):
“Mais particularmente, as restrições ao comércio foram o caminho encontrado por praticamente todos os países subdesenvolvidos que, a partir da década de 30, na busca do crescimento econômico, iniciaram seu processo de industrialização baseado no chamado processo de substituição de importações. A justificativa, na época, era a necessidade de proteção à indústria “infante” ou “nascente”. […]
Estimulado por estudos realizado pela Comissão Econômica para o Progresso da América Latina (CEPAL), na década de 50, a tese do protecionismo econômico foi adotada pela maioria dos países em desenvolvimento (o Brasil entre eles) que, após a 2º Guerra Mundial, iniciaram um processo de rápida industrialização assentado basicamente no que veio a ser conhecido como o modelo de substituição de importações. A idéia básica, espelhada naqueles estudos, era a de que os países em desenvolvimento que continuassem limitando sua produção aos bens primários, estariam condenados ao eterno subdesenvolvimento […].
Esses argumentos conduziram, como se disse, à adoção do protecionismo econômico de forma mais ou menos generalizada nos países em desenvolvimento desde os anos 40 – processo esse que prevaleceu até o final dos anos 70 quando, então, já começa a ser observar um gradual declínio das barreiras ao comércio internacional. Deve-se registrar, entretanto, que tal prática não se limitava apenas aos países em desenvolvimento. Mesmo em países industrializados se observavam políticas protecionistas, se não generalizadas, pelo menos em alguns setores econômicos. Exemplos disso são as práticas protecionistas ao setores agrícolas, adotadas por vários países europeus, além do acordo Multifibras, adotado nos anos 70, e que consistia de uma série de regulamentações aceitas a nível internacional para proteção do setor têxtil de alguns países.
Já agora, na década de 90, e especialmente em função da ‘Rodada do Uruguai’, promovida pelo GATT, que culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio, em 1994, o protecionismo tem se reduzido bastante, com reduções tarifárias e eliminação de outras barreiras ao comércio internacional.”
No Brasil, em seus primórdios o imposto de importação foi instituído com caráter marcadamente arrecadatório, conforme atesta Carluci (op.cit., p.53-54):
“Houve inicialmente uma marcante finalidade fiscal a fim de obter ingressos para o erário público. Com o desenvolvimento do País, ele passou a ser utilizado com fins extrafiscais e sob a influência das idéias mercantilistas, imperou um regime marcadamente protecionista. Após, surgiu a concepção livre-cambista, primeiro com os fisiocratas, depois com os clássicos ingleses, que basearam o livre-câmbio na divisão internacional do trabalho.
No período imperial o produto dos direitos aduaneiros (Impostos de Importação e Exportação) representavam aproximadamente 70% do total da receita geral prevista. O Imposto de Importação correspondia a 59% da receita geral e 71% da receita tributária. E até o advento da Primeira Guerra Mundial o Imposto de Importação ainda representava 53% da receita geral da União. Daí para cá sua expressividade começou a declinar em favor dos outros tributos […].”
O mesmo autor refere-se a estudo efetuado pela Fundação Getúlio Vargas, onde foi analisada a evolução histórica do imposto de importação e apontadas as causas prováveis de sua passagem gradual do campo da fiscalidade para o da extrafiscalidade. Três teriam sido as causas principais que produziram o fenômeno, entre as décadas de 1940 a 1960: a inflação, a industrialização e o contrabando. Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o imposto de importação deixou de ser o principal tributo federal, perdendo a posição para o imposto de consumo. Em 1942, foi também superado pelo imposto de renda, que havia sido criado vinte anos antes; em 1950, foi superado pelo imposto do selo. Em 1941 o imposto de importação representava 26% da Receita da União, reduzindo-se para 5% em 1966.
2.3.2 Os tributos aduaneiros
De acordo com Carluci (op.cit.), hodiernamente a política econômica de um Estado implica na existência, também, de uma política aduaneira, que atua através da imposição ou isenção de tributos aduaneiros, incentivando ou desestimulando determinados setores produtivos, visando à manutenção ou crescimento de sua participação no comércio externo, bem como impedindo a introdução ao consumo nacional de produtos competitivos ou desnecessários. Trata-se, pois, de instrumento primordial de política econômica. O tributo aduaneiro persegue tanto uma atividade econômica quanto uma atividade tributária. Daí, a integração da atividade aduaneira com a função tributária estatal. As normas que dispõem sobre matéria aduaneira, quando dizem respeito à obrigação tributária, constituem Direito Tributário. As obrigações tributárias acessórias são abundantes quando se trata do imposto aduaneiro, decorrentes da extensa gama de atividades de controle exercidas pela administração pública, que vão desde a polícia administrativa, até as mais complexas atividades fiscais, que tem por fim não só arrecadar o tributo, mas também permitir que a política econômica e financeira que esse tributo ajuda a regular se execute da forma planejada pelo governo.
O autor considera que a denominação impostos aduaneiros engloba aqueles exigíveis na entrada ou saída mercadorias de territórios aduaneiros, como é o caso, no Brasil, do imposto de importação e do imposto de exportação. Por tal motivo, não estariam compreendidos na expressão as taxas ou tarifas relacionadas com operação de carga, descarga ou armazenagem de mercadorias, ou o ICMS, IPI e as contribuições sociais incidentes nas operações de importação.
É amplamente reconhecido que o imposto de importação, como imposto aduaneiro típico, tem finalidade extrafiscal, pois as alíquotas são fixadas atendendo à disposições de política econômica, tais como a proteção à indústria nacional, incentivos à investimentos, proteção contra práticas desleais no comércio internacional, promoção de desenvolvimento regional, setorial ou estratégicos, valendo-se para tal fim, de diversos mecanismos, como a concessão de regimes aduaneiros especiais, tais como o drawback, a admissão temporária, os entrepostos aduaneiros e industriais, entre outros.
Ainda acompanhando os ensinamentos de Carluci (op.cit.), os tributos aduaneiros, quanto à sua finalidade, integram a categoria de impostos financeiros ou impostos de ordenamento, já que possuem precipuamente finalidade de ordenamento, ou seja, extrafiscal, e são instituídos com o objetivo de exercer ação direta sobre a atividade econômica de comércio exterior, sendo que seu interesse econômico excede ao interesse fiscal. É também a opinião de Faria (2004, p.39), ao se referir aos tributos incidentes sobre o comércio exterior:
“Com feição predominantemente extrafiscal, ou seja, de interferência no domínio econômico, as exação mencionadas têm papel relevante no desempenho das exportações, podendo estimulá-las, quando a carga tributária é reduzida, ou inibi-las, quando, ao revés, há um incremento no ônus. O mesmo se diga com as importações, principalmente quando se busca a redução dos preços internos, diminuindo o peso tributário de produtos similares oriundos do exterior, de modo a incrementar a competitividade, ou, ao contrário, onerando a carga para proteger a indústria nacional, em determinados casos.”
Mângia (op.cit.) aponta que em todos os impostos podem-se distinguir três aspectos: o fiscal, o econômico e o social. Contudo, na atual estrutura tributária, o imposto de importação tem objetivo fundamentalmente econômico, sendo utilizado para fins de política comercial. Na classificação tributária, o imposto de importação se inclui entre os impostos indiretos, pois a sua incidência sobre mercadorias acaba por se transferir ao consumidor final e, agregadamente, o seu ônus é distribuído pela sociedade ou pago pela economia nacional como um todo. Identifica-se, no imposto, um custo social. A carga do imposto influi no preço do bem importado colocado no mercado doméstico, normalmente causando a elevação do preço, na medida da incidência do tributo. Esse efeito atua sobre o equilíbrio da demanda interna e das ofertas externa e interna, tendendo a incentivar a produção, no país importador, de mercadorias similares ou substitutivas dos bens importados, estimulando a oferta de bens produzidos no país.
O autor aponta para o fato de que o imposto de importação se caracteriza por uma estrutura técnica e fiscal bastante complexa, em função de seu refinamento como instrumento de política comercial e na proporção da multiplicidade das mercadorias importadas e da freqüência de suas especificações, apontando os seguintes fatores que contribuem para essa complexidade:
a) a utilização de fórmulas sofisticadas para fins de definição da base de cálculo, que tem por objetivo neutralizar artifícios de ordem comercial usados por empresas ou países exportadores com a finalidade de contornar os obstáculos interpostos pela incidência tributária, tais como: subsídios, redução anormal dos preços e alteração de especificações para confundir a classificação em posição correta;
b) a necessidade de utilização de conhecimentos mercadológicos com vistas a identificar corretamente as mercadorias e determinar a alíquota aplicável;
c) o fato de o comércio externo ser dinâmico, conjugado com o interesse dos produtores nacionais de que o imposto seja utilizado como instrumento de política de desenvolvimento econômico e de proteção;
d) a circunstância do imposto ser um elemento essencial de política comercial e, por isso, ser freqüentemente objeto de acordos internacionais de extensão bilateral ou multilateral;
e) o fato de o tributo representar fator básico na formulação e na formação de processos de integração econômica regional.
Considera também que como fonte de receita, o imposto de importação é manifestamente secundário, haja vista a orientação deliberada de lhe conferir a finalidade de servir de instrumento coadjuvante aplicado na condução da política comercial; e também de utilizá-lo como elemento fiscal atuante no mercado externo e nos programas de industrialização internos, segundo os esquemas ditados pela política de desenvolvimento econômico do país. Para cumprir esses objetivos, o imposto é aplicado de forma a restringir a importação de bens similares aos produzidos no país, bem como é deixado de aplicar por meio de isenções e reduções, de sorte a eliminar ou reduzir a incidência sobre bens de capital e insumos diretos não produzidos internamente e requeridos pela demanda interna.
Carluci (op.cit.) lembra que afora medidas extremas, como o estabelecimento de quotas ou proibição de importações, é o preço dos produtos importados, quando colocados em circulação no mercado interno, o fator que condicionará o montante de suas importações. Como os tributos incidem através de uma alíquota definida na Tarifa Aduaneira sobre o valor total do bem importado em moeda estrangeira, acrescido do frete e seguro relativos ao transporte internacional, além de outras despesas incorridas até a chegada do mesmo ao país, convertido para reais com base na taxa cambial, de pronto se verifica estar nas políticas tarifária e cambial, o suporte do controle das importações. A respeito da Tarifa Aduaneira, manifesta-se Carluci (op.cit., p.76-77):
“Tarifa Aduaneira: sua capacidade, em especial para induzir a transferência ou instalação de novas indústrias, proteger as existentes e estimular sua diversificação é universalmente reconhecida.
Com efeito, dentre todos esses mecanismos, o mais antigo, tradicional e largamente utilizado no mundo todo, com origens na discutida teoria mercantilista do protecionismo, e o que é mais importante – reconhecido e acolhido nos organismos internacionais – é o representado pela Tarifa, que nada é senão a aplicação e definição do nível impositivo dos direitos aduaneiros.”
Mângia afirma que “a Tarifa é a expressão quantitativa, técnica e sistemática do imposto.” (op.cit., p.69). Lembra ele que a Tarifa é objeto de acordos multinacionais, os quais buscam reduzir as restrições e neutralizar obstáculos visando a facilitar o comércio internacional ou criar uniões aduaneiras e áreas de livre comércio. As políticas de importação dos países se valem de diversos instrumentos combinados utilizados pelos governos, sendo a Tarifa Aduaneira um desses instrumentos, embora não seja um instrumento completo, pois se encontra necessariamente associada a outros, em especial de natureza cambial e administrativa.
