Resumo: Trata-se o presente artigo de um breve estudo a respeito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, adentrando em suas peculiaridades. Por ser o ICMS um imposto estadual, o mesmo sofre diferenciação de alíquotas. No presente trabalho serão analisados os benefícios e os males trazidos com a diferenciação da alíquota do ICMS, gerindo propostas para solucionar a guerra fiscal criada entre os Estados.
Sumário: Introdução. 1. As bases jurídicas da tributação. 1.1. O poder estatal de tributar. 1.2. Conceito jurídico de tributo 1.3. Hipótese de incidência tributária. 1.4. Princípios constitucionais tributários. 1.5. Competência tributária 1.6 Fato gerador. 2. ICMS. 2.1. Definição e peculiaridades. 2.2. Princípios peculiares. 2.2.1. Princípio da não-cumulatividade .2.2.2. Princípio da seletividade 2.3. Fato gerador 2.4 Alíquotas e base de cálculo 2.5 Características da guerra fiscal voltadas para o ICMS 2.5.1. Benefícios Fiscais. 2.5.2. Benefícios financeiros 2.5.3. Outros benefícios. 3. Guerra fiscal nos estados. 3.1. Os convênios interestaduais. 3.2. O Judiciário e os benefícios fiscais. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A guerra fiscal – tema sempre atual de Direito Tributário – provocada pelos incentivos fiscais concedidos pelos Estados, tem, por vezes, sofrido um acirramento de ânimos. Isso é devido ao fato de o ICMS, principal fonte de receita dos Estados brasileiros, ser um imposto estadual e o Poder Executivo local ter como objetivo principal a atração de investimentos para o seu território.
Conforme expressa a Constituição Federal no seu art. 155, § 2º, XII, “g”, “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A Lei Complementar referida nesse art. 155 foi a de nº 24, de 07 de outubro de 1975, que foi recepcionada pela Carta Magna de 1988, vez que os dois diplomas são harmônicos[1]. Assentam, pois, que os benefícios fiscais relativos ao ICMS serão concedidos por decisão unânime dos Entes Federados, que será manifestada através de convênios firmados entre os Estados e pelo Distrito Federal.[2]
Apesar da estipulação da obrigatoriedade de se conceder benefícios fiscais relativos ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços somente se tiver aprovação dos demais Estados, através de convênios firmados entre os mesmos, as legislações estaduais teimam em burlar o estipulado na Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 24/75. E isso se deve à pretensão de atrair receitas e investimentos oriundos das grandes empresas, que, via de regra, buscam sempre os melhores incentivos para depois fixarem suas instalações.
No capítulo inicial do presente trabalho, serão abordados aspectos inerentes ao poder estatal de tributar, observando, inclusive, o conceito de tributo, o fato gerador, os princípios gerais, a competência tributária, dentre outras peculiaridades específicas sobre o Direito Tributário.
O segundo capítulo examina detalhadamente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ponderando sobre o fato gerador, alíquota, base de cálculo, princípios peculiares e adentra nas características da guerra fiscal voltadas para o ICMS.
Por fim, o terceiro capítulo dedica-se a análise minuciosa a respeito da guerra fiscal gerada face ao desrespeito de preceito constitucional. Aprecia ainda os convênios interestaduais – que são freqüentemente desrespeitados – e avalia o papel do judiciário na solução dos embates entre os entes federados. Na conclusão, são apresentas propostas de solução harmônica para o conflito gerado pela guerra fiscal.
Vale destacar os benefícios e os males trazidos com a guerra fiscal. Não bastassem as condições bastante deterioradas no contorno financeiro, os Estados brasileiros insistem em conceder incentivos financeiro-fiscais relacionados ao ICMS, que resultam na redução ou devolução parcial do imposto a recolher. Isso se deve ao fato de que trazendo indústrias/investimentos para o seu território, o Estado estará trazendo desenvolvimento regional, gerando uma maior receita com o recolhimento dos impostos de empresas que antes não existiam naquele território. Inegável que para a população a guerra fiscal, no sentido do que está sendo exposto, é um enorme atrativo, pois estará gerando emprego, desenvolvimento e produtos com um custo menor, entre outras características favoráveis.
Não obstante, urge observar o caos que a guerra fiscal traz no quadro federal. Em suma, é capaz de atrair empresas e indústrias radicadas em outros Estados que não concedem ou não tem condições de conceder os mesmos benefícios, além de possibilitar, a seus beneficiários, a fixação de preços das mercadorias produzidas bem mais atraentes do que aqueles estipulados por concorrentes que não gozam das mesmas benesses.
A guerra fiscal resulta, pois, perda de arrecadação e acima de tudo afeta o federalismo cooperado que tentou se instituir no Brasil. Por oportuno, destaque-se ainda que o Brasil é o único país no mundo que o imposto de maior arrecadação é de competência dos Estados e não do Governo Federal, existindo, por conseqüência, 27 legislações estaduais sobre o ICMS.
1. As bases jurídicas da tributação.
1.1. O poder estatal de tributar
Sabe-se que um dos grandes problemas que assolam os mais diferentes níveis de governo reside na capacidade de angariar receitas para suprir as necessidades financeiras do Estado. Consta que a ordem jurídica pátria é a única possuidora de um sistema tributário constitucional. Tal fato gera inúmeros problemas e considerações, a exemplo das imunidades, tipicamente brasileiros.
A competência tributária tem como principal fundamento a supremacia do Estado nas suas relações com indivíduos a ele subordinados e esse fato em específico dá sustentação ao exercício do poder de tributar. Portanto, um Estado, investido de soberania política e jurídica, tem como uma de suas prerrogativas a capacidade de editar um sistema tributário a ser posto em prática pelo poder de tributar do Estado, possuindo, assim, “independência legislativa, exclusividade de aplicação e autonomia técnica em relação aos demais sistemas susceptíveis de entrar em concurso de pretensões impositivas com o mesmo”.[3]
O Estado necessita de recursos para sobreviver e realizar os seus fins sociais, tendo na tributação o instrumento de que se tem valido a economia. O tributo é sem dúvida a grande fonte de recurso contra a estatização da economia.
