Direito autoral e cultura humana: A proteção jurídica e o desenvolvimento da criação intelectual

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Resumo: O presente trabalho apresenta uma pesquisa realizada no intento de provocar uma visão diferenciada de qual seria a finalidade do Direito Autoral e sua legislação. Tendo como ponto de partida a necessidade da transcendência do pensamento e do intelecto, aborda-se as evoluções técnicas vivenciadas pelo processo de produção da obra intelectual, traçando um corte jurídico na fenomenologia instaurada a partir destes novos paradigmas e seus efeitos na atuação do criador desta obra e no próprio Direito. Assim, aponta-se um caminho a seguir para a melhoria da utilização da norma visando como meta esta transcendência. Utilizando-se pesquisa documental e análise crítica dos fatores extraídos e expostos, o resultado é uma proposta de alteração na aplicação das normas de Direito Autoral com relação a seus reais objetivos e beneficiados. *


Palavras-chaves: Direito Autoral, Cultura, Lei 9.610/98, Pirataria.


INTRODUÇÃO


A evolução do pensamento humano é um fenômeno consagrado pela ciência. Antropologia e História atestam o caminho da superação do intelecto humano por si mesmo de tempos em tempos, das mais variadas formas, em intervalos nunca fixos ou previsíveis. A meta, segundo o pensamento filosófico universalmente aceito, é a transcendência, fenômeno que se constitui na contínua evolução sem, na verdade, haver meta final.


A cultura indica essa trajetória.  E a convivência em sociedade é que possibilita esta troca e empilhamento de processos e experiências, os quais facultam a evolução. Dentro da cultura, assim delineada, a obra intelectual exerce o papel de imbuir o homem socializado de buscar a sua melhoria sem correlação com os meios de sobrevivência.


Alguém cria essa obra intelectual, essa manifestação da cultura. E esse autor, ente responsável em grande parte no processo da transcendência da sociedade, deve ser resguardado; para a proteção dele e de sua obra, surgiu o Direito Autoral. Numa evolução gradativa e constante, esse ramo do Direito chega até nós desfalecido em sua missão principal: a defesa da obra intelectual, observando as prerrogativas do autor.


O efeito é visível: o atravancamento da evolução intelectual em toda a sociedade, que já dá seus sinais em pleno século XXI. Há que se debelar tal possibilidade de encravamento da máquina do conhecimento humano. Para tanto, estabelecer-se-á o que pode ser feito, na área jurídica, em prol do harmônico e proveitoso uso das obras oriundas do intelecto humano.


Este trabalho propõe-se a apresentar qual a relação do Direito Autoral com essa capacidade / necessidade da evolução transcendente do intelecto humano. Através de análises concomitantes às áreas da Filosofia, Antropologia, História, Ciência e Tecnologia, e – obviamente – do Direito, pretende-se lançar luzes sobre o que está acontecendo dentro deste cenário ainda conturbado de indecisão no tocante a quem merece o quê de proteção e com qual finalidade.


1. CULTURA E FORMAÇÃO HUMANA


1.1 A natureza humana: racionalidade


O presente trabalho origina-se no mais valioso de nossos atributos, exclusivo do homem: o intelecto.


A vida parece ser comum até às próprias plantas, mas estamos, agora, buscando saber o que é peculiar ao homem. Excluamos, pois, atividades de as atividades de nutrição e crescimento. A seguir, há a atividade de percepção, mas dessa também parecem participar todos os animais. Resta, portanto, a atividade do elemento racional do homem; desta, uma parte tem esse princípio racional no sentido de ser obediente a ele, e a outra, no sentido de possuí-lo e de pensar. E como a ‘atividade do elemento racional’ também tem duas acepções, devemos deixar claro que nos referimos aqui à acepção de exercício ativo desse elemento, pois esta parece ser a mais própria do termo. [1]


Nosso intelecto é a fonte de toda a criação abstrata de onde originamos miríades de aparatos, instrumentos, enfim, ele nutre a gênese de tudo o que é produzido pelo ser humano, tanto na forma material quanto imaterial.  Ele se ocupa de tarefas as mais diversas, porquanto tem se tornado infinitamente variegada a atividade humana. Destaca-se, entretanto, uma diferença primordial entre dois tipos desta atividade, tendo como distintivo a questão da continuidade do processo biológico: a atividade de sobrevivência ou subsistência, e aquela que não está relacionada com a existência física do ser humano.


Assim podemos formar um interessante conceito de racionalidade. Um animal qualquer também pode aprender métodos para melhorar sua subsistência ou mantê-la; os primatas se utilizam da observação para adaptar-se ao seu meio, e as lontras sabem usar pedras para abrir mariscos; não se trata de intelecto propriamente dito, mas de adaptação conjugada a um tipo de instinto. É impossível que um destes animais tenha consciência de entes não relacionados às suas necessidades de alimentação, abrigo ou reprodução; não conhecem os valores morais, culturais e artísticos.


Ao mesmo tempo em que o ser humano tornou-se capaz de fabricar ferramentas para facilitar sua estadia na face da terra, provendo caça, agricultura, arquitetura, meios de produção e toda a infinidade de apetrechos, utensílios e ciências para tornar factível ou melhorar uma condição de subsistência, também criou e abstraiu, deduziu e imaginou conhecimento que pode ser perfeitamente dispensável em alguma hora de aperto puramente bio-fisiológico. Porém, de certa forma, se retirarmos essa atividade de cunho social ou cultural do homo sapiens, poderemos o estar reduzindo a um ser de existência traduzível como mero processo biológico, assim como o do restante dos seres vivos.


Assim se manifesta a racionalidade; ela se distingue pelo fato de não estar ligada, ao menos de forma primordial, ao instinto orientado para a sobrevivência. Ela está presente nos momentos de reflexão sobre temas diversos e aponta o caminho a seguir, sendo ele diferente para cada pessoa em cada contexto.


A diversidade oriunda dessa racionalidade é o fundamento para o que observamos ao longo de toda a história, que é o simples fato de que não existe verdade absoluta como um todo, mas sim, apenas fragmentos que são de maior consenso e intrinsecamente correlacionados ao bem-estar humano; os axiomas do tipo não faças mal a teu próximo, ame as pessoas, etc. E é essa falta de unidirecionalidade que leva ao raciocínio de aprendizado ou melhoria da racionalidade, pelos processos de acúmulo de informações permeado pela abstração e pela dedução o tempo todo, até que se chegue a algo mais ou menos conclusivo ou satisfatório sob algum ponto de vista. Podemos observar tal fenômeno, v.g., na formação do gosto artístico e da crítica.


1.2 A necessidade da transcendência do ser humano em relação ao conhecimento


Assim, talvez nunca se encontre em definitivo o que realmente se busca em matéria de conhecimento. Tal processo tem o curioso e notável efeito de nos deixar cada vez mais sedentos do próprio saber, seja para sanar uma dúvida, seja para alargar uma visão a respeito de algo que se sabe, seja para assenhorear-se de certa forma desse conhecimento, ou por puro prazer de conhecer algo em sua essência. A fenomenologia dessa interminável perseguição determina a chamada transcendência do conhecimento, a necessidade de se conhecer acima do que é conhecido, do ir além do limite:


Não podemos fugir da obrigação de uma solução pelo menos crítica para as questões da razão apresentadas levantando lamentos sobre os limites estreitos da nossa razão e confessando, com a aparência de um humilíssimo conhecimento de nós mesmos, que esteja acima de nossa razão estabelecer se o mundo existe desde a eternidade ou se tem um início; se há uma geração e produção a partir da liberdade ou se tudo está ligado à cadeia da ordem natural; finalmente, se há algum ente totalmente incondicionado e necessário em si ou se tudo é condicionado quanto à sua existência e, por conseguinte, externamente dependente e contingente em si. Com efeito, todas essas questões dizem respeito a um objeto que não pode ser dado em nenhum outro lugar a não ser em nosso pensamento, a saber, a totalidade absolutamente incondicionada da síntese dos fenômenos. [2]


O nosso acervo de conhecimento sempre parece ser insuficiente, se não para os propósitos a que se designa, ao menos para a nossa satisfação pessoal. É onde surge o estado de arte, o querer atingir a perfeição naquilo em que se está tratando. Muito possivelmente essa busca também seja um impulso à transcendência, mas talvez apenas à primeira vista; sabe-se inatingível a perfeição total, seja por uma limitação ou outra. Nesse caso, o peregrino da transcendência sabe que, mesmo não alcançando a perfeição, sua jornada resultou em êxito ao melhorar notavelmente seu conhecimento e abrir uma trilha para aqueles que o seguirem. Esta é a busca do excelente, do conhecimento absoluto em oposição ao relativo, é condicionada pela tentativa de romper a bolha do conhecido e do imaginado:


Constrangido pelo finito que o envolve, o homem procura uma mais alta região de verdade substancial, onde encontrem solução definitiva todas as oposições e contradições e onde a liberdade obtenha a satisfação completa. Procura a região da verdade em si, não a de uma verdade relativa. [3]


E é aí que entram os conceitos de cultura e de arte. Nas palavras de ULLMANN, cultura é a totalidade da experiência humana acumulada e socialmente transmitida. [4] A cultura é um processo de acúmulo dessas experiências em um certo meio social, as quais possibilitam a convivência humana. De acordo com o próprio Ullmann:


[…] o comportamento humano é um comportamento aprendido. O homem não vive predeterminado pelo instinto, o qual dotou, de maneira completa, a vida dos irracionais. […] Aprendendo a viver, pode, também, aprender a viver melhor. Essa característica de aprender a viver e a humanizar-se recebe o nome de cultura. [5]


E não apenas o viver bem, no sentido estrito do processo bio-fisiológico, é encampado pela evolução cultural. Há dois tipos de cultura, de acordo com a Antropologia: a cultura material e a cultura não-material. A cultura material, excluída do escopo deste trabalho, é toda aquela forma de viver que garante algum meio de vivência a um povo: tipo de habitação, hábitos alimentares, produção de ferramentas, etc. Já a cultura não-material é aquela presente em manifestações do agir, do sentir e do pensar. Ela brota de algo imaterial, ou ao menos de algo desnecessário à sobrevivência do indivíduo ou de seu grupo social; é emanação do espírito humano, no pleno uso de suas potencialidades criadoras e tradutoras para uma linguagem simbólica, de eventos ou entes que perpassam as idéias de um criador: no caso, o autor de obra artística, um músico, escritor, fotógrafo, cineasta.


Dentro desta visão de ter a cultura como ponte entre o viver de hoje e o melhor viver de amanhã, [6] entre as manifestações culturais não-materiais o papel da arte é valiosíssimo, conquanto ele seja a mais forte, impressionante, duradoura manifestação da cultura, não se diluindo nos acontecimentos do quotidiano. Uma manifestação artística sempre é lembrada, por ser algo que agita os sentidos, a percepção humana; e todo o raciocínio que se desprende daí, seja atávico ou sistemático, traz sempre uma perspectiva que, se não for nova, será mais firme ou clara.Assim nos fala Fischer a respeito do tema:


Se fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que um indivíduo, tal desejo seria absurdo e incompatível, porque então como indivíduo ele já seria um todo pleno, já seria tudo o que é capaz de ser. O desejo do homem de se desenvolver e complementar indica que ele é mais do que um indivíduo. Sente que só pode atingir a plenitude se apoderar-se das experiências alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um homem sente como potencialmente seu supõe tudo aquilo de que a humanidade é capaz. A arte é o meio indispensável para esta união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias. [7]


Este apoderar-se do alheio pela captação do sentir e do pensar transmitido de forma simbólica pela arte, o interpretar a obra de acordo com sua visão, tudo isto preenche a existência humana para que se chegue ao conhecimento transcendente. O efeito dessa apreciação sobre o íntimo do homem é tocante:


[…] o que fruímos da beleza artística é a liberdade das produções e das formas, como se pela criação e contemplação das obras de arte escapássemos aos entraves das regras e regulamentos; […] A arte não disporia apenas de toda a riqueza das formas naturais, de aparência infinitamente múltipla e variada, pois ainda seria capaz de, pela imaginação criadora, exteriorizar-se em intenções de que ela mesma é nascente inesgotável. [8]


Suprimir a arte da vida humana resultaria na morte psicológica. Mesmo os clinicamente considerados deficientes mentais não deixam de possuir a capacidade e o gosto de apreciar e produzir arte; esta chega a ser utilizada como terapia, por ser calmante e reestruturadora das funções cerebrais que se encontram diminuídas ou desviadas. De outro lado, nenhum regime totalitário conseguiu eliminar as manifestações artísticas por completo, e nem sequer foi  capaz de subsistir muito tempo sem vergar-se ao peso da pressão exercida pela falta do ar fresco das novas idéias, do entretenimento e do esclarecimento proporcionados pela arte livre.


Assim, o papel do autor da arte é extremamente importante para uma sociedade, como elaborador e transformador da sua própria cultura e como intérprete dos anseios, do sentir agir e pensar dessa sociedade, como tradutor da psique de todos para algo menos sisudo e hermético do que uma norma e mais abrangente do que um singelo manifesto individual. O autor, com sua obra, transforma a sociedade e a conduz à melhoria; não existe obra artística desconstrutiva. O criador da arte entretém o espírito humano e o eleva à transcendência e ao aperfeiçoamento contínuo e inesgotável do intelecto.


1.3 O valor imaterial (ou extrinsecamente material) da obra cultural


Uma obra artística, enquanto fruto da criatividade estético-racional do ser humano não tem apenas valor material. Denota-se isso ao observarmos manifestações como: a música de fulano é melhor do que a de beltrano, ou gosto mais do autor fulano do que de beltrano. Gostar significa ter apreço positivo, no sentido de avaliar e determinar valor; e também só se avalia, ou aprecia, aquilo que é passível de valoração, seja ela material ou não. E no caso da obra artística, ela tem uma natureza de valoração mista: ao mesmo tempo em que, há uma valoração real, patrimonial (dada a expectativa de rentabilidade oferecida pela comercialização e/ou dos direitos sobre a obra), também há valoração qualitativa, de cunho estritamente pessoal e variável de acordo com o grau de percepção e capacidade crítica do apreciador. A natureza dessa valoração é um juízo subjetivo, inerente à pessoa de cada um, que sente na obra algo de si próprio que desperta. Conforme Kant:


O juízo-de-gosto não é, pois, um juízo-de-conhecimento, portanto não é lógico, mas estético, pelo que se entende aquele cujo fundamento-de-determinação não pode ser outro do que subjetivo. [9]


Dada a possibilidade de registro de praticamente toda a manifestação artística, essa valoração comparativa tem se tornado fácil hodiernamente, pelo acesso às múltiplas vertentes de cada espécie de arte. Assim, percebe-se de forma mais clara qual o valor a arte tem enquanto participante na formação humana, seja esta cultural em sentido estrito, ou também intelectual, prática. Porém, no contra-senso desta facilidade, cada vez mais se perde a faculdade de criticamente prestar atenção ao que se está apreciando. Ao que parece, apenas os sentidos em si e a aceitação social em escala tornaram-se os balizadores de um gosto artístico; o valor extrinsecamente material da arte agora é tangível, via manipulação pelos meios de comunicação de massa.


1.4 Origem cultural de valores sociais/ transformação da sociedade pela arte


“Se por um lado, o homem cria cultura, esta, por sua vez, é condicionadora da vida do homem em sociedade.” [10] Com estas palavras, não é necessário discutir muito acerca do valor que a cultura tem como formadora dos liames que entrelaçam uma sociedade, ditando os comportamentos e ações dos indivíduos e do todo. O que baseia esta afirmativa é o fato de que a cultura é uma manifestação da vida em sociedade, e aquela adapta-se a esta, provocando logo após um refluxo da informação adquirida nesta mutação, que influirá na nova matriz de comportamento dos indivíduos. Ou seja: se não há o instrumento, a cultura o fabrica; após a existência deste, o uso se torna praticamente obrigatório como modelo, facilidade ou faculdade. Não apenas para a cultura material, mas também para a não-material; ambas têm força para operar transformações na unidade-base da sociedade (seja ela o indivíduo ou a família), e, portanto, estendem os efeitos dessa transformação para o grupo social como um todo, notadamente com os meios de comunicação de massa hodiernos.


Deslocando este raciocínio para o setor cultural ponto deste trabalho – a arte – tem-se que “Na sua condição de cultura, a arte pode ser vista como tradição cultural, mas também como elemento de transformação da cultura.”; [11]  e, consecutivamente, “O domínio artístico acha-se ligado às transformações sociais.” [12] Manifestação desta afirmativa é a chamada arte de protesto, que tem exemplos de rara beleza sem perder seu incisivo aspecto de crítica a um determinado status quo ou situação vivenciada pelo autor da obra dentro da sua sociedade. A chamada de atenção para algo que não vai bem no âmbito social é expressa pelo criador da obra, que compreende a mazela reclamada e a transmite de volta à sociedade convertida numa oratória em forma de arte que chama muito a atenção, não apenas de sua própria comunidade, mas também de outras que tenham acesso à sua idéia. [13] Tal como HEGEL refere, apontando o poder apelativo-transformador da arte:


Desperta os sentimentos adormecidos, é capaz de ativar todas as paixões, inclinações e tendências. Tem o poder de nos experienciar em todas as infelicidades e misérias, de nos tornar presentes o mal e o crime. Graças a ela, podemos ser testemunhas pávidas de todos os horrores, experimentar todos os medos, todos os pânicos, podemos ser revolvidos pelas emoções mais violentas. Pode a arte erguer-nos à altura de tudo o que é nobre, sublime e verdadeiro, arrebatar-nos até a inspiração e ao entusiasmo, como pode mergulhar-nos na mais profunda sensualidade, nas paixões mais vis, abafar-nos numa atmosfera de volúpia […]. Tão rico é o humano de bem como de mal, de coisas sublimes como de coisas vis, e por isso a arte nos pode impelir ao entusiasmo pelo belo e sublime como envilecer-nos e efeminar-nos pela exaltação do que temos de sensível e sensual. Neste aspecto, nenhuma diferença existe, pois, entre os conteúdos da arte, tanto nos pode ela enobrecer como envilecer no egoísmo, prender-nos ao mundo sensível como elevar-nos até as esferas sublimes da espiritualidade. Deste modo a arte aparece como um poder puramente formal, independente da natureza do conteúdo. […] Se assim, na verdade, é, concluir-se-á que a ação da parte é formal também, tal como se define o aspecto formal do homem dizendo que deve ele se exteriorizar, realizar todas as forças que possui, todas as virtualidades que encerra. [14]


Há nisso uma verdade que ainda não é percebida no todo pela nossa sociedade. O valor emprestado à arte hodiernamente é mais de entretenimento do que transformação social em aspectos não relacionados diretamente com a própria arte. Porém, o poder da cultura, e da arte como cultura, é percebido em estudos que mostram os efeitos positivos (contestação de uma situação de totalitarismo político, v.g.) e os negativos também (banalização da violência). Neste contexto de influência poderosa sobre o pensamento, a arte evoca aquilo que o ser tem de mais arraigado – a emoção –  para transmitir uma sentença racional, destilada por quem aprecia a obra, e tal percepção altera o seu modo de ver algum conceito ou dogma já impresso em si, com a recepção perceptiva de algum dado novo ou enfoque inédito de algo já conhecido. Não apenas a mudança do grupo social é percebida: a arte altera o próprio indivíduo, tanto internamente como nas relações com o próximo.


1.5 A arte como desenvolvimento pessoal


Portanto, a arte desenvolve a pessoa, não apenas no que diz respeito à própria manifestação (com o apuro da crítica e incorporação dos conceitos técnicos e artísticos), mas também, de forma filosófica, operando transformações no Ser do indivíduo, elevando seu espírito e colocando-o de forma mais centrada na percepção da própria realidade que vive. Segundo HEGEL:


Oferece-nos a arte, num dos seus aspectos, a experiência da vida real, transportando-nos a situações que a nossa pessoal existência não nos proporciona nem nos proporcionará jamais, situação de pessoas que ela representa, e assim graças à nossa participação no que acontece a essas pessoas, ficamos mais aptos a sentir profundamente o que se passa em nós próprios. De um modo geral, o fim da arte consiste em pôr ao alcance da intuição o que existe no espírito do homem, a verdade que o homem guarda no seu espírito, o que revolve o peito e agita o espírito. Isso é o que compete à arte representar, e fá-lo ela mediante a aparência que, como tal, nos é indiferente desde o momento em que sirva para acordar em nós o sentimento e a consciência de algo mais elevado. Assim a arte cultiva o humano no homem, desperta sentimentos adormecidos, põe-nos em presença dos verdadeiros interesses do espírito. Vemos que a arte atua revolvendo, em toda a sua profundidade, riqueza e variedade, os sentimentos que se agitam na alma humana, e integrando no campo da nossa experiência o que decorre nas regiões mais íntimas desta alma. [15]


Abandonando a parte social, vista nos pontos anteriores, temos a evolução do ente em relação à própria arte. A apreciação de uma boa obra de arte, seja qual for, nos remete a uma reflexão acerca da sua forma ou do conteúdo; e a apreciação contínua dessas obras leva:


a) à construção de uma crítica que permite valorar a obra de arte de per si ou dentro de um contexto, por comparação. Isto dota a pessoa de um mais aguçado senso estético, colocando-a cada vez mais na capacidade de discernir uma boa obra de uma má obra;


b) o apreciador da obra, no caso de ser ele próprio um criador de arte também, aperfeiçoa o senso de avaliação de sua própria obra. Essa crítica, operando seus efeitos e alterando o modo de criar a arte (seja em forma, conteúdo ou método), vem a ser a dita influência artística.