Ratti (op.cit.) indica três causas para a existência dos direitos aduaneiros, os quais define como tributos que o Estado faz incidir sobre as mercadorias que transpõe as fronteiras do território nacional. O primeiro motivo seria simplesmente a obtenção de novas fontes de receita para o governo. O segundo seria a necessidade de equilibrar-se o balanço de pagamentos internacionais, pois o surgimento de déficits crônicos no balanço de pagamentos torna imperiosa a adoção de medidas que possam restabelecer o equilíbrio do balanço, através de uma diminuição do volume de operações que impliquem dispêndio de divisas, podendo o governo se utilizar para tal fim dos direitos alfandegários, impondo tarifas elevadas para produtos considerados supérfluos, de modo a reduzir a importação destes. Por fim, o terceiro motivo, o qual o autor julga o mais importante, seria o da proteção às indústrias nacionais incipientes. Através de um plano de desenvolvimento nacional apontam-se os setores produtivos que devem merecer proteção face à concorrência de produtos estrangeiros, efetuando-se estudo das tarifas alfandegárias a serem aplicadas, de modo a obter-se a desejada proteção.
Carluci (op.cit.) aponta quatro funções básicas da tarifa aduaneira, apresentadas resumidamente a seguir:
a) função financeira: visa ao interesse arrecadatório do Estado. Foi importante para o desenvolvimento do país no passado, quando a arrecadação decorrente dos direitos aduaneiros tinha grande participação na receita tributária total. Todavia, o país já ultrapassou essa fase, sendo que a participação atual do imposto de importação na arrecadação tributária é pouco significativa;
b) função promocional: visa a encarecer de tal forma as mercadorias estrangeiras importadas que induzem internamente os empresários nacionais a efetuar inversões de capital na produção de tais mercadorias. Diz-se que em tais casos o imposto de importação está agindo no sentido do desenvolvimento industrial;
c) função seletora: tem por fim restringir certas importações consideradas supérfluas de modo a poupar divisas para a cobertura de importações essenciais, buscando o equilíbrio na balança de pagamentos;
d) função protetora: busca favorecer a indústria incipiente, impondo uma tributação adequada, ou seja, até o limite necessário para representar uma proteção à indústria nacional, sem que essa proteção desestimule a melhoria da produtividade.
O mesmo autor também indica os principais efeitos da tarifa aduaneira:
a) balanço de pagamentos: tendo em vista que a balança comercial é o componente de maior peso no balanço de pagamentos, os reflexos de um maior ou menor controle sobre as importações é evidente;
b) efeito consumo: a introdução de uma tarifa, ao aumentar o preço, tenderá a reduzir o consumo total;
c) efeito redistribuição: enquanto a política do livre-cambismo favorece os monopólios, a utilização de uma tarifa tende a proteger os países de economia pobre relativa;
d) efeito emprego: pressuposição de que, ao elevar o preço do produto importado, parte da demanda se deslocará para o similar nacional, aumentando a produção e a renda interna.
Considerando que a incidência de tributos aduaneiros encarece o preço do bem importado como forma de proteção ao similar de produção nacional, surge um conflito de interesses entre o consumidor, que gostaria de adquirir o bem ao custo mais baixo possível, independentemente de sua origem, e o produtor nacional, diretamente favorecido com a proteção. De acordo com Mângia (op.cit.), esse conflito deve ser visto sob o ponto de vista global e considerado o conceito de bem-estar coletivo, o qual se relaciona com a política de distribuição de renda e o custo individual deve ser compensado em termos coletivos em benefício da economia nacional. A proteção tarifária também pode trazer efeitos adversos sobre o consumo nacional, reduzindo-o, devido ao aumento dos preços dos bens. Espera-se, contudo, que esses efeitos sejam minimizados ou neutralizados pelos benefícios indiretos e globais decorrentes, como a economia de escala, geração de empregos e incremento na renda nacional, por meio de um processo circular, gerando desenvolvimento nacional. Desse modo, o efeito adverso sobre o consumo deverá, em médio prazo, ser compensado em benefício do próprio consumo.
No Brasil, a partir da década de 1940, o imposto de importação foi perdendo em importância como fonte de receita, devido ao desenvolvimento econômico que possibilitou a modificação da matriz tributária. Mângia (op.cit. p.17-18) ao discorrer sobre o conflito entre o objetivo fiscal do imposto de importação e seu objetivo de proteção, aponta para as razões pelas quais tal fato ocorreu:
“O objetivo fiscal do imposto conflita, de alguma forma, com o chamado objetivo econômico da proteção. A exigência ou necessidade de se atribuir ao imposto uma finalidade econômica, de instrumento de política comercial, de conferir-lhe alcance de liberalizador do comércio ou de dar-lhe sentido protecionista, está relacionada com o nível do desenvolvimento econômico e industrial de dado país. Se a oferta do bem nacional apresenta condições naturais ou é baseada em dotações relativas de fatores que implicam custo que lhe facilita poder competitivo, se a elevação do preço relativo do produto importado – obtida através da carga do imposto – resulta no fortalecimento da capacidade competitiva do bem nacional no seu mercado interno, o volume da importação tende a reduzir-se, mantidas as mesmas condições anteriores. Na hipótese de verificação desse processo, é fácil deduzir que haverá diminuição da arrecadação do imposto ou mesmo inexistência de arrecadação. De outra parte, na medida em que o desenvolvimento econômico possibilita a criação de uma estrutura tributária interna autônoma em relação aos fatores externos e bem consolidada em termos internos – por contar com suportes derivados de uma Renda Nacional mais satisfatória e de uma produção diversificada e desenvolvida – a carga tributária tende a especializar-se mais na tributação de natureza interna e, portanto, a utilizar mais os impostos sobre produtos e circulação de mercadorias, sobre serviços e operações financeiras, e sobre a Renda, os quais, por via de conseqüência, passam a constituir maiores fontes de recursos orçamentários. Na medida em que esse fenômeno ocorre, o imposto de importação passa a ter importância secundária como fator de “Receita”. De outra parte, observa-se a tendência de que quanto maior for o desenvolvimento econômico de um país, menor é a receita relativa obtida através da taxação de mercadorias importadas; em outra linguagem, pode-se afirmar que a proporção da receita tributária coletada pelo Tesouro Nacional por meio do imposto sobre a importação é uma função decrescente do desenvolvimento econômico.”
Levantamento estatístico disponibilizado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil[5] dá conta de que a participação do imposto de importação no total da arrecadação de receitas federais nos anos de 2006 e 2007 foi de 1,92% e 2,03%, respectivamente.
Carluci (op.cit.) tece considerações sobre as distorções não-oficiais capazes de prejudicar a aplicação da política de comércio exterior. Considera que o elemento nuclear do sistema aduaneiro é o trabalho nacional e é ao seu redor que deve gravitar a normatização do sistema aduaneiro-tributário, sendo que as variáveis envolvidas, tais como o fato gerador, base de cálculo, alíquota, momento da incidência, ou, dizendo de outro modo, os aspectos espacial, temporal, pessoal, quantitativo, devem ser alvo de um sistema jurídico que reflita as diretrizes da política econômica e social do País. Ocorre que há custos não oficiais que podem operar como uma tarifa invisível, que se acresce a oficial, como por exemplo, a burocracia excessiva, a exacerbação dos controles administrativos, a legislação complexa e mal elaborada, os custos administrativos, os serviços parasitários decorrentes. De outra banda, há situações que acabam por subtrair os efeitos da tarifação oficial, tais como a postergação do pagamento do imposto, o subfaturamento, as isenções ou reduções descabidas.
2.3.3 Dos tributos e direitos incidentes nas importações
Para Ratti (op.cit., p.314) “denomina-se importação à entrada de mercadorias em um país, provenientes do exterior”. Já Werneck (2006, p.13) define importação como “a entrada da mercadoria estrangeira no território nacional. Essa entrada pode ser por um prazo limitado (admissão temporária) ou a título definitivo”. Sosa (1995, apud FREITAS, 2002, p.222) assim a define: “é a soma dos procedimentos que são adotados para possibilitar a admissão de uma mercadoria de procedência estrangeira no território aduaneiro.”
A Constituição Federal, ao tratar do Sistema Tributário Nacional, dispõe sobre as limitações ao poder de tributar. O art. 150, inciso V, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitação ao tráfego de pessoas e bens, por meio de tributos interestaduais e intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Infere-se, por decorrência, que a limitação ao tráfego internacional de bens por meio de tributos é constitucionalmente permitida.
É do texto constitucional que se extraem os tributos que podem ser instituídos sobre as operações de comércio exterior:
a) as taxas, devidas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição, ao teor do art. 145, inciso II;
b) as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, previstas no art. 149;
c) o imposto sobre importação de produtos estrangeiros – imposto de importação, conforme art. 153, I;
d) o imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados, nos termos do art. 153, II;
e) o imposto sobre produtos industrializados, conforme art. 153, IV;
f) o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias ainda que as operações se iniciem no exterior, previsto no art. 155, II.
Na importação, como será visto adiante, incide o imposto de importação e ainda outros tributos que foram criados para incidir nas operações internas, mas que devido à necessidade de igualar o tratamento tributário dispensado aos produtos estrangeiros, em relação aos nacionais, incidem também quando os bens são trazidos do exterior.
O Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1947 (GATT 47)[6] do qual o Brasil é signatário, em seu artigo III, parágrafo 2, ao dispor sobre o tratamento nacional no tocante a tributação e regulamentação internas, estabelece que os produtos importados não deverão estar sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Ao assim dispor, o Acordo reconhece que os países signatários poderão tributar os produtos importados da forma similar aos que são tributados os nacionais.
Sobre a incidência de tributos internos na importação manifesta-se Carvalho, M.P. (2007, p.78):
“Mesmo quando se trata de tributos com fim arrecadatório precípuo, sua instituição sobre operações de comércio exterior apresenta vertente extrafiscal.
Veja-se o caso da importação, em que se busca igualar as condições de competitividade do produto importado em face do nacional, tendo em perspectiva a comparação entre a tributação suportada pelos produtos nacionais e a suportada pelos estrangeiros, lembrando que todos os países, em regra, buscam a desoneração tributária das exportações.”
A seguir, discorre-se resumidamente sobre os tributos incidentes nas operações de importação em espécie, excluindo-se da análise, contudo, as taxas, as quais podem ser variadas e exigidas por órgãos públicos distintos. Além disso, também serão tecidas considerações sobre os direitos antidumping e compensatórios, os quais, embora não tenha natureza tributária representam, nas situações em que incidem, importante desembolso pecuniário para os importadores.
2.3.3.1 Imposto de importação
O imposto de importação encontra-se previsto nos arts. 19 a 22 do Código Tributário Nacional – CTN e no Decreto-Lei nº 37/66. De acordo com o art. 1º desse último diploma, o tributo incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional. O art. 2º estabelece que a base de cálculo do imposto é, quando a alíquota for específica, a quantidade de mercadoria, expressa na unidade de medida indicada na tarifa, ou, quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT. O art. 22 determina que o imposto será calculado pela aplicação das alíquotas previstas na Tarifa Aduaneira. Por fim, o art. 27, estabelece que o recolhimento do imposto será realizado na forma e momento indicados no regulamento. O Regulamento Aduaneiro, atendendo à previsão legal, estabelece em seu art. 106 que o imposto será pago na data do registro da declaração de importação.