Mostra-se ainda o pagamento de tributos ser a forma mais concreta de relação do cidadão com o Estado, uma relação em que a reciprocidade de compromissos passou a ser a maior marca nas sociedades democráticas. O Estado tem a finalidade de promover o bem comum e arrecada os recursos indispensáveis à realização do seu papel. O cidadão contribui através dos impostos e adquire o direito a condições de vida progressivamente melhores. É assim, com essa fórmula simples, que se concebe esse contrato social da atualidade.
No mundo em que vivemos, a idéia do bem comum é cada dia mais clara. Seu conceito é composto pela convergência de elementos quantitativos e qualitativos que asseguram o bem-estar do indivíduo e da sua comunidade, através de serviços públicos de qualidade nas áreas de saúde, educação, cultura, lazer, transportes etc. Ao Estado cabe, pois, aplicar corretamente os recursos que recolhe para proporcionar a cada cidadão a possibilidade de uma vida digna, numa sociedade próspera. É obrigação do Estado criar condições para que o trabalho seja valorizado e que, ao mesmo tempo, o direito à propriedade seja protegido.
Contudo, se fazem necessárias limitações a esse poder estatal de tributar, conforme disposto no art. 146, II, da CF. Devem, pois, as limitações constitucionais ao poder de tributar ser reguladas através de lei complementar. Essas limitações visam estabelecer um equilíbrio entre este poder e o direito de cidadania. Isso implica na conclusão que tais limitações constituem uma proteção constitucional ao contribuinte contra um possível excesso do Estado no exercício de seu poder.
1.2 Conceito jurídico de tributo
A definição legal da palavra tributo está contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional, que diz:
“Art. 3.º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Luciano Amaro apresenta outro conceito de tributo: “Tributo é a prestação pecuniária não sancionária de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”.[4] Critica, desta forma, o conceito instituído pelo Código, vez que é redundante dizer que tributo “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”, uma vez que, sendo pecuniária, necessariamente tem que ser expressa em moeda.
A natureza do tributo faz-se pela prestação com caráter pecuniário, pois se trata de relação jurídica mediante a qual o sujeito ativo (credor/Fisco) pode exigir do sujeito passivo (devedor/contribuinte) uma prestação em dinheiro. Vale dizer que é uma obrigação ex lege, ou seja, nasce da hipótese de incidência prevista em lei, portanto, compulsória.
Outrossim, o que determina a Natureza Jurídica de um tributo diferenciando-o dos demais é seu Fato Gerador.[5] O objetivo do tributo sempre foi carrear recursos financeiros para o Estado, porém, a arrecadação nunca foi o único objetivo. Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é fiscal (arrecadação de recursos financeiros para o Estado), extrafiscal (interferência no domínio econômico) e parafiscal (sendo utilizado como fonte de recursos destinado ao custeio de atividades que, em princípio, não são próprias do Estado, mas desenvolve através de entidades especificas).[6]
1.3 Hipótese de incidência tributária
Hipótese de incidência é a previsão, na lei, do fato que, ocorrendo, determina o nascimento da obrigação tributária, podendo se apresentar de várias formas, eventualmente não tão claras e integradas na lei. Pode haver casos em que a lei enumere e especifique mas, normalmente, as hipóteses estão esparsas em uma ou diversas leis, ou implícitas no sistema jurídico, entretanto sua reunião lhe confere a identidade. Cabe ao intérprete reunir, por meio de noções científicas, os diversos aspectos da hipótese de incidência, com intuito de torná-la una e indivisível.[7]
Nas palavras do ilustre professor Geraldo Ataliba, “costuma-se designar por incidência o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato a uma hipótese legal, como conseqüente e automática comunicação ao fato das virtudes previstas na norma”.[8]
A hipótese de incidência refere-se a descrição legal, hipotética, de um fato, não se confundindo com a figura do fato gerador, que é a concretização da hipótese prevista em lei.
No entendimento de Hugo de Brito Machado,
“A expressão hipotética da incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está escrito na lei. A hipótese é simples descrição, abstrata, enquanto o fato é concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto”.[9]
A hipótese de incidência é um conceito universal e descomprometido com o ordenamento jurídico, sendo portanto aplicável a todo tempo, seja no Direito vigente seja no revogado, independente de tempo e espaço. No entanto, não deve ser entendida como mero conceito, posto que foi positivado pelo legislador, está contida num enunciado legal, sendo portanto, uma categoria jurídica. Assim sendo, conclui-se que a hipótese de incidência é genérica e abstrata, não especificando todos os fatos concretos, mas somente aqueles que tem relevo para o Direito, somente interessando ao exegeta o fato previsto pela hipótese, sendo os demais desprezíveis por irrelevantes.
1.4 Princípios constitucionais tributários
Ao Estado é concebido o poder de tributar, assim entendido como o poder de criar ou aumentar tributos. Todavia, não pode o contribuinte ficar sujeito ao livre arbítrio dos interesses do Estado, motivo pelo qual o legislador constituinte estabeleceu certos princípios tributários capazes de proteger o contribuinte contra os abusos do poder estatal. Desta forma, a Constituição Federal prescreveu inúmeros princípios visando a preservação do regime político adotado e o respeito aos direitos fundamentais do contribuinte.
Os princípios constitucionais tributários, que junto com as imunidades tributárias funcionam como limitações constitucionais ao poder de tributar, decorrem, direta ou indiretamente, dos princípios políticos constitucionais. Na Constituição de 1988, surgem de forma expressa ou implícita. A despeito de divergências doutrinárias, são estes os principais princípios:
a) Princípio da legalidade tributária. É da essência de nosso regime político que as pessoas só devem pagar os tributos com os quais consentirem. A manifestação da vontade do povo se dá mediante seus representantes eleitos, os quais laboram as leis. No caso, ser o tributo instituído com base em lei, significa dizer que o tributo foi consentido pelo povo.