A influência de um criador de obra artística se manifesta também sobre um apreciador ou mero espectador da arte, o qual se decide por iniciar uma atividade artística, espelhado no seu influenciador ou maravilhado com sua obra. Neste caso uma má obra irá também influenciar negativamente um apreciador que não tenha ainda espírito crítico suficiente – o que é um fenômeno ocorrente em larga escala na época atual. Há obras artísticas, em todos os ramos, de péssima qualidade, pejorativas, absurdamente deturpadoras da arte nos aspectos estético e de transcendência cultural. E isso influencia negativamente na criação de novas obras, estabelecendo um círculo vicioso que vai da influência à criação e daí para nova influência.


Portanto, há de se estabelecer como dar-se-á proteção jurídica ao criador da obra, favorecendo a criação de boas obras no futuro; salvaguardando os direitos do autor e, através disso, garantindo a continuidade da sua criação, dá-se mais um passo na trilha da evolução cultural e da transcendência do intelecto, tanto no plano individual como no social. Eis o ponto a ser defendido: a boa obra artística, a mão que alavanca a transcendência intelectual.


2. TRANSMISSÃO DA CULTURA


2.1 A transmissão cultural: da tradição oral ao registro perene da obra


Poderia dar-se o acréscimo de experiências que possibilitam o florescer da cultura pelo meio da arte, não fosse a garantia da transmissão destas experiências por meios não passíveis de desvanecimento em razão da passagem do tempo? A fugacidade da informação passada a outrem por meios que não sejam fixados em um suporte físico implica na sua alteração em forma, conteúdo e sentido. Óbvio que, para alcançar-se a condição de transcendência do intelecto humano, a conexão através do tempo entre autor e apreciador da cultura em forma de arte só se faz possível através de um veículo adequado à passagem do tempo dotado de preservação ou imutabilidade. [16] E esse veículo é o registro material, ou suporte físico da obra artística: ele é perene, inalterável, pressupõe uniformidade no tempo e no espaço.


Ocorre um triplo paradigma no estudo desta questão,  com sustentáculo nas revoluções da transmissão cultural humana: as invenções do alfabeto, da imprensa, e do registro de imagem e som. Cada uma a seu tempo, aliada a novas técnicas de reprodução do material produzido, [17] impôs novas condições e fenômenos na estrutura do processo de transmissão e sedimentação da cultura; foram três saltos marcantes do conhecimento humano rumo a uma maior facilidade de aquisição de um acervo intelectual. Com o alfabeto, passou-se da memória à perenidade das idéias, materializadas em um corpus mechanicum, um suporte tangível pelo qual se poderia compreender o raciocínio do ser que o registrou, ipsis litteræ. Com a imprensa, tal perpetuação do conhecimento passou a ser facultada a um público mais abrangente, esfomeado do saber que lhes era administrado. E com a gravação de manifestações físicas (som e imagem), o mundo dos sentidos se abria à percepção de obras intelectuais até então impassíveis de redução a um suporte físico.


A passagem do período da tradição oral para o registro escrito é ponto crucial para o entendimento de certos aspectos doutrinários regentes do Direito Autoral. Com a tradição oral não havia, como não há com o folclore, a chamada assinatura do trabalho. Essa somente surge com a invenção da escrita, ou seja, com a maneira de registrar fisicamente o trabalho e o nome do responsável por ele, seja pela forma, seja pelo conteúdo. Antes mesmo da invenção dos alfabetos onde cada sinal representa um fonema ou característica fonética, já havia obras que possuíam autoria; [18] contudo, passou a ser prática usual a assinatura, a posse intelectual da obra, a partir da civilização helênica, com alguns autores pré-socráticos. A Hélade não apenas adotou esse costume, como o fez adquirir um certo status de valorização. Até ali, a autoria de um trabalho fruto do pensamento era apenas mérito do autor, para que subsistisse a lembrança da obra entre seus sucessores no tempo; uma espécie de realização comparável às arquitetônicas, que deixariam gravado no tempo o nome de um soberano. Porém, na Grécia antiga, a autoria passou a ser forma de reconhecimento do autor pelos seus pares; o nome do autor alcançava projeção fora de sua pólis.


A produção desses registros escritos manteve-se imutada até a Idade Média; até então, dava-se de forma artesanal, com a cópia manus scripta por trabalhadores dedicados a esse fim (escribas, copistas). Entretanto, no século XV, surgiram dois adventos que mudariam o rumo das coisas: a imprensa de tipos móveis de Gutemberg, e o papel, cuja técnica de manufatura tinha sido trazida da China. Estava inventado o meio de reprodução de escritos literários que os tornaria acessíveis em larga escala.


Quanto à melodia musical, primordialmente obra de natureza apenas executável, era impossível o seu registro por qualquer meio. A escrita musical para o canto gregoriano, chamada neumática, surgida na Europa circa 900 d.C., aperfeiçoada por Guido D’Arezzo em 1026 foi um passo decisivo para reverter a mortalidade da música, sua natureza volátil. No entanto, era necessário mais do que isso:


A superioridade da pintura sobre a música existe pelo fato de que, a partir do momento em que ela é convocada para viver, inexiste motivo para que venha a morrer, como ao contrário, é o caso da pobre música… A música se evapora depois de ser tocada; perenizada pelo uso do verniz, a pintura subsiste. [19]


Naturalmente havia como transcrever uma melodia para o papel; a escrita musical do monge D’Arezzo foi difundida por conta da sua eficácia em permitir a reprodução da intenção expressa no papel por um conjunto de músicos, sem o aprendizado específico daquela música pela sua audição, sem a presença do autor. Porém, ainda não era possível a música ser materializada, acarretando óbvios transtornos. Era certamente dispendiosa a execução de uma sinfonia por uma orquestra completa, pelo custo envolvido: manutenção ou posteriormente contratação dos músicos, sua disponibilidade, o local, enfim, tudo isso concorria para a música ser restrita a pequenos círculos sociais. 


Essa restrição de ordem técnica à execução de uma obra musical perdurou até o século XIX; em 1878, Thomas Edison aperfeiçoou o seu fonógrafo, de cilindro, e seis anos após trouxe à luz o gramofone, que utilizava discos de acetato. O próprio Edison inventou o sistema, as agulhas de diamante e os cones de papelão (transdutores). Estava nascendo a indústria fonográfica, bem como o mercado alimentado por ela.


Assim, o som passava a ser materializado em registro físico (em linguagem jurídica, chama-se a esse registro de suporte físico). Não era mais necessário o dispêndio ou a conveniência de uma apresentação ao vivo, músicos trabalhando in loco, e cada vez mais a música gravada foi alcançando popularização em todo o mundo. Não é necessário dizer da onda de descontentamento, por parte dos profissionais da música, em razão da perda de trabalho decorrente do invento; porém, os reclamos não lograram grande projeção, vez que o trabalho não desapareceu – ele apenas mudou de natureza: agora havia necessidade dos músicos para gravarem as obras colocadas no acetato, e os processos de composição, regência e execução não se alteraram.


Sobre a fotografia, a partir da invenção do daguerreótipo (circa 1830), primeira forma de impressão da imagem por fotossensibilidade, a evolução dos processos químicos levou, em trinta anos, ao seu surgimento, quase como a conhecemos hoje. O processo foi criação conjunta, colaborativa de muitos inventores e pesquisadores. Mais uma barreira era quebrada: agora, as formas eram registradas por instantâneos, o que foi um avanço em termos de representação da realidade sob o formato de imagem.


Derivando da fotografia, a invenção do cinema pode ser considerada como o simples arranjo do material fotossensível de maneira a captar uma seqüência de instantâneos, que dão a impressão de movimento. Thomas Edison teria inventado a cinematografia, em 1875, antes dos irmãos Lumière, mas com a particularidade de que seu aparelho, o kinetoscope, reproduzia as imagens para uma única pessoa. O cinematógrafo dos franceses tornava coletivo o espetáculo. A primeira apresentação pública do invento dos Lumière se deu em 1895, em Paris. Desde então, os saltos tecnológicos foram se sucedendo: os efeitos especiais e a longa metragem (1902), a introdução do som (1927), da cor (1936) os formatos 3D ou de relevo, como o Cinerama (1950), a animação gráfica e efeitos especiais computadorizados (1980). Tudo isso tornou a imagem passível de registro em movimento, e não apenas isso: possibilitou a transposição para essa realidade de movimento de histórias de ficção de qualquer natureza, não apenas com a realidade vivenciada no momento e nas condições naturais, mas também com tudo o que seja fruto da imaginação humana, [20] convertendo-se numa forma de arte atrativa por excelência, de alto valor econômico, portanto.


2.2 Expansão: Socialização, Popularização e  Massificação


Para garantir o acesso e o conhecimento pelo crescente número de pessoas que querem atingir essa arte como condição da inata tendência de melhoria do intelecto, manifesta no ser humano, é necessário expandir essa obra para que ela alcance a todos os que a quiserem. Chega-se então ao fenômeno da simultânea exposição da mesma obra em diferentes pontos do espaço, facultada pela reprodução da mesma em cópias: [21] “Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas.” [22] E a capacidade de cópia se faz imperativa:


Com relação à prática da reprodução de obras artísticas, em alguns setores da arte ela se impõe, como na literatura […] e a música […]. Em suma, a arte, atualmente, está atingindo um maior público. Ao que parece, a arte nunca foi tão educadora como hoje, nunca influenciou tanto outros setores da cultura como atualmente. [grifo nosso] [23]


A produção cultural, no ramo artístico, deu um salto quantitativo absurdo nos últimos dois séculos. Pode-se dividir em etapas essa multiplicação das obras artísticas e literárias, atribuindo a cada uma um conceito diverso. Assim, cronologicamente, há  a socialização, a popularização e a massificação dessas obras. A penetração da cultura em uma sociedade, transmitida sob a forma de arte, [24] tem estes três estágios bem definidos e separados apenas pelo conceito, já que cada um é o desenrolar natural do anterior. A propagação da arte tem o processo de chegada ao homem posicionado de certa forma em uma determinada sociedade por alastramento. Tal processo é irresistível por ser natural, de acordo com o que foi tratado no capítulo 1. A superveniência da massificação como última instância do processo nada mais é do que a saciedade da sede de arte e cultura (ou consumo desta arte?) por seus apreciadores. A maneira como essas obras chegam mais e mais a todos os recantos, em quantidades avassaladoras revela a ânsia de consumo da arte [25] como um fenômeno, cuja compreensão faz-se imprescindível e inalienável do corpo deste trabalho para que se compreenda a mecânica do efeito da violação a direito autoral (na contrafação) como fator determinante do decréscimo da qualidade da cultura e da produção artística.


2.2.1 A Socialização


Entende-se por socialização o ato de pôr algo em sociedade; estender vantagens, faculdades ou entes particulares ou de uso restrito a uma sociedade inteira. No âmbito do presente trabalho, não se abordará a socialização lato sensu de entes que são extensíveis à sociedade por ação de justiça distributiva.


A socialização da obra artística desencadeou-se  a partir do século XV, com a invenção da prensa de tipos móveis de Gutemberg, tendo a Europa dinamizado a fabricação de livros; antes, o acesso às obras literárias era restritíssimo, por conta dos sistemas de concessão de privilégios de cópia entre as produtoras de manuscritos. Além disso, a aquisição de cultura através do livro (no mundo ocidental) era dificultada pelas restrições político-dogmáticas impostas pelos concessores dos privilégios e pela Igreja Católica.


Para a obra musical, o processo foi um tanto mais complexo. Se bem que houvesse a possibilidade de apreciação da música em salas de concerto, sem restrições do ponto de vista político, não era exatamente confortável uma platéia numerosa, por conta de peculiaridades técnicas que impossibilitavam a audição por um grande número de pessoas simultaneamente. As acomodações dos grandes locais de apresentação, eram exíguas se comparadas com os enormes teatros e ginásios de hoje. Não havendo a amplificação elétrica do som dos instrumentos, era bem pouco provável que um concerto para piano fosse ouvido em suas minúcias de tons pianíssimo. Havia também a impossibilidade de cobertura das diferenças de tempo e espaço entre ouvinte e artista. Tal dificuldade apenas foi sanada no século XIX com o fonógrafo (v. supra). Esse ponto da socialização deu à coletividade pleno acesso à obra musical, antes restrito à audiência do espetáculo.


Pode-se dizer que as demais formas de produção cultural artística já nasceram potencialmente socializadas, pois a fotografia e o cinema já eram, em si, manifestação originária no corpus mechanicvm. Ademais, foram desde o início colocadas ao acesso de quem pudesse pagar pela exposição ou exibição. Talvez isso fosse um reflexo da incipiente mas já notável indústria do entretenimento, que mostra um dado curioso: a primeira sessão de cinema da História, exibida pelos Lumière em 1895, no Salon Indien do Café de Paris, teve a platéia (com lotação esgotada) de trinta e cinco pessoas, a um franco cada. [26]


Neste plano, pois, a história da cultura artística tomou ares de expansão de um artista para número maior de apreciadores, sendo que neste primeiro passo ainda não havia interesse mercadológico no por assim dizer produto da arte (a cópia em suporte físico). Porém, estava iniciado o processo de espraiamento inevitável e avassalador que entraria no século XX apresentando outra etapa.


2.2.2A Popularização


Popularizar é tornar popular, vulgo, de uso corrente por toda a população; difundir entre o povo, divulgar entre todas as camadas sociais. A popularização tomou ares de processo cada vez mais importante em relação à cultura e à arte do início do século XX em diante. Em primeiro lugar, como sempre, a obra literária alcançou uma cada vez maior potencialidade entre todas as parcelas da população, com a produção industrial e os reflexos da política imperialista. Entre os produtos manufaturados vendidos às colônias e países não-industrializados, haviam os relacionados à própria impressão de escritos: papel, tintas, impressoras. Como no início deste processo não havia distinção entre o tipo de prensa para livros e para outros veículos da palavra escrita, como os jornais (a prensa rotativa foi inventada em 1903), era cada vez maior a expansão de oficinas que imprimiam livros em países como o Brasil, que já tinha à época do Império vários jornais instalados por todo o território. A isso vieram somar-se as traduções das obras para as diversas línguas, visto que o latim caíra em desuso e as línguas francas (de uso generalizado, por seu caráter de larga circulação ao redor do planeta) não tinham plena penetração – nem o francês, nem  o inglês. Assim, o livro tornou-se mais corriqueiro, e também sua leitura já prescindia da compreensão de uma língua estrangeira.


Além disso, houve a melhoria da condição sócio-econômica da população de vários países, e a consciência formada de que aquele que fosse letrado, que lesse mais, teria maior possibilidade de ascendência social e econômica.  Então, alguns editores passaram a produzir obras completas de autores famosos e clássicos a preços acessíveis. O livro era interpretado como símbolo de liberdade, conseguida por conquistas culturais. Após a I Guerra Mundial, surgiram as grandes tiragens de um só livro, mormente novelas, romances e livros didáticos; assim, alcançava-se não apenas os letrados e cultos que tinham prazer pela leitura de grandes obras, mas também as camadas de intelecto menos explorativo (por assim dizer), e as mentes em formação, crianças e adolescentes, os futuros leitores. E a popularização desmistificou o livro como objeto exclusivo de erudição, manipulado pela intelligentsia que esgrimia em palavras.


Pelo lado da música, houve uma certa estagnação no mercado. As obras musicais tinham o mesmo ritmo de produção desde a invenção do fonógrafo até aproximadamente a década de 30. Foi quando, devido aos avanços da indústria química, passou-se a produzir um disco de acetato mais barato do que os primeiros, bem como agulhas mais duráveis para a leitura e aparelhos que funcionavam com eletricidade, dispensando a manivela. E a partir da II Guerra Mundial o processo deslanchou: foram introduzidos os aparelhos com amplificadores de melhor qualidade, que usavam válvulas mais baratas graças à transnacionalização das fábricas, o que também tornou mais acessíveis os aparelhos. [27] Nesta maré de popularização, também as companhias fonográficas migraram para além-mar, instalando-se em vários países e começando a gravar a música feita nesses lugares, contribuindo para a formação de um gosto musical mais identificado com as realidades nacionais e também para o aumento do consumo puxado por este fator.


Quanto ao cinema, “antes de começar o século XX, os cientistas eram substituídos pelos comerciantes no campo cinematográfico.” [28] À época da II Guerra ele já rompia as barreiras dos centros de produção. Como utilíssimo veículo de propaganda, serviu muito bem aos propósitos dos Aliados, veiculando propaganda de guerra em noticiários cinematográficos que seguiam para todos os cantos do mundo onde houvesse uma sala de exibição; de arrasto, levavam obras da cada vez maior indústria cinematográfica americana, sediada na Califórnia, que já contava com produções cujos custos montavam à casa dos milhões de dólares. Assim, pela lógica capitalista – maior custo, necessidade de maior lucro, no caso, por maior número de consumidores – favoreceu à expansão do cinema em termos de quantidade de salas de exibição ao redor do mundo: não apenas em termos das adaptadas– os cine teatros – mas também da construção das exclusivas para este fim, fosse nos formatos mais antigos, fosse nos technicolor, que aumentavam o tamanho da tela sem muito custo na troca de projetor.


2.2.3A Massificação


A arte já estava popularizada; restava não apenas prover esse acesso a todos, como em escala cada vez maior e repetida, em quantidades maiores para os mesmos consumidores. Essa é a essência da massificação: não basta que todos tenham ou vejam a arte, é mister que isso seja um procedimento repetitivo, desenfreado, alimentado pela voracidade natural que o intelecto humano tem de adquirir mais e mais conhecimento. [29] Assim, começa a haver a priorização de suprir essa demanda, criando a indústria destes meios culturais.


A literatura massificou-se após a II Guerra Mundial, quando algum editor (ainda remoendo a contingência da economia do esforço de guerra), deu-se conta de que não era necessária a confecção tradicional do livro, com capa entretelada ou cartonada (capa dura), e que a impressão poderia ter um tamanho mínimo de caracteres que possibilitasse a leitura porém economizasse espaço. Nascia então o livro de bolso (pocket book), que era impresso também em rotativas, acelerando e barateando o processo. Assim, a intensidade dessa produção atingiu primeiro obras voltadas para as pessoas de baixo poder aquisitivo; a partir da década de 60, desenvolveu-se a categoria dos livros de bolso de luxo, que tinham abundância de coleções e variedade de títulos, alcançando públicos mais eruditos com obras clássicas e até mesmo técnicas. Essas coleções eram lançados em intervalos regulares, e adquiridas a preço um tão baixo por exemplar, que possibilitavam a aquisição da coleção completa – ou seja, estava consolidada a massificação da obra literária.


E quanto à obra musical? Como referido no ponto anterior, a transnacionalização da fabricação de aparelhos de reprodução e dos discos disparou no pós-guerra. Mas ainda não bastava para a massificação; era hora de algumas inovações. A primeira: a padronização de boa parte da cultura musical do Ocidente, através dos gêneros musicais americanos, [30] que possibilitaram a formação de um fenômeno de uniformização do consumo, caracterizado por uma imitação global de um estilo de vida – o chamado american way of life. Soma-se a isso a penetração cada vez maior dos meios de comunicação de massa – primeiro o rádio, depois a TV – e seus programas com orientação para este padrão, fomentando em todos o desejo de encaixar-se neste molde. Em seguida, duas invenções incrementaram o consumo de aparelhos domésticos de reprodução musical: o transistor e o estéreo. O primeiro, surgido da evolução da teoria dos semicondutores (que mais tarde traria a gênese do circuito integrado, ou chip), barateou [31] a produção dos aparelhos e possibilitou a miniaturização dos mesmos. Some-se a isso o formato estéreo, aumentando a qualidade sonora, e aí estão os atrativos que faltavam para que os consumidores de música se tornassem cada vez mais independentes do rádio, acumuladores de obras musicais, formadores de discotecas pessoais. O capítulo final dessa massificação veio nas décadas de 1970 até a de 1990, puxado por alguns acontecimentos. A invenção do cassete, bastante popular nos anos 70, fazia a música gravada invadir o automóvel, e ser facilmente portátil com a invenção do walkman, pela Sony em 1980, emprestando à música a sensação inédita de “[…]não mais ouvir com ou outros, […] mas para si e ninguém mais”, [32] constituindo-se na “[…] mais alta privatização da experiência musical jamais alcançada”. [33] E, com os formatos digitais, que proporcionam a fidelidade total na reprodução em relação à execução original da música, definitivamente deixaram de existir as barreiras mais clássicas ao ímpeto de consumo de música por parte de quem quer que seja. O compact disc, inventado na década de 70 e comercializado a partir do final da década de 80, tinha a qualidade sonora muito superior à dos velhos discos de PVA (vinil), sendo que em poucos anos os aparelhos de CD tornaram-se acessíveis à maior parcela da população. Obviamente, a edição de títulos fonográficos acompanhou tal expansão.