A propósito desse tributo, Carvalho, M.P. (op.cit., p.77-78) cita acórdão do STF, onde o pretório excelso expressamente reconheceu o seu caráter extrafiscal:
“1. Imposto de Importação. Função predominantemente extrafiscal, por ser muito mais um instrumento de proteção da indústria nacional do que de arrecadação de recursos financeiros, sendo valioso mecanismo de política econômica. 2. A Constituição Federal estabelece que é da competência privativa da União legislar sobre comércio exterior e atribui ao Ministério da Fazenda a sua fiscalização e o seu controle, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais. […] 3.1. A restrição à importação de bens de consumo usados tem como destinatários os importadores em geral, sejam pessoas jurídicas ou físicas. Lícita, pois, a restrição à importação de veículos usados. Recurso Extraordinário, conhecido e provido”. (2ª Turma, RE 213.553-4/CE, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 03/10/1997)
2.3.3.2 Imposto sobre produtos industrializados – IPI
O IPI tem previsão legal nos arts. 46 a 51 do CTN e na Lei nº 4.502/64. Inicialmente denominado Imposto de Consumo, teve sua denominação alterada pelo art. 1º do Decreto-lei nº 34/66. Constitui fato gerador do imposto, quanto aos produtos de procedência estrangeira, o respectivo desembaraço aduaneiro; quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor (art. 2º, incisos I e II, da Lei nº 4.502/64). A base de cálculo, quando o produto for estrangeiro, é o valor que servir ou que serviria de base para cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto e dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis (art. 14, inciso I, alínea “b”, da Lei nº 4.502/64). O cálculo do imposto se dá por meio da aplicação das alíquotas constantes da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, sobre a base de cálculo (art. 13 da Lei nº 4.502/64). O art. 26, inciso I, da mesma Lei, dita que o imposto será recolhido antes da saída do produto da repartição que processar o despacho aduaneiro. O Regulamento Aduaneiro, porém, estabelece em seu art. 242 que o imposto será recolhido por ocasião do registro da declaração de importação.
Não se trata de tributo aduaneiro típico, sendo que as alíquotas aplicáveis aos produtos importados são as mesmas que incidem nas operações internas para produtos similares.
2.3.3.3 PIS/PASEP-Importação e CONFIS-Importação
A Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, alterou a redação do art. 149, § 2º, inciso II, da Constituição Federal, o qual passou a prever que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput do artigo incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços.
A mesma emenda incluiu o inciso IV no art. 195 da Constituição. O caput do artigo prevê que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais relacionadas em seus incisos. Com a inclusão, o inciso IV estabeleceu a previsão das contribuições sociais do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Diante da nova previsão, o art. 1º da Lei nº 10.865/04 instituiu a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços – PIS/PASEP-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS-Importação.
O fato gerador das referidas contribuições, na importação de bens, é a entrada de bens estrangeiros no território nacional (art. 3º, inciso I, da Lei nº 10.865/04). A base de cálculo, na mesma situação, é o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições (art. 7º, inciso I).
O art. 8º prevê que as contribuições serão calculadas mediante aplicação, sobre a base de cálculo, das alíquotas previstas nos incisos e parágrafos do mesmo artigo. As alíquotas são, em princípio, de 1,65% para o PIS/PASEP-Importação e 7,6% para a COFINS-Importação, mas há previsão de várias alíquotas diferenciadas, conforme a natureza do bem importado.
O art. 13 estabelece que, na importação de bens, as contribuições serão pagas na data do registro da declaração de importação.
As contribuições em comento foram inicialmente instituídas pela Medida Provisória nº 164, de 29 de Janeiro 2004, posteriormente convertida na Lei nº 10.865/04. Da exposição de motivos para a edição da mencionada Medida Provisória[7] merecem destaque os seguinte pontos:
“2. As contribuições sociais ora instituídas dão tratamento isonômico entre a tributação dos bens produzidos e serviços prestados no País, que sofrem a incidência da Contribuição para o PIS-PASEP e da Contribuição para o Financiamento Seguridade Social (COFINS), e os bens e serviços importados de residentes ou domiciliados no exterior, que passam a ser tributados às mesmas alíquotas dessas contribuições.
3. Considerando a existência de modalidades distintas de incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS – cumulativa e não-cumulativa – no mercado interno, nos casos dos bens ou serviços importados para revenda ou para serem empregados na produção de outros bens ou na prestação de serviços, será possibilitado, também, o desconto de créditos pelas empresas sujeitas à incidência não-cumulativa do PIS/PASEP e da COFINS, nos casos que especifica.
4. A proposta, portanto, conduz a um tratamento tributário isonômico entre os bens e serviços produzidos internamente e os importados: tributação às mesmas alíquotas e possibilidade de desconto de crédito para as empresas sujeitas à incidência não-cumulativa. As hipóteses de vedação de créditos vigentes para o mercado interno foram estendidas para os bens e serviços importados sujeitos às contribuições instituídas por esta Medida Provisória.”
Verifica-se que essas contribuições também não são tipicamente aduaneiras e que a sua incidência nas operações de importação teve por objetivo igualar a carga tributária dos bens importados aos de produção nacional.
2.3.3.4 Cide combustíveis
A Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, incluiu o inciso II no § 2º do art. 149, da Constituição Federal, o qual passou a prever que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput do artigo poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível[8].
A Lei nº 10.336/01, instituiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível – CIDE. A contribuição passou a incidir igualmente, tanto na comercialização no mercado interno, como nas operações de importação, de forma isonômica. Tem por fato gerador, na importação, a realização de operação de importação, pelos contribuintes listados no art. 2º do diploma[9], de gasolinas e suas correntes; diesel e suas correntes; querosene de aviação e outros querosenes; óleos combustíveis (fuel-oil); gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta; e álcool etílico combustível (art. 3º. da Lei 10.336/01).
A base de cálculo da Cide é a unidade de medida adotada pela Lei, tonelada ou metro cúbico, sobre a qual incidem as alíquotas específicas prevista na norma, variáveis conforme o produto (arts. 4º e 5º). O art. 6º estabelece que na hipótese de importação, o pagamento da Cide deve ser efetuado na data do registro da declaração de importação.
2.3.3.5 ICMS
O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS tem por matriz legal a Lei Complementar nº 87/96 e suas alterações posteriores. Trata-se de imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal. O art. 2º do referido diploma traz diversas hipóteses de incidência, entre as quais se destaca a circulação de mercadorias no mercado interno. O § 1º, inciso I, do mesmo artigo, determina que o imposto incide também na entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade.
Trata-se de outro imposto não típico das relações aduaneiras, mas que incide sobre as importações por questões de isonomia no tratamento entre bens nacionais e importados. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens (art. 12, inciso IX). A base de cálculo do imposto, na importação, é o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, acrescido dos valores do imposto de importação; IPI; imposto sobre operações de câmbio e quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras.
O § 2º do art. 12 estabelece que na hipótese de mercadorias ou bens importados do exterior, após o desembaraço aduaneiro, a entrega, pelo depositário, de mercadoria ou bem importados do exterior deverá ser autorizada pelo órgão responsável pelo seu desembaraço, que somente se fará mediante a exibição do comprovante de pagamento do imposto incidente no ato do despacho aduaneiro, salvo disposição em contrário.
2.3.3.6 Direitos antidumping e compensatórios
O Decreto no 1.355, de 1994, promulgou o Acordo sobre Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994. Na esteira desse Acordo, o Decreto nº 1.602, de 1995, veio regulamentar as normas que disciplinam os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas antidumping, enquanto o Decreto nº 1.751, de 1995, regulamentou as normas que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à aplicação de medidas compensatórias. Por sua vez, a Lei nº 9.019, de 1995, dispõe sobre a aplicação dos direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios.
Considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal, entendido este como o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador (art. 4º e 5º, Decreto nº 1.602/95).
Direito antidumping é o montante em dinheiro igual ou inferior à margem de dumping apurada, calculado e aplicado, com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto de dumping (art. 45, Decreto nº 1.602/95).
Já os direitos compensatórios têm por objetivo compensar subsídio concedido, direta ou indiretamente, no país exportador, à fabricação, à produção, à exportação ou ao transporte de qualquer produto, cuja exportação ao Brasil cause dano à indústria doméstica. É um direito especial, significando um montante em dinheiro igual ou inferior ao montante de subsídio, exigido com o objetivo de neutralizar o dano causado.
A apuração da margem de dumping ou montante de subsídio, a existência de dano ou ameaça de dano, e a relação causal entre esses, é de competência da Secretaria de Comércio Exterior – Secex, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, enquanto a fixação dos direitos cabe aos Ministros da Fazenda e da Indústria, do Comércio e do Turismo, mediante portaria conjunta.
Nos termos do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.019/95, os direitos antidumping e os direitos compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados. O art. 7º estabelece que o cumprimento das obrigações resultantes da aplicação dos direitos antidumping e dos direitos compensatórios é condição para a introdução no comércio do País de produtos objeto de dumping ou subsídio, sendo competente para exigir o seu recolhimento a Receita Federal do Brasil.
Tais direitos são calculados mediante a aplicação de alíquotas ad valorem ou específicas, fixas ou variáveis, ou pela conjugação de ambas, sobre o valor aduaneiro da mercadoria. Todavia, não tem natureza tributária, sendo decorrentes de Acordos Internacionais firmados pelo País. Nesse sentido, cabe citar a seguinte ementa:
“DIREITO ANTIDUMPING. NATUREZA JURÍDICA NÃO-TRIBUTÁRIA. DUMPING. CONCEITO LEGAL. INOCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. VALOR NORMAL AFERIDO DE ACORDO COM A PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 28/98. 1. Uma vez que as receitas decorrentes da cobrança dos direitos antidumping são originárias, resta indubitável que não têm caráter tributário. Por conseqüência, o regime jurídico dos direitos antidumping não se submete às limitações constitucionais ao poder de tributar. Inteligência do parágrafo único do art. 1º e do art. 10 da Lei nº 9.019/95. […]” (1º Turma do TRF 4ª Região, por unanimidade – Apelação Cível nº 2003.04.01.023436-7 – Relator: Des. Joel Ilan Paciornik – Data da decisão: 07/11/2007)
Cabe citar aqui a lição de Werneck (op.cit., p.47-48) sobre direitos antidumping e compensatórios:
“O dumping é a venda a preço inferior ao valor normal ou de produto similar, com o objetivo de conquistar mercado. Essa prática pode ser prejudicial à economia do país que venha a importar esse produto.
Os países podem, para estimular a produção, conceder subsídios, prêmios ou subvenções. Quando essas medidas resultam na redução do preço do produto, podem causar, da mesma forma que o dumping, dano considerável a uma indústria ou à sua implantação no país importador.
Os direitos anti-dumping e os direitos compensatórios são medidas aprovadas pelo GATT/94 (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), medidas essas que visam permitir que os países possam se defender dessas práticas, quando prejudiciais às suas economias.
Os direitos anti-dumping são taxas adicionais ao Imposto de Importação, que aplicadas sobre os produtos objeto de dumping, fazem com que os preços finais voltem a ser os usuais, eliminando então a concorrência desleal que ocorreria sem a aplicação dessa medida.
Os direitos compensatórios funcionam de modo similar, desta vez buscando neutralizar os efeitos dos subsídios, prêmios ou subvenções concedidos ao produto importado, seja no país de origem, seja no país de procedência.
O Imposto de Importação não é aumentado pois os direito anti-dumping e os direitos compensatórios são aplicados somente sobre os produtos cujo custo foi reduzido, e com a alteração do II todos os produtos similares seriam afetados, fossem ou não objeto de dumping, recebessem ou não favores dos respectivos governos.”
Logo, ainda que não sejam tributos, tais direitos também são prestações pecuniárias exigíveis do importador antes do desembaraço e possuem, muito claramente, uma natureza de proteção à economia e ao mercado nacional.