Isto posto, tem-se que somente são válidos os tributos criados mediante lei e por pessoa política competente para tanto. É o que estabelece o art. 150, I, da Constituição Federal, ao dispor que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
b) Princípio da igualdade tributária. Decorre do princípio genérico da igualdade de todos perante a lei (art. 5° da CF). Veda o tratamento diferenciado de contribuintes que se encontrem na mesma situação de fato, impedindo discriminações tributárias.[10] O princípio específico da isonomia tributária está inserido no art. 150, II, da Constituição Federal, que informa ser vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
c) Princípio da capacidade contributiva. Expresso no art. 145, § 1°, 1ª parte da Constituição Federal, segundo o qual “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (…)”.
Este princípio, assentado nas dobras do princípio da igualdade consagrado em nossa Carta Magna, revela-se fundamental aos anseios do contribuinte, na medida em que possibilita que este possa concorrer apenas com sua real capacidade contributiva. Noutras palavras, os tributos serão graduados segundo aquilo que o contribuinte pode pagar.
Assim, no dizer de Gustavo Miguez de Mello,[11]
ao proteger o contribuinte contra tributação que exceda a sua capacidade contributiva ou econômica, o Legislador Constitucional está visando a objetivo concernente à justiça. Será preciso acrescentar algo? Não é necessário lembrar nem mesmo que, excedida a capacidade econômica, pode ser arruinada a atividade pessoal e econômica do contribuinte menos habilitado e trazer prejuízos ao país e ao próprio Fisco a médio e longo prazos.
Corolário do atingimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, os impostos progressivos são fundamentais ao bom resguardo dos direitos do contribuinte. Nessa linha de raciocínio, orienta o ilustre professor Roque Antonio Carrazza[12]
“O princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada Justiça Fiscal.
É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva.
Melhor esclarecendo, as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida em que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior deverá ser sua alíquota.”
E prossegue o ilustre professor Roque Antonio Carrazza[13] em seus ensinamentos:
Lembramos, de passagem, que a progressividade não se confunde com a proporcionalidade. Esta atrita com o princípio da capacidade contributiva, porque faz com que as pessoas economicamente fracas e pessoas economicamente fortes paguem impostos com as mesmas alíquotas. É claro que, se a base de cálculo do imposto a ser pago pelo economicamente mais forte for maior do que a base de cálculo do imposto a ser pago pelo economicamente mais fraco, o quantum debeatur do primeiro será maior. Mas isto desatende ao princípio da capacidade contributiva, porque ambos estão pagando, em proporção, o mesmo imposto. Não se está levando em conta a capacidade econômica de cada qual.
d) Princípio da vedação do confisco. A Constituição Federal veda o estabelecimento de tributos que ensejem efeito de confisco (art. 150, IV), ou seja, proíbe que o contribuinte seja excessivamente onerado por um tributo de modo a prejudicar irremediavelmente suas condições de vida. Tal princípio tem relação direta com o princípio da capacidade contributiva, na medida em que este estipula a regra para a tributação progressiva e proporcional dos contribuintes, o que, teoricamente, impede a fixação de tributos confiscatórios.
e) Princípio irretroatividade. Também é um princípio geral do direito a irretroatividade das leis, salvo quando for interpretativa ou quando vier para beneficiar (CF, art. 5°). No entanto, fez-se necessária sua expressa inclusão também no capítulo do Sistema Tributário (CF, art. 150, III, “a”), quando então ficou determinado ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
Deste modo, não se pode cobrar tributos com base em lei cuja vigência se deu após a ocorrência de seus fatos geradores, ou seja, se alguma situação ocorreu ou ocorre sob a vigência de uma determinada lei, a superveniência de uma nova lei não alcançará tal situação. O princípio da irretroatividade da lei tributária é uma forma de assegurar às pessoas a segurança e certeza quanto aos atos por estes já praticados, em virtude de novo ordenamento jurídico que venha a criar ou modificar uma hipótese de incidência. Em suma, não se admite retroatividade em Direito Tributário.
f) Princípio da anterioridade. Significa que nenhum tributo pode ser exigido sem que a lei que o instituiu tenha sido publicada em exercício anterior ao exercício da cobrança deste tributo. É o que estabelece o art. 150, III, “b” da Constituição Federal, que prescreve ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Procura este princípio resguardar a segurança jurídica do contribuinte, possibilitando o planejamento anual de suas atividades econômicas sem que haja a incerteza pela prática de certos atos.
O princípio da anterioridade tributária não se confunde com o da irretroatividade tributária. Enquanto este assegura que lei deve ser anterior ao fato gerador por ela criado, aquele exige lei anterior ao exercício financeiro no qual o tributo deve ser cobrado. O princípio tributário da anterioridade é, na verdade, o princípio da irretroatividade de uma forma qualificada.[14]
A anterioridade tributária também não se confunde com a anualidade tributária. O princípio da anualidade, embora não mais aplicado no Brasil, estabelece que o tributo só pode ser cobrado após previsão orçamentária vinda de autorização do Poder Legislativo. Assim, o princípio da anualidade difere da anterioridade porque naquele, “além da lei de criação ou aumento do imposto, há necessidade de previsão da cobrança no orçamento de cada ano. A previsão de cobrança, na lei orçamentária anual, é indispensável”.[15]
Existem, contudo, algumas exceções ao princípio da anterioridade, motivo pelo qual podem ser cobrados, imediatamente, após serem criados, os seguintes tributos: a) os impostos extraordinários de guerra (art. 154, II); b) os empréstimos compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública (art. 148, I); c) o imposto de importação, o imposto de exportação, o IOF e o IPI (art. 150, § 1°); d) as contribuições sociais de que trata o art. 195, § 6° da Constituição Federal (anterioridade específica).