Quanto ao cinema, as mudanças que trouxeram a massificação foram poucas. Dada a sua natureza de meio de entretenimento praticamente completo, o cinema, reunindo o som e a imagem em movimento, inspiradas em uma história que poderia ter sido produzida a partir de um bom escrito, de per si já garantiria a massificação. Acontece que a indústria cinematográfica, notadamente a americana, teve uma explosão no pós-guerra. Isso se deve a um dualismo muito visível: enquanto os cineastas eram os principais responsáveis pela obra cinematográfica no resto do planeta (Europa e Japão), nos Estados Unidos a execução do filme era imaginada e tocada pela figura do produtor, que se utilizava da equipe – inclui-se aí o cineasta, o artista propriamente dito – para realizar a película. Daí a diferenciação entre o cinema americano, notadamente voltado ao business, e o europeu, ou nipônico, ou latino, que além da virtude do entretenimento também carrega em seu cerne a transmissão de uma mensagem aos sentidos do espectador: é arte, muito mais do que apenas negócio.


Na década de 1970, fruto dos esforços da Philips holandesa, foi atingida a meta de transformar em sinais magnéticos a obra cinematográfica. Em processo análogo ao do áudio-cassete, surgiu o VHS (Video Home System – Sistema de Vídeo Caseiro), que quebrou a barreira da sala de audiência, levando o cinema para dentro da residência do consumidor. Nos primórdios desse avanço, as dificuldades eram o lançamento de títulos no mercado (os estúdios cinematográficos temiam a reprodução indiscriminada e a queda da renda obtida nas salas de exibição), bem como a escassez de locadoras de fitas, que enfrentaram ainda o dilema da duplicidade de formatos: havia o Betamax, resposta da Sony para o VHS, que naufragou devido à baixa qualidade e limitações de running time.


O último passo dado foi a extensão da tecnologia de disco ótico para o uso com obras cinematográficas, o DVD (Digital Video Disc, Disco de Vídeo Digital). As inovações em relação ao VHS são um atrativo ao consumo de larga escala: a qualidade incrível da imagem e do som (que por serem gravados em formato digital, em bits, permanecem inalterados com o passar do tempo), as possibilidades de uso que transcendem o sentido original da criação, [34] e o lançamento de títulos quase em sincronia com os rolos de filme que aparecem para exibição nas salas. [35] Some-se a isso os pacotes (special packs), que reúnem, em uma caixa, o disco com o filme e outro (ou outros) com cenas inéditas retiradas da edição final, making of, musicais da canção-título, entrevistas,  curiosidades, enfim, tudo o que há de acessório em relação à produção do filme. O chamado ao consumo fica irresistível: este elenco de qualidades motiva a pessoa  a alçar o DVD ao status de bem de consumo corriqueiro.


Alguns caracteres se fazem presentes em todas as etapas do processo de alastramento da cultura e de seu consumo. Em primeiro lugar, o aumento da impregnação cultural, por uma parcela da população, em si mesmo é um fator que enseja a abertura para que mais se acesse a obra artística. Seria esse acréscimo uma espécie de gatilho do fenômeno subseqüente e, ao mesmo tempo, fator de mensuração do corrente patamar do processo. Em segundo lugar, pode-se citar a melhoria da qualidade dos suportes físicos da obra. Tal melhoria no aspecto, na facilidade de produção, na fidelidade, enfim, é característico tanto de causa do fenômeno (por suscitar o consumo) quanto efeito do mesmo (o alavancamento do consumo aumenta a produção das cópias, financiando o barateamento das mesmas e incentivando a pesquisa de novos recursos ou atrativos). Um terceiro ponto a destacar é o aumento do acervo disponível, seja em que formato for, como conseqüência direta da demanda positiva por parte dos consumidores [36] que desejam acessar tudo aquilo que era restrito, como reflexo psicológico da euforia manifesta em quebra de barreiras e no alcance do inacessível: se hoje se tem o que ontem não era disponível, por quê não ter amanhã aquilo que não se tem hoje? Enfim, são estes os três fatores ou pontos de balizamento das etapas percorridas desde a produção da arte por seu autor até a chegada a um acervo pessoal que contemple a população inteira.


Assim, a difusão da obra intelectual de cunho artístico é dada não apenas no plano do noticiamento de sua existência, mas na propagação de suas cópias fac-símile, as quais atingem a uma massa de pessoas cada vez mais interessadas em adquirir a arte, em embeber-se dela, admirar suas nuanças e matizes, apreciar a beleza estética de sua forma e a consistência material de seu conteúdo. E é esse ensejo que proporciona a ocasião para que alguém se aproveite, auferindo proventos sobre a comercialização desta cópia. Nasce então a mercantilização da arte.


2.3 Mercantilização da obra cultural e intelectual


O que é chamado por alguns de fruto maldito do capitalismo em sua influência sobra a arte e a cultura, na verdade é um fenômeno que em sua gênese nada tem de maligno. Na verdade, o capitalismo, que tantas reservas merece quanto às influências exercidas sobre a atividade artística, pode também ter trazido muitos benefícios. A sociedade industrial, através de suas técnicas avançadas, permite uma maior difusão das obras de arte, através da reprodução. [37] A necessidade de haver a cópia, e de levá-la a quem a desejar provoca um custo natural para sua produção e distribuição. Junte-se a isso o objeto do presente estudo – o direito do autor – e há os motivos para taxar a cópia da obra artística com um preço justo. Especialmente em relação a essa transição de valores, entre o valor de culto (ou de apreciação) e o valor de produção, há que se ressaltar que tal acaba se dando de maneira a afetar a essência mesma da obra:


As diversas técnicas de reprodução reforçaram esse aspecto em tais proporções que, mediante um fenômeno análogo ao produzido nas origens, o deslocamento quantitativo entre as duas formas de valor, típicas da obra de arte, transformou-se numa modificação qualitativa, que afeta a sua própria natureza. Originariamente, a preponderância absoluta do valor de culto fez – antes de tudo – um instrumento mágico da obra de arte, a qual só viria a ser – até determinado ponto – reconhecida mais tarde como tal. Do mesmo modo hoje, a preponderância absoluta do seu valor de exibição confere-lhe funções inteiramente novas, entre as quais aquela de que temos consciência – a função artística – poderia aparecer como acessória. [38]


Mas é neste ponto que entra a novidade do século XX: a indústria do entretenimento. Até o século XIX, vender diversão era atributo exclusivo de casas particulares ou companhias pequenas. A diversão paga era o teatro, a casa de vaudeville, o circo. Todavia, o século da tecnologia veria nascer a indústria do entretenimento artístico, mediante a cessão das cópias das obras para a exibição pública ou aquisição, em larga escala. Para a obra, a sua técnica de produção  funda diretamente a sua técnica de reprodução. “Reproduzem-se cada vez mais obras de arte, que foram feitas justamente para serem reproduzidas.” [39]


O fulcro dessa revolução industrial do lazer e entretenimento foi justamente a possibilidade de registro em suporte físico da obra de arte. Não fosse tal fator, muito possivelmente ainda seriam o circo e o teatro as únicas fontes de renda em massa auferida sobre a obra artística. A passagem do som ao domínio do registro material possibilitou o surgimento das companhias fonográficas (fonografia, registrar o som). [40] Surgidas estas, o conceito  foi adotado por todos os que trabalhavam em função do fonograma até meados da década de 1930. Havia as empresas, e o mercado tornava-se mais exigente em termos de demanda: então, haveria a indústria. Nos mesmos moldes da implementação do mercantilismo de capital, a iniciativa de empreendedores privados colocou um produto à disposição de uma população que constituiu mercado, pagando pelo acesso ao produto e fomentando uma produção cada vez maior, segmentada. A indústria fonográfica começava a se preocupar com o estímulo à aquisição dos fonogramas, e o mercado fonográfico crescia como filão econômico. Após a II Guerra Mundial, ele conheceu uma expansão enorme, que consolidou a indústria fonográfica e trouxe de roldão os elementos tecnológicos já apontados. Após o fenômeno da beatlemania, nos anos sessenta, verificou-se o potencial de movimentação financeira da indústria e do mercado fonográfico. Os lucros sobre comercialização de álbuns, transição de direitos de reprodução, gravação e execução sobre as músicas, bem como inclusão em trilhas sonoras de obras cinematográficas, chegam à casa dos bilhões de dólares, colocando o mercado fonográfico como um importante ponto de movimentação da economia de vários países.


De forma análoga deu-se a evolução da indústria cinematográfica. O invento dos Lumière não suscitou de pronto a utilização como ferramenta de produção da obra artística; o primeiro filme exibido foi uma espécie de documentário, que mostrava uma corriqueira cena de fim de expediente de uma planta industrial, com os trabalhadores tomando o rumo de suas casas, demonstrando a falta de interesse imediato na produção de arte. Tudo mudaria em 1896, quando foi filmado o primeiro filme em que havia encenação teatral, cenário, intérpretes e argumento. [41] Posteriormente, Georges Méliès, primeiro a ter construído um estúdio de filmagem, foi precursor dos efeitos especiais, aumentou a metragem do filme dos 16m dos Lumière para 700m, chegando a interessar-se pela sincronização da imagem com o fonógrafo. Não obstante a visão de Méliès, ele morreu pobre em 1938, por não ter sabido impulsionar uma companhia que constituísse uma empresa de fins lucrativos. [42] No entanto, ainda viu o florescimento da indústria cinematográfica, em seu país e nos EUA: tendo indicado o caminho de que a documentação da imagem poderia contar uma história, não demorou muito para o surgimento na área cinematográfica de managers semelhantes aos do fonograma. O cinema era uma forma de arte que suscitava puro entretenimento, com vários atrativos. Do lado do público, a história se tornava mais realista, com possibilidades impensáveis no teatro (cenários em escala real, objetos de cena específicos, grandes multidões de atores), bem como o conforto de poder assistir ao espetáculo sossegadamente no horário escolhido e sem o risco de ver uma performance não-inspirada dos atores; o drama permanecia imutável. Do ponto de vista do empreendedor, havia o conforto financeiro/trabalhista: pagava-se apenas uma vez o ator pela performance, não necessitando repetir sessão após sessão. [43] A multiplicidade do espetáculo no tempo e espaço levou àquela visão empreendedora de que se poderia auferir lucro em cima da arte, e então surgiu a indústria cinematográfica. Impulsionado pela expansão do mercado mundial no período 1925 – 1940, produzindo a todo vapor mesmo durante a II Guerra, o cinema torna-se uma arte, junto com a música, que movimenta valores cada vez maiores. No pós-guerra, evoluiu quantitativamente, espalhando os centros de produção por todo o globo. Porém, notadamente nos EUA, o cinema tem servido com fins de entretenimento lucrativo, acima da função artística, cultural, da formação ou aprimoramento do intelecto. Nesse ponto, já se nota que por vezes é muito preferível o caráter lúdico da arte em detrimento da capacidade de impulso para a transcendência intelectual. Os filmes considerados menos diversão e mais informação, sentimento, reflexão, não rendem proventos ou lucros que justifiquem sua produção em escala pelos estúdios.


Por fim, a obra literária não teve outro remédio para alçar-se ao status de produto mercadológico de possibilidades lucrativas a não ser investir em novos gêneros de produção literária, que alcançassem o gosto geral. No século XX,  a proliferação de obras técnicas e novelas literárias sem muito teor artístico foi o mister dessa entrada no mercado como produto passível de consumo em escala. Em fins do século, ainda houve a onda de livros de gêneros como a auto-ajuda, os role playing games (cujas regras são baseadas em livros que são um misto de manual de instruções e obra de ficção), que renovaram o fôlego das editoras pelo mundo afora. O consumo de livros, de modo geral, tem sofrido decréscimo mesmo entre as comunidades acadêmicas, e o consumo de bons livros (bem como sua produção) tem acompanhado esta queda pari passu.


A arte, passando a ser cada vez mais consumida, veio a ser também em igual medida  cada vez mais adquirida [44] em larga escala. Segundo Fischer, o toque de Midas do capitalismo transformou em seu cerne tudo em mercadoria, inclusive a arte; fruto das mudanças do agir, do ser e do pensar do povo que passou de produtor a consumidor da arte. [45] Tal trouxe o aparecimento de uma indústria que, pautada na possibilidade de lucro, passou a valorar a obra artística e literária de forma diversa da que era feita até então. Opondo ferrenha crítica a tal estado de coisas, Bertolt Brecht coloca que “Desde que a obra de arte se torna mercadoria, essa noção (de obra de arte) já não se lhe pode mais ser aplicada […]”. [46] A polarização expressa aqui é bem traduzida pela expressão sucesso de público e de crítica. Crítica é a especializada na obra artística ou no gênero a que se refere, construindo uma opinião baseada no conhecimento artístico e no valor estético e de conteúdo, emitindo uma valoração calcada no valor intrínseco da obra analisada. O sucesso de público é a demonstração da potencialidade lucrativa de uma obra levada à massificação, que é consumida com avidez, gerando bons rendimentos financeiros aos produtores responsáveis pelo mecanismo não-artístico de confecção da obra. Nem sempre essas valorações são conflitantes, porém a visão crítica que se baseia no valor real da arte nunca é influenciada pela valorização material, nominal, dada pelo mercado.


Assim sendo, o ciclo se determina de um processo que engloba a criação e lapidação da obra pelo artista, a procura de um produtor que a publique tal e a aceitação por parte do público consumidor. Portanto, para que o investimento da companhia editorial, fonográfica ou cinematográfica tenha retorno, é necessária a probabilidade de lucro no fim da cadeia, não importando apenas o valor intrínseco. A valoração da arte por ser arte já não é a predominante, passa a ser descartada quando conflitante com o retorno financeiro. O processo de mercantilização da arte, portanto, gira a roda, do surgimento à maturação da obra, substituindo o valor real desta pelo valor nominal de mercadoria, atribuído pela procura motivada não apenas pelo peso artístico da obra, mas também pelo seu sabor, tal qual como alimento incrementado de aromatizantes e flavorizantes que não contribuem com qualquer valor nutritivo.


2.4 Interação mercado – artista por via do fenômeno jurídico


A arte tem um papel decisivo na formação da sociedade. Para o fenômeno inverso – o grau de influência da sociedade na produção da arte – a teoria é de que tal interação ocorre não apenas artisticamente mas também materialmente. “Ao que parece, a arte nunca foi tão educadora como hoje, nunca influenciou tanto outros setores da cultura como atualmente”, reza MELLO. “Por outro lado, o público não é tão passivo como poderia parecer. A interação entre público e artista tende a tornar-se mais intensa. Disso resultam, com certeza, modificações e reavaliações nas obras de arte.” [47]


A atitude do público consumidor de arte  (mormente a sociedade como um todo), após a massificação, não se mostra como sendo de passividade, pois saltou da simples apreciação à interação com o criador da arte, através dos meios disponíveis. O predominante é o próprio mercado, o qual regula as ações das companhias no sentido de promoverem as obras que chegam a ele. Tal ação das companhias se dá de forma a aumentar a gama de opções no mercado, lançando mais títulos, e repassar a seu casting as somas devidas para a continuidade do trabalho. Assim, o incentivo traduzido no recolhimento de valor sobre a venda da obra ao público é o moto impulsor para a continuidade ou não de uma determinada obra, da carreira de certo criador de arte, para seu direcionamento. Ainda não houve (a despeito de toda a queda da capacidade de crítica impulsionada pela supervalorização do material e pela massificação pela mídia de um comportamento standard) a supressão total da capacidade do intelecto humano em absorver apenas o que passa por seu crivo de apreciação artística.E estas reavaliações e modificações na obra nada mais são do que a manifestação desse público junto ao artista, demonstrando, no caso, satisfação ou insatisfação com o tipo de arte que vem dele. Pode dar-se por reflexo mercadológico de alta ou queda nas vendas, por fluxo em apresentações ao vivo, bilheterias, listas de best sellers, consumo de obras anteriores, etc.


Uma das manifestações mercadológicas correlatas é justamente a quebra da proteção do direito autoral no tocante às cópias. Pois um consumidor não se acha impelido a consumir algo que seja muito dispendioso e de qualidade relativa. Este termo de qualidade absoluta é crucial na decisão de consumo: notadamente na condição atual da acesso a cópias não autorizadas, uma obra que tenha pouco valor artístico absoluto tende a ser preterida por sua cópia ilegal, em virtude de o custo alto não compensar a baixa qualidade intrínseca da natureza do escrito, do álbum ou do filme. A condição de respeito ao regime de direito autoral encontra-se relacionado com a qualidade da obra apenas quando esta se demonstra impregnada de valor artístico, em absoluto, quando a simples apreciação leva a tal  constatação; ou, em certos casos, quando o consumidor é contumaz, e adquire as obras sempre de seu distribuidor autorizado, com as devidas garantias de produto oficial e regularizado, o qual recolhe o direitos autorais.


O princípio exposto aqui de desrespeito ao direito autoral incentivado pela baixa qualidade do material lançado no mercado é explicitado em uma visita ao comércio informal de qualquer centro urbano. A exposição de títulos fonográficos em tais mercados é composta de uma grande variedade de títulos, mas principalmente observa-se a predominância de títulos de baixa qualidade artística, que no entanto, constituem o padrão de consumo da maioria dos indivíduos da sociedade. Tal padronização constitui o veio principal das vendas do produto de contrafação, garantindo mais e mais o acesso a tais obras, por conta do baixo custo (sendo material ilegalmente copiado), sem recolhimento do que é devido ao autor.


Surgindo alguém que comercialize a cópia ilícita da obra artística, agredindo os direitos e os interesses de quem a produz, um ponto determinante é saber onde o mecanismo de proteção de direito autoral atua, como e com que propósitos. A falha na proteção do editor acarreta a estiagem na fonte, que é o autor; ou este produz menor qualidade, ou cede lugar para quem produza sem preocupação com o valor artístico, intrínseco, e tudo porque o sustento do artista trocou seu fulcro dos mecenas para os mercadores.


