A variação cambial, o CODECON e os contratos de Leasing. As prestações e as cláusulas de reajuste pela variação cambial

O consumidor brasileiro, de um modo geral, entorpecido pelas falsas valorização e estabilidade da moeda nacional, e mais, acreditando nas promessas do Governo Federal e de sua equipe econômica, investiu na aquisição de bens que, de certa forma, lhes tornariam a vida mais útil ou agradável quando, não, significavam a realização de sonhos e antigos projetos.

A verdade, porém, bem outra, de um instante para o outro transformou utilidade, comodidade e realização em desilusão e desespero. Inopinadamente, renuncia o Governo Federal à sua política monetária, lastreada na âncora cambial e, rumo oposto, libera o câmbio. Opera-se, destarte, abruptamente, uma desvalorização do Real, hoje, em torno de 50%.

A QUESTÃO DA CORREÇÃO PELA VARIAÇÃO CAMBIAL

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Cumpre, em primeiro lugar, averiguar-se da possibilidade jurídica de estipulação de cláusula contratual que estabeleça o reajuste de prestações de acordo com a variação cambial do dólar.

Com relação a isso, penso que não haja dúvidas quanto à viabilidade de tal estipulação,  desde que respeitados os termos do artigo 6º, da Lei nº  8.880, de 27.05.94, e da Resolução nº 2.309/96, do Banco Central do Brasil, isto é, na hipótese de o bem arrendado ter sido adquirido com recursos externos e, certamente, enquanto não resgatado tal empréstimo no exterior pela instituição financeira que o captou. Atente-se, porém, que estamos tratando de contratos de consumo em massa, celebrados por adesão, que, muitas vezes, a fim de valerem-se do permissivo legal, fazem expressa alusão a tais financiamentos externos sem que isto, na verdade, tenha efetivamente ocorrido ou, ainda, que esses financiamentos ainda não foram resgatados pelos respectivos tomadores. Contratos por adesão que são, a dúvida em relação à interpretação de qualquer de suas cláusulas resolver-se-á, sempre, em benefício do consumidor.

A QUESTÃO DOS RISCOS DA VARIAÇÃO CAMBIAL

Outro aspecto muito comentado, inclusive pelo Exmo. Sr. Ministro da Fazenda, recentemente, e com absoluta impropriedade – o que denota que S. Exa. não guarda muita afinidade com matéria jurídica – seria em relação aos riscos assumidos por quem celebrou contratos cujas prestações estariam atreladas à variação cambial.

Os contratos como os descritos acima, em nenhuma hipótese, são contratos de risco. Muito ao contrário, são contratos comutativos, sinalagmáticos. Logo, há uma certa equivalência entre as prestações dos contraentes, um certo equilíbrio entre as partes, certamente, respeitada as margens de lucro da Arrendadora. Não há, pois, que se falar em risco, que não é elemento, não é da essência, dos contratos comutativos.

Penso que quer-se dizer, com declarações tais como as do Sr. Ministro, que o evento desencadeador do desequilíbrio contratual seria previsível e, portanto, uma variação cambial como a experimentada teria sido assumida pelo contratante. Entendo, ainda assim, que nenhuma razão socorre ao argumento.

O Governo Federal, desde 1994, vinha adotando a política da taxa de câmbio fixa, temperada com adoção de bandas ou faixas, valorizando-se o dólar entre 6% e 7% ao ano, em relação ao real. Para um consumidor médio, que viu e ouviu o Governo Federal afirmar, durante mais de quatro anos, que a política cambial era a âncora do real e, desta forma, intocável, viu e ouviu tais promessas ao palanque eleitoral, do Presidente/candidato, às vésperas da reeleição, não era previsível uma mudança na política monetária, com a adoção do sistema de livre flutuação, isto é, com uma liberação de câmbio que, em menos de 15 dias, desvalorizou em 60%, a moeda nacional, onerando, de uma hora para outra, todos aqueles consumidores que, embargados por um sucesso mascarado da moeda pátria, confiaram no Governo, e investiram suas economias em bens que lhes pudessem  trazer algum benefício.

Previsível,  sim, e quando muito, seria uma desvalorização gradual, na casa dos 6 a 7% ao ano, como vinha acontecendo. E, para quem queira defender a teoria da imprevisão – de resto, desnecessário -, esta era a situação existente quando os contratos foram celebrados.

Em respaldo a essa posição, afirma LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA, em artigo entitulado Causas de Revisão Judicial nos Contratos Bancários,  publicado na Revista de Direito do Consumidor, vol. 26, p. 125/135, que “responder-se à questão em favor dos resultados de um evento que pode ser em si mesmo previsível, mas cujas conseqüências são inestimáveis ou inavaliáveis anteriormente ao seu acontecimento, é ampliar o leque de acontecimentos que se enquadrariam na noção de imprevisibilidade. É este o raciocínio que tem permitido, em países de inflação contínua, alterarem-se contratos com a aplicação da teoria da imprevisão, e adotar como fato imprevisível os índices inflacionários”. E conclui: “É que a existência contínua de taxas de inflação acabam por “normalizar” a desvalorização monetária, o que não impede que o quantum da desvalorização, em um determinado período, acabe por tornar-se inesperado e não previsto”.