g) Princípio da liberdade de tráfego. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público (CF, art. 159, V). Na verdade, proíbe-se a tributação que prejudique o princípio federativo, no que se impede, desta forma, a instituição de tributos que tenham por base a transposição das fronteiras interestaduais ou intermunicipais. O princípio da não limitação ao tráfico em nada impede a cobrança de impostos sobre a circulação interna dos Estados ou dos Municípios, sendo certo que apenas obsta a cobrança de tributos cuja hipótese de incidência seja a travessia destas fronteiras. Visa, sobremaneira, garantir a igualdade imposta pelo princípio federativo.
h) Princípio da uniformidade. Determina a limitação imposta à União para não tributar, de forma desigual, quaisquer dos outros entes políticos do Estado. É o que determina o art. 151, I, da Constituição Federal, que proíbe a União de instituir tributos que não sejam uniformes em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país. Este princípio confirma as diretrizes básicas dos princípios federativo e isonômico, pelos quais os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são iguais com relação a posição hierárquica que ocupam. Em tese, portanto, os tributos deverão ser uniformes em todo o território nacional, ressalvados os casos em que se vise o desenvolvimento sócio-econômico entre as regiões do Brasil.
Este princípio se completa com o art. 152 da Constituição Federal, que relata ser vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. Veicula, desta forma, o princípio da não discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens. Impede a chamada “guerra fiscal” entre os entes políticos, vez que limita a criação de tributos discriminatórios em decorrência da origem ou destino de mercadorias ou serviços, ou seja, impede a criação de barreiras alfandegárias internas.
Por fim, temos que outros princípios implícitos, baseados nos princípios políticos constitucionais conformadores, também são positivados para limitar constitucionalmente o poder de tributar do legislador. É o caso, por exemplo, dos princípios inominados descritos nos artigos 150, §§ 5°, 6°, 7° e 151, II e III da Constituição Federal. Quanto a isso, a própria Carta Magna deixou patente a possibilidade de existirem, não expressamente, outros princípios tributários limitadores do poder de tributar do legislador ordinário, ao dispor no caput do art. 150 a expressão “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”.
1.5 Competência tributária
Dentro do sistema constitucional brasileiro, os princípios federativo e da autonomia municipal e distrital são responsáveis por estabelecer uma paridade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, colocando-os numa mesma hierarquia isonômica e regulando a autonomia de cada qual. Não pode, por conseguinte, quaisquer destes entes políticos enveredar livremente rumo à competência alheia. Isto porque todos os seus comportamentos são regulados pela moldura traçada pela Constituição, ou seja, toda sorte de competências de que gozam foi explicitada, distintamente, pela Lei Maior.
São, pois, titulares da competência tributária exarada pela Constituição Federal todos os entes políticos, assim entendidos como sendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Há de se entender, todavia, que as regras que repartem as competências tributárias são dirigidas unicamente ao legislador integrante de cada uma dessas pessoas políticas. Este se acha, assim, impedido de expedir leis que excedam os limites impostos pelo Estatuto Maior.
Para se obter uma maior elucidação do tema, é necessário ser estabelecido o conceito de competência tributária.
Assim, para Roque Antonio Carrazza[16], competência tributária “é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”.
Não destoa deste entendimento o nobre Paulo de Barros Carvalho[17], para quem competência tributária é “a prerrogativa de legislar sobre matéria tributária, lavor que pressupõe a existência de um corpo legislativo, representativo e próprio”.
Conforme os ensinamentos de Héctor B. Villegas[18], “competência tributária é a faculdade que tem o Estado de criar unilateralmente tributos, cujo pagamento será exigido das pessoas submetidas a sua soberania”.
Desta forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não só possuem a faculdade de criar os tributos (definir a hipótese de incidência, a base de cálculo, a alíquota e os sujeitos ativo e passivo), como também recebem permissão para regular a época e a forma de pagamento do tributo, bem como definir que autoridade administrativa ficará responsável, dentro, é claro, de sua competência, pelo lançamento, arrecadação, fiscalização etc.
Por fim, a competência tributária caracteriza-se pela: a) privatividade, posto que a Constituição Federal aponta competências tributárias privativas de cada pessoa política; b) indelegabilidade, assim entendida como a impossibilidade da pessoa política delegar sua competência a terceiros; c) incaducabilidade, no que a competência tributaria não caduca com o tempo; d) inalterabilidade, já que a competência tributária não pode ter suas dimensões alteradas pela pessoa política que a detém; e) irrenunciabilidade, assim encarada como a impossibilidade da pessoa política renunciar, quer no todo, quer em parte, de sua competência tributária; e f) facultatividade, eis que é permitido aos entes políticos exercitar ou não sua competência tributária.[19]
1.6 Fato gerador
Fato gerador é a situação, definida em lei, que enseja a cobrança de tributo. Segundo o Código Tributário Nacional, o fato gerador do imposto é uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte, ou seja, não possui caráter contraprestacional. Nesse sentido, o fato gerador da obrigação (pagamento de tributo) é definido como a situação estabelecida em lei como necessária e suficiente a sua ocorrência.
O Código Tributário Nacional adotou a denominação fato gerador para caracterizar a situação de fato ou situação jurídica que, ocorrendo, determina a incidência do tributo. A vantagem dessa qualificação reside no feito de se deixar claro que o momento em que ocorre o fato gerador é aquele mesmo em que se concretiza a obrigação tributária.
É importante notar que a expressão hipótese de incidência, embora às vezes utilizada como sinônimo de fato gerador na verdade tem significado diverso. A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é descrição, enquanto fato gerador é a concretização da hipótese.