2.5 A decadência do valor artístico na história recente


A arte tem valor material e imaterial, e a correlação entre tais valores não é sempre simétrica ou proporcional. O determinante de quais obras serão publicadas, dentro do total produzido pelos artistas, é o valor material, obtido do ponto de vista financeiro. Nessa sobrevaloração do material em relação ao cultural, a tendência dos próprios criadores de arte é de satisfazer mais o padrão mercadológico do que a exigência de um bom conteúdo. A produção de arte em escala para atingir a massificação já é orientada de forma tendenciosa para que haja a certeza da venda do produto. [48]


A implantação das indústrias do entretenimento teve papel decisivo no decréscimo da capacidade de apreciar uma obra artística. O homem que consome arte viu-se enlaçado da noite para o dia pela máquina da propaganda inserida em meios de comunicação, que reduziram sensivelmente seu arsenal de argumentos, deixando-o incapaz de rechaçar uma obra ruim, disforme, incongruente. De forma gradual, as gerações foram acostumando-se a confiar na arte provida pela companhia que mostrasse a obra com mais comodidade, que a trouxesse ao apreciador com o mínimo de desgaste ou esforço. Houve paralelamente a troca da arte pelo entretenimento, o aumento da passividade do indivíduo na avaliação a respeito do que estava consumindo. A aceitação passiva de  tais valores impingidos pelos mercadores da obra artística (a essa altura, já não tão artística) foi moldando um comportamento do atrelar-se aos ditames da moda, à imitação não apenas do comportamento social, mas também dos gostos individuais, despersonalizando o indivíduo e junjindo-o a uma massa uniforme de consumidores do mesmo produto que é aceito e digerido:


A audição regressiva relaciona-se manifestamente com a produção, através do mecanismo de difusão, o que acontece precisamente mediante a propaganda. A audição regressiva ocorre tão logo a propaganda faça ouvir a sua voz de terror, ou seja: no próprio momento em que, ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar a sua paz de espírito, fazendo com que a mercadoria oferecida se torne literalmente sua propriedade. Na audição regressiva, o anúncio publicitário assume caráter de coação. [49]


A padronização do comportamento do indivíduo pela imitação dos demais membros de sua comunidade é um fenômeno antropológico. [50] Porém, até o período do pós-guerra, tal imitação de comportamento era voltada precipuamente à cultura material (hábitos, usos, costumes, meios de vida). O poder de mídia e de influência sobre o pensamento humano torceu essa finalidade do comportamento imitativo social humano, rompendo a barreira do foro íntimo que era o gosto pessoal de cada um, arraigado pela vivência de todos os matizes de estética e conteúdo passíveis de julgamento e pela constante reflexão acerca dos mesmos. [51] Em parte esse fenômeno deve-se à entrada da influência midiática justamente no período em que não se tem vivência ou crítica ainda: a infância e a adolescência. O jovem de hoje se vê repontado a um curral de imitação dos gostos, impingido a ele sem violência, na época de sua vida em que ele tudo aceita, tudo experimenta, tudo absorve. O mesmo se dando com a infância, com a fabricação de seus ícones em torno do padrão televisivo, coordenando seus gestos e construindo suas valorações. E as gerações vão se sobrepondo umas às outras na continuidade do processo, fabricando descendentes que não questionam tanto (em quantidade ou em veemência) os padrões que já eram percebidos por seus progenitores. Assim, o decréscimo da crítica pessoal feita à arte que se consome é um fenômeno perfeitamente compreensível, dentro da ótica em que se analise a sociedade hodierna. E as gerações passaram, de forma lenta e gradual, a substituir o termo boa obra por obra do gosto geral, privando de significado a formação de seu acervo pessoal de gostos e desgostos [52] – um contra-senso dada a multiplicidade da arte dos dias de hoje. [53] Tal diminuição na capacidade de apreciação tem como conseqüência direta a diminuição também da capacidade de os próprios artistas melhorarem seu acervo de idéias, tendo a crítica como cinzel que lhes mostrará pontos bons e ruins em sua própria obra. A autocrítica vem da crítica, internação deste princípio, e que tem o único intuito de construtividade, de melhoria. Quando esta autocrítica é exercida a contento, a produção da obra de arte, sua formulação, sua construção, seu acabamento, todas estas etapas são contempladas pela excelência do procedimento, melhorando sua qualidade intrínseca. Assim, a falta desta autocrítica gerada pela crítica, reflexo do processo de massificação, acaba refletindo-se na qualidade da arte como um todo, diminuindo-a.


3. O DIREITO AUTORAL


3.1 Surgimento e evolução


A despeito de não haver, nos primórdios da história, um interesse jurídico sobre a criação intelectual e sua autoria, sempre houve um certo reconhecimento, por parte da sociedade, do direito moral que é próprio do criador de uma obra cultural. Isso é visto de forma reflexa até hoje: mesmo com o passar dos séculos, ninguém se arrogou ter a autoria de obras como a Bíblia, a Odisséia Os Lusíadas, independente da inexistência de lei regulando a questão.


Entretanto, como manifestação da mente humana sem finalidade especificamente utilitária, no alvorecer da História as obras de arte não eram concebidas com o intuito de receber láureas de qualquer tipo destinadas à figura do criador. Destarte desde a Antigüidade serem produzidas obras de um valor tal que atravessaram séculos imutáveis em importância e influência sobre o espírito humano, o autor não levava a público sua prole artística relevando tão somente o aspecto meritório ou do reconhecimento. O quadro começou a mudar na época da Antigüidade Clássica grega: com a organização independente das cidades-estado, cada uma delas desenvolveu-se de forma mais ou menos autônoma em relação às demais, em certo caráter de competição econômica, política, comercial, e sócio-cultural. As pólis gregas tinham uma certa unidade cultural, que lhes garantia uma língua única e manifestações artísticas semelhantes; porém, tal como nas guerras e disputas comerciais, cada heleno apregoava a cultura de sua cidade-estado como a mais bela dentre as do mundo civilizado, e cada cidade-estado orgulhava-se de ter sido berço de um grande filósofo, escultor ou poeta. Assim, o mérito pela autoria de uma obra artística parece ter nascido da reivindicação da glória sobre uma bela obra para uma determinada sociedade, que acima do artista, era a responsável pela fruição de belos trabalhos de arte. [54] Após o reconhecimento do cenário onde desenvolveu-se a obra, origem e originária de uma cultura, surge o interesse individual no reconhecimento da autoria propriamente dita. [55] A partir daí, tem-se como certo que surge também a prática de assinatura da obra nos textos literários: em oposição à assinatura em esculturas, v.g., a assinatura de um texto não opõe dificuldade à compreensão da obra nem permeia-a com um ingrediente estético notável quando da sua apreciação. Já havendo neste ponto da Antigüidade o reconhecimento da pessoa que efetuava a criação de uma obra artística, faltava agora o reconhecimento do trabalho em si.


O esforço que se denota de alguém que compõe uma forma e um conteúdo elaborados a partir de uma abstração do intelecto, a partir de uma idéia que perpassa os pensamentos, nem que seja uma fugaz visão de um rascunho que dará como fruto a obra pronta – eis o trabalho e o esforço do artista, do criador. Dado o reconhecimento da paternidade sobre uma criação, era o tempo de reconhecer o valor que esta obra tinha, não apenas artístico, mas o valor de trabalho, como uma lavoura cultivada ou uma casa construída; pois que uma obra do intelecto não difere senão na sua natureza, situada ainda dentro do plano das idéias. No aspecto de obra, o sentido da palavra é o mesmo: é fruto de esforço, raciocínio, uma construção, um cultivo. Outrossim, o autor que já possuía o mérito de ter criado a obra passaria a ter o retorno sobre os bons frutos que tal obra iriam causar em uma sociedade, bem como sobre o suor que gerou a forma final de tal obra. Não era necessário apenas reconhecer o pai da obra, mas também o trabalho que foi feito, as etapas e o esforço empregado nelas, da concepção até a forma final da obra.


Já estavam conhecidos, pois, os elementos que formariam o direito do autor, strictu sensu. O Direito de Autor disciplina a atribuição dos valores e direitos morais ao autor de uma obra intelectual, de cunho literário, artístico ou científico. Tal potestas, agrega as prerrogativas não-materiais que são de interesse do criador da obra intelectual, ou seja, tudo aquilo que é devido ao criador da obra enquanto satisfeita esta condição de autoria. MANSO se posiciona a este respeito, afirmando: “Ora, nada é mais próprio do homem do que o produto de sua inteligência. Logo, nada mais natural do que ser dele a sua própria obra intelectual, para fazer o uso que melhor lhe convenha.” [56]


Aparece na Antigüidade o direito moral relativo ao reconhecimento da autoria da obra intelectual: era passível de execração e repúdio público aquele que se apossasse de obra alheia. Esse era o único crime contra o direito de autor à época: o chamado plágio tinha apenas como recompensa a notoriedade, visando a glória pessoal, a ascensão dentro de um determinado meio artístico, intelectual ou social. Não havia a captação ou aumento de proventos tangíveis, pelo fato de não haver uma divulgação massiva ou produção industrializada dessa obra; daí, talvez, o fato de não haver também nenhuma sanção pecuniária ou penal, visto não haver violação de nenhum direito material. À época, não havia a tangibilidade da questão: as cópias não eram correntes, pois não havia reprodução técnica da obra. [57] Ou a obra era um original ou uma imitação; a forma do desrespeito ao autor era a ofensa feita diretamente ao seu espírito, ao haver a apropriação de uma idéia que até então era original, sem o devido crédito. Marcial (Marcvs Avrelivs Martialis, 40 – 104 d.C.), foi o primeiro a usar o termo plágio para descrever o ato de apropriação de obra intelectual alheia. O crime de plagium, definido pela Lex Fabia de Plagiariis [58] do século II a. C., era o seqüestro de uma pessoa livre, para a posterior venda como escravo.


Durante a Idade Média, ainda era escassa tanto a produção cultural quanto a reprodução das obras. Havia a censura e a manutenção de privilégios por parte da Igreja a certos autores e a sociedades de copistas que detinham o acervo e o direito de cópia desse acervo. O sistema de privilégios consistia na autorização papal ou cardinalícia para que se fizesse a reprodução; mais tarde, a concessão desses privilégios de cópia passou a ser outorgado pela autoridade secular, o qual já se beneficiava com algum pequeno comércio das cópias e por uma certa manipulação do conhecimento que poderia ser repassado à sociedade, por meio das bibliotecas e das universidades. Como tal sistema não era feito para auferir os direitos ao criador da obra, mas sim aos detentores do privilégio de cópia, não havia forma de proteção à criação intelectual; portanto, o direito de autor passou em brancas nuvens nesse interregno.


Somente com a revolução advinda com a invenção, por Gutemberg, da prensa de tipos móveis, houve o ressurgimento da questão com vigor renovado. Agora, era possível reproduzir em larga escala a obra literária; e esta evolução incessante da produção e da divulgação de cópias acarretaria o surgimento e acirramento das questões relativas ao direito autoral, trazendo para o mundo jurídico a proteção da obra do intelecto.  A interface entre proteção da obra intelectual e da sua projeção no mundo material, a partir daí, começa a ser a tônica desse direito autoral, ainda incipiente e já imerso em uma controvérsia: os sistemas de privilégios. Esta foi a primeira concepção jurídica dos direitos resultantes da atividade de criação intelectual. Para a proteção dos interesses sobre a obra, havia, dos séculos XIV ao XVIII, este sistema de privilégios dos editores: detinham eles o direito sobre as impressões dos livros e sua utilização comercial, em regime de monopólio. Partia-se do pressuposto de boa-fé leonina de que já havia a autorização implícita do autor a esses editores e impressores para reproduzir a obra, faltando apenas o consentimento expresso da autoridade governante ou eclesiástica, geralmente dado com base em interesses políticos ou religiosos. Havia também o pagamento feito pelo editor ao soberano, para concessão do privilégio. Como se pode ver, tal sistema não apenas exclui o autor do rol de direitos que poderiam assegurar seu interesse patrimonial (o qual já começava a existir) como ampliava a gama de poderes dos editores com relação aos crescentes interesses na publicação. Estes privilégios tinham prazo limitado e poderiam ser revogados a qualquer tempo, segundo os interesses, [59] o que claramente configura uma fórmula de manipulação, senão sobre a criação, ao menos sobre a divulgação da obra intelectual. Todavia, o sistema entrou em declínio por conta de vários fatores a ele implícitos e inerentes. O descontrole das autoridades sobre a cessão dos privilégios foi um deles: como os tais privilégios não eram exclusivos, acabaram por gerar uma série de atritos entre vários editores de uma mesma obra, que colidiam seus interesses por conta da intersecção da abrangência de distribuição geográfica entre si. O segundo fator de declínio foi o econômico: as cópias não-autorizadas geravam uma redução das rendas do soberano, e isto passou a ser visto mais enfaticamente como ato lesivo, de acordo com o aumento da percepção do quanto era sonegado. E por último, à medida que a palavra escrita passou a desempenhar um papel mais importante na controvérsia política, o controle das impressoras foi sendo contestado justamente por aqueles que tinham seus interesses agredidos ou contrários ao soberano. [60] Ironicamente, os autores não tiveram papel destacado neste processo, sendo platéia no dantesco espetáculo de maquinações de fundo econômico que visavam garantir o sucesso de um editor sobre os demais.


A situação tornava-se insustentável: começaram as intervenções dos governos e conseqüente reavaliação do sistema em vigor, posteriormente anulando-o em favor de uma regulação mais clara do assunto. A partir do século XVIII, surgem as primeiras tendências de mudança: o descontentamento vinha dos autores, que não eram partícipes da fruição de direitos patrimoniais as obras, e dos editores, que começavam a se enfrentar em concorrências nocivas, vergando-se sob o peso da influência governamental, da pressão de algum eminente da corte que protegia os interesses de outro editor, ou mesmo de reis estrangeiros. Tal cenário desfavorecia enormemente a satisfatória produção literária no período: algo precisava ser feito para promover um mínimo de segurança jurídica aos responsáveis pela criação e edição de obras intelectuais. Assim, em 1710, a rainha Ana da Inglaterra determina o Copyright Act, que proibia a reprodução não autorizada das obras literárias, e dava aos autores o direito exclusivo sobre estas pelo período de 14 anos a contar de sua primeira publicação. Pela primeira vez se reconhecia o direito do criador da obra no campo material. Até então, o controle sobre as publicações na Inglaterra servia a interesses meramente políticos. [61] O Copyright Act, estabelecendo o direito de cópia outorgado ao autor, pela primeira vez reconhecia-o como sujeito de direitos reais de natureza econômica quanto à sua produção intelectual. Tal sistema de direito de cópia foi a base para a legislação anglo-americana, que ainda se mantém, dado o caráter cumulativo e consuetudinário do common law, resguardando esta acertada visão do direito do autor.


Porém, seria na França que se desenvolveria o conceito moderno de Direito Autoral. Na maré dos movimentos sociais do século XVIII, com os ideais do Iluminismo e a grita incessante dos que estavam à margem da nobreza, não demorou o reconhecimento do autor como gerador e sujeito da proteção jurídica atinente à sua obra. Em 1777, houve a revogação dos privilégios perpétuos dos editores sobre a obra publicada. Dois anos depois, a Revolução Francesa reveste a questão de um coroamento ideológico, tratando a criação intelectual como “a mais sagrada das propriedades” [62] e instituindo o direito do autor para a proteção desta propriedade. O arrebatamento direcionado à consagração do autor e do intelecto humano, além da causa filosófica Iluminista já citada, teve um moto de interesse material: é notório o fato de que, dentre os burgueses que arquitetaram a Revolução, estava situada a elite intelectual francesa, [63] que tinham obras escritas sem proteção legal. Tal albergue jurídico passou a ser almejado para o preenchimento deste anseio dos autores (com o perdão do trocadilho) da Revolução, sendo que ainda não se sabe o quanto de idealismo filosófico e o quanto de interesse tangível havia impregnando a questão. Nascia o Direito Autoral, com a estrutura básica que apresenta hoje em dia nos países que adotam o civil law. Adiante, em 1791, a Constituição Francesa permitiu que se confeccionasse a lei que regulamentou a representação pública das obras dramático-musicais nos teatros, e em 1793, houve a extensão deste direito de autor a todas as obras (e não somente aos textos dramáticos), bem como o reconhecimento do direito autoral como direito de propriedade.


Leis similares foram adotadas por vários países. A constituição americana continha uma medida, em sua proposta inicial, de introdução da proteção federal ao copyright, após falharem as tentativas de proteção nas leis estaduais. No decorrer do século XIX, muitos países promulgaram legislações tendo o copyright como objeto, bem como a proteção civil aos direitos de autor; houve a introdução das sanções penais na Itália e Alemanha.


Deste modo estava decretada a troca do principal beneficiário do direito autoral, passando do editor da obra direto para o seu criador; assim como a criação dos direitos conexos, na figura da cessão e do cessionário da obra. Começava a se esboçar uma concorrência de outros aspirantes à tutela legal do direito que já se dizia autoral. O surgimento da figura do cessionário da obra artística não excluiu os até então impressores, no sentido técnico de imprimir a cópia da obra, e criou os editores stricto sensu, que necessariamente editavam-na, sendo o vínculo entre o autor e o mundo da publicação. Estes editores certamente tiveram de buscar direitos compatíveis com a sua missão de propagar a obra intelectual já nascida e cuidar, como se fossem curadores, do acervo sob sua responsabilidade. A proteção aos direitos era assegurada pelo Estado, mas reivindicada por iniciativa dos editores, como garantia de lucro sobre a obra que eles chegassem a disseminar. Amparada pelos dispositivos existentes, a ampliação de garantias desses agentes publicadores da arte foi buscada, entrementes nem sempre ser a tarefa principal a salvaguarda do autor mediante o repasse desses direitos; muito disso se perdia (e ainda se perde) nas mãos dos intermediários.


O reflexo da atuação dos instrumentos jurídicos sobre a produção cultural fez-se notar: agora, havia a possibilidade da arte como meio de sustento, legalmente amparado como outros ofícios o eram. Tornava-se tangível o fruto do intelecto de certos autores; embora na maior parte das vezes apenas os grandes mestres tivessem sua vida sustentada pela produção de sua obra, ao menos fazia-se reconhecido o dever daquele que fizesse uso de criação alheia de ressarcir de alguma maneira o seu criador. O período compreendido entre os séculos XV a XVIII foi, portanto, decisivo no nascimento do Direito de Autor e do Direito Autoral, como ramos do Direito materializados por seus diplomas legais e tendo aplicação das regras concomitantes.


Mas ainda restava muita coisa por fazer: dentro da dinâmica que a vida em sociedade exprime, é óbvio que a matéria da criação intelectual obedeceria aos movimentos de avanço através dos tempos; e a legislação sobre os direitos do autor deveria acompanhar tal evolução: as leis nascem das necessidades sociais. Enquanto as obras intelectuais não se prestavam a uma exploração econômica de natureza verdadeiramente comercial, porque sua produção não podia realizar-se em escala industrial, nenhuma razão parecia haver para legislar-se sobre as violações do que deveria ser direito dos autores. [64]


Já era tempo de revolução industrial na Europa; o aperfeiçoamento da imprensa provocou uma explosão na produção de cópias de livros e em fins do século XVIII já eram acessíveis ao público as obras que haviam passado séculos trancafiadas. Com tal avanço da cultura sobre o povo, naturalmente surgia uma necessidade de produções cada vez maiores [65] e tal incremento da atividade produtiva gerou uma forma de comércio e indústria voltada exclusivamente para o suprimento desta necessidade mercadológica. Sabe-se que o surgimento de interesses já é em contraste, pois não há uniformidade de pensamento desiderativo do coletivo social no que cabe às questões econômicas; com esses choques de interesses, surgem conflitos e divergências. A partir daí, faz-se necessária a intervenção do Estado para a proteção dos interesses legítimos e apaziguamento das disputas, bem como para a regulação do mercado, em se tratando de direito econômico lato sensu.


Logo após Inglaterra e França, a Itália, a Holanda e a Alemanha adotaram também seus critérios de proteção aos direitos autorais. A Europa como um todo tinha se dado conta de que não poderia prescindir de uma regulação sobre a matéria, ou perderia financeira e culturalmente. Começaram a surgir leis de arrecadação tributária sobre o comércio das obras (Itália, 1823). Tributações havia desde os tempos do sistema de privilégios, mas agora os recursos originados de tais cobranças seguiam para o erário público.


Cada país adotava critérios próprios para a demarcação do que seriam os direitos de autor e os direitos conexos, bem como para a sua proteção e adequação aos envolvidos no processo de produção da obra. Com o fluxo cada vez maior de idéias, de homens, de obras, entre os países europeus e suas colônias, começavam a aparecer conflitos de ordem transnacional (traduções de obras sem pagamento de copyright, edição além das fronteiras da obra original e outros abusos contra o patrimônio moral e material do autor e de seus editores ou cessionários). A regulamentação nacional já não satisfazia a demanda criada com o surgimento da expansão dos meios de produção e reprodução e o aumento do público consumidor da obra. A falta de uniformidade das leis sobre o assunto levaram, logo após os convênios bilaterais, à proposta de um tratamento multilateral e uniforme para o assunto. Tal tratamento foi materializado na convenção de Berna  para a Proteção de Obras Artísticas e Intelectuais, de 1886, que estabeleceu o princípio do tratamento nacional para o copyright  e para os direitos de autor e conexos, ou seja, a igualdade de tratamento para os autores de nacionalidade dos países signatários da convenção. Em revisões posteriores, obteve mais avanços, como o estabelecimento de obrigações mínimas de proteção: deste modo, os países signatários se comprometeriam a oferecer proteção substancial às obras dos outros membros. [66]


3.2 Direito do Autor e Direito Autoral: época contemporânea


O Direito de Autor e os seus direitos conexos mais primordiais atravessaram o século XIX em meio à sua consolidação, e chegaram ao fim deste período com três novos processos que iriam nortear a discussão acerca dos eventos jurídicos pertinentes a este ramo do Direito: a internacionalização da obra de arte (em vários momentos), a gravação e a revolução tecnológica. Em cada um destes três pontos, acha-se o foco de controvérsias que ainda se apresentam sem uma conclusão definitiva ou mesmo sem sequer ter indícios de um caminho a tomar com vistas a uma solução.