Nesse sentido:

Acórdão RESP 135151/RJ  – (97/0039327-5)  Fonte DJ  Data:10/11/1997   PG:57787

Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)

Ementa  – PROMESSA DE COMPRA E VENDA. FATO SUPERVENIENTE. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO. PLANO CRUZADO. CORREÇÃO MONETARIA.

CELEBRADO O CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA, COM PRESTAÇÕES DIFERIDAS, SEM CLAUSULA DE CORREÇÃO MONETARIA, DURANTE O TEMPO DE VIGENCIA DO PLANO CRUZADO, QUANDO SE ESPERAVA DEBELADA A INFLAÇÃO, A SUPERVENIENTE DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA JUSTIFICA A REVISÃO DO CONTRATO, CUJA BASE OBJETIVA FICOU SUBSTANCIALMENTE ALTERADA, PARA ATUALIZAR AS PRESTAÇÕES DE MODO A REFLETIR A INFLAÇÃO ACONTECIDA DEPOIS DA CELEBRAÇÃO DO NEGOCIO. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Data da Decisão 08/10/1997    Orgão Julgador – QUARTA TURMA

A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

Por derradeiro, e aqui não sobra qualquer margem de postulação em sentido contrário, nas relações jurídicas de consumo não se cogita da previsibilidade ou imprevisibilidade do fenômeno rompedor do equilíbrio contratual.

Não se baseia a revisão dos contratos de consumo na chamada teoria da imprevisão  mas, sim, na chamada teoria da quebra do contrato. Aquela prende-se à visão voluntarística que carrega de forma iminente; esta, mais abrangente, prende-se ao aspecto objetivo, isto é, a quebra da base do negócio jurídico. Esta a concepção adotada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor , em seu artigo 6º, inciso V, onde, pela simples leitura do dispositivo, constata-se ser absolutamente despiciendo, para o exercício do direito à revisão contratual, a imprevisibilidade das circunstâncias supervenientes. Aqui o importante é a destruição da relação de equivalência entre as prestações.

Desta forma, composto o Código de Proteção e Defesa do Consumidor de normas de ordem pública e de interesse social, deve o julgador buscar o restabelecimento da justiça e da utilidade do pacto, através da recomposição da economia contratual, mantendo-se o sinalagma funcional do negócio jurídico.

Oportuno realçar o entendimento da eminente e culta Profª CLÁUDIA LIMA MARQUES que, sobre o tema, em sua clássica obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 2a. ed. p. 299, assim leciona :

“A norma do artigo 6º, do CDC avança ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, apenas exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra do seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações. Ao desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual que agora apresenta mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que poderia ser previsto e não foi”.

Nesse sentido, recente acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, abonando a tese da quebra da base do negócio por fato superveniente:

RESP 73370/AM; (95/0043990-5)

Fonte  DJ       DATA:12/02/1996   PG:02433

Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)

Ementa PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESOLUÇÃO.  FATOS SUPERVENIENTES. INFLAÇÃO. RESTITUIÇÃO.

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A MODIFICAÇÃO SUPERVENIENTE DA BASE DO NEGOCIO, COM APLICAÇÃO DE INDICES DIVERSOS PARA A ATUALIZAÇÃO DA RENDA DO DEVEDOR E PARA A ELEVAÇÃO DO PREÇO CONTRATADO, INVIABILIZANDO A CONTINUIDADE DO PAGAMENTO, PODE JUSTIFICAR A REVISÃO OU A RESOLUÇÃO JUDICIAL DO CONTRATO, SEM OFENSA AO ARTIGO 6. DA LICC.

Data da Decisão 21/11/1995     Orgão Julgador T4 – QUARTA TURMA

CONCLUSÃO

A atualidade, a urgência e a relevância do tema impuseram-me a redação destas apressadas e apertadas linhas que, se não primam pelo rigor científico, têm o objetivo explícito de fomentar o debate e a discussão jurídica sobre o assunto.

Diante do que acima ficou consignado, penso que seja direito insofismável dos consumidores – nos contratos relacionados à aquisição ou ao arrendamento de bens, cujo critério de reajuste das prestações dos contratantes encontra-se vinculado à variação cambial – a revisão de tais cláusulas, com fundamento no artigo 6º , V, da Lei nº 8.078/90,  fixando-se, em reais, o valor da prestação e, após, estabelecer-se um novo critério de reajuste, cuja finalidade última é, apenas, evitar-se a corrosão do valor da prestação e, não, enriquecer a financeira.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Werson Franco Pereira Rêgo

 

Juiz de Direito no Rio de Janeiro/RJ
Professor Titular de Direito do Consumidor na UNESA e Conferencista da Escola da Magistratura do RJ
Doutorando em Direito pela Universidad del Museo Social/Buenos Aires/Argentina

 


 

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