O tributo somente é devido quando consumado o fato sobre o qual incide a norma de tributação, ou, em outras palavras, quando concretizada a hipótese de incidência tributária. Isto, porém, não quer dizer que para os fins do direito intertemporal o fato gerador do tributo deva ser considerado como fato instantâneo, isoladamente. Para que a segurança jurídica seja preservada, é mister que se tenha em conta, ao interpretar o princípio da irretroatividade das leis, todos os fatos integrantes do conjunto em que se encarta aquele fato final, necessário à concretização da hipótese de incidência tributária.[20]
2 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS
2.1 Definição e peculiaridades
Como o próprio nome sugere, trata-se de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. Trata-se de imposto estadual de valor agregado, sofrendo, desta forma, variação de alíquota de Estado para Estado.
O ICMS surgiu como “Imposto sobre Vendas Mercantis – IVM” (1922-1936), transformou-se em “Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC” (1936-1965), posteriormente em “Imposto sobre a Circulação de Mercadorias – ICM” (1965-1989), antes de chegar ao formato atual.
Somente com a Constituição promulgada em 1988 é que se chegou ao ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior) como conhecido atualmente. Ele englobou o ICM, o imposto sobre serviços de comunicação, imposto sobre serviços de transporte e o imposto único sobre a circulação de minerais, fornecimento de energia elétrica e combustíveis líquidos e gasosos e lubrificantes.
Sua regulamentação está prevista na Lei Complementar 87 de 12 de setembro de 1996 (conhecida como “Lei Kandir”), alterada posteriormente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000.
O imposto é regulado por uma lei de abrangência nacional, a chamada “Lei Kandir” (LC 87/96), que estabelece as regras gerais do tributo em todo o País. As leis estaduais apenas complementam a lei nacional e tratam de questões locais.
2.2 Princípios peculiares
2.2.1 Princípio da não-cumulatividade
Diz-se que o imposto é não-cumulativo quando se compensa o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores.
Conforme disciplina Dênerson Dias Rosa,
“A não-cumulatividade consiste em transferir, ao adquirente sob a forma de crédito, o valor pago por determinado contribuinte. O objetivo dessa técnica de tributação consiste em efetivamente fazer com que cada contribuinte pague imposto sobre o valor que agregou ao produto. Por meio do princípio da não-cumulatividade busca-se observar a neutralidade da tributação, ou seja, independentemente de quantas operações ocorreram na cadeia econômica, o imposto será sempre proporcional ao valor da mercadoria ou serviço”.
A regra da não-cumulatividade trazida pela Constituição da República[21] consubstancia-se em um princípio constitucional de eficácia plena, devendo ser observado, indistintamente, pelo contribuinte, pelo legislador e pela Fazenda Pública Estadual.
Trata-se de um imposto plurifásico – incide desde a produção até o consumo final – e é regido pelo princípio não-cumulatividade, nos termos do art. 155, § 2º, I e II, da Constituição Federal.
Na Revista ADCOAS Jurisprudência nº 147-420 de 1995, o Supremo Tribunal Federal adota o seguinte entendimento:
“O princípio da não-cumulatividade de certos tributos, como o ICMS tem por objetivo impedir que, na composição do preço da mercadoria, nas diversas fases de seu ciclo econômico, mormente na última venda, de venda ao consumidor final, a parcela representativa do tributo venha representar percentual excedente do que correspondente à alíquota máxima permitida em lei. Opera ele, como disposto no artigo 23 da CF/69 – artigo 155, parágrafo 2º, I, da CF/88 -, por meio de compensação do tributo pago na entrada da mercadoria com o valor devido na ocasião da saída, significando na prática, que a operação de venda é tributada tão somente pelo valor adicionado ao preço. Evita-se, por esse motivo, cumulação do tributo”.
2.2.2 Princípio da seletividade
Através do princípio da seletividade, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, entende-se aqui que o legislador constituinte quis permitir aos Estados a possibilidade de estimular setores da sua própria economia, promovendo o crescimento destes setores por meio de alíquotas internas diferenciadas. Tem, como se sabe, o claro propósito de regular a carga de tributação dos diferentes produtos, graduando-a conforme a necessidade ou essencialidade dos mesmos.
De fato, a Constituição Federal prevê o princípio da seletividade em função da essencialidade dos produtos ou dos serviços sem especificar se a aplicabilidade se restringe às pessoas físicas ou se estende também à pessoas jurídicas. Contudo, o Estado ao estabelecer a alíquota para alguns produtos ou serviços, ainda que essenciais à sociedade, não tem, observado o princípio constitucional da seletividade. Paga-se menos ICMS em uma bicicleta do que em serviço de eletricidade.
Em regra, esse princípio visa assegurar a aplicação da moderna técnica fiscal, que permite a utilização de alíquotas inversamente proporcionais à essencialidade das mercadorias e serviços. Com isso, as mercadorias e serviços considerados supérfluos poderão ser mais onerados do que os essenciais ao atendimento das necessidades básicas da população.
2.3 Fato gerador
Como já visto, fato gerador é a situação definida em lei como necessária e suficiente para dar nascimento à obrigação tributária principal, ou seja, à obrigação de pagar o tributo.
Amílcar Falcão, na obra que propôs estudar este instituto tributário, definiu fato gerador como “o conjunto de fatos ou o estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado”.[22]
Por sua vez, entende Sacha Calmon que fato gerador “é a realização de operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de comunicações e transportes de natureza não estritamente municipais por produtores, extratores, indústrias, comerciantes e prestadores”.[23]
Constata-se, então, que o fato gerador tem sua importância porque dele, necessariamente, como expresso no CTN (§1º, art. 113), é que surge a obrigação ex lege de pagar o tributo, e também do fato gerador que se averigua: a) o sujeito passivo principal da obrigação tributária; b) fixação dos conceitos de incidência, não-incidência e isenção; c) determinação do regime jurídico da obrigação tributária: alíquotas, base de cálculo, isenções.[24]
Em análise específica do ICMS, cabe à lei complementar definir o fato gerador, de acordo com a vigente Carta Magna (art. 146, III, a), daí a razão pela qual, atendendo ao mandamento constitucional, a LC n.º 87/96 definiu os fatos geradores do ICMS:
“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
II – do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento;
III – da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado do transmitente;
IV – da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;
V – do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;
VI – do ato final do transporte iniciado no exterior;
VII – das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
VIII – do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:
a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável;
IX – do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior;
X – do recebimento, pelo destinatário, de serviço prestado no exterior;
XI – da aquisição em licitação pública de mercadorias importadas do exterior apreendidas ou abandonadas;
XII – da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização; (NR)
XIII – da utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subseqüente”.