3 A SÚMULA 323 DO STF E O DESPACHO ADUANEIRO DE IMPORTAÇÃO
O art. 44 do Decreto-lei nº 37/66, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 2.472/88, estabelece que toda a mercadoria procedente do exterior deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira nos termos do regulamento, independentemente de estar ou não sujeita ao pagamento de impostos.
O Regulamento Aduaneiro, em seu livro V, título I, dedica o capítulo I ao regramento do despacho aduaneiro de importação. O art. 482 assenta que despacho de importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro. Para Moura (2004) desembaraço aduaneiro é o procedimento administrativo mediante o qual, preenchidas as exigências legais, os bens são liberados para ingresso ou saída do território nacional. Santos Filho (op.cit., p.78) refere-se ao despacho aduaneiro da seguinte forma:
“O despacho aduaneiro cuida-se, pois, da série de atos que integram o rito do procedimento previsto nas normas de regência, que tem o fim de assegurar o desembaraço-liberação de bem proveniente do exterior, acarretando o regular ingresso do produto estrangeiro no território nacional e, por conseguinte, sua incorporação ao aparelho produtivo nacional.”
O despacho aduaneiro de importação tem início com o registro da declaração de importação (art. 485, Regulamento Aduaneiro), pelo importador, no Sistema Integrado de Comércio Exterior – Siscomex. Entre os documentos que instruem o despacho aduaneiro, está o comprovante do pagamento dos tributos (art. 493, inciso III). Na verdade, na sistemática atual em que o registro da declaração de importação ocorre em sistema informatizado, os tributos federais são automaticamente debitados na conta corrente indicada pelo importador quando o registro é realizado. Como os tributos são recolhidos sem prévio exame da fiscalização tributária, resulta que nessa situação tais tributos estão sujeitos ao chamado lançamento por homologação, definido no caput do art. 150 do CTN, da seguinte forma:
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.”
Desse modo, cabe ao contribuinte determinar a base de cálculo, as alíquotas incidentes e calcular o montante do tributo devido, sujeitando-se, porém, ao posterior exame e homologação pelo fisco.
Efetivado o registro e apresentados os documentos à repartição aduaneira, esta efetua a conferência aduaneira, que é o procedimento que tem por finalidade identificar o importador, verificar a mercadoria e a correção das informações prestadas a ela relativas, inclusive a classificação fiscal, a quantidade e valor, bem como confirmar se foram cumpridas todas as obrigações, fiscais e outras, exigíveis em razão da importação (art. 504, RA).
O ato final do despacho de importação chama-se desembaraço aduaneiro. Conforme o art. 511 do RA o desembaraço aduaneiro na importação é o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira, enquanto o art. 515 dita que após o desembaraço aduaneiro, será autorizada a entrega da mercadoria ao importador. Um importante conceito ligado ao despacho de importação é o de nacionalização de mercadoria. O vocábulo nacionalização significa o ato de tornar nacional ou equiparar a nacional. Sosa (1999, apud SANTOS FILHO, op.cit., p.78) conclui que:
“[…] a nacionalização é uma conseqüência de um ato jurídico praticado pelo Estado, e pelo qual uma mercadoria de procedência estrangeira fica equiparada a uma mercadoria da lavra nacional, podendo, a partir dessa equiparação, circular na economia interna como se produto nacional fosse.”
Para Werneck (op.cit., p.14), “a nacionalização é a satisfação de todas as exigências legais para que a mercadoria estrangeira possa circular na economia nacional como se nacional fosse.” Carlucci (op.cit.) discorda dessa visão, ao afirmar que considerando o entendimento da administração aduaneira, consubstanciado em dispositivos da legislação, para que a mercadoria considere-se nacionalizada é suficiente que a mesma seja importada a título definitivo, independentemente de ter sido ou não submetida à despacho para consumo. Afirma, também, que a Administração Pública considera a nacionalização de mercadoria como a seqüência de atos que transferem a mercadoria da economia estrangeira para a economia nacional.
Todavia, o entendimento dominante é o que de a nacionalização engloba o cumprimento de todas as exigências previstas na legislação aduaneira, inclusive as de natureza tributária. De acordo com Santos Filho (op.cit.) nacionalização é a incorporação do bem estrangeiro ao aparelho produtivo nacional, que passa a ser equiparado ao produto nacional, sendo necessária a observâncias da regras de Direito Aduaneiro incidentes no despacho, culminando com o desembaraço da mercadoria e a liberação do bem pela alfândega. Para Mello (1970, apud Carluci, op.cit., p.41) “nacionalizadas são as mercadorias originariamente estrangeiras tornadas nacionais pelo pagamento dos tributos devidos. Assim, pelo processo de nacionalização verifica-se a incorporação de mercadorias estrangeiras à economia interna.” Merece citação ainda o entendimento de Lopes Filho (1984, apud Carluci, op.cit., p.43):
“A nacionalização supõe a extinção da obrigação tributária pela satisfação das exigências estabelecidas na lei, desembaraçando a Aduana as mercadorias para que entrem no circuito interno da economia com um status jurídico que as equipara às nacionais. Corolário dessa teoria é que ela supõe, para a materialização completa do fato gerador, que se extinga a relação jurídica que ele deve instaurar, eis que a nacionalização pressupõe o pagamento do tributo, que consiste em modalidade de extinção da obrigação tributária.”
Conforme já foi mencionado, os tributos e direitos incidentes na importação são recolhidos no ato do registro informatizado da declaração de importação. Ocorre que no curso da conferência aduaneira a autoridade fiscal pode constatar divergências entre as declarações prestadas e a mercadoria ou documentos apresentados, levando-a a exigir o recolhimento complementar de tributos e multas. As alíquotas do imposto de importação e do IPI, por exemplo, são definidas com base em codificação estabelecida no Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias e, muitas vezes, há divergência entre a codificação utilizada pelo importador e aquela requerida pelo fisco e a modificação na codificação utilizada provoca alteração na alíquota dos tributos. Também pode haver divergência quanto ao valor declarado, utilizado como base de cálculo, ou a utilização indevida de benefício fiscal, por exemplo. Ademais, a legislação aduaneira estabelece uma série de penalidades pecuniárias pelo descumprimento às suas disposições.
Ocorre que o art. 47 do Decreto-lei nº 37/66, com a redação que lhe deu o Decreto-Lei nº 2.472/88, estabelece que quando exigível depósito ou pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais, a tramitação do despacho aduaneiro ficará sujeita à prévia satisfação da mencionada exigência. A redação do dispositivo não faz referência expressa a ônus fiscais ou tributários, mas o vocábulo financeiro é adjetivo relativo às finanças, à circulação e gestão do dinheiro e de outros recursos líquidos[10], logo, os encargos fiscais estão incluídos na expressão, inclusive porque esse entendimento é condizente com os demais termos da norma. Também o art. 51, caput, do mesmo diploma, caminha na mesma direção, ao determinar que concluída a conferência aduaneira, sem exigência fiscal relativamente a valor aduaneiro, classificação ou outros elementos do despacho, a mercadoria será desembaraçada e posta à disposição do importador, ou seja, o desembaraço somente ocorrerá se não houver exigência fiscal. E é nesse sentido que o Regulamento Aduaneiro trata do tema em seu art. 510, a seguir transcrito:
“Art. 510. Constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal responsável.
§ 1º Caracterizam a interrupção do curso do despacho, entre outras ocorrências:
I – a não-apresentação de documentos exigidos pela autoridade aduaneira, desde que indispensáveis ao prosseguimento do despacho; e
II – o não-comparecimento do importador para assistir à verificação da mercadoria, quando sua presença for obrigatória.
§ 2º Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independentemente de processo.
§ 3º Havendo manifestação de inconformidade, por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2º, o Auditor-Fiscal da Receita Federal deverá efetuar o respectivo lançamento, na forma prevista no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972.
§ 4º Quando exigível o depósito ou o pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais ou o cumprimento de obrigações semelhantes, o despacho será interrompido até a satisfação da exigência”.
Constata-se que o Regulamento Aduaneiro, em consonância com as disposições do Decreto-Lei nº 37/66, determinada que havendo exigência de caráter tributário o despacho aduaneiro será interrompido, podendo o importador, se concordar com a exigência, efetuar o recolhimento independentemente da formalização de processo administrativo. Todavia, se o contribuinte não concordar, a autoridade tributária deverá formalizar o lançamento efetivando a lavratura de Auto de Infração, conforme previsão do Decreto nº 70.235/72, o qual dispõe sobre o processo administrativo-fiscal. Esse diploma, em seu art. 9º, estabelece que a exigência de crédito tributário será formalizada em auto de infração. Cientificado o contribuinte, ele poderá impugnar o auto de infração, apresentando as razões de sua discordância.
Considerando que a legislação aduaneira estabelece que o despacho aduaneiro será interrompido até a satisfação da exigência, em com ela não concordando o importador, surgiria um impasse, pois o julgamento do processo administrativo fiscal pode ser demorado e o contribuinte seria compelido a efetuar o pagamento, promovendo a extinção do crédito tributário, mesmo sem concordar com a exigência, para poder obter o desembaraço da mercadoria. Por tal motivo, o §1º do art. 51 do Decreto-Lei nº 37/66 (parágrafo incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472/88) estabelece que se no curso da conferência aduaneira houver exigência fiscal a mercadoria poderá ser desembaraçada, desde que, na forma do regulamento, sejam adotadas as indispensáveis cautelas fiscais. Também o Decreto-lei nº 1.455/76, que traz disposições diversas acerca da legislação aduaneira, em seu art. 39, dispõe que o Ministro da Fazenda definirá os casos em que poderá ser admitida, mediante as garantias que entender necessárias, a liberação de mercadorias importadas objeto de litígios fiscais, antes da decisão final. A regulamentação de tais dispositivos encontra-se na Portaria MF nº 389/76, que determina que as mercadorias importadas, retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho, exclusivamente em virtude de litígio, poderão ser desembaraçadas, a partir do início da fase litigiosa do processo, nos termos do artigo 14 do Decreto nº 70.235/72, mediante depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido.
Sendo assim, o importador, ocorrendo exigência fiscal no curso do despacho aduaneiro determinando o recolhimento complementar de tributos, direitos ou multas, poderá efetivar o recolhimento sem contestação, obtendo desde logo o desembaraço da mercadoria ou poderá exigir a formalização da exigência por meio da lavratura de auto de infração e impugná-lo, efetuando, após, o depósito administrativo do montante, ou prestando caução ou fiança no valor corresponde, logrando a efetivação do desembaraço.