3.3Internacionalização: a era das convenções


A convenção de Berna, Suíça, em 1886, foi o primeiro passo para que o já notável problema da transposição de barreiras nacionais pelas obras do intelecto tivesse uma elaboração de textos legais, no âmbito diplomático internacional, com vistas a alcançar uma regulamentação própria que preservasse o conteúdo destas obras e assegurasse aos seus autores e difusores os direitos adquiridos intranacionalmente. Sabe-se que até então, alguns países já produziam acordos bilaterais sobre os direitos de autor; eles  visavam a extensão do tratamento de nacionalidade aos autores estrangeiros, no que diz respeito à segurança jurídica de seus direitos de autor. A reciprocidade exclusiva era a característica destes acordos: somente em relação aos signatários a proteção era válida, sendo que constituíam mútuo direito, ou seja, o tratamento deveria ser equânime nos dois países, em relação aos nacionais do sujeito recíproco.


Contudo, os tratados garantiam os direitos dos autores apenas nestes países, o que significava que no resto do globo tal condição não lhes era assegurada. Além disso, cada tratado tinha peculiaridades,  devidas à diversidade com que cada nação tratava o produto da mente humana, que se tornava incômodo operar por tantas regras diferentes. E com as revoluções nos campos do conhecimento científico, no fim do século XIX, a confusão gerada pela quebra dos direitos destes autores gerou atritos comerciais inomináveis.


Promover a Convenção de Berna foi o meio encontrado para mitigar estes conflitos. Em primeiro lugar, parte-se do pressuposto de que a bilateralidade deveria ser abandonada em favor da multilateralidade; com isso, haveria uma maior paridade no tratamento de diversas nações a respeito de um mesmo tema, proposto, debatido e sancionado. Em segundo lugar, haveria a expansão da área de vigência do acordo, o que permitiria uma maior proteção dos direitos de autor em termos quantitativos. Em terceiro lugar, haveria a possibilidade de pressão sobre os países exclusos ao tratado, para que o integrassem, aumentando assim o alastramento de ação eficaz das legislações de proteção ao direito de autor.


Entre outros pontos-chave, a convenção de 1886, revisada e ampliada sucessivas vezes, compreendia em sua proteção todas as produções do domínio literário, científico e artístico, desde que fixadas num suporte material. Não foi nenhuma surpresa tal iniciativa ter ocorrido nos países da Europa, altamente desenvolvidos e muito mais implicados em contratos internacionais de comércio. A Convenção de Berna é tecnicamente impecável e fortemente protecionista, como afirma José Ascensão.[67] Entretanto, os países que se achassem sem vantagens caso observassem tal legislação, permaneceram de fora; no caso de adesão, perderiam competitividade objetiva, ao terem de respeitar patentes e autorias que seriam protegidas. [68] Incluei-se neste rol de nações a China, juntamente com Taiwan (ainda não-signatárias: são onde mais se perpetram crimes contra os direitos autorais e de propriedade intelectual, como quebra de patentes, violações de copyright e falsificação e pirataria de produtos industrializados, de toda a natureza).


Nessa esteira, veio a Convenção Universal do Direito de Autor de Genebra, em 1952, tendo uma revisão em Paris, 1971 (texto esse que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo decreto nº 76.095/75), sendo administrada por um órgão externo a ela: a UNESCO. A pretensão era expandir o caráter verdadeiramente universal da convenção; consolidar a padronização técnico-normativa entre os grandes sistemas surgidos após Berna, notadamente dicotômicos, entre EUA e Europa; ajustar uma fórmula de arrefecimento da política norte-americana relacionada ao Direito de Autor fora de suas fronteiras, possibilitando a sua inserção no centro do movimento protecionista sem lhes impingir a convenção de Berna; e, finalmente, sanar a oposição existente entre a UNESCO e a WIPO.[69] Posteriormente, A WIPO foi agregada à estrutura da UNESCO, que lhe servia de entidade administradora.


A internacionalização como paradigma da evolução do Direito Autoral, na verdade, serviu de alavanca para os processos de padronização das normas relativas ao assunto, também originando a demarcação do quociente de boa-vontade governamental nas questões, permitindo a verificação de quanto interesse surgiria, resultante do proveito ou do prejuízo econômico resultante dos fenômenos de comércio internacional da obra intelectual. Nada seria feito relativamente à proteção do direito de autor, por exemplo, se os direitos conexos não fossem desrespeitados, gerando prejuízos a um país ou outro. Nesse campo, os direito conexos (direitos de reprodução, copyright, edição) são o impulso da vivificação do direito de autor.


Outro ponto dessa manifestação transnacional a ser salientado é a ocorrência da consignação no ordenamento jurídico de um dado país dos dispositivos integrantes do acordo multilateral. Passa o direito internacional a ser fonte do direito interno, não raro daí derivando a própria legislação nacional, até então inédita (caso do Brasil, que só veio a ter uma legislação autoral depois da convenção de Genebra; até então, a matéria era regida pelo Código Civil de 1916, exclusivamente).


3.4 O paradigma da gravação


O próximo passo seria a adequação da proteção aos meios técnicos que vieram surgindo: as gravações, o cinema, a difusão. Era hora de estabelecer uma proteção específica para as obras em suporte material que fossem oriundas de coagulação, nesse suporte, de fenômenos físicos (o som e a imagem). Nas convenções de Berna e de Genebra, pelas suas complementações, foram inscritas as definições e os conceitos relativos ao fonograma, de maneira bem abrangente ou generalizada. Porém, ainda não tratavam deste novo modo de produção artística de forma independente da obra literária, tendo em conta a concreção do suporte material e as peculiaridades inerentes à produção e à reprodução. O fonograma gerou esse molde jurídico de proteção.


A Convenção para a Proteção dos Direitos dos Produtores de Fonogramas contra a Reprodução Não-Autorizada de Genebra (1972), visava a instituição de formas de cooperação internacional para a proteção dos fonogramas editados ilegalmente (sobretudo em países do Extremo Oriente). A pirataria do disco já era um fenômeno observado naquela época: dada a magnitude das perdas resultantes desse fenômeno, sobretudo nos mercados que não-alinhados ao eixo norte-americano da Guerra Fria, havia a necessidade de diminuir a incursão destas cópias nos países cumpridores das convenções. A ameaça de perdas ainda maiores forçou a OMPI a trazer para seu seio a questão da proteção da cópia fonográfica, de forma explícita e específica, por esta convenção, que foi ratificada pelo Brasil no mesmo ano.


Como já foi citado, o interesse econômico é o moto do interesse legislativo: o direito autoral vive de surtos de aumento de interesses em uma área para que possa ser regulamentado. Assim foi com a passagem ao reconhecimento do direito moral de autor, depois o direito de cópia, o direito de propriedade intelectual não-artística, o direito internacional de autor. Não seria diferente no tocante ao direito de produtores de fonogramas – a indústria fonográfica – que, pressionando por seus interesses e aliando a isso a crítica dirigida às entidades governamentais de que elas perderiam com a evasão de divisas para os países onde se realizava a pirataria, conseguiu o crescente arrochamento das leis sobre os autores das infrações. Não obstante isso, ainda é verificado este fenômeno, no âmbito doméstico dos países e no comércio internacional: países como China e Taiwan obtêm muita renda com o comércio de cópias ilegais produzidas dentro de suas fronteiras.


De forma análoga, o cinema também veio a ser tratado de forma mais densamente especificada, a partir da revisão de 1928 da Convenção de Berna. O artigo 2 especifica a obra cinematográfica ou produzida por processo análogo ao da cinematografia. Assim ocorria a proteção específica dessa forma de expressão artística localizada em seu próprio corpus mechanicum.  Na gênese de mais um paradigma, agora a composição musical e a obra dramática eram gravadas, fundidas em um suporte material, o qual poderia ser transportado, reproduzido, copiado, recopiado. Surgiam os direitos conexos com força tal que já se equiparavam e até mesmo se sobrepunham aos direitos de autor. A possibilidade de reprodução ilegal era efeito do avanço tecnológico, que já possibilitava a um transgressor em potencial efetivar sua ação com meios apropriados, de modo que o resultado não era mera cópia do original, e sim uma reprodução perfeita. Assim, o fenômeno do copyright, antes tão contestado pelos países de legislação românica, passava a ser engolido como a saída para uma situação em que o desrespeito era indireto ao autor e direto ao editor ou produtor, que era a parte financeiramente ativa do processo econômico.


3.5 O paradigma da revolução tecnológica


A etapa mais significativa e própria do século XX concernente às mudanças de ponto de vista e consecução de paradigmas é a revolução tecnológica. A evolução dos processos de cópia, tanto legal como ilegal, o advento da difusão, os meios de alteração e transcrição do suporte material, e o acesso a essas tecnologias, cada vez mais fácil por sua popularização e barateamento, possibilitaram um incremento enorme na confecção de cópias que feriam os direitos conexos.


A difusão, tornada possível a partir da invenção e popularização do rádio, no início do século, configurou um pólo de discussões também no que tange aos direitos da obra que fosse transmitida; no início, não havia a obrigação de recolhimento de tarifa ou taxa relativa à utilização de fonogramas nos programas de rádio. Porém, com a passagem do tempo, houve uma predisposição para um acerto entre os meios de difusão e os produtores de fonogramas: a taxa passou a ser cobrada com base no número médio de execuções em um período de tempo, arrecadados e encaminhados direto ao editor da obra. O sistema vigente hoje prevê a instituição de sociedades arrecadadoras, as quais efetuam a fiscalização junto aos meios de difusão, a arrecadação e repasse das somas devidas à guisa de direitos autorais, e o encaminhamento de processos contra os infratores.


O método empregado Convenção de Roma, de 1961, estendeu a proteção dos fonogramas sobre suas execuções em rádio e em televisão. As controvérsias obtiveram eficaz solução e, a contento, algumas das questões vindouras também tiveram uma previsão bastante acertada por conta das regras claras e de fácil aplicação deste instrumento. A causa disto era simples: fora redigido tendo a assessoria e consulta de pessoal mais especializado, técnico propriamente dito, e tendo em mente o já representativo aumento do potencial de comunicação verificado pela TV.


A potenciação da capacidade de comunicação, devida aos meios técnicos inovadores, tanto do rádio como da TV (transmissão via satélite, etc.) suscitou a preocupação com essa faca de dois gumes que é o uso da tecnologia a serviço da comunicação, em intersecção com o Direito Autoral. Visivelmente interessados na veiculação de obras originadas para outros meios de apreciação, os meios de radiodifusão buscaram uma compatibilidade com os produtores das obras sob a perspectiva de sua utilização. Não foi tarefa fácil: de um lado, o interesse das radiodifusoras de levar a seu público obras de boa qualidade, que até então eram inéditas a grande parcela deste; de outro, o interesse dos produtores das obras em continuar lucrando com a exibição em outros meios continuamente pagos ou com a venda das cópias. O ponto de equilíbrio chegou com a auto-regulação pelo mercado, e a Convenção de Roma apenas estipulou os limites de utilização das obras, bem como a proteção dos contratados e contratantes como um aglomerado só, contra a utilização indevida por outros meios ou companhias do mesmo meio.


A revolução tecnológica não arrefeceu, no entanto: a rede de interconexão de computadores – Internet, originada na década de 1960 entre os computadores do sistema de defesa dos EUA, depois expandida para as instituições de ensino superior, chegava ao início dos anos 90 dando trabalho para os meios de radiodifusão: foi uma questão de tempo para haver a possibilidade do envio de áudio e vídeo entre computadores preparados para sua reprodução. Isso tornou-se possível graças às tecnologias de transcrição da obra de um tipo de suporte material para outro, e compactação deste suporte para seu envio, como veremos adiante. O resultado da introdução da Internet como meio de difusão trouxe mais problemas à tona, no que parecia um cenário já calmo e estável do Direito Autoral: a difusão agora não dependia mais da regulamentação oficial. O baque foi sentido em todos os pontos da atividade econômica resultante da produção artística: já não era possível controlar as emissões das obras de um ponto a outro do espaço, nem sequer taxá-las. O empecilho principal é o princípio de que a Internet é um veículo ou ferramenta de comunicação interpessoal: um controle exercido sobre a transmissão de dados seria violação da correspondência pessoal, invasão da privacidade alheia. Mal levantou-se a hipótese de controle sobre o envio de dados, as vozes ergueram-se totalmente contrárias a qualquer fiscalização daquilo que era enviado de uma pessoa a outra na forma de pacotes de dados. A polêmica ainda está longe de ter um fim.


Com a internacionalização desregulamentada da transmissão por Internet, assim que a rede se expandiu pelo mundo, a evolução tecnológica abre-se num viés do paradigma de internacionalização da propagação da obra, privada de regras, como foi visto nos parágrafos supra, tal como nos tempos da migração dos textos pela Europa da Renascença. Isso mostra que é difícil prever qual o próximo salto paradigmático, a fim de controlar as violações que se dimanam da ausência de regulamentação.


3.6 Direito de Autor e Direito Autoral


A lei brasileira, a partir da Lei nº 5988/73, impõe uma distinção entre Direito de Autor e Direito Autoral, como conceitos bem distintos, embora interdependentes. A respeito da doutrina, a separação entre as duas denominações que são utilizadas como sinônimos de um universo de direitos é justamente necessária para que se conheça que espécie de prerrogativa se está a proteger.


O Direito de Autor é o ramo da ordem jurídica que disciplina a atribuição de direitos relativos a obras literárias e artísticas.O Direito Autoral abrange ainda os chamados direitos conexos do direito de autor, como os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão. Direito Autoral passou pois a ser designação de gênero. [70]


Assim sendo, o Direito Autoral é próprio a todo aquele ente que se utiliza de alguma forma de uma obra do intelecto, sendo ou não autor da mesma; [71] encerrado nesta questão se encontra o debate que tomará forma adiante, sobre quem é o primordial sujeito de direitos e beneficiário dos mesmos. Em contrapartida, o Direito de Autor é aquele que é próprio apenas ao criador da obra do seu intelecto, seja ou não em colaboração.


3.7 Direito de Autor


A definição de direito de autor abordada neste trabalho surge tanto pela doutrina tanto pelo diploma legal. No próprio ordenamento jurídico vigente há a demarcação bem clara do que seja o direito do autor; a Lei nº 9610/98 estipula:


Título III – Dos Direitos de Autor:


Capítulo I – Disposições Preliminares


Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.[72]


 


Porém, nem apenas do texto legal se retira a totalidade dos direitos pertencentes ao autor de obra dimanada do intelecto. De acordo com a doutrina mais aceita, o direito de autor é todo o direito relacionado a sua pessoa, enquanto criador de uma obra intelectual, emanada do espírito humano. Congloba os direitos morais, [73] ou pessoais. Esta classe de direitos (não-patrimoniais) abrange os direitos pertinentes exclusivamente ao criador da obra. São absolutos erga omnes, imprescritíveis, impenhoráveis, personalíssimos, inalienáveis (salvo quando de natureza passível de sucessão) e irrenunciáveis. Têm sua gênese na relação criador-criação, no reconhecimento de que a obra é extensão do intelecto e da personalidade de seu autor, como um prolongamento de seu espírito. [74] Os direitos morais são descritos na Lei 9610/98¸ Título II, capítulo II – Dos Direitos Morais.


Tais direitos têm bastante acentuado o seu substrato de ordem moral, acima da peculiaridade tangível a um direito, conquanto sejam em si  direitos que são impassíveis de valoração material objetiva ou irredutíveis a um valor pecuniário. Não há, portanto, vocação econômica direta no direito moral ou pessoal de per si; entende-se que tais direitos mantém um feixe de prerrogativas destinadas a resguardar e beneficiar a personalidade do autor e a  obra em si mesma. No entanto, como demonstra ASCENÇÃO, [75] o direito pessoal traz uma nítida marca protecionista. Se fôssemos pensar que todo o poder concebível, assente em considerações de defesa pessoal, e independente de outorga da exploração econômica da obra seria admitido por lei, agravaríamos a condição dos utentes, que amanhã veriam opor-se-lhes direitos com que não contavam e que, mercê da tutela reforçada de que desfrutam, atingiriam gravemente o exercício das outras faculdades. Portanto, a tendência é supor que a legislação especificou algumas faculdades de ordem pessoal que são atribuíveis à obra e ao autor, outorgando explicitamente as mais visíveis. Mantém-se a possibilidade de abertura a outras prerrogativas que possam vir a surgir, por força da realidade incessantemente mutante da obra intelectual e de seus meios de expressão, bem como em decorrência da utilização econômica.


3.8 Direitos Patrimoniais


São aqueles originados da utilização econômica da obra intelectual, seja ela de que natureza for. Os direitos patrimoniais não são exclusivos do criador da obra: [76] através da outorga contratual, formal ou não, o autor pode transferir estes direitos a outrem, presumivelmente de maneira onerosa; pode ser não-onerosa, v.g., na sucessão. A previsão legal no ordenamento brasileiro consta  do Capitulo III da Lei nº 9.610/98.


Nas palavras de Eduardo Vieira Manso, [77] é impossível desfilar o rol de todos os direitos patrimoniais, pois toda a forma de tirar proveito econômico da obra intelectual se configura pertinente a esta classificação. Esta utilização econômica depende do estado da técnica pela qual se realiza, e a evolução de tal técnica é incessante, da mesma forma as maneiras de exploração econômica sobre a obra também se diversificam e mudam com o passar do tempo. Contudo, pode-se dizer que os direitos patrimoniais abarcam todo aquele ato ou condição que, na utilização da obra intelectual, gerar ou ser passível de gerar remuneração ou ônus de ou para o autor em si ou alguém que representa os interesses do autor ou do sucessor. Não se inclui, portanto, o que diz respeito a uma obra em domínio público; e depreende-se também que é necessária a autorização do criador para a utilização da obra e aproveitamento destes direitos por outrem.


3.9 Direitos Conexos


Não apenas os autores ou aqueles a quem cabem os direitos por alienação ou sucessão são os únicos possuidores de direitos relativos à obra intelectual e sua utilização; os direitos conexos tratam justamente desse conjunto de outros sujeitos de direito. Por esta denominação são entendidos os direitos gerados pela interpretação, execução e difusão de obra intelectual. Na verdade, os direitos conexos são uma extensão dos direitos patrimoniais abarcados pelo conceito da utilização da obra sem alienação, derivando direitos dos interpretes e difusores da obra em relação a terceiros. Tais direitos abarcam a interpretação ou difusão em si, e não o conteúdo original da obra.


3.10 Sujeito do Direito Autoral


Inconfundivelmente o mais importante sujeito do direito autoral é a pessoa do criador da obra intelectual. Sem sua existência, não há a obra em si, geradora de todo e qualquer direito imaginável dentro do escopo do presente trabalho. Tal fato, como se verá adiante, tem puxado a proteção fornecida pela lei para uma concentração maior sobre a figura do autor, embora a regulamentação sobre os direitos que lhe são exclusivamente próprios – os morais – seja muito inferior à dada aos direitos patrimoniais, que são de atribuição passível e possível a qualquer pessoa, desde que ela satisfaça a condição de vínculo com a posse da obra, por contrato de alienação ou por sucessão, e não há, em conseqüência, a intersecção destes dois matizes para que a proteção econômica alcance o gerador da obra. O abuso em relação aos direitos existe em larga escala, pois a utilização, lícita ou ilícita, implica quase sempre em proveito econômico.


3.11 Objeto e Objetivo dos Direitos Autorais


A priori, como o surgimento do direito de autor se dá no momento da criação da obra, torna-se sem nexo falar de direito autoral sem obra. Por esta razão, descarta-se a proteção jurídica das idéias em si. A idéia somente será passível de proteção quando contida ou catalisada em um suporte físico, material, integrando o universo das coisas que podem ser manipuladas, utilizadas ou tão somente armazenadas em alguma espécie de acervo material.


O objeto da tutela legal, imediatamente,  é propriamente a obra, a manifestação das idéias contida em uma forma de expressão que se utiliza de um corpus mechanicum para ser veiculada. Essa nítida mira sobre o objeto de tutela legal faz-se muito necessária por conta de estabelecer os limites da custódia efetuada.


Na expressão obra artística, salta à nossa compreensão o fato de nenhuma obra artística ser fruto senão de uma produção do intelecto. Porém, apenas isso não basta: determina-se que seja uma manifestação do espírito humano que sirva a um propósito intelectual e tenha caráter estético Não são considerados os objetos que entram sob a proteção do direito de propriedade industrial. [78]


Não se confunde objeto com objetivo, na expressão de que um é o destinatário da ação de tutela, e o outro é o propósito pelo qual se exerce tal ação, em benefício do sujeito ou do objeto. O objeto é a obra intelectual, o objetivo é configurado pela proteção dos direitos autorais.  Por via indireta, para sustentar a crítica inserida neste trabalho, aponta-se um objeto remoto ou mediato da proteção jurídica – a qualidade da obra cultural, e um objetivo remoto – a transcendência apontada no Capítulo 1, ambos sustentados somente em tese pelos direitos autorais. A efetividade de proteção a este objeto e este objetivo não ocorre por conta da má aplicação dos instrumentos legais.