Constata-se, desta forma, a vasta abrangência que o seu fato gerador alcança. Isso se deve ao fato de o ICMS ter englobado, na sua criação, outros impostos. E este fato consolida a importância deste imposto: em 2001, o ICMS arrecadou o equivalente a 23% da carga fiscal, R$ 94,19 bilhões, ou seja, 7,95% do PIB.
2.4 Alíquotas e base de cálculo
A base de cálculo é o aspecto material, quantitativo do fato gerador do imposto. Representa sempre uma expressão de valor ou quantidade, indispensável para que seja apurada a dimensão econômica do tributo.
Gilberto de Ulhôa Canto define base de cálculo como “a extensão, o valor ou a quantidade que a lei manda considerar como índice de capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária”.[25]
Outra definição peculiar de base de cálculo é a dada por Geraldo Ataliba que se referiu da seguinte forma: “é a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência tributária”.[26]
A base de cálculo também deve ser fixada em lei, já que igualmente submetida ao regime da reserva legal, tem a função primordial de quantificar a prestação do sujeito passivo, devida desde o momento em que nasceu o tributo com a ocorrência do fato gerador. Em termos práticos, a base de cálculo pode ser: o valor da operação (em se tratando de operação de circulação de mercadoria); o preço do serviço (em se tratando de transporte e de comunicação); ou o valor da mercadoria ou bem importado, constante em documento de importação.
No ICMS, tendo em vista a sua enormidade, conseqüência das suas variadas formas de hipóteses de incidência, a delimitação da sua base de cálculo é diferenciada de acordo com o respectivo fato gerador.
Mas Roque Antônio Carrazza estabelece mais uma função principal. Para ele talvez mais fundamental que quantificar o fato gerador é servir para confirmar ou afirmar a natureza jurídica do tributo. Sua proposição está nítida na seguinte afirmação:
“Com efeito, a natureza jurídica do tributo não é revelada apenas por sua hipótese de incidência (fato gerador “in abstracto”), como singelamente declara o art. 4º, I, do CTN[27], mas, também, por sua base de cálculo.
Em termos mais técnicos, o tipo tributário é revelado após a análise conjunta da hipótese de incidência e da base de cálculo da exação.” [28]
Outro tópico se suma importância a ser estudado no tocante ao ICMS é a alíquota, pois representa a quantidade ou proporção, que deve ser retirada da base de cálculo do tributo ou nela considerada para apuração do montante a ser recolhido pelo contribuinte ou responsável. Desse modo, a alíquota é o fator que se deve aplicar à base de cálculo.
O já citado Carrazza conceitua alíquota como sendo “o critério legal, normalmente expresso em percentagem, que, conjuntamente com a base de cálculo permite definir o quanto devido”.[29]
A alíquota pode variar, inclusive num mesmo tributo (alíquota progressiva e princípio da seletividade), mas não deve imprimir feições confiscatórias. Ademais, em relação aos impostos, deverá tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva, ressaltado na 1ª parte, do §1º, do art. 145, da CF/88.[30]
As regras para determinação das alíquotas do ICMS encontram-se no texto constitucional e são as seguintes:
a) Operações e prestações interestaduais
São estabelecidas através de Resolução do Senado Federal, por iniciativa do Presidente da República ou de 1/3 dos Senadores, e necessitam de aprovação da maioria absoluta dos membros do Senado Federal. A alíquota interestadual será utilizada quando o remetente e o destinatário estiverem situados em Estados diferentes e se o destinatário não for contribuinte do imposto, aplicar-se-á a alíquota interna, mesmo que a operação seja interestadual.
b) Operações e prestações internas
As alíquotas máximas e mínimas são fixadas, facultativamente, pelo Senado Federal. No caso de determinação das alíquotas máximas, estas serão fixadas mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por 2/3 dos membros do Senado Federal, sempre que houver necessidade de resolver conflito envolvendo interesse dos Estados. No caso das alíquotas mínimas, estas serão estabelecidas por resolução de iniciativa de 1/3 e aprovada pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal.
2.5 Características da guerra fiscal voltadas para o ICMS
A situação que a guerra fiscal criou, determinou o surgimento de uma série de novos benefícios. A título exemplificativo, vale citar alguns:[31]
2.5.1 Benefícios fiscais
a) Isenção do ICMS para novas empresas sem produção similar no Estado:
Trata-se da concessão de isenção do ICMS para aquela empresa cujos produtos ainda não existem similar sendo produzido no território do Estado concedente;
b) Isenção ou redução de ICMS para as micros e pequenas empresas:
O argumento nacional para este tipo de concessão é o de que as micro e pequenas empresas absorvem grande quantidade da mão-de-obra, ou seja, ajudam no combate ao desemprego, fantasma que assombra todo e qualquer administrador público.
c) Redução de alíquotas para situações e produções especiais:
O ICMS é um imposto seletivo, portanto suas alíquotas são de acordo com essencialidade do produto, e tal fato por si só já seria suficiente para diferenciar estas situações e produções especiais, mas para reforçar-se a condição reduz-se mais ainda as alíquotas.