É nesse ponto em que se encontra a controvérsia na qual se fundamenta o presente trabalho, já que a legislação antes citada condiciona o desembaraço aduaneiro e a conseqüente entrega dos bens ao importador à satisfação do crédito tributário mediante pagamento ou à prestação de garantia, através de depósito, caução ou fiança. Ocorre que a jurisprudência majoritariamente tem consagrado que se aplicada ao desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas a súmula 323 do STF. Cite-se, nesse sentido, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[11]:
EMENTA. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. RETENÇÃO DE MERCADORIA COMO MEIO COERCITIVO PARA O PAGAMENTO DE TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 323/STF. I – “A retenção de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos é providência ilegal, rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Súmulas n.ºs 70, 323 e 547/STF” (REsp nº 513543/PR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJ de 15/09/2003, pág. 00141). II – Agravo regimental improvido. (1ª Turma do STJ, por unanimidade – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 601501/CE – Relator : Ministro Francisco Falcão – Data da decisão: 15/06/2004)
Em sentido semelhante, cabe trazer à colação decisões dos Tribunais Regionais Federais:
EMENTA. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO. EXIGÊNCIA DE GARANTIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não pode o Fisco exigir garantia do valor que entende deva ser complementado como condição para o prosseguimento do desembaraço aduaneiro, em interpretação analógica dada à Súmula 323/STF. 2. O desembaraço é direito do contribuinte e dever do Fisco. Tendo sido recolhidos os tributos que entendia devidos, não pode a Administração Pública suspender o despacho exigindo pagamento de importâncias controversas, objeto de discussão em procedimento administrativo. 3. Apelação provida. (1ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.72.08.000489-7/SC – Relator: Des. Federal Wellington M. de Almeida – Data da decisão: 20/08/2003)
EMENTA. TRIBUTÁRIO – COFINS E CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/IMPORTAÇÃO – RETENÇÃO DAS MERCADORIAS IMPORTADAS PELO NÃO RECOLHIMENTO DOS TRIBUTOS – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 323/STF. 1 – Segundo a Súmula 323/STF “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.” 2 – Remessa Oficial desprovida. (7ª Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade – Remessa Oficial em Mandado de Segurança nº 2004.35.00.020315-2/GO – Relator: Desembargador Federal Catão Alves – Data da decisão: 29/04/2008)
EMENTA. CONSTITUCIONAL, PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BENS. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO PELA AUTORIDADE FAZENDÁRIA. POSSIBILIDADE. LEI 10.833/2003. RETENÇÃO DE MERCADORIAS. CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. SÚMULAS 70, 323 E 547 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de ato que determinou o recolhimento de multa por classificação incorreta, diferença dos tributos com acréscimos legais e multa por descrição imprecisa das mercadorias, como condição para o seu desembaraço aduaneiro. 2. Durante o procedimento administrativo de desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes da declaração de importação nº 06/1124101-8, a recorrente foi notificada pela autoridade fazendária para que efetuasse o recolhimento de multa por classificação incorreta, diferença dos tributos com os acréscimos legais e multa por descrição imprecisa de mercadorias, o que, segundo alega, teria infringido diversos princípios legais e constitucionais e estaria lhe causando grandes prejuízos, como a incidência da taxa de armazenagem, em razão da retenção das referidas mercadorias, e comprometendo suas atividades empresariais, uma vez que as mesmas seriam utilizadas na fabricação de vários produtos. 3. Conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp 159.972/CE, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 03.05.2001, DJ 13.08.2001 p. 87) a importação de bens, por se tratar de procedimento administrativo, é completada pelo desembaraço aduaneiro, o que, em princípio, possibilitaria à autoridade fazendária a reclassificação das mercadorias descritas na respectiva declaração de importação, desde que antes de sua conclusão (do desembaraço) e quando verificada a incorreção da classificação indicada pelo contribuinte/importador. 4. In casu, a reclassificação ocorreu exatamente durante o procedimento de desembaraço e foi fundamentada em informações constantes de um banco de dados do laboratório Labor, no qual o produto importado (VERTOFIX) tem classificação diversa da atribuída pela impetrante na declaração de importação nº 06/1124101-8, banco de dados esse que, segundo documento constante dos autos, tem por finalidade auxiliar o Fisco na conferência das declarações parametrizadas para o canal verde, através do qual se daria o desembaraço automático dos produtos importados. 5. Embora o denominado canal verde de Conferência Aduaneira preveja o desembaraço automático das mercadorias, independentemente de análise documental e/ou física, conforme reconhecido nas informações prestadas, a hipótese ora examinada não consiste na revisão de lançamento em razão de mudança do critério jurídico adotado pelo Fisco, o que seria expressamente vedado pelo Código Tributário Nacional (artigo 146) e pela jurisprudência dos Tribunais pátrios, mas, tão-somente, a verificação pela autoridade fazendária, no exercício das atribuições legais que lhe competem, de incorreta classificação tarifária levada a efeito pelo contribuinte, fazendo incidir a prescrição contida nos artigos 68, parágrafo único, e 69 da Lei 10.833/03. 6. Inexiste qualquer afronta a princípios constitucionais ou infraconstitucionais, na medida em que a conduta adotada pela autoridade fiscal encontra-se legalmente fundamentada e autorizada e, a despeito de a impetrante ter realizado diversas importações “sem que a Alfândega fizesse qualquer tipo de observação ou reclassificação tarifária”, conforme sustentado na peça de ingresso, tal fato não tem o condão de afastar as previsões legais específicas sobre o tema, quanto mais não seja em razão da prescrição normativa contida no artigo 3º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil -, segundo o qual “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”. 7. No que se refere à retenção das mercadorias até o cumprimento das exigências fiscais já referidas, a questão não merece análise mais detida, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal consolidou seu entendimento jurisprudencial sobre tal impossibilidade com a edição da súmula nº 323 e, por analogia, das súmulas nº 70 e 547. 8. Apelo conhecido e parcialmente provido. (3ªTurma Especializada do TRF da 2a. Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança nº 2006.51.01.018972-5 – Relator: Desembargador Federal Francisco Pizzolante – Data da decisão: 11/03/2008)
EMENTA. DIREITO TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO DAS MERCADORIAS. RECLASSIFICAÇÃO FISCAL. VITAMINA A e E. DIVERGÊNCIA NA COMPOSIÇÃO DA SUBSTÂNCIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3° DO C.P.C. 1. Discute-se o direito à liberação das mercadorias importadas, apreendidas em razão de reclassificação fiscal. 2. Embora haja controvérsia quanto ao correto enquadramento do produto – Vitamina “A” e “E”, o pedido da impetrante resume-se à liberação da mercadoria, pois considera ilegal o ato da autoridade de apreensão dos bens, tendo como condição, para a sua liberação, o pagamento dos tributos supostamente devidos pela reclassificação tarifária, devendo ser julgado o mérito da impetração, nos moldes do artigo 515, § 3° do C.P.C. 3. A constituição abarca em seu texto, como direito fundamental do cidadão, a garantia da propriedade e a não privação dos seus bens sem o devido processo legal. 4. A privação, pela Administração, dos bens ingressos no País, por regular processo de importação que autorizou, sem que estejam presentes atos ilegais perpetrados pelo contribuinte, fere a garantia constitucional do direito de propriedade. 5. Mostra-se ilegal a retenção de bens importados, quando destinado à cobrança da exigência fiscal, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 323. 6. Apelação parcialmente provida. (3ª Turma do TRF da 3ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança – 252746 – Processo: 2003.61.04.002415-7 – Relatora: Juiza Eliana Marcelo – Data da decisão: 31/01/2008)
EMENTA. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. BEBIDAS IMPORTADAS. REGISTRO DA DECLARAÇÃO DA IMPORTAÇÃO EFETUADO SUPOSTAMENTE A DESTEMPO PELO IMPORTADOR. SÚMULA 323 DO STF. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA APREENDIDA. – Segundo a Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal, é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. – A discordância do Fisco do procedimento de importação levado a efeito pela impetrante, ora apelada, não confere poderes para a retenção das mercadorias importadas (bebidas), visto que o Fisco dispõe de meios hábeis outros para a satisfação do crédito que alega ser devido pela impetrante, como, por exemplo, a apuração em processo administrativo com a conseqüente cobrança judicial. – Precedentes do STF. – Apelação e remessa obrigatória não providas. (1ª Turma do TRF da 5ª Região – Apelação em Mandado de Segurança nº 92062-CE – Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena – Data da decisão: 25/10/2007)
Como se percebe nas decisões acima, os Tribunais tendem a aplicar analogicamente a Súmula 323 do STF quando há exigência de tributos e o condicionamento de seu recolhimento para a liberação das mercadorias. Em tais decisões não são feitas maiores digressões a respeito da natureza e finalidade dessa exigência, sendo considerado unicamente o viés tributário. Na primeira das decisões citadas, é manifestado o entendimento de que tendo sido recolhidos os tributos que o importador entende devidos, não pode a Administração Pública suspender o despacho exigindo pagamento de importâncias controversas. Deduz-se que, portanto, caberia ao contribuinte decidir se e quanto quer recolher, não cabendo ao fisco opor-se ao desembaraço dos bens, podendo o contribuinte inclusive lograr a liberação dos bens sem efetivar qualquer pagamento.
Entretanto, também há decisões onde, embora se reconheça a incidência da súmula, é fixada alguma mitigação à sua aplicação, estabelecendo, por exemplo, que os bens devem ser liberados mediante lavratura de termo de responsabilidade pelo recolhimento dos tributos sobejantes[12] ou que o importador receba a mercadoria sob condição de depositária fiel irregular[13].
Noutra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a 2ª Turma, ao apreciar agravo de instrumento à decisão em ação mandamental que, mesmo reconhecendo a aplicabilidade da Súmula 323, havia determinado a liberação de mercadorias mediante a apresentação de caução idônea, tendo em vista que o impetrante já havia ingressado com várias ações semelhantes obtendo liminares para liberação de bens importados sem prestação de caução e que, em decorrência disso, os valores relativos às diferenças de tributos e multas já superavam o patrimônio líquido da empresa, podendo impossibilitar o fisco de receber tais quantias, assim decidiu:
EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO. RETENÇÃO DE MERCADORIA. APRESENTAÇÃO DE GARANTIA. 1. O procedimento da autoridade fiscal prevê o oferecimento de caução em caso de formulação de exigências fiscais, bem como apuração de diferenças a serem pagas pelo importador, nos casos em que este incorre em classificação incorreta da mercadoria. 2. No caso concreto, a necessidade de apresentação de caução idônea decorre do fato de a impetrante já ter ingressado com inúmeras ações semelhantes, obtendo provimentos liminares para o desembaraço aduaneiro sem a oferta de qualquer garantia. 3. Agravo desprovido. (2ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.011849-6/RS – Relator: Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – Data da decisão: 08/07/2008 )
Nessa decisão, se percebe que a aplicação da súmula já não é vista de forma absoluta, pois se aplicada literalmente, pouco importaria se o importador teria ou não condições de, no futuro, honrar com os débitos fiscais. Ainda assim, a decisão manifesta preocupação unicamente com as conseqüências arrecadatórias, sem atentar para o caráter extrafiscal da exação.
O Supremo Tribunal Federal já proferiu decisões no sentido de que é cabível o condicionamento do desembaraço aduaneiro à comprovação do recolhimento do ICMS, as quais levaram inclusive a edição da Súmula 661: “Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” Nesse sentido, menciona-se o seguinte precedente da Suprema Corte:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. DESEMBARAÇO. ART. 155, § 2º, IX, A, DA CF/88. ART. 2º, I, DO CONVÊNIO ICMS 66/88. ART. 1º, § 2º, V, E § 6º, DA LEI FLUMINENSE Nº 1.423/89. A Constituição de 1988 suprimiu, no dispositivo indicado, a referência que a Carta anterior (EC 03/83, art. 23, II, § 11) fazia à “entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, da mercadoria importada”; e acrescentou caber “o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria”, evidenciando que o elemento temporal referido ao fato gerador, na hipótese, deixou de ser o momento da entrada da mercadoria no estabelecimento do importador. Por isso, tornou-se incompatível como novo sistema a norma do art. 1º, II, do DL 406/68, que dispunha em sentido contrário, circunstância que legitimou a edição, pelos Estados e pelo Distrito Federal, em conjunto com a União, no exercício da competência prevista no art. 34, § 8º, do ADCT/88, de norma geral, de caráter provisório, sobre a matéria; e, por igual, a iniciativa do Estado do Rio de Janeiro, de dar-lhe conseqüência, por meio da lei indicada. Incensurável, portanto, em face do novo regime, o condicionamento do desembaraço da mercadoria importada à comprovação do recolhimento do tributo estadual, de par com o tributo federal, sobre ela incidente. Recurso conhecido e provido, para o fim de indeferir o mandado de segurança. (Tribunal Pleno do STF, por maioria – Recurso Extraordinário nº 193.817-0 Rio de Janeiro – Relator: Min. Ilmar Galvão – Data da decisão: 23/10/1996)
Embora a referida decisão considere expressamente cabível o condicionamento do desembaraço de mercadoria importada à comprovação do recolhimento do ICMS e dos tributos federais incidentes, não é possível depreender diretamente dela que o STF tenha alterado seu entendimento sobre o tema. Isto porque a decisão em questão tratava especificamente do momento da ocorrência do fato gerador do ICMS na importação de mercadorias, tendo prevalecido o entendimento de que esse ocorre no momento do recebimento da mercadoria pelo importador, ou seja, no desembaraço aduaneiro. Porém, a questão da não entrega da mercadoria na hipótese de exigência fiscal não foi abordada nos autos. De qualquer maneira, a decisão deixa explícito que a exigência de comprovação do recolhimento dos tributos federais e estaduais, como condição ao desembaraço, é cabível. Se o entendimento for de que havendo exigência fiscal para o recolhimento complementar de tributos o fisco não pode obstar o desembaraço, haveria uma contradição, já que o entendimento manifestado na decisão acabaria por tornar-se inócuo.