3.12 Direito Autoral: proteção do Objeto, proteção do Sujeito


A primeira e principal reflexão suscitada neste trabalho é: qual seria, afinal, a principal missão do direito autoral?


À obra publicada, veiculada, atribui-se um valor econômico e um valor pessoal, que se refletem no autor. Desse modo, em tese, o sujeito de direitos, ao contar com a tutela legal, tem a segurança  jurídica necessária para afirmar a tranqüilidade relativa à sua iniciativa de atividade econômica, bem como sua liberdade de expressão; assegurada essa situação, a resultante potencialidade geradora e, em segundo momento, difusora das obras reverte em nova criação. O beneficio advindo dos direitos autorais patrimoniais, principalmente, é um sustentáculo da continuidade da criação – sem a qual, não pode haver reprodução e todo o resto do processo.


A proteção do hipossuficiente, óbvio pilar dos direitos sociais, mostra-se como elemento essencial na qualidade do direito autoral tratado. A razão é simples: o bom autor necessita de dedicação para fruir a sua obra, e isto denota dispêndio de tempo e recursos. Tal dispêndio de recursos pode ser saldado se ele tiver uma atividade econômica paralela, como é corriqueiro. Porém, imagina-se que o tempo à disposição da obra diminua sensivelmente, afetando sua qualidade intrínseca. Na via oposta, o autor que se dedica full-time à produção da obra nem sempre tem o repasse financeiro devido, comparado à magnitude do trabalho, por conta da tíbia proteção jurídica efetiva, o que torna difícil seu sustento, sua evolução, sua manutenção na atividade. Assegurada essa custódia ao criador de manifestação do intelecto, a própria seleção natural faria soçobrar as obras de valoração intrínseca pouca ou inexistente, não sendo necessária intervenção da norma para estipular proteção às obras de maior valor cultural.


Portanto, a principal meta do direito autoral deveria ser a proteção econômica do criador da obra, via aplicação correta do direito positivo pela conjunção direito patrimonial / direito pessoal. Sendo o autor a fonte de onde dimana a produção de fomento intelectual a toda a coletividade, todo o resto depende dele; os direitos dos titulares não-criadores são muito bem assistidos também pelo Direito Civil, por lidarem mais diretamente com a matéria, com o molde objetivo do direito que se forma. Já o autor somente conta a seu favor o fato de ele ser o realizador da obra, de ser a mente que tem as características que outra não tem na realização de seu intento, de possuir as habilidades que geram o original, enfim, é insubstituível e tem seu patrimônio não-material tão sub-valorizado in pecúnia que a inspiração jurídica albergada no autoralismo atual e no civilismo não se faz suficiente para abrigá-lo sob a guarda destes princípios.


4. LEGISLAÇÃO


4.1 As Convenções Internacionais


No ano de 1886, por iniciativa dos países europeus, notadamente no centro da evolução cultural e tecnológica que se fazia necessitada de proteção, foi aberta a Convenção de Berna, na Suíça. Era o primeiro passo para a elaboração específica de diplomas legais que tinham em seu cerne o Direito Autoral, que passou a ter sua regulamentação por instrumentos próprios. Até então, os acordos bilaterais eram os regentes da legiferação existente. Estabelecendo vários princípios básicos do Direito de Autor, que foram espalhados pelo planeta, a Convenção serviu como fundamento para a confecção de legislações nacionais até então inexistentes, como é o caso do Brasil. Entre os princípios dispostos, salienta-se a delimitação do objeto juridicamente protegido, [79] e o reconhecimento do direito erga omnes de paternidade da obra e dos direitos morais. [80] Consignada pelo Brasil em seu ordenamento jurídico pelo Decreto N° 75.699, a Convenção de Berna fundamentou vários conceitos do Direito Autoral, que seriam incorporados à lei 5988/73.


A Convenção Universal sobre Direito de Autor (Convenção de Genebra), de 1952, tratou stricto sensu do Direito de Autor, descontadas as considerações primígenas sobre os direitos conexos. Questões controversas à parte, a Convenção de Genebra é um instrumento que enraíza os direitos de autor propriamente ditos, dando-se sua consignação no ordenamento brasileiro pela assinatura do Decreto nº 76.095, de 24 de dezembro de 1975. Imbuída da proteção à evolução cultural humana, por via da obra intelectual escudada pelo Direito, a Convenção de 1952 inicia nos seguintes termos:


Os Estados contratantes,


Animados do desejo de assegurar a proteção do direito de autor sobre obras literárias, científicas e artísticas,


Convencidos de que um regime de proteção dos direitos dos autores […] é de natureza a assegurar o respeito dos direitos da pessoa humana e a favorecer o desenvolvimento das letras, das ciências e das artes,


Persuadidos de que tal regime de proteção dos direitos de autor tornará mais fácil a difusão das obras do espírito[…],


Resolveram conceber e assinar a Convenção Universal Sobre o Direito de Autor. [81]


Mais tarde, a Convenção Internacional para Proteção aos Artistas Intérpretes ou Executantes, aos Produtores de Fonogramas e aos Organismos de Radiodifusão, firmada em Roma, a 26 de outubro de 1961 torna-se a consagração dos direitos conexos em diploma próprio, atendendo aos anseios dos entes relacionados a tais pretensões. Delineada de acordo com critérios técnicos, visto referir-se à evolução constatada nos meios de propagação da criação intelectual / artística, a Convenção de Roma foi um documento centralizador de questões controversas, enquanto os padrões mais recentes de comunicação se espalhavam pelo globo. O Brasil  tornou-se signatário através do Decreto n° 57.125, de 19 de outubro de 1965, publicado no D.O.U. aos 28 do mesmo mês.


Tais documentos formalizaram a proteção ao direito autoral, marcaram a solução de várias controvérsias latentes e existentes relativas à salvaguarda dos direitos de autor e  conexos, e foram incorporados ao nosso ordenamento jurídico formando a base de vários pontos da nossa legislação. Porém, justamente o ponto mencionado na introdução da Convenção de Genebra, citada acima, parece ter sido esquecido na motivação do nosso aparato legal de proteção do autor.


Legislação Nacional


As primeiras colocações de ordem jurídica sobre direito autoral surgem na época da colonização portuguesa. As Ordenações Reais instituíam os privilégios de publicação de obras em nossa língua, mas apenas a partir do século XIX teve início a publicação de obras em nosso território. Em 1827, o Império instituiu os cursos jurídicos no Brasil: pelo instrumento de fundação das faculdades, os mestres deveriam encaminhar às Assembléias Gerais das províncias os compêndios das matérias, para submetê-los à aprovação; concedida, gozavam do privilégio de sua publicação pelo período de dez anos. Esse direito intra muros não se estendia aos demais autores nacionais.


A primeira regulamentação geral da matéria, de natureza penal, veio em 1830, com a promulgação do Código Criminal. O Artigo 261 proibia a contrafação, e protegia as obras deste crime pelo período de dez anos após a morte do autor.  Na Constituição de 1891, o artigo 72, § 26 rezava: “Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar”. [82] Esta lei regulamentadora, a Medeiros de Albuquerque (Lei nº 496/1896), era retrógrada principalmente por exigir o registro formal da obra como condição de sua protegibilidade, e a proteção durava por um período de apenas 50 anos contados da primeira publicação. Tal norma vigeu até o advento do Código Civil de 1916, que assumiu a tutela da chamada Propriedade Artística, Cientifica e Literária, e regulamentou o contrato de edição no livro do Direito das Obrigações.Tal enfoque civilista foi transposto para a Lei nº 5.988/1973, que efetuou, finalmente, a redenção do Direito Autoral para sua autonomia como ramo do Direito nacional. Ainda possuía algumas falhas; no tocante ao período de proteção, ainda era muito restrita.


A ordem constitucional de 1988 insere, no seu Artigo 5º, XXVII e XXVIII, a proteção dos direitos autorais, prevendo inclusive a fiscalização do aproveitamento econômico da obra. Essa alínea b do inciso XVIII do Artigo 5º esculpe a proposta deste trabalho no que tange ao proveito econômico advindo da obra artística, como condição ideal  e efetiva da proteção jurídica autoral sobre seu objeto, através do seu objetivo.


Lei nº 9.610/1998


A lei que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais consagrou preceitos simples e generalíssimos que permitem a clara proteção de praticamente todos os aspectos do direito autoral, seja em que área estiverem contidos. Resultado de debates desde a promulgação da Constituição de 88, entrou em vigor em 19 de fevereiro de 1998.


De saída, encontra-se o objeto da dita lei, no Art. 1º: “Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”. [83] A definição claríssima do que sejam os direitos relativos a uma obra intelectual já se definem, mitigando qualquer dúvida. Os artigos seguintes tratam da proteção nacional, nos moldes das Convenções (art. 2º), e reputam os direitos autorais como bens móveis (art. 3º). No Artigo 5º, conceituações:


Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:


I – publicação – o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo;


II – transmissão ou emissão – a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético; […]


IV – distribuição – a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse;


[…]


VI – reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra […] ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;


VII – contrafação – a reprodução não autorizada; […] [84]


O inciso II deste artigo mostra a visão do legislador, pela experiência acumulada na observação do paradigma tecnológico influindo nos diplomas legais antecedentes. A necessidade de evolução pari passu de lei e tecnologia se manifesta na abstração da norma dada pela redação do artigo. A partir do inciso X, caracterizam-se os sujeitos de direito autoral não-criadores da obra:


X – editor – a pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição;


XI – produtor – a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado;


[…]


XIII – artistas intérpretes ou executantes – todos os atores, cantores, músicos,
bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore. [85]


O cuidado em demarcar os entes do Direito Autoral é uma fórmula para atribuir-lhes de forma mais precisa seus direitos, e também suas obrigações. Os utilitários de direitos patrimoniais são relevantemente citados, de acordo com sua intervenção em relação à utilização da obra.


O Título II trata de conceituar o que seja a obra intelectual e o seu autor. Assim, o capítulo I já trata da definição de obra intelectual protegida:


Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:


I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;


III – as obras dramáticas e dramático-musicais;


IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;


V – as composições musicais, tenham ou não letra;


VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas. [86]


Cabe notar que a definição suporte intangível mostra que inegavelmente o legislador quis dar um cunho de abstração à norma, flexibilizando-a a ponto de aceitar uma espécie de corpus mechanicum que não possa ser manipulado. Esta é a base para que se discuta a cópia de obras musicais em arquivos de computador, o que antes seria passível de tipificação apenas como ofensa ao direito pessoal de manter a forma final da obra. O complemento de conhecido ou que se invente no futuro sedimenta esta idéia, forçando o intérprete a crer que todo e qualquer tipo de representação do pensamento exteriorizado é válido como obra intelectual. Há ainda duas ressalvas: protege, no domínio das ciências, a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico (§ 3º); e o Art. 8º exime de proteção legal alguns entes relacionados ao intelecto humano, que se supõem como não constituindo obras artísticas ou científicas.


Definidos os objetos de proteção jurídica que são frutos do intelecto humano, cabíveis dentro do escopo do direito autoral, o Capítulo II encerra o que seja a autoria da obra intelectual. Os primeiros artigos passam o conceito de quem constitui a figura do autor:


Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.


Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.


Art. 12. Para se identificar como autor, poderá o criador da obra literária, artística


ou científica usar de seu nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, de pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional.


Art. 13. Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização. [87]


Ainda se compõe dentro da natureza de autoria quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público (Art.14). A seguir, nos artigos 15 a 17, estipula-se a natureza de co-autoria ou colaboração, assim como a distribuição dos direitos pessoais entre os membros desta forma de criação intelectual em coletivo. O Artigo 18 estabelece a proteção aos direitos tratados pela Lei em tela como independente de registro formal.


O Título III trata dos direitos que são pertinentes à figura do autor. Em se tratando de disposição legal referente aos conceitos e aplicação das prerrogativas próprias do autor de obra intelectual, a lei brasileira é bastante completa. Enfaticamente, o artigo 22 anuncia que “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.”  [88] Fica desde o início bem assente que a proteção é definitiva em favor do mentor de obra intelectual, não havendo negação de qualquer direito pertinente a sua pessoa, bem como a seu patrimônio, oriundos da sua atividade criadora. São os direitos morais do autor reconhecidos:


a) O direito de atribuição de autoria da obra (Art. 24, I e II) ou direito à paternidade da obra, de ser reconhecido como o autor ou pai da criação intelectual, implicando em ter seu nome ligado à obra e a suas reproduções. Este seria o primordial direito do autor. O reconhecimento da paternidade é o fundamento para a atribuição de todos os outros direitos, por estabelecer quem é deles o sujeito e outorgar a esta pessoa o poder de exercê-los (nos direitos morais), ou atribuir quem seria o beneficiário (nos direitos patrimoniais e conexos).


b) O direito de conservar a obra inédita (Art. 24, III): direito substancial do ponto de vista que nem toda a obra advinda do espírito é compatível com a intenção ou a finalidade desejada pelo criador; neste meio encontram-se os esboços, rascunhos, ensaios, bem como as obras que não são pertinentes ao âmbito do conjunto da obra. Tal direito não é vigente post mortem, salvo expressão em contrário testada de acordo com a lei, cabendo discussão proposta pelos sucessores.


c) O direito de definir a forma final da obra (Art. 24, IV), modificá-la, reformá-la ou revisá-la, incluído o direito de manter essa forma final de acordo com o seu desidério. O autor tem o direito de não ver mudada sua concepção, fruto de sua mentalidade e de suas posições a respeito de um tema, direito este análogo ao de expressão da opinião própria individual. O dano material evitado é o de corrupção do sentido original, o que acarretaria prejuízo.


d) O direito ao renome autoral (Art. 24, IV in fine): extremamente subjetivo, tal direito visa  defender o autor contra qualquer ato que prejudique sua honra ou reputação como produtor intelectual. Tal direito também inclui, na utilização da obra, a proteção contra o mau uso da mesma, que implique em ridículo, exposição indevida, vexatória, ou qualquer uso, alterando ou não a obra, que traga conseqüências de escárnio ou repúdio relativos à obra e/ou ao seu autor.


e) O direito de arrependimento ou retratação (Art. 24, V e VI): autoriza retirar a obra de circulação, bem como suspender qualquer forma de utilização já iniciada ou simplesmente autorizada. Está implícito que tal direito é exercido em tempo de publicação da obra, quando já esta alcança o seu editor (mesmo que potencial). O autor, no caso de retratação, responde pelos danos que tal decisão acarrete aos responsáveis por sua edição. Num corte com o direito patrimonial do editor, este direito não se restringe à esfera do direito pessoal, já que tem seqüelas no mundo material.


f) O direito de ter acesso a exemplar único e raro da obra (Art. 24, VII). Quando este exemplar se encontrar legitimamente em poder de outrem, pode o autor, por processo não-destrutivo, efetuar uma cópia para fins de preservação de sua memória. Também presume a indenização de dano causado ao proprietário do corpus mechanicum citado.


O §1º deste Artigo estabelece a transmissão dos direitos estipulados nos incisos I a IV a seus sucessores, por ocasião de falecimento do autor. E o Artigo 27 estabelece os direitos morais do autor como inalienáveis e irrenunciáveis. [89]


4.3.1Direitos Patrimoniais


As modalidades de utilização exemplificadas na lei brasileira, seguindo a mesma descrição não-exclusiva, são: a reprodução parcial ou integral, a edição, a adaptação ou arranjo ou transformação, a tradução, a inclusão em fonograma ou audiovisual, a distribuição por quaisquer meios, representação, execução, inclusão em bases de dados, arquivamentos, e a radiodifusão. Há que se destacar que na Lei 9610/98, o inciso X do art. 29 deixa margem para os rearranjos futuros que se façam necessários, dispondo a inclusão entre os conceitos de meios de utilização da obra intelectual “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.[90]


Para fins de sistematização utilizar-se-á a classificação dos direitos patrimoniais em três modalidades: o direito de reprodução, o direito de representação e o direito de seqüência ou de seqüela. Tais subdivisões são as mais aceitas doutrinariamente, e estão incorporadas ao diploma legal brasileiro, tanto de forma objetiva (reprodução) como subjetiva ou esparsa (representação e seqüela).


O direito de reprodução é o direito que o autor possui de autorizar a cópia ou reprodução, da totalidade ou de uma parte da sua obra. Os direitos sobre reprodução tutelam as várias formas de multiplicação da obra mediante reprodução ou cópia, que a levarão ao alcance do público. São a reprodução fonográfica, a cinematográfica, a videofonográfica, a edição literária, entre outras. Comumente, os contratos sobre direito de reprodução versam também sobre os direitos de radiodifusão e representação; costumam abranger a concordância das partes em relação a todos os direitos patrimoniais.


O direito de representação consiste na faculdade de levar a obra ao conhecimento do público, sem necessariamente ter havido sua reprodução em exemplares. É  o caso dos direitos sobre radiodifusão, projeção cinematográfica e representação teatral. A chave da questão do uso destes direitos reside no fato de as valorações serem de natureza subjetiva, delimitando as cifras em torno de uma expectativa de rentabilidade derivada do retorno proporcionado quando da utilização da obra. Normalmente, portanto, a concessão destes direitos do autor para um cessionário implica em uma análise subjetiva e estimativa de qual seria o valor material desta cessão, baseado na experiência de mercado.


Das controvérsias sobre valoração ante e pós publicação origina-se o terceiro tipo de direito patrimonial: o direito de seqüela ou de seqüência. Originalmente  denominado droit de suite, teve a sua aparição no direito autoral francês na lei de 1957. Por esse direito, o autor ou o titular do direito autoral tem o direito à incidência de nova valorização sobre a nova alienação da obra. Protege-se a mais-valia para o autor: cada vez que houver uma alienação da obra, presume-se valorização, tendo o autor ou seus sucessores o direito à participação neste acréscimo econômico. O interesse nessa custódia legal surgiu no fato de muitos autores venderem a um valor irrisório o fruto de seus valiosos trabalhos. Prevê a lei:


Art. 38. O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado.


Parágrafo único. Caso o autor não perceba o seu direito de seqüência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário.  [91]


O droit de suite curiosamente em nossa legislação, teve um decréscimo: na Lei 5.988/73, este percentual era fixo em 20%. Naturalmente sobrevém outra crítica à legislação, que consolidou retrocesso em direito adquirido. Produto da pressão, novamente, de um agrupamento verdadeiramente detentor dos direitos patrimoniais sobre a obra, alienado de seus criadores, o artigo em foco estipulou este percentual em função de o direito de seqüela atender muito mais ao autor do que aos outros detentores de direitos, que têm seus lucros auferidos de outras utilizações.


Passando ao Capítulo III – Dos Direitos Patrimoniais do Autor e de sua Duração, o diploma legal em foco trata de todas as características concernentes ao uso da obra e sua realização econômica. Estabelece o Artigo 28 a prerrogativa unicamente conferida ao autor de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica que ele concebeu. Assim já se estabelece a supremacia (ao menos em tese) do autor sobre os resultados da criação da sua obra. 


O Artigo 29, calcado na common law, anuncia as formas de utilização da obra:


Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:


I – a reprodução parcial ou integral;


II – a edição;


III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;


IV – a tradução para qualquer idioma;


V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;


VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;


VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; […]. [92]


A preocupação exposta neste Artigo importa em dois quesitos. Primeiro, a chamar a atenção, no caput: a dependência de autorização prévia e expressa do autor para a utilização da obra. Isto implica em que, até o momento de concordância explícita do autor, a obra permanece sob seus auspícios, inédita, intocada, fruto do intelecto sem qualquer conotação econômica. Ao adquirir-se a autorização expressa, configura-se o momento em que a obra adentra o mundo patrimonial; antes, sua existência material é apenas aquela denotada pela prova de seu corpus mechanicum.


Em segundo lugar, o decisivo inciso VI. Toda a distribuição não-expressa em contrato firmado pelo autor implica em desrespeito à norma positiva. Ora, depreende-se daí que nossa legislação obviamente tem meios de responder à chamada circulação de obras via Internet. De acordo com o complementar e oportuno artigo 5º, IV, a distribuição se configura em colocação à disposição do público mediante qualquer forma de transferência de propriedade ou posse.


Logo a seguir, nos demais incisos, elenca-se as demais formas:


VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:


a) representação, recitação ou declamação;


b) execução musical;


c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;


d) radiodifusão sonora ou televisiva;


e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;


f) sonorização ambiental;


g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;


h) emprego de satélites artificiais;


i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;


IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;


X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. [grifo nosso] [93]


Outro ponto chamativo aqui é a repetição do caráter de previsão / prevenção dos abusos tendo como ponta-de-lança o instrumento do inciso X. Abrangendo o conhecido e o desconhecido, o corriqueiro e o obscuro, o legislador coloca a proteção não em forma de resguardo dependente de regulação, correções e implementações posteriores, mas sim como um ataque a qualquer tipo de fenômeno que puser a cabeça para fora da toca, sendo então passível de regulação pelo instrumento. Este preceito geral de prudência futura desmantela virtualmente qualquer tentativa de lograr desrespeito ao direito patrimonial calcado na imprevisão normativa, posto que a incidência da lei é ampla o suficiente para garantir a interpretação extensiva sobre os fatos que configuram abuso.