d) Postergação de prazo de vencimento do ICMS:
Normalmente a legislação que determina o prazo de recolhimento do ICMS prevê que o imposto apurado em determinado mês será recolhido até o vigésimo dia do mês seguinte, neste caso, portanto, o imposto é recolhido 60/90/120 dias após sua apuração.
e) Financiamento de longo prazo do pagamento do ICMS:
Este é o maior incentivo de todos e funciona de formas diversas, mas com o mesmo espírito. Mensalmente, após a apuração, o contribuinte paga o imposto e recebe 70% de volta sobre forma de financiamento, com vencimentos que variam de 5/10 anos; também mensal, apurado o imposto, o contribuinte só recolhe 30% e os 70% restantes já são diretamente financiados, também com prazos elásticos, sem correção e com juros baixíssimos.
f) Utilização de futuros créditos do ICMS:
A Lei Kandir (lei complementar 87/96) permitiu o crédito do ICMS que incide sobre a aquisição de material de consumo, mas tais créditos até a presente data nunca puderam ser apropriados, mas alguns Estados já autorizam sua apropriação como forma de incentivo fiscal.
2.5.2 Benefícios financeiros
a) Aquisição de ativos fixos:
Este é o maior favor financeiro, pois possibilita ao contribuinte adquirir parte de seus bens de capital com financiamento à taxa de juros baixos e prazos a perder de vista.
b) Formação ou recomposição de capital de trabalho:
Mão-de-obra qualificada pelo próprio Estado, com reaparelhamento e curso de formação visando incrementar a qualidade da mão-de-obra.
c) Empréstimo para o pagamento do ICMS:
Concessão de empréstimos para quitação do imposto devido, também sob condições favoráveis de juros e prazos.
2.5.3 Outros benefícios
Dentro dos pacotes de incentivos pode-se ainda destacar outras modalidades de benefícios, como estímulos para implantação do projeto:
a) Doação, venda ou aluguel de terrenos, lotes e/ou galpões industriais a preços reduzidos:
O objetivo é facilitar, ao máximo, a instalação da empresa.
b) Assistência técnica na elaboração do projeto:
Técnicos do governo que ajudam a desenvolver o projeto de implantação.
c) Apoio à formação e capacitação de pessoal:
Programas profissionalizantes objetivando a qualificação ou melhoria da mão-de-obra já utilizada ou a ser contratada pela empresa.
3 A GUERRA FISCAL NOS ESTADOS
Configura-se como guerra fiscal a disputa entre os Estados em conceder incentivos fiscais para atrair investimentos. Esses incentivos são dados no âmbito do ICMS, imposto estadual que tributa a circulação de mercadorias e alguns serviços. Esta prática se dá via concessões de benefícios fiscais, financeiros e de infra-estrutura para as empresas interessadas em investir ou transferir seus investimentos para o Estado concessor do benefício.
Quando ocorre a redução de impostos por um Estado, este deixa de auferir as arrecadações dele provenientes. Contudo, tal ato atrai outras empresas do setor, vez que são beneficiadas com a redução, gerando, com isso, a obtenção em escala de impostos.
No entanto, essa medida, ao incorporar as novas empresas, gera flagrante detrimento em face dos outros Estados. E, no momento em que várias unidades federativas passam a adotar políticas de incentivos e financiamento fiscais, temos uma ruptura do processo de eqüidade fiscal entre os membros do grupo federado, provocando a chamada guerra fiscal.[32]
E o fenômeno, antes de ser brasileiro, é mundial. O uso do instrumental tributário para atrair novos investimentos geradores de riqueza sempre foi a base dos entes estatais, desde o início da era industrial. Pode-se afirmar tratar-se de vocação natural e inequívoca dos governos em formularem políticas de atração fabril para seus territórios.
A respeito da guerra fiscal, nota-se uma preocupação nacional, conforme transcrição do texto da então proposta de Reforma Tributária (PEC 41):
No tocante ao imposto de competência estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), tem-se, atualmente, um quadro de grande complexidade da legislação. Cada um dos Estados mantém a sua própria regulamentação, formando um complexo de 27 (vinte e sete) diferentes legislações a serem observadas pelos contribuintes. Agrava esse cenário a grande diversidade de alíquotas e de benefícios fiscais, o que caracteriza o quadro denominado de “guerra fiscal”.
Vez que não solucionado o problema, o então governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, lançou um pacote batizado de “Primavera Tributária”, onde, após enfastiar-se com o êxodo de empresas para outros Estados, resolveu entrar na briga e concedeu a diminuição da alíquota de ICMS para alguns setores. Nas indústrias de autopeças, máquinas, remédios, alimentos e brinquedos, a alíquota do ICMS foi reduzida de 18% para 12%. No setor do vinho, o corte foi de 25% para 12%.[33] Estas foram apenas algumas de um total de 13 medidas para reduzir a carga tributária e estimular a competitividade do Estado, após as sucessivas perdas dos últimos anos com a guerra fiscal. Segundo dados do Ministério da Fazenda, nos últimos oito anos antes dessa medida São Paulo perdera cerca de R$ 8 bilhões em ICMS.
O Distrito Federal também participou desta guerra de oferta de incentivos. Destaca-se o Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Sustentável do Distrito Federal (Pró-DF)[34] e o Regime Especial para o Setor Atacadista[35], programas voltados a atrair para esta região empreendimentos que gerem emprego e renda, e para tanto, as empresas que aqui se instalarem e de acordo com cada um destes programas, usufruirão de isenção de IPTU, ITBI, de empréstimo de até 70% (setenta por cento) do ICMS incidente sobre suas operações, além de alíquotas diferenciadas.
3.1 Os convênios interestaduais
Querendo conceder reduções ou isenções nas alíquotas de ICMS devem os Estados e o Distrito Federal, previamente, firmar entre si convênios (acordos, programas a serem desenvolvidos pelas unidades federativas). Esses convênios serão firmados no CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, que é constituído por membros do governo federal e secretários da Fazenda ou Finanças de cada Estado.