Outra decisão do Supremo Tribunal Federal que merece destaque foi proferida ao se decidir, em 17/05/2007, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 395-0. Embora esta decisão não diga respeito à importação de mercadorias, coloca em xeque as afirmações doutrinárias e jurisprudenciais que tendem a considerar que qualquer retenção de mercadorias pelo fisco constitui sanção política.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 163, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO: INOCORRÊNCIA DE SANÇÕES POLÍTICAS. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário. 2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República não o faz de forma absoluta, pelo que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades impõe-se legal e legitimamente. 3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (Tribunal Pleno do STF, por unanimidade – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 395-0 – Relatora: Min. Carmem Lúcia – Data da decisão: 17/05/2007)
O que se discutia na referida ação era a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo que estabelece que não se compreende como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, devendo ficar retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário. De acordo com esse preceito, a mercadoria desacompanhada de Nota Fiscal pode ser retida pelo fisco estadual. Em princípio, a exigência de emissão de Nota Fiscal tem eminente caráter de controle tributário, constituindo-se em uma obrigação acessória, servindo-se dela o fisco para controle das atividades tributáveis do contribuinte. Levando-se à risca o teor da súmula 323, tal procedimento seria inadmissível, já que teria, como pano de fundo, o interesse da Fazenda Pública de compelir o contribuinte a manter-se em dia com as suas obrigações tributárias. A decisão do STF, no entanto, novamente demonstra que o entendimento sumulado não pode ser tido por absoluto, como também não é absoluta a garantia ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, previsto na Constituição, devendo ser observados os regulares recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades.
Embora a jurisprudência majoritária tenda a considerar aplicável ao despacho aduaneiro de importação a Súmula 323, também se encontram decisões em sentido contrário, como as que seguem.
EMENTA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTOS DE IMPORTAÇÃO. CONDICIONAMENTO DO DESEMBARAÇO. LEGALIDADE E LEGITIMIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 323 DO STF. O procedimento de importação passa, obrigatoriamente, pela satisfação das exigências tributárias. Se estas não são cumpridas, não há que se falar em concessão de desembaraço aduaneiro. Por outro lado, se o importador não concordar com o valor dos tributos, deverá questioná-lo administrativamente ou judicialmente, oferecendo a garantia para tanto para obter a liberação da mercadoria. Não é possível confundir a apreensão de mercadorias – mencionada na Súmula 323 do STF – com a simples retenção, que implica não na tomada do bem, mas sim no condicionamento do desembaraço ao cumprimento das respectivas obrigações. Apelação desprovida. (2ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança Nº 98.04.05334-9/SC – Relator: Des. João Surreaux Chagas – Data da decisão: 09/03/2004)
Essa decisão toca em um ponto importante, qual seja, a diferença existente entre o vocábulo apreensão e a retenção ou, melhor dizendo, a não liberação da mercadoria importada enquanto não satisfeitas as exigências tributárias. Em sentido jurídico, apreender significa “tomar posse por direito, confiscar” (DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2001, p. 261). Assim, apreender tem sentido de expropriação, de tomada de posse de um bem. Não é isso que ocorre no despacho aduaneiro. O fisco não toma posse do bem como forma de satisfazer o crédito tributário não pago, nem tampouco como forma de saldar dívidas anteriores do contribuinte. Pelo que se depreende da súmula 323, conforme já exposto no decorrer do presente trabalho, no precedente que levou à sua edição haveria a pretensão de autoridades municipais de se apossarem de mercadorias de contribuintes em débito. Na legislação que trata de importação de mercadorias, a apreensão só ocorre quando há aplicação da penalidade de perdimento de mercadorias, veículos ou moeda, ou seja, decorre da prática de infrações específicas referidas em lei e que são consideradas danosas ao erário. Tais infrações são apuradas através de processo administrativo, cuja peça inicial é o auto de infração acompanhado de termo de apreensão (art. 27, caput, do Decreto-lei nº 1455/76). Portanto, o condicionamento do desembaraço aduaneiro à satisfação das exigências tributárias não se confunde com a apropriação do bem objeto do procedimento pelo fisco.
EMENTA. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. RETENÇÃO DE MERCADORIA ENQUANTO IMPAGA A TOTALIDADE DOS TRIBUTOS DEVIDOS. VALIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 323 DO STF. O procedimento da autoridade fiscal prevê o oferecimento de caução em caso de formulação de exigências fiscais, bem como apuração de diferenças a serem pagas pelo importador. É o que ocorre no caso concreto, posto que houve equívoco de enquadramento das mercadorias importadas e do cálculo do tributo a ser recolhido. Assim, justifica-se a imposição feita pela autoridade coatora de que o contribuinte deveria prestar garantia para a liberação da mercadoria. Inaplicabilidade, ao caso, da Súmula 323 do STF. (2ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.71.01.009043-6/RS – Relator: Juiz Leandro Paulsen – Data da decisão: 27/03/2007)
Essa decisão, por sua vez, considera lícita a determinação de prestação de garantia para liberação de mercadoria, quando há exigência fiscal decorrente de alteração no enquadramento tarifário do bem importado da qual decorra a exigibilidade de recolhimento complementar de tributos e afasta a aplicabilidade da súmula em testilha na hipótese.
EMENTA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. RECLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIA. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. MULTA. “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.” (Súmula 323 do E. STF). A Administração possui meios próprios para a cobrança do seu crédito, não podendo obstar o desembaraço do bem por conta do recolhimento de multa, que poderá ser discutida na esfera administrativa a partir da lavratura do auto de infração. O recolhimento do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados integra o procedimento de importação e por isso constitui-se condição para a liberação da mercadoria. Sempre que houver necessidade de nova classificação de mercadoria, é obrigatória a confecção de nova Declaração de Importação. (1ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Remessa “Ex Officio” em MS nº 2002.70.08.001377-5/PR – Relator: Des. Vilson Darós – Data da decisão: 11/10/2006)
A decisão supra apresenta entendimento intermediário. Por um lado, reconhece que o recolhimento dos tributos é condição para liberação da mercadoria, mas entende, por outro lado, não ser possível condicionar a liberação ao recolhimento de multas administrativas. Cabe citar o seguinte trecho do voto do relator que melhor esclarece o tema:
É importante ressaltar que a cobrança de multa não se assemelha à exigência de tributos inerentes a própria operação de importação (imposto de importação e imposto sobre produtos industrializados). O recolhimento destes impostos integra o procedimento de importação e por isso constitui-se condição para a liberação da mercadoria. O mesmo se aplica para as diferenças desses impostos lançadas pela fiscalização, já que correspondem à operação principal (aspecto material do fato gerador). No caso da multa, sua imposição não decorre do ato da importação em si e sim de vícios apurados nessa operação (vícios de quantidade, de classificação, etc.). Por isso, sua exigência é autônoma e seu não-recolhimento não pode servir de óbice à liberação da mercadoria, cabendo à fiscalização adotar os meios próprios e comuns a cobrança do seu crédito tributário, a partir da lavratura do auto de infração.
Decisões da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região também apontam para a inaplicabilidade da Súmula 323 ao despacho aduaneiro de importação.
EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. APREENSÃO DE MERCADORIAS. DESCLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. SALDO DE TRIBUTO A RECOLHER. PORTARIA MF N.º 389/76. EXIGÊNCIA DE CAUÇÃO PARA LIBERAÇÃO DAS MERCADORIAS APREENDIDAS. IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA. EFICÁCIA SUSPENSIVA. SÚMULAS 323 E 547 DO STF. APELAÇÃO IMPROVIDA. SEGURANÇA NEGADA. 1. É cabível a exigência de caução consistente na diferença de imposto a recolher, em razão da desclassificação tarifária das mercadorias importadas. 2. A eficácia suspensiva das reclamações e recursos administrativos se dá nos termos das leis reguladoras do processo administrativo fiscal. O Dec. Lei n.º 37/66 deixa claro que a eficácia suspensiva do recurso é relativa aos recursos interpostos de decisão proferida em primeira instância. 3. Em matéria de imposto de importação, a apreensão de mercadorias em razão de desclassificação tarifária e a imposição do recolhimento do saldo remanescente não se constitui em hipótese de “apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”, tal qual a hipótese estampada na Súmula 323 do STF, que tratava de sanções políticas. 4. É da sistemática da tributação de operações de importação de mercadorias o recolhimento prévio do tributo, no momento da efetiva internação das mercadorias. Essa prática não é abusiva, mas inerente ao imposto sobre importações. De outro lado, admitir-se que a insurgência contra a desclassificação tarifária – mesmo nos casos em que o ato administrativo encontrasse base legal – pudesse sustar a exigência do prévio recolhimento e causar a liberação das mercadorias, seria subverter a sistemática inerente a tributação das importações. 5. Inexistência, na espécie, de direito líquido e certo a ser protegido pela via mandamental. 6. Apelação improvida. (3ª Turma do TRF da 3ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança nº 199399 – Relator: Des. Nery Júnior – Data da decisão: 16/10/2002)[14]
Também dessa decisão se faz conveniente extrair trecho do voto do relator, por trazer seus fundamentos:
“Tratamos, na hipótese, de operação de importação de mercadorias, em que pela sistemática do próprio tributo que incide sobre essa operação, o seu recolhimento deve ser efetuado previamente. Ora, a imaginarmos que nessas hipóteses o recolhimento prévio do tributo incidente sobre a importação de mercadorias poderia ser sempre sustado por reclamação administrativa, em princípio, não poderia haver mais retenção ou apreensão de mercadorias em razão de diferenças de imposto a pagar, em função de que bastaria ao importador protocolizar recurso contra a exigência, mesmo nos casos em que ela fosse notoriamente exigível.
Não é abusiva, por isso, a exigência do prévio recolhimento do imposto de importação para a concretização da operação de nacionalização da mercadoria.
Por último, considere-se que a Súmula n.º 323 do Supremo Tribunal Federal foi editada com base em precedentes oriundos de apreensões de mercadorias em trânsito pelo território nacional. Verificando-se precedentes oriundos daquela Corte Superior, onde se aplicou a Súmula, constata-se que eles se referem ao antigo Imposto Sobre Vendas e Consignações (IVC) e ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM). Enfim, a impostos incidentes sobre o consumo e não sobre o comércio exterior (a esse respeito, consulte-se os julgados RE 108.104/RS, RE 61.359/BA, RE 62.286/MG, RE 94.536/PB, RE 97.468/MA, RE 99.219, RMS 16.758, RE 71.192, RMS 16.757/RS, além de inúmeros outros). Isto é, hipóteses em que o Fisco, sendo credor de determinado contribuinte, retinha mercadoria de sua propriedade, em trânsito, a fim de forçá-lo a recolher aquilo que lhe devia em função de outras operações.