Dado relevante para a discussão ensejada neste trabalho chega no Artigo 30:


§ 2º Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração. [94]


O decreto nº 2.894/98, que regulamenta a forma de controle desta quantidade de exemplares, têm vindo a público mostrando uma conturbada disputa entre os interesses dos autores, primordialmente defendido neste instrumento, e o dos produtores fonográficos, interessados em manter-se à margem do que está consolidado na norma positiva. A despeito destas normas que regulamentam o Artigo 5º, Inciso XXVII b da Constituição, a fiscalização efetiva tem se mostrado um tanto rala, ocorrendo em pouquíssimos casos – fato extremamente danoso à proteção de objeto / objetivo já mencionada.


O Artigo 41 é um avanço em relação à norma anterior:


Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.


Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo. [95]


A lei anterior continha restrições na constituição dos sucessores (Lei 5.988/73), reconhecidos agora nos moldes da lei civil, o que representa um alinhamento necessário com o outro instituto do nosso ordenamento legal. Os demais artigos determinam o decurso do prazo de proteção, que termina por colocar as obras como sendo de domínio público.


4.3.2 As Limitações aos Direitos Autorais


O Capítulo IV trata justamente de quais as limitações sofridas pelos direitos autorais previstas em lei. Salvo estas exceções, nenhuma outra é passível de exercício, salvo por coisa julgada. Assim, o Artigo 46 vem estipular como livres de ofensa aos direitos de autor:


a) a reprodução na imprensa diária ou periódica, de notícias ou de artigos com a menção do nome do autor, de discursos, de retratos não havendo a oposição da pessoa neles representada,de obras para uso exclusivo de deficientes visuais;


b) a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;


c) a citação de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, justificada, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;


d) o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;


e) a utilização de obras, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela;


f) a representação teatral e a execução musical no recesso familiar ou, para fins didáticos;


g) a utilização de obras para produzir prova judiciária ou administrativa;


h) a reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause prejuízo aos legítimos interesses dos autores.


i) as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções.


4.3.3 A Transferência dos direitos


A transferência dos direitos autorais compreende todos eles, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei. Pode ser feita total ou parcialmente, pelo autor ou pelos sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por representação. Compreende os meios de concessão, cessão ou outros meios admitidos em Direito. Deve ser estipulada a transmissão por meio contratual escrito, e a cessão se limitará às modalidades já existentes quando da data do contrato. Presume-se onerosa esta cessão.


Tipicamente derivado do Direito Civil, esta parte da Lei 9.610/98 não inova muito o campo da transferência de direitos emanados da obra. Apenas regulamenta de forma especializada o que já era de domínio geral, nas obrigações.


4.3.4 Utilização das obras


A utilização das obras intelectuais e dos fonogramas, em especial, mereceu um título em separado na Lei em tela.  Aborda-se no Capítulo I – Da Edição, o contrato de edição, mediante o qual o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor. O Artigo 53 trata ainda dos aspectos do exemplar editado, como a menção ao título da obra e seu autor, o ano de publicação, o seu nome ou marca que o identifique.


Regulamenta o Artigo 54 uma perigosa forma de servilidade do autor em relação a um editor: “Pelo mesmo contrato pode o autor obrigar-se à feitura de obra literária, artística ou científica em cuja publicação e divulgação se empenha o editor”. [96]


Em seguida, o Artigo 55 dá as possibilidades em caso de falecimento ou impedimento do autor para concluir a obra contratada. O § único deste artigo estabelece que é vedada a publicação parcial, se o autor manifestou a vontade de só publicá-la por inteiro ou se assim o decidirem seus sucessores. Mais adiante, o Artigo 60, numa tentativa de proteger o interesse do autor, dispõe que ao editor compete fixar o preço da venda, sem, todavia, poder elevá-lo a ponto de embaraçar a circulação da obra. Certamente  a inobservância, constatada no raciocínio contido no capítulo anterior, constrange o direito moral e patrimonial direto do autor, impulsionando a pirataria. Mais ainda:


Art. 61. O editor será obrigado a prestar contas mensais ao autor sempre que a retribuição deste estiver condicionada à venda da obra, salvo se prazo diferente houver sido convencionado. [97]


Desnecessário dizer  da ineficácia deste dispositivo, salvo nos casos de eminentes autores cujas obras rendem somas de vulto, os quais podem proteger os próprios interesses acionando os dispositivos jurídicos. A polêmica dos meios de controle vem a reforçar essa mecânica de sonegação do direito do autor.


O Artigo 63, § 1º coloca que na vigência do contrato de edição, o editor tem o direito de exigir que se retire de circulação edição da mesma obra feita por outrem. O mecanismo de supressão da edição desautorizada tem no seu eixo não a figura do detentor de direito pessoal, o autor, mas sim a do detentor do direito e interesse patrimonial, o editor. O poder desta figura contra a liberdade criativa do autor é garantido pelo parágrafo único do Artigo 66: in verbis, o editor poderá opor-se às alterações que lhe prejudiquem os interesses, ofendam sua reputação ou aumentem sua responsabilidade.


A utilização de fonograma, tratada no Capítulo V é de singeleza espartana. Dispõe apenas o seguinte:


Art. 80. Ao publicar o fonograma, o produtor mencionará em cada exemplar:


I – o título da obra incluída e seu autor;


II – o nome ou pseudônimo do intérprete;


III – o ano de publicação;


IV – o seu nome ou marca que o identifique. [98]


Sucintamente, aparenta ser muito pouco para uma área tão vasta de utilização. Isto implica em uma velada inexistência de maiores obrigações para o produtor do fonograma, facilitando outros aspectos de ilegitimidade com respeito à salvaguarda de direitos existentes, mas não reconhecidos. Já a utilização da obra audiovisual, tratada no Capítulo VI, é completamente destrinchada, em termos de utilização em si, contratos de produção, remuneração especificada nele, participação dos envolvidos, e utilização integrada de outras naturezas de obras contidas nela.


4.3.5 Direitos Conexos


Abrigados sob o Título V da Lei de Direito Autoral, os direitos chamados conexos ou vizinhos têm tratamento específico dentro do diploma legal. Apontados já no primeiro artigo correlato como sendo os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão, estes direitos não são conflitantes com as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas.


4.3.6 Sanções


As sanções civis aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis, enuncia o caput do art. 101. As sanções de natureza civil são correspondidas com infrações penais, para fins de punição adequada às lesões mais gravosas. Por exemplo, feita uma apreensão de obra contrafeita proveniente do exterior, o responsável incide nos tipos penais de descaminho e sonegação fiscal previstos na legislação criminal.


A pretensão à ação administrativa de censura e apreensão da coisa ilícita é validada com base no Artigo 102, bastando para tal a comprovação do abuso junto à autoridade competente: o titular cuja obra seja fraudulentamente de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. [99]


Neste caso, há ação cabível pelo Artigo 103: o infrator  que editar obra sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. Caso não se conheça o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, transgressor pagará o valor de 3000 exemplares, além dos que forem apreendidos. [100]


Aqui, um artigo que demonstra a clara preocupação com o crime de contrafação da obra fonográfica, que é o mais corriqueiro hodiernamente:


Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior. [101]


A tentativa é de estender a repressão a toda a cadeia negocial da coisa ilícita. No entanto, tal medida repressiva só tem efeito quando aliada ao impedimento da entrada do material contrafeito em circulação, seja interna ou externa a sua fonte, e desestímulo do consumo de contrafação, direto sobre o consumidor. Na prática, a tarefa tem se mostrado de difícil execução, por falta de meios e de concatenação entre os aparatos responsáveis.


O caso mais imediato de um exemplo que ocorre, concernente ao tratado no Artigo 105, é o da disseminação de fonogramas e filmes via Internet.


Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo […] de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis […] [grifo nosso] [102]


Estaria configurada a incidência normativa sobre qualquer ato não-excluído do conteúdo da norma substancial. Pretende-se assim que haja a punição, calcada nessa incidência in abstrato, da ilicitude descrita. Porém, o empecilho  imposto por ter a Internet uma aura de meio de intercomunicação pessoal, que prevalece para classificá-la, faz com que se torne ineficaz a prevenção legal.


Pelo Artigo 106, determina-se a destruição de todos os exemplares contrafeitos, bem como os elementos e meios utilizados para praticar o ato ilícito, assim como a perda de equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição. O Art. 107. estabelece que responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103, quem incorrer em fraude contra obras protegidas por dispositivos técnicos destinados a evitar ou restringir sua cópia, suprimir ou alterar qualquer informação sobre a gestão de direitos, ou utilizar de qualquer modo obras, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização. O Art. 108. trata da omissão do nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete; além de responder por danos morais, há a obrigação de  divulgar a identidade do mesmo da forma prevista nos três incisos contidos. A execução pública feita em desacordo com os artigos 68, 97, 98 e 99 desta Lei é o objeto da sanção exposta no Artigo 109: multa aos responsáveis de vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago. Essa responsabilidade é solidária dos proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários dos locais onde se comete a infração, com os organizadores dos espetáculos. E o último capítulo deste título, Da Prescrição da Ação, teve seu único artigo, o 111 vetado na sanção pelo Presidente da República; reporta-se a prescrição aos termos do artigo 205 do Código Civil.


4.3.7 Disposições finais e transitórias


O único dispositivo do Título VIII digno de menção neste trabalho é o seguinte:


Art. 113. Os fonogramas, os livros e as obras audiovisuais sujeitar-se-ão a selos ou sinais de identificação sob a responsabilidade do produtor, distribuidor ou importador, sem ônus para o consumidor, com o fim de atestar o cumprimento das normas legais vigentes, conforme dispuser o regulamento. [103]


Este artigo teve a complementação posterior do decreto nº 2.894, de 22 de dezembro de 1998, que regulamenta a emissão e o fornecimento do selo ou sinal de identificação previstos no artigo 113. No entanto, não obstante esse cuidado legislativo, o procedimento descrito em ambos os diplomas legais ainda não entrou no plano da existência. Fato é que a má vontade ainda é, em grande parte, o padrão de comportamento dos responsáveis pela imputação do comportamento legal preestabelecido; notadamente a Secretaria da Receita Federal, responsável pela execução e controle da medida não exerce discricionariamente, quatro anos depois de concebida, a medida jurídica descrita. Se fosse observada, remeteria recursos bem mais efetivos aos destinatários dos direitos patrimoniais, em especial, os autores.


4.4As lacunas da legislação referentes à proteção do objeto e do sujeito primário do direito autoral


Procedendo a uma análise da legislação pertinente ao Direito Autoral, percebe-se forte tendência protecionista e corporativista, que impetra empecilhos à consecução de metas para a proteção do mecanismo de evolução contínua do conhecimento humano movida pela obra intelectual. Na dissecação levada a cabo supra, nota-se em muitos aspectos que, se por um lado a lei se mostra atualizada e até mesmo previdente, em outros ela ainda se reveste de inércia própria de uma proteção dirigida a interesses de uma determinada classe – a saber, os agentes responsáveis pela utilização econômica da obra intelectual que não a criam.


Os elogios cabem à característica um tanto própria das leis do sistema common law de abstração e generalização de ordem prática, o que permite de forma eficaz tornar mais flexível a incidência normativa sobre os fenômenos vindouros, que normalmente são deixados de lado quando da confecção de uma lei que atende a interesses prementes – porém, não únicos.


Contudo, a lei em tela abandona autor da obra intelectual, carente de proteção, arrochando seus direitos e deixando de conferir à salvaguarda de muitas prerrogativas essenciais em sua realização econômica o mesmo caráter de flexibilidade com que agracia os direitos conexos. Um bom exemplo, que nunca é demais lembrar, é o da redução do percentual de direito de seqüela dos vinte para os cinco por cento. Isso se acumula com a conduta blasé relativa à aplicação dos direitos e obrigações explícitas na lei, como é o caso do controle do número de exemplares comercializados, através de selo fornecido pelo Estado para esse fim.


Um passo foi dado em rumo a uma lei que seja efetiva na proteção a que se propõe; porém, ainda é necessário que esta proteção seja a adequada. É imperativo que esta lei passe a custodiar o objeto e o sujeito a quem deveria se destinar, pois os meios para que a proteção almejada se concretize existem.


5. AGRESSÕES AOS DIREITOS AUTORAIS


Em se tratando de agressão ao direito do autor, procede-se à classificação da agressão determinada pela natureza do direito lesado. Ocorrem três tipos de violação do direito autoral, que são as atinentes aos tipos de objeto ou sujeito lesado: contra o direito de paternidade, contra a integridade da obra e contra a utilização econômica.


5.1 Violações ao direito de paternidade da obra


Tal violação, em tese, atinge apenas prerrogativas morais do autor da obra. No entanto, em alguns casos, admite-se que pode decorrer prejuízo material oriundo da alteração da autoria da obra. Não apenas um direito pessoal está sendo depreciado, mas também uma ordem inteira de interesse econômico sobre tudo o que provém da obra em si.


No contexto histórico do plágio, a intenção primordial era atingir a personalidade do autor, seu direito moral, apenas tocando a sua utilização econômica em segundo plano. Na verdade, porém, com a expansão da mídia difusora e aumento dos ganhos provenientes dos direitos conexos, é inegável que este caráter tenha se transformado bastante, devido à descoberta do plágio como forma também de proveito econômico sobre a obra alheia. São famosos os litígios envolvendo questões de plágio de obras conhecidas do público, e por isso mesmo consumidas em larga escala, gerando bons lucros. No caso, o autor vê lesado não apenas os seus direitos morais, em caráter tão mais profundo quanto alguém se arrogue ter sido o pai de sua própria criação, mas também seus direitos patrimoniais, em decorrência da utilização indevida com finalidade econômica da obra que ele gerou. A interface entre dois conceitos mais uma vez atesta que não se dissociam os aspectos material e imaterial da obra, mesmo que tenham valores muito díspares.


5.2 Violações contra a estrutura da obra


Neste caso, a ofensa é dirigida à integridade da obra intelectual e pode consistir em sua modificação ou alteração de qualquer de seus aspectos de forma não autorizada.No caso de alteração do corpus mechanicum, a forma mais eminente de contrariar um direito próprio do autor é transposição para outro tipo de suporte. Tal fenômeno pode servir a interesses especialmente econômicos, constituindo a satisfação de um interesse não atendido pela obra original, este interesse sendo legítimo ou não. Exemplo: o CD de áudio sendo convertido para um formato MP3, que é utilizado em computadores para a execução de música. A transcrição de suporte físico, no caso, atende a uma necessidade de certo modo legitima do usuário, se tiver utilização própria sem disseminação desta cópia ou reconversão em outros CDs de áudio. O MP3 usado como reserva, cópia de segurança ou como meio de aproveitamento mais flexível de uma obra cujo exemplar legal já se possui, não deve constituir intento de lesão ao direito moral ou patrimonial do autor ou do titular do direito autoral.. Presume-se, no caso de alteração do corpus mechanicum, uma distinção entre aquela feita com o propósito de agressão ao direito e aquela feita com a intenção de melhor aproveitamento, de forma legítima, da obra já adquirida. Contudo, primordialmente, qualquer alteração no suporte físico da obra é uma violação do direito autoral, e deve ser desestimulada, combatida.


5.3 Violações dos direitos sobre a utilização econômica


Tais violações encampam todo o crime de lesa-patrimônio que possa atingir um detentor de direito autoral relativo a uma obra. Tal ofensa ocorre com a publicação ou cópia desautorizada da obra, utilização indevida de uma obra em processo de radiodifusão, disseminação de cópias ilegais da obra e todo e qualquer tipo de atitude que traga prejuízo econômico a um titular de direito autoral.


Na verdade, em essência qualquer violação de direito autoral pressupõe um dano patrimonial ao seu detentor. A jurisprudência [104] demonstra que um dano moral, sendo passível de indenização, conota que é ferido um direito patrimonial concomitante.


No tratamento da questão atinente aos danos sobre os direitos que visam a correta utilização econômica da obra, naturalmente vêm à tona os direitos sobre a reprodução e os direitos conexos, como sendo os mais importantes. Outras violações podem ser imaginadas, mas tratar-se-á apenas dos desrespeitos ao direito de utilização econômica stricto sensu.


5.4 Contrafação


Conceitua-se a contrafação, no artigo 5º, VII da Lei nº 9610/98 como “a reprodução não-autorizada”; e a mencionada reprodução, no mesmo artigo, VI, como


a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido. [105]


Portanto, toda e qualquer realização de cópia de uma obra do intelecto humano, constitui contrafação. A obra contrafeita, pelas razões de avanços tecnológicos, tem se tornado de consecução cada vez mais perfeita e facilitada. A possibilidade da contrafação cada vez mais acessível tem sido a principal dor de cabeça do direito autoral na época moderna.


A contrafação estabelece um notório prejuízo ao patrimônio material do titular de direito autoral, por ser a obra contrafeita isenta de qualquer arrecadação do que é devido ao titular.  Traduz-se a arrecadação mencionada pelos direitos de reprodução (copyright), que através da cobrança de percentual exato sobre cada cópia comercializada, repassa este valor através de sociedade arrecadadora ao titular dos direitos até o autor.


Por tal motivo, a cópia contrafeita é muito mais barata do que a cópia legal, sendo um verdadeiro incentivo à contrafação o custo muito elevado do produto oficial. Essa plena configuração de um motivo econômico para incorrer em infração legal e desrespeito a um direito constituído é um  dos pontos de concentração de esforços no combate à contrafação e ao mesmo tempo à continuidade e melhoria do processo de criação de obras intelectuais.


5.5 A disseminação da cópia


A propagação desautorizada de uma obra através do espaço constitui o ponto culminante da controvérsia atual sobre os direitos de autor. O eixo temático de discussão preferido por especialistas da área jurídica e técnica relacionada à obra intelectual reside justamente no quanto pode ser legítima ou não a emissão de uma obra através do espaço.


A cópia desautorizada não permanece mais estática hodiernamente. Ela se espraia, se multiplica; não apenas em empréstimo, mas em cópia da cópia, e não apenas de forma interpessoal limitada à convivência; desconhecem-se as fronteiras, sendo possível enviar via Internet os blocos de dados de computador que se converterão em uma nova cópia fidelíssima de qualquer obra intelectual. Como abordado supra, por ainda não ter sido definido o quanto de meio de comunicação pessoal e quanto de mecanismo de teledifusão  possui a Internet, sua natureza ambígua entre esses dois tópicos torna cada vez mais difícil a conclusão a respeito do que pode ser considerado ilegalidade ou não. O único ponto de consenso reside no fato de que a pessoa que recebe a cópia (conteúdo de cópia, visto que não há o translado do corpus mechanicum tangível [106]passa a possuir a obra intelectual, sem que a tenha adquirido. Portanto, seria a passagem de uma obra de pessoa a pessoa, mesmo que sem a transmissão do suporte físico, elemento de configuração do delito. Porém, afirmam doutrinadores na via contrária desta concepção que o empréstimo de uma obra legal também incorreria em crime, visto repetirem-se as condições supracitadas: o suporte físico não é colocado entre os bens do receptor, que no entanto a utiliza para os mesmos fins.


De ordem também econômica, o fenômeno da transfusão de dados pela Internet reflete uma faceta manifestadamente social de uma dicotomia entre acesso facilitado à obra pela sua maior disponibilidade em termos quantitativos, e acesso ao mesmo tempo restrito, por conta de seu custo relativo ainda elevado, tanto em comparação com os proventos do usuário quanto em comparação ao custo do fac-símile resultante de uma contrafação. Não havendo diferença material entre os exemplares legais e ilegais, é óbvio que salta aos olhos o aspecto negativo da salvaguarda de direitos patrimoniais: na verdade, quanto é o justo ressarcimento pela criação intelectual, em termos materiais? Naturalmente o autor tem um propósito firme de contribuição social que supera o interesse mercadológico em sua obra; isto é inato de todo o trabalhador do intelecto, mormente na área artística. No entanto, a preponderância do mercantilismo sobre a obra é fomentado pelos agentes que a disponibilizam em escala para o público, sendo o motivo pelo qual alguns autores têm colocado, em certos casos, a pirataria como autodefesa – como diria Montesquieu, um caso de rebelião dos fatos contra as leis.