O CONFAZ foi criado através da lei complementar nº 24 de 1975 e visa evitar o processo de desorganização tributária, que passa necessariamente por um processo de isenções fiscais. Busca-se, desta forma, reunir os 27 secretários da fazenda dos estados e o Ministro da Fazenda para que acordem unanimemente a respeito dos incentivos.[36]
Tais convênios, para se tornarem direito interno das unidades federativas interessadas, precisam ser ratificados, não por decreto do Governador – como infelizmente vem acontecendo com base no art. 4º da Lei Complementar n.º 24/7522 – mas, sim, por meio de decreto legislativo baixado pela respectiva Assembléia Legislativa ou, no caso do Distrito Federal, por sua Câmara Legislativa.
As normas constitucionais que dispõem sobre a limitação ao poder de legislar dos membros da federação, como considera o Supremo Tribunal Federal, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia dos Estados. Desta forma, toda a espécie de renúncia ou benefício fiscal utilizados pelos Estados deve ser concedido seguindo as determinações da Constituição, sob pena de ser o ato flagrantemente oposto ao que prevê a nossa Norma Fundamental.
3.2 O Judiciário e os benefícios fiscais
Nosso país teve inscrito no seu regime tributário constitucional, devido ao absurdo, um freio jurídico efetivo à concessão de isenções e incentivos unilaterais. E, sempre que o mesmo foi acionado, o Supremo Tribunal Federal deu à norma constitucional toda a eficácia esperada, não sendo responsabilidade, de conseguinte, do Judiciário que os efeitos não tenham sido totalmente inibidores da continuidade da intensa escaramuça tributária interfederada.
Destarte, se os próprios Estados-membros foram complacentes com os estímulos dados por seus pares, não se pode atribuir ao sistema constitucional tributário o defeito pelo seu precário funcionamento.
Nessa seara, nem o Ministério Público Federal ou dos Estados, nem os contribuintes e seus órgãos de classe se interessaram em obstar a contínua e incessante violação do Texto Constitucional.
Sem embargo, ressalve-se a ação do Poder Judiciário. Há inúmeros arestos da Suprema Corte – antigos e recentes – que mostram que, provocado, o mecanismo de atuação da Constituição e da LC 24/75 se fez presente e eficaz em todas as circunstâncias.
A propósito, vale citar a ementa da ADIN nº 1247-9 do STF. Veja-se:
“Convênios e concessão de isenção, incentivo e benefício fiscal em tema de ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios – enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão.
O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir às relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS.[37]”
São iterativas e uniformes as manifestações do Supremo Tribunal Federal[38], agindo sempre com o máximo bom senso e ceifando toda espécie de incentivos fiscais que não observam a existência de convênio interfederado anterior, no qual fique expresso a concordância das demais Unidades na licença ao benefício.
CONCLUSÃO
Após análise meticulosa do tema, restou manifestamente demonstrado o caráter eminentemente hostil e predatório da guerra fiscal travada entre os Estados. As conseqüências são por demais deletérias, tanto para os próprios Entes Federados, como para a sociedade.
Os beneficiados com os conflitos sempre são os Estados mais abastados, capazes de suportar o ônus das renúncias, assegurando ainda assim razoáveis condições de produção. Como resultado desta errônea política econômica surgem divergências entre os objetivos nacionais e estaduais e entre a melhor estratégia de desenvolvimento do Estado a curto e longo prazo.
Infere-se que esses incentivos fiscais não geram, ao menos de forma agregada, aumento de investimentos. Determinam apenas sua deslocação dentro do território brasileiro, não significando aumento de emprego e produção. E essa eficiência econômica putativa gerada com as benesses tributárias acaba reduzindo, de fato, o custo privado e onerando seu custo social.
O foco deve ser voltado para a solução harmônica e efetiva destes conflitos. Não basta o Judiciário decretar a inconstitucionalidade dos decretos estaduais que trazem os benefícios fiscais. Essa é apenas uma medida paliativa que vem sendo adotada há muito, não trazendo um resultado efetivo.
Dentre as soluções possíveis para eliminação guerra fiscal pode-se destacar:
A eliminação do ICMS nas operações interestaduais: Não havendo imposto a ser pago nas operações interestaduais, o fator tributário certamente diminui de importância no momento da escolha do local de instalação das indústrias.
A transferência para a União a legislação do ICMS: retirada a competência legislativa, não há possibilidade de os Estados concederem benefícios tributários. Assim, o ICMS passará a ser regulado por lei complementar e por regulamento editado por órgão colegiado composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, sendo vedada adoção de norma estadual autônoma. A Proposta de Emenda a Constituição nº 41 optou por essa solução.
Outra solução seria a desoneração das operações interestaduais. O imposto seria cobrado na origem, contudo a receita das operações interestaduais ficaria transferida para o Estado destinatário. Dependeria de uma apuração precisa dos montantes do comércio interestadual, montando uma câmara de compensação. Mostra-se essa solução ser de difícil executoriedade para a administração tributária estadual.
Não obstante as soluções ora apresentadas, deve-se ainda ter em foco uma forma de coibir com sanções severas os Estados que desrespeitarem os preceitos constitucionais ora vigentes ou as soluções que serão dadas com a reforma tributária. Não se pode admitir um procedimento, como que se tem visto, onde cada Estado, em detrimento dos demais e, em suma, da própria Federação, administra a concessão de benesses tributárias que objetivam o desenvolvimento de sua própria economia, como se fora um Estado independente.
Somente com uma dinâmica de desenvolvimento desconcentrado se terá distribuição de oportunidades de progresso para todas as regiões do país. Esse objetivo é Federal, devendo o Governo Central buscar um desfecho harmônico a possibilitar uma competitividade justa entre os Estados.
Informações Sobre o Autor
Márcio Renato Espírito Santo de Brito
Acadêmico de Direito