O entendimento compendiado na Súmula invocada visava impedir a imposição das chamadas “sanções políticas” como meio de coagir contribuintes em débito ao pagamento de tributos. Essas sanções, entre outras detectadas pela Suprema Corte, consubstanciavam-se no impedimento do exercício das atividades do contribuinte, pela imposição de impedimentos ao exercício de atividade ou profissão, pela via de obstaculização de aquisição de estampilhas, apreensão das mercadorias que comercializava, proibição do sujeito em débito de despachar nas alfândegas, etc.
O fundamento da rejeição dessa linha de imposição de sanções pelo STF, em inúmeros acórdãos que culminaram com a edição da invocada Súmula, foi bem esclarecido no trecho que transcrevo, do voto do Ministro BILAC PINTO, no julgamento do RE 75.774/RJ, em citação de lições de ALIOMAR BALEEIRO, que analisava acórdãos precedentes à edição da Súmula n.º 547:
“Entende o STF que não é lícito à autoridade tributária, para forçar o depósito, apreender mercadorias ou proibir o sujeito em débito de adquirir estampilhas, despachar mercadorias nas Alfândegas e exercer suas atividades profissionais”.
Dos mesmos autos, colho o trato dado à matéria pelo julgado oriundo do antigo TFR, relator o Ministro ARMANDO ROLEMBERG:
“A hipótese de que cuidam os autos não se assemelha àquelas apreciadas pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal nas decisões trazidas à colação. Nestas, considerou-se inconstitucional a aplicação das sanções políticas pelas quais, para compelir-se o contribuinte a pagar tributos, impede-se o exercício da respectiva profissão. No caso apreciado pela decisão recorrida, porém, não se trata de sanção aplicada para compelir o contribuinte a saldar débito fiscal (…)”
Obviamente, a hipótese fáctica não era a mesma de que tratamos aqui, mas o fundamento serve para demonstrar o alcance e o objeto da Súmula n.º 323 do STF, que se referia à imposição de sanção política para compelir contribuinte a recolher tributo.
Não é o caso aqui. Não estamos tratando de imposição de sanção de natureza política. A retenção da mercadoria cuja internação se pretende, não tem a finalidade de compelir a impetrante a saldar algum outro débito que possua frente à União Federal, mas apenas a de exigir o prévio recolhimento de tributo devido na própria operação de internação, o que lhe é inerente. Daí não se aplicar ao caso as Súmulas invocadas.”
Verifica-se que o desembargador Nery Júnior efetua acurada interpretação do significado da Súmula para concluir que trata de situação diversa daquela que se verifica nas exigências tributárias efetuadas no curso do despacho aduaneiro de importação. Também no Tribunal Regional da 2ª Região se encontram decisões entendendo cabível o condicionamento do desembaraço ao recolhimento dos tributos ou direitos incidentes. Nesse sentido:
EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO – DECISÃO – IPI/PIS/PASEP/COFINS – IMPORTAÇÃO DE BENS – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – LEGITIMIDADE DA COBRANÇA – DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INADMISSIBILIDADE. 1- A empresa agravante pretende modificar o entendimento firmado na decisão agravada, sustentando a possibilidade da interposição do agravo, tendo em vista a regra da garantia de duplo grau de jurisdição. Aponta a Súmula nº 323 do STF como proteção à inadmissibilidade de apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, afirmando a inexigibilidade dos tributos em tela, tendo em vista que a importação “deu-se sob forma de arrendamento mercantil, em que não há a transferência da propriedade do bem”. 2- Esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal justificaria sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções […]. 3- o Supremo Tribunal Federal já firmou orientação no sentido de ser legítima a cobrança do ICMS para efetivação do desembaraço aduaneiro (Súmula 661), aplicável por analogia à situação dos autos, sendo, portanto, inaplicável o entendimento de adoção de medida coercitiva para cobrar tributos. 4- Agravo conhecido e desprovido. (3ª Turma Especializada do TRF da 2a. Região, por unanimidade – Agravo Interno em Agravo de Instrumento nº 2006.02.01.007298-4 – Relator: Juiz Federal conv. José Neiva – Data da decisão: 13/02/2007)
EMENTA. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EFEITO SUSPENSIVO. IMPORTAÇÃO DE ALHOS FRESCOS REFRIGERADOS DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. IMPOSTO ANTIDUMPING. RESOLUÇÃO 41/2001 CAMEX. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA SEM DEPÓSITO PRÉVIO. IMPOSSIBILIDADE. – A Lei 9.019/95 dispõe, em seu art 3º e parágrafos, que o desembaraço aduaneiro de bens dependerá de prestação de garantia equivalente ao valor integral da obrigação e demais encargos legais, que consistirá em depósito em dinheiro ou fiança bancária. Assim, mostra-se correta a vinculação da liberação das mercadorias ao depósito prévio do imposto antidumping, vez que o deferimento da medida ora vindicada, além de irreversível, posto que se liberados, os produtos seriam livremente comercializados, resultaria exatamente no ingresso de mercadorias a um preço muito abaixo do ofertado pela produção nacional, gerando desequilíbrio de concorrência. – In casu não há desrespeito à Súmula 323 do STF, posto que há previsão legal expressa quanto à retenção de mercadorias para pagamento de imposto antidumping. Dessa forma, trata-se de aplicação de dispositivo legal e não meio de punição pelo não pagamento de determinado imposto. – Recurso improvido. (6ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, por unanimidade – Apelação Cívil nº 2004.51.01.011556-3 – Relator: Des. Fernando Marques – Data da decisão: 11/04/2007)
Conclui-se, portanto, que embora a jurisprudência majoritária volte-se para a interpretação de que a não efetivação do desembaraço aduaneiro em virtude da falta de recolhimento dos tributos, direitos ou multas incidentes se configura em sanção política, a questão não pode ser tida por pacífica em nossos tribunais. Observa-se, inclusive, que as decisões em sentido contrário à corrente majoritária são bem fundamentadas, como forma de justificar o entendimento divergente.
Há outra questão importante relacionada ao tema que merece ser abordada. Muitas vezes o importador manifesta-se surpreso com as exigências fiscais, seja no que diz respeito à aplicação da legislação em vigor, seja no que diz respeito à classificação fiscal da mercadoria, não se conformando com a posição do fisco. Ocorre que se por um lado a legislação estabelece a obrigatoriedade do recolhimento dos tributos como condição ao desembaraço aduaneiro, oferece ao contribuinte, nos casos em que possui dúvida fundada sobre a interpretação da legislação ou sobre qual a classificação fiscal correta para determinado bem, um meio de evitar que o fisco obste o desembaraço por conta dessa dúvida. Trata-se do processo de consulta, regulado pelos arts. 46 a 53 do Decreto no 70.235/72, arts. 48 a 50 da Lei no 9.430/96, e Instrução Normativa RFB nº 740/07. O processo de consulta se sujeita a algumas condições. Deverá circunscrever-se a fato determinado, conter descrição detalhada de seu objeto e indicação das informações necessárias à elucidação da matéria; bem como a indicação dos dispositivos que ensejaram a apresentação da consulta, bem como dos fatos a que será aplicada a interpretação solicitada. Não poderá ser apresentada por contribuinte que se encontre sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado para apurar fatos que se relacionem com a matéria objeto da consulta; ou que esteja intimado a cumprir obrigação relativa ao fato objeto da consulta. Portanto, a consulta deve ser efetuada previamente ao início do despacho aduaneiro. Nos termos do art. 14 da Instrução Normativa RFB nº 740/07, a consulta que atenda os requisitos da legislação impede a aplicação de multa de mora e de juros de mora, relativamente à matéria consultada, a partir da data de sua protocolização até o trigésimo dia seguinte ao da ciência, pelo consulente, da Solução de Consulta. Por tal motivo, em relação ao desembaraço aduaneiro de importação, havendo consulta válida formulada pelo importador sobre matéria em que ocorra divergência entre o fisco e o contribuinte, o desembaraço não será obstado.
Desse modo, o importador, querendo, pode precaver-se de determinadas exigências fiscais que possam obstar o desembaraço dos bens. Naturalmente, a interpretação buscada por meio de consulta deve ser fundada, não podendo referir-se a fatos incontroversos, apenas como forma de evitar a exigência fiscal. E se, ao final, a solução da consulta lhe for desfavorável, ainda poderá recorrer ao Poder Judiciário, buscando, se for o caso, medidas cautelares que evitem que a exigência que julgue ilegal venha a ser formulada no futuro. O fato é que o processo de consulta é em geral pouco utilizado nas matérias atinentes ao despacho de importação, seja por desconhecimento do contribuinte, seja porque as decisões judiciais tendem a determinar liminarmente o desembaraço das mercadorias independentemente do recolhimento dos tributos. De todo modo, o importador tem ao seu dispor um instrumento que lhe permite obter maior segurança jurídica em suas operações de importação no que diz respeito à legislação tributária e aduaneira, frente ao fisco.
Como já referido, os tributos incidentes sobre o comércio exterior têm característica eminentemente extrafiscal e sua participação em relação à arrecadação tributária é pequena. É sabido que grande dos créditos formalizados pela fazenda pública não são recuperados. Não teria sentido lógico que a fazenda utilizasse meios coercitivos para levar o contribuinte a recolher justamente tributos de menor importância arrecadatória, enquanto para os demais se serve dos meios usuais de execução fiscal. Conclui-se que não é o temor da perda de parte da arrecadação que leva o fisco a exigir o recolhimento dos tributos antes do desembaraço aduaneiro, mas sim a necessidade de que as mercadorias importadas entrem no mercado nacional em iguais condições de concorrência com as nacionais, atendendo assim as políticas econômicas e de comércio exterior definidas pelo Poder Executivo Federal.
Quando, no mercado interno, um contribuinte, comercial ou industrial, sonega tributos, conseguindo com isso reduzir seus preços de venda, além de provocar dano ao erário, também efetua uma forma de concorrência desleal com seus concorrentes, por oferecer suas mercadorias a preços mais competitivos. No entanto, no que diz respeito à geração de empregos e renda, no mercado interno, ocorre a transferência de empregos e atividade de um empreendimento para outro, com perda de arrecadação para o tesouro.
De outra banda, quando se trata de mercadorias importadas, essa perda de empregos e renda, bem como de seu efeito econômico multiplicador, se dá para outro país. Por tal motivo, se por um lado também há perda de arrecadação, maiores são os efeitos negativos sobre a economia como um todo, que é justamente o principal objeto que a política de comércio exterior e as normas aduaneiras buscam proteger. Nesse ponto reside importante diferença entre a tributação das operações internas e as de comércio exterior, justificando que sejam vistas sob uma ótica diferenciada, naquilo que lhes cabe.
Se por um lado se pode afirmar que a grande maioria das operações de importação ocorre de forma lícita, também é sabido que os contribuintes têm o permanente interesse em reduzir sua carga tributária, por meio do chamado planejamento tributário, fato que costuma gerar inúmeras controvérsias entre o fisco e o contribuinte. Todavia, o procedimento adotado no despacho aduaneiro visa a proteger prioritariamente não os interesses do fisco, mas da economia e dos empregos nacionais.
