A necessidade de limites à liberdade religiosa

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Desde os primórdios de sua história, as sociedades humanas estão diretamente atreladas a alguma religião.

Diversas civilizações se desenvolveram fundamentadas sob o manto de alguma crença. Culturas inteiras como o Egito Antigo, Maias, Persas e tantas outras, viviam sob a égide da Teocracia. A figura do governante confundia-se com a de um Deus ou representante seu, estando o poder, assim, justificado pela escolha de deste[1].

No mundo moderno, a religião se dissociou do governo, mas não perdeu sua importância para a sociedade. Ao longo da história o que se percebeu foi momentos em que determinada religião era praticamente hegemônica, e em outros em que a liberdade de crença ficou consagrada.

Segundo Mauricio Scheinmam, em artigo publicado acerca do tema, “Foi no século III d.C que a expressão liberdade religiosa – libertas religionis – foi, provavelmente, utilizada pela primeira vez, por Tertuliano, advogado convertido ao cristianismo e que passou a defender a liberdade religiosa em face dos abusos do Império Romano.”[2]

A doutrina indica três sistemas para a relação Estado-Igreja: a confusão, em que o Estado se confundia com a religião; a União, em que existiam determinadas relações jurídicas entre o Estado e a Igreja; e a separação, em que o Estado não tem mais relação com qualquer religião, tornando-se laico ou ateu.

O fato é que a existência de uma crença religiosa sempre foi presente e muito importante para uma sociedade. O seu reconhecimento deu-se com o respeito individual diante das diferenças, tendo como ápice o surgimento das diversas legislações asseguradoras da liberdade religiosa, como exemplo, Declaration on the Elimination of All Forms of Religious Intolerance, que esclarece de maneira detalhada o que consiste o direito a liberdade de pensamento, crença, religião e consciência.

Nesse sentindo, cumpre registrar que a liberdade ao ateísmo também é assegurada nas diversas legislações acerca do tema, bem como, na Constituição Federal do Brasil.

Neste, a afirmação do direito a liberdade religiosa não foi diferente: a Constituição Federal através de seu art. 5º, VI, assegura o livre exercício de cultos religiosos e garante a proteção aos seus locais e suas liturgias.

Relativamente ao histórico de tal direito no Brasil, ensina Alexandre de Moraes:

“Saliente-se que na história das constituições brasileiras nem sempre foi assim, pois a Constituição de 25 de março de 1824 consagrava a plena liberdade de crença, restringindo, porém, a liberdade de culto, pois determinava em seu art. 5º que ‘a Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com o seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo.’ Porém, já na 1ª Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, no art. 72, §3º, foram consagradas as liberdades de crença e de culto, estabelecendo-se que ‘todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.’ Tal previsão foi seguida pelas demais constituições.”[3]

A religião, tem assim, um histórico concernente a sua relação com o Estado. O direito de tê-la faz parte da liberdade de pensamento e o seu exercício é garantido a todos.

Entretanto, a liberdade individual para o livre exercício de uma religião não pode sobrepor-se ao coletivo. Ou seja, a liberdade de culto[4] é garantida até onde não haja perturbação da ordem pública. Nesse sentido, doutrina novamente Alexandre de Moraes:

“A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranqüilidade e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes.”[5]

As questões relativas a religião, entretanto, não são tão simples como pode parecer.

Os limites à liberdade religiosa não são desnecessários ou abusivos. Algumas religiões ou cultos, por assim dizer, praticam atos abusivos e condenados socialmente. Sob o manto da religião, algumas pessoas praticam atos ilegais e imorais com o intuito de satisfazer sua lascívia ou obter alguma vantagem financeira. Aproveitando-se da ignorância alheia, tantas outras prometem grandes conquistas ou curas milagrosas. Entretanto, fé é uma questão indiscutível, não há explicação ou qualquer parâmetro que indique o que é certo ou errado. O objeto da critica em questão não é direcionada a qualquer religião ou sua manifestação em especifico, mas sim aos atos abusivos praticados sob o seu manto.

Desse modo, o direito a liberdade religiosa, como todas as demais garantias constitucionais, deve ter certo limite sob o risco de abrigar a pratica de atos ilegais. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou:

“A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não forem contrários à ordem, tranqüilidade e sossego públicos, bem como compatíveis com os bons costumes.” [6]

“Poder de polícia. Livre exercício dos cultos religiosos, assegurado pela Constituição, não implica na tolerância de ofensa aos bons costumes, na relegação de disposições do Código Penal.”[7]

A sociedade civil tem o direito de se proteger frente a pratica de atos ilegais realizados sob o manto da religião.

Tal questão não é nada simples. A liberdade religiosa foi conquistada com muita dificuldade e é uma questão que até nos dias atuais denota muito preconceito. Não chega a ser nada difícil, verificar no mundo moderno, conflitos decorrentes da intolerância religiosa.

Entretanto, como anteriormente comentado, a religião não pode ser um véu para encobrir atitudes ilícitas. Um exemplo clássico para tal questão, são determinadas seitas que, em nome de algum ente espiritual, realizam sacrifícios de animais ou até mesmo de humanos com o intuito de alcançar algum desejo. Eventualmente, inclusive, surgem relatos sobre crianças encontradas mortas ou abusadas após a realização de algum “ritual”. Ora, como podem seres humanos serem mortos para satisfazer os desejos alheios? O que ocorre são verdadeiros crimes realizados sob a égide da “religião”. Casos como esses são relativamente constantes, entretanto, dificilmente vem ao conhecimento público.

A liberdade religiosa é sim um direito fundamental do ser humano, um direito conquistado em cima de duras batalhas e essencial, por sua natureza e história, ao seu humano, mas que, assim como os demais direitos fundamentais, deve encontrar limites de modo a assegurar o bem comum.

 

Bibliografia:
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., 1994
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed.,2003.
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns
apontamentos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 712, 17 jun. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6896>. Acesso
em: 24 out. 2005.
Notas:
[1] Entenda-se “Deus” como qualquer ente considerado divino por uma população.
[2] SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns
apontamentos.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo. 2003.
[4] Entenda-se “Culto” como religião de um modo geral.
[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo. 2003.
[6] STF. RTJ 51/344
[7] STF. RMS 16857/ MG; Rel. Min. Eloy da Rocha; DJ. 24.10.1969

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marina Batista Garrett

 

Acadêmica de Direito pela Faculdade de Direito do Recife – UFPE

 


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