No que diz respeito às operações de importação realizadas por meio de fraudes para reduzir ou afastar o recolhimento dos tributos, embora haja dispositivos na legislação que procurem proibir tais práticas, nem sempre é possível ao fisco, durante o despacho aduaneiro, que necessita ser célere para não obstaculizar o andamento normal das atividades econômicas, obter indícios veementes ou provas das irregularidades, que permitam manter a mercadoria retida enquanto tais fraudes são apuradas. Resulta que muitas vezes são introduzidas no mercado nacional mercadorias nas quais foram utilizados subterfúgios para reduzir os tributos incidentes, e a recuperação dos créditos posteriormente torna-se difícil, já que nesses casos os contribuintes costumam utilizar-se de artifícios para manter seus bens a salvo das execuções fiscais. Nesses casos, o dano ao mercado nacional já está produzido.
Entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil expressos no art. 1º da Constituição Federal, temos o princípio da soberania (inciso I). Em sentido estrito, a soberania liga-se à idéia de poder político incontrastável, na capacidade de um país produzir e fazer valer suas próprias leis sem interferências externas. Mas a noção de soberania também se liga à defesa das fronteiras territoriais e econômicas. Hodiernamente, com o advento do chamado mundo globalizado, mais do que nunca a defesa da economia nacional liga-se a noção de soberania, pois é cediço que há interdependência entre soberania política e econômica. Assim, a adoção de políticas de comércio exterior que busquem proteger, na medida necessária, a economia doméstica, é uma forma de realização do princípio constitucionalmente consagrado.
Do mesmo modo, também constituem fundamentos da República, nos termos do art. 1º, inciso IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Ambos os preceitos encontram-se no mesmo inciso, demonstrando a visão dos constituintes de que devem caminhar de mãos dadas. Se por um lado, se pode alegar que o condicionamento da liberação de mercadorias ao pagamento dos tributos incidentes fere a livre iniciativa, por outro lado, não se pode olvidar que tal ocorre justamente, entre outros motivos, como forma de proteção ao trabalho nacional.
Dentre os objetivos da República previstos no art. 3º da Constituição, merecem menção os previstos nos incisos II e III, respectivamente: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ora, a adoção de políticas de comércio exterior tem por objetivo precípuo justamente promover o desenvolvimento nacional. Além disso, o desenvolvimento industrial, a geração de empregos e renda, a adoção de benefícios fiscais e estímulos regionais buscam também a atingir o objetivo previsto no inciso III.
Não se vislumbra, no procedimento, ofensa ao direito fundamental de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, inciso XIII, CF), pois não pretende obstá-los, antes garanti-los, frente à concorrência comercial externa. Ademais, encontra fundamento em lei e, conforme trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal anteriormente citada, a Constituição não estabelece a garantia “de forma absoluta, pelo que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades impõe-se legal e legitimamente”[15].
A alegada afronta à previsão contida no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal, conforme se refere MACHADO (op.cit.), em texto já citado neste trabalho, também merece comentários. Veja-se a redação do referido artigo:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
O parágrafo único, na esteira do art. 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização. O procedimento em estudo, no entanto, não é uma forma de conceder ou denegar autorização para o exercício de atividade. A atividade do contribuinte é livre, recaindo a imputação tributária sobre as mercadorias, de forma a equipará-las às domésticas. Ademais, o mesmo artigo apresenta os princípios da ordem econômica, sendo o primeiro citado o da soberania nacional. Aqui, só se pode entender a soberania em seu sentido econômico, já referido, reforçando a importância do controle aduaneiro. Ainda merecem menção os princípios da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego, os quais possuem ligação direta com as políticas de comércio exterior desenvolvidas pelo Poder Executivo.
Outra inconstitucionalidade por vezes apontada está na violação do disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Ocorre que o condicionamento do desembaraço ao recolhimentos dos tributos devidos não se constitui em privação de bens, pois, conforme já afirmado, não se constitui em apreensão, confisco ou expropriação. Ademais, havendo inconformidade do contribuinte, é efetuada a lavratura de Auto de Infração, dando início ao processo administrativo-fiscal, devidamente regulado em lei, onde este poderá exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa. Ainda que se tratasse de apreensão propriamente dita, decorrente da prática de infração à qual fosse cominada a pena de perdimento, haveria a lavratura de Auto de Infração e Termo de Apreensão, formalizando-se processo administrativo, também de acordo com a lei de regência, oferecendo-se ao contribuinte as garantias inerentes à plena defesa.
Entende-se, portanto, que o procedimento adotado no despacho aduaneiro de importação ajusta-se perfeitamente aos princípios e objetivos da República Federativa do Brasil, aos princípios da ordem econômica nacional e preserva os direitos individuais dos cidadãos.
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve por objetivo verificar se o teor da súmula 323 do STF aplica-se, sem restrição, ao despacho aduaneiro de mercadorias importadas.
Para lograr esse objetivo, inicialmente buscaram-se os fundamentos do chamado Direito Sumular, contextualizando-o no direito brasileiro. Viu-se que o Direito Sumular traduz o resumo das posições jurisprudenciais dos tribunais, com o objetivo de oferecer maior segurança jurídica, bem como tornar ágil os procedimentos nos contenciosos judiciais, evitando-se eternizar discussões já tidas por pacíficas.
As súmulas são preceitos jurídicos que se revelam através do exercício da jurisdição, mas não é o texto contido no enunciado o que carregam de mais importante, mas sim a interpretação judicial que traduzem. Por tal motivo, as súmulas não eliminam a necessidade de se verificar a adequação da legislação e do preceito sumulado ao caso concreto.
A súmula 323 foi editada em 1963 e tem por precedente decisão em julgado onde se questionava a constitucionalidade de lei municipal que previa a apreensão de mercadorias como forma de arrecadar dívidas fiscais, em operações de circulação interna de mercadorias. Extrai-se dela a vedação à utilização pela fazenda pública das chamadas sanções políticas, consistentes na utilização de meios coercitivos ilegítimos para forçar os contribuintes a recolher tributos.
Posteriormente, discorreu-se sobre o Direito Aduaneiro e sua interligação com outros ramos da ciência jurídica, bem como se procurou verificar a razão da existência do controle aduaneiro pelo Estado, bem como da tributação sobre as operações de importação. Observou-se que o controle aduaneiro é uma necessidade do Estado moderno, constituindo-se em um sistema de controle e de limitações com fins públicos. Trata-se da defesa da soberania, da produção interna e da proteção ao trabalho nacional.
No caso das importações, o controle aduaneiro atende às políticas econômicas e de comércio exterior definidas pelo Poder Executivo Federal, as quais têm por objetivos, entre outros, a proteção e o estímulo à produção nacional, o desenvolvimento nacional, a concessão de estímulos ao desenvolvimento regional, a geração de empregos e renda.
Quanto à tributação incidente sobre às operações de importação, identificou-se que essa possui caráter eminentemente extrafiscal, regulatório. Embora o interesse fiscal não possa ser desprezado, a incidência de tributos nessas operações é um dos mais importantes instrumentos da política de comércio exterior. Os tributos aduaneiros surgiram inicialmente com caráter arrecadatório, mas sua função foi se modificando ao longo do tempo. No Brasil, o desenvolvimento econômico permitiu a modificação da matriz tributária, com a implementação e incremento dos tributos incidentes sobre a renda, produção, serviços, circulação de mercadorias e operações financeiras, de modo que, atualmente, os tributos aduaneiros tem importância fiscal secundária.
Os tributos não tipicamente aduaneiros, quais sejam, os que também incidem nas operações internas, incidem nas operações de importação por questões de isonomia, pois a desoneração da carga tributária nas exportações é praxe na maioria dos países e, como conseqüência, na ausência da incidência desses tributos de forma equânime ao que ocorre com os bens de produção nacional, as mercadorias nativas concorreriam em condições de séria desigualdade face às importadas.
Na parte final do trabalho, observou-se que a legislação tributária e aduaneira estabelece que os tributos incidentes devem ser pagos antes do desembaraço aduaneiro dos bens e, havendo exigências tributárias no curso do despacho aduaneiro, elas devem ser cumpridas como condição para a efetivação do desembaraço, ou então o contribuinte deve oferecer garantia e impugnar a exigência fiscal. A maioria da doutrina entende que a nacionalização do bem importado implica na satisfação prévia dos encargos tributários, de forma que o mesmo possa circular no mercado interno como se nacional fosse.
Foram colacionadas, então, várias decisões dos tribunais pátrios que versam sobre a aplicabilidade da súmula 323 ao despacho aduaneiro de importação. Constata-se que há prevalência de decisões que entendem ser incabível condicionar o desembaraço de mercadorias importadas ao recolhimento dos tributos incidentes. Em contrapartida, verificam-se, também, decisões bem fundamentadas em sentido oposto, afirmando que a exigência de recolhimento de tributos nessas operações decorre da própria natureza das mesmas, sendo a ela inerentes, não se confundindo com apreensão de mercadorias, nem se constituindo em sanção política, conforme veda a aludida súmula 323. Foram trazidas à baila decisões do STF, uma das quais considerando que o direito constitucional de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, não é absoluto, e que a exigência da observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades é legítima; outra, que admite que o desembaraço da mercadoria importada pode ser condicionado à comprovação do recolhimento dos tributos incidentes.
Conclui-se que as exações tributárias na importação de mercadorias visam a, sobretudo, proteger a soberania, econômica em especial, da Nação. A exigência de recolhimento prévio dos tributos, antes da internação da mercadoria, protege menos ao erário do que ao produtor nacional, posto que utilização de subterfúgios para ilidir ou reduzir a tributação é corrente no comércio exterior, fato que em geral impede a posterior recuperação do crédito tributário pela fazenda pública. Desse modo, entram no mercado nacional mercadorias com preços aviltados, em prejuízo da produção nacional, perdendo-se postos de trabalho no País em detrimento dos estrangeiros, reduzindo-se a produção, os empregos e o efeito multiplicar que o desenvolvimento industrial proporciona.
O importador não é compelido a recolher os tributos sem contestação, já que pode impugnar a exigência, mas, nessa hipótese, deverá oferecer garantia ou caução. O valor controverso, portanto, não é perdido para o fisco, mas o importador terá que considerá-lo em seus custos quando introduzir a mercadoria no mercado, garantindo-se assim o efeito protetivo desejado, que é a principal razão de ser das exações aduaneiras.
Ademais, não se constata no procedimento violação a princípios ou dispositivos constitucionais. Ao contrário, se pode afirmar que políticas de comércio exterior que buscam proteger, na medida necessária, a economia doméstica, são formas de realização de princípios e objetivos da República constitucionalmente consagrados, tais como o da soberania, dos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da garantia ao desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais.
Não se pretende afirmar, contudo, que na análise de determinado caso concreto não se possa entender que é aplicável a súmula em tela. O que se contesta é a aplicação direta, sem maiores digressões, do enunciado em inúmeros julgados, sem que se efetue a necessária exegese, nem que se verifique que os fundamentos da tributação sobre o comércio exterior têm natureza diversa daquela que se verifica nas tributações internas.
Além disso, no que diz respeito às exigências fiscais efetuadas no curso do despacho, é certo que por vezes podem ser ilegais, ou ferir os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e é pleno direito do contribuinte socorrer-se da via jurisdicional quando considera ter seus direitos ofendidos. Mas o deslinde do litígio deve se dar pela análise da situação fática, não pela simplificada utilização analógica de súmula que não se alinha concretamente à questão em comento.
Em direito, não existem soluções prontas ou fórmulas mágicas. Viu-se, por exemplo, decisões que entendem ser cabível a exigência dos tributos como exigência ao desembaraço, mas não das multas administrativas. Enfim, sempre haverá uma diversidade de situações a merecer uma análise mais acurada em busca de uma decisão que atenda o interesse público sem excluir o particular.
Informações Sobre o Autor
Rolf Abel
Acadêmico de Direito da FURG