A legislação origina-se principalmente na área de direitos conexos. Com o fenômeno da possibilidade de comunicação da obra a um ambiente diferente de onde ela tinha sido concebida ou executada, sobreveio a participação de uma multidão de outros profissionais ligados à obra intelectual. A intervenção de entidades estranhas à autoria da obra teve papel decisivo na divulgação da obra; no entanto, por serem a divulgação e a publicação os focos de interesse desses entes, por formar o chão de sua manutenção financeira, naturalmente os desidérios dirigiam-se a alcançar a salvaguarda jurídica de seus bens e esforços postos a serviço da obra  intelectual. As constantes adaptações e revisões das convenções internacionais têm mostrado esta dinâmica: a cada nova possibilidade de utilização indevida da obra intelectual, lá estavam postados os guardiões da indústria, mantendo a proteção existente e ampliando-a no sentido de restringir ou regular cada nova forma de utilização surgida. Assim foi com o surgimento do rádio, da TV, da transmissão via satélite, das casas de diversão que se utilizavam de música gravada; enfim, todo o universo das comunicações correlato à obra intelectual de cunho artístico sofre enorme regulamentação.


A disseminação de cópia autorizada constitui um problema de direitos conexos; no entanto, a disseminação de cópia contrafeita é um duplo problema, pois a própria natureza do elemento disseminado ilegalmente é também ilegal. No caso, configura-se óbvio motivo de locupletação pessoal às custas da transgressão da lei relativa aos direitos autorais. O exemplos são comuns: a cópia de música ou de filmes que é distribuída pela Internet; a venda de CDs piratas. A diferença entre os atos constituídos em dano contra o patrimônio do titular de direito autoral consiste, para os fins de uma melhor compreensão e repressão adequada a tais abusos, na natureza do qualificado; enquanto na distribuição de arquivos pela Internet, o sujeito autor de infração seja geralmente um usuário comum da rede, sem maior interesse econômico, o comércio de CDs piratas constitui fonte de apetitosos lucros para uma verdadeira indústria da contrafação.


5.6 Fatores determinantes da agressão


Enfim, tudo o que é produzido e oferecido de forma ilegal constitui dano contra o patrimônio do detentor dos direitos autorais. Tratar-se-á dos fatores considerados como a raiz da motivação para a consecução e o uso desautorizado de uma cópia de obra intelectual.


5.6.1 Fator tecnológico


Hodiernamente, há um sustentáculo de cunho técnico/tecnológico ao incentivo da cópia desautorizada de obra intelectual. O fenômeno descrito começa a datar da década de 1980, quando surgem, com os avanços da ciência popularizados em escala industrial, métodos de confecção de cópias que as tornam quase tão boas quanto os originais – e essa fidelidade vai aumentando, com o progresso tecnológico. E esses meios de reprodução foram apenas o começo da avalanche. Eles evoluíram para os extremamente satisfatórios e compensadores mecanismos de cópia das quais se dispõe atualmente (scanner e impressora, digitalizadores e conversores de arquivos de áudio e vídeo, gravador de CD, de DVD, etc.). São pontos comuns a essas tecnologias de cópia o fato de que são componentes, equipamentos periféricos do chamado PC ou computador pessoal, encontrado em milhares de domicílios, bem como a qualidade impecável da cópia, que é absolutamente a mesma do material original. Note-se também a facilidade de obtenção de material para a factibilidade das cópias em qualquer mercado a um preço irrisório.


O papel da digitalização é inegável nesse processo todo. Entenda-se pelo termo digitalizar, o ato de transformar ou converter em dados, ou seja, em linguagem binária, em arquivos de computador, qualquer tipo de informação, dado, mídia, obra ou ente cultural que seja passível desse processo. Preponderantemente esse processo é utilizado na fase final de produção da obra musical contemporânea (após gravada a música, ela é transformada em sinais digitais, em dados, os quais se mantém nesse formato até que o CD seja lido pelo aparelho e reconvertido em sons), bem como na obra cinematográfica (apesar de ainda filmados com câmeras analógicas, que utilizam rolos de filme fotossensível, a finalização é feita dentro de ambiente de computação gráfica, onde aliás se incluem os efeitos especiais, bem como a obra pode ser editada em formato digital – DVD) e na obra literária (o processador de texto é uma ferramenta de larga aceitação, tanto pelo autor quanto pelos responsáveis por edição e impressão). Assim, a digitalização sendo uma ferramenta produtiva, também é a certeza de assegurada qualidade da cópia. Dados em linguagem binária não sofrem deterioração ou alteração com o passar do tempo.


Isto tudo se soma ao advento da compressão de dados, que torna possíveis ferramentas como o DVD, um disco ótico (como o CD) com um sistema de armazenamento mais eficaz de dados, que permite um empilhamento destes ocupando melhor o espaço do disco. Essa tecnologia, conhecida como MPEG, [107] também originou a produção de arquivos compactados para que fossem reproduzidos com menor custo e maior agilidade, colocando a obra cinematográfica dentro da ciranda da pirataria mundial – salienta-se, com a mesma qualidade sendo observada do original na cópia.


A tecnologia MPEG por si só valeria um capítulo em separado. Ela possibilita que os dados derivados da digitalização de uma obra musical ou cinematográfica sejam comprimidos para cerca de 12% de seu tamanho original, sem perdas de qualidade ou conteúdo. Com essa compressão dos arquivos, tornou-se possível:


a) ocupar muito menos espaço no meio de armazenamento dos dados: é possível em um único disco ótico cerca de 12 horas de música;


b) manipular mais facilmente os dados: um arquivo menor tem seu processamento feito de forma mais leve, tanto em termos de abertura e translado como cópia;


c) enviar arquivos pela Internet, via file transfer protocol (FTP), e posteriormente por meio dos programas P2P (Peer-to-peer – de ponta a ponta), ou seja, de forma direta entre dois usuários, sem controle ou intervenção de servidor ou roteador de dados.


Ao contrário do que se imagina, o MPEG propriamente dito não é tão novidade assim; o algoritmo, criado por Karlheinz Brandenburg vem sendo desenvolvido desde a década de 70. [108] Com duas versões não tão populares, por se tratarem de engenhos ainda um tanto rudes em termos de rapidez, tamanho de arquivo e qualidade final, o algoritmo de Brandenburg encontrou seu espaço com a terceira geração: o MPEG layer-3, ou simplesmente MP3. Esse nome que para muitos é uma blasfêmia, simboliza um formato de música digitalizada e comprimida que por sua extrema qualidade e opções de geração de arquivo, tornou-se uma febre entre os consumidores até então incipientes de música digitalizada em forma de cópia não autorizada. Rodou o mundo em sites de busca (sendo, desde que surgiu, um dos critérios de busca mais utilizados nestes sites), servidores de arquivos para download, e encontrou seu reino absoluto na geração dos programas P2P. Ainda não se conhecem substitutos à altura para o MP3, embora esse desafio tenha atraído a atenção até mesmo de enormes companhias, e o MP3 já tem um irmão caçula que atua em outra área, mas com a mesma geração de soluções, problemas e conflitos: o MP4.


O formato MP4 é um algoritmo de compressão similar ao MP3, [109] porém destina-se à compressão de vídeos em formato digital. De forma analogamente simples, um filme é comprimido a 15% do seu tamanho original, o que torna possível a sua retransmissão também pela Internet; ela se dá pelo P2P.


O P2P é um dispositivo em forma de programa que permite a conexão entre dois usuários que transmitem diretamente entre si os arquivos. Surgiu com o Napster, em 1997, e explodiu em uma infinitude de similares, cada vez agregando mais ferramentas para facilitar a dispersão dos arquivos – obviamente cópias ilegais – de obras artísticas, musicais e cinematográficas, bem como softwares, imagens e todo o tipo de dado binário. Lista-se algumas das características e como elas favorecem os abusos:


a) a conexão: permite, por ser direta entre os usuários, maior agilidade na troca dos arquivos;


b) o multicompartilhamento: apesar da conexão ser direta entre dois usuários, ela pode ser feita com vários usuários e não exclusivamente com um; isso aumenta a variedade e a quantidade de arquivos para descarregar;


c) as ferramentas de busca: cada programa P2P desenvolveu uma ferramenta de busca entre os usuários que estão conectados, para que de forma rápida se ache exatamente aquilo que se deseja, especificando até mesmo o padrão de qualidade e outros dados que caracterizam a obra;


d) o resume: permite que um download (descarga) se dê de forma ininterrupta, sem que, no caso de falha da conexão, seja necessário retornar ao zero bytes para descarregar o arquivo. Ele reinicia o processo a partir do ponto onde foi interrompido;


d) o multiuser ou multisource: possibilita que um mesmo arquivo: I) seja descarregado de mais de um usuário; II) o resume possa ser solicitado a outro usuário que não o original.


e) as configurações de rede: normalmente, um programa P2P utiliza uma rede que não obedece a padrões de nacionalidade (como as que existem para programas de bate-papo, por ex.). Assim, o planeta inteiro disponibiliza e descarrega arquivos, tornando essa agressão um fenômeno sem fronteiras.


Dois dados comprovam a força dos usuários que não se submetem à observância legal em detrimento do seu uso dos P2P. Em primeiro lugar, no ano de 2001 o Napster, ferramenta P2P original, acuado pela carga de litígios em que figurava como réu, e tendo sido adquirido pela Bertelsmann Group (companhia fonográfica alemã que detém o controle da Sony Music), implementou o chamado filtro de busca. Assim, nunca se achava, na ferramenta de busca do programa, certos artistas ou certas músicas – o que diminuiu transmissão das cópias ilegais dos mesmos. Mas apenas por um lapso: em seguida, surgiram vários outros programas P2P desprovidos de filtros, que foram sendo maciçamente difundidos e utilizados, o que levou o Napster a finalmente encerrar suas atividades no mesmo ano. O segundo dado que impressiona é a quantidade de usuários destes programas: todos eles mostram o número de usuários conectados no momento, e alguns até mesmo propagandeiam o número de downloads feitos do instalador de seu programa. Expondo em números, o programa Kazaa chega a ter em média mais de 5 milhões de usuários conectados –nas madrugadas de dias úteis! Isso equivale a dizer que praticamente todo o usuário de Internet utiliza um programa P2P, e com a expansão das redes de alta velocidade (ADSL), os downloads tornam-se expressivos em termos de quantidade de arquivos (portanto, de obras violadas).


5.6.1.1 Contrafação industrial


Estes fatores expostos supra refletem-se mormente na consecução caseira de uma cópia; mas esta parte do problema não é a única, nem a mais importante. Na verdade, em termos de danos, representam a menor parcela infringida ao direito patrimonial de seus detentores; o maior prejuízo vem da contrafação em escala industrial, a verdadeira indústria da pirataria que tem se formado nos últimos anos, de forma localizada, bem conhecida e identificada. O propósito é meramente abordar não apenas o usuário final, o consumidor, que produz suas cópias para uso próprio (quando muito, para compartilhar sem auferir provento), mas também o contrafator em larga escala, o industrial, o internacional, que é responsável por danos enormes ao conteúdo patrimonial do direito de autor através do planeta e pela evasão de divisas de vários países.


A chave para o contrafator exercer sua industrialização reside nos próprios meios lícitos de produção, que podem ser adquiridos sem restrições no mercado internacional. Desde a década de 1960 este fenômeno é conhecido e sensível em escala mundial, atestado pela instalação da Convenção de Roma. Porém, o salto quantitativo destas cópias ilegais foi assustador na década de 90, chegando as obras contrafeitas a ultrapassarem na proporção de três para uma as obras legalmente produzidas.


A possibilidade de contrafação tecnicamente perfeita surge com a disponibilidade, por muitos considerada irresponsável e maldosa, de equipamentos para a fabricação em escala de cópias. Uma máquina copiadora industrial de CDs é encontrada tanto nos pavilhões de empresas legalizadas como em galpões no meio da Ásia, copiando ilegalmente no mesmo ritmo de produção. Países do extremo Oriente são há décadas os responsáveis por inundar o mercado com cópias de obras intelectuais, fac-símile perfeito das originais, sem a arrecadação das contrapartidas financeiras decorrentes dos direitos de reprodução. E tal situação ainda se encontra distante de um desfecho: apesar de alguns desses países estarem associados à WIPO, não se submetem a certas cláusulas dos acordos internacionais, ou não são signatários de algumas convenções de caráter crucial para a regulamentação da matéria. A situação dos não-filiados à WIPO é ainda mais crítica, afigurando-se um exoparasitismo que arruína a iniciativa de produção intelectual dos já mirrados criadores hipoassistidos em países com políticas tíbias de incentivo a esta produção.


5.6.2 Fator econômico


Sabendo-se que o custo de produção é semelhante, do ponto de vista de meios técnicos, [110] o que salta aos olhos é o exagero no abocanhamento dado pelas indústrias responsáveis pela publicação da obra artística e literária, em termos econômicos: o preço final de uma obra original supera, e muito, o seu custo de produção, traduzindo-se em ponto de apoio para a pirataria. Comparativamente, o preço de um original é muitas vezes maior do que o de sua cópia, destarte o custo de produção poder ser equiparado na parte técnica, visto que os meios de produção são os mesmos. Observa-se as diferenças de preços chegando a 200% para as obras literárias, 700% para a obra musical, e absurdos 3500% para os softwares. E não apenas no custo em si há esse chamariz para a cópia; como tratado no item anterior, esta pode ser perfeitamente igual à original. Os atrativos de material acessório também podem ser copiados na íntegra, e a qualidade da cópia garante seu funcionamento perfeito, o que descarta o interesse na garantia oferecida pelo produtor original (no caso de CDs de música e softwares). E como para o consumidor final não interessam o gasto com direito autoral, com incentivo à produção representado por esse direito, muito menos o recolhimento dos tributos devidos, ele opta quase sempre pela cópia, desconsiderando todos esses diferenciais em relação à obra original expostos aqui, e que, juntamente com o lucro do produtor ou do intermediário comercial da obra, dão o incremento necessário de preço para afugentar o consumidor.


Seria uma forma apenas de autodefesa do consumidor de arte contra o abuso das entidades promotoras? Não se pode crer muito nisso. Colocando em números, a distribuição da renda entre a população decreta que 10% ou menos da população nacional detém 92% da renda. Esses dez por cento são, decerto, ao menos assíduos consumidores de música, cinema e literatura de boa qualidade. E esta partícula da nossa sociedade que está amparada por proventos suficientes, tem acesso tranqüilo às obras absolutamente legais que consome, não sofrendo um efeito devastador por conta disso em seus orçamentos. E o restante? A massa disforme de quase totalidade da população, a qual varia seu gosto de forma imensurável, também consome a obra artística; comparativamente com os aquilatados dez por cento descritos acima, consomem muito mais música do que literatura e cinema.


Agora vêm os dois grandes pontos desta exposição: em primeiro lugar, compare-se o custo dessa obra artística com a renda do consumidor. Tomando por base o salário mínimo, padrão de proventos de muito mais da metade da população brasileira, um CD custa em média 10% deste salário; os livros variam muito o preço, mas podemos situar a média de preço em torno deste mesmo patamar. Agora, compare-se tal custo não apenas com o salário mínimo, o que já seria de assustar; compare-se com a renda disponível. Tal renda disponível é “[…] a renda com a qual os indivíduos contam, depois de pagarem os impostos e receberem os subsídios.”; [111] acrescentar-se-ia a esta definição que é aquilo que sobra depois de cobertos os gastos com a subsistência dos indivíduos, ou das unidades familiares, o que dá margem para praticamente nada de consumo cultural. Assim, o consumo se faz pela via mais fácil – a de menor custo, a ilegal, a fraude, contrafação, pirataria.


Porém, atente-se para aqueles dez por cento da população mencionados supra: eles também consomem registros artísticos ilegais. Com freqüência assustadora, pode ser achado em qualquer porta-CD largado num painel de um automóvel vários discos sem identificação, selo, até mesmo sem qualquer referência impressa no seu topo – visivelmente fruto de crime de contrafação. Muitos computadores pessoais, em uso residencial ou empresarial, têm cópias ilegais de software instaladas – e no segundo caso, auferindo lucro como ferramenta, como meio de produção.


Não importa a natureza da cópia contrafeita; tanto pode ser ela unitária, artesanal, caseira, que atende a um fim de circunscrição pessoal, quanto uma reprodução dentre milhares idênticas, que chega por contrabando e movimenta uma organização lucrativamente criminosa. O preço é comparável; e em ambas as situações, estão muitíssimo aquém do praticado pelo mercado legal. [112] Vê-se, portanto, que o preço é um agravante para uma porção de menos posse da sociedade; porém, a possibilidade de se furtar ao pagamento de um valor dado a uma obra para, em contrapartida de uma parcela deste, ter uma cópia idêntica porém ilegal, é um atrativo até mesmo àqueles que têm meios de sustentar um consumo de obras protegidas pelo direito do autor e pelo direito reprográfico. E aí há a intersecção com outro fator: o sócio-cultural.


5.6.3 Fator sócio-cultural


A raiz desse fator é a confusão que se faz entre norma social e norma jurídica. A diferença específica entre as duas é de que a norma jurídica é incondicional, ou seja, impõe certo comportamento independentemente de sua aceitação pelo indivíduo. E no caso de cópia não autorizada e seu uso, a regra que incide sobre esse fato ilícito se confunde, no pensar do envolvido no ato, com a norma social de que o comportamento aceito pela maioria não se constitui em algo errado.


Há um fenômeno de natureza tragicômica, que se manifesta explicitamente em nosso país, apesar de ser observado em qualquer lugar do mundo. A Lei de Gérson, enuncia: o importante é levar vantagem em tudo, certo? e foi sancionada em meados da década de 1970, apesar de já se encontrar em prática há muito mais tempo. Ora, um indivíduo incapaz de aplicar tal princípio em sua ética é considerado como sendo também incapaz de saber como tirar proveito da situação, uma pessoa inocente em demasia, infantil, imberbe, inerte. Imputa-se a um comportamento sabidamente contrário a este um caráter de ingenuidade quase imbecil, constrangedor; e fatalmente isso se traduz em incentivador de atitudes que torçam a legitimidade ou a legalidade.


O cidadão que adquire um software de editor de texto, bastante popular, copiado indevidamente, para utilização em um escritório, obviamente, está incorrendo em atitude criminosa não apenas na aquisição desta cópia, como também em sua utilização com fins lucrativos. No entanto, mesmo conhecendo a natureza ilegal do ato, ele resolve ser mais benéfica tal atitude, tanto por seu caráter lucrativo como por pura comodidade pessoal – comodidade esta trazida pela certeza da falta de fiscalização adequada e impunidade no caso de ato flagrado deste desrespeito. Além disso, este indivíduo sabe que se ele não incorrer neste ato de ilegalidade, o seu concorrente o fará – o que o torna desculpável e aceitável, promovendo a contrafação em microescala.


5.6.4 Fator necessidade de referência


Ainda dentro do âmbito sócio-cultural, no caso mais específico da obra literária tem-se uma certa necessidade da obra para utilização com fins educativos ou de referência. Analise-se isso no espectro isento dos fatores descritos acima. Suponha-se que haja uma obra de referência para um profissional ou estudante de qualquer área a qual não possui tradução para nosso idioma, edição nacional ou mesmo edição contemporânea; nesse caso  não haveria outra saída para o nosso necessitado senão incorrer na cópia de tal livro para utilização de acordo com os meios desejados. Apesar de tal ato ser ofensivo aos direitos reprográficos, não há outra saída senão a demanda pela cópia, numa demonstração de necessidade premente que pode ser considerada de rebelião dos fatos contra as leis.


Não fosse pela cópia, qual seria o outro meio de nosso carente leitor saciar a sua fome de saber? Seria compulsivamente percorrer distâncias imprevisíveis atrás de um exemplar alojado em um sebo? Ou requerer junto ao detentor dos direitos sobre a obra a permissão para traduzi-la para seu idioma? Ou mesmo a permissão para que esta seja reeditada? Todas essas hipóteses tornam razoável o fato de se executar uma cópia – e não raro, isso ocorre com a maioria dos estudantes no nível superior.


Este fenômeno ocorre mormente em locais onde o acesso a essa cultura não é facilitado, por um motivo ou outro; na época da guerra fria, por exemplo, os estudantes de um dos blocos apelavam para tal método para a obtenção de obras editadas do outro lado da cortina de ferro, assim como em países subdesenvolvidos ou de linguagem não muito difundida, a tradução e edição de uma obra não gera interesse por não ser compensatória ao editor; e ainda há os casos, ainda bem que raros, de governos teocráticos que proíbem certos autores ou obras por considerá-las ofensivas aos preceitos religiosos e educacionais de sua nação.


Outro aspecto deste fator é bastante comum em pessoas que utilizam de forma mais intensa suas obras literárias, especialmente as de cunho doutrinário, científico. Não raro, apenas a leitura desta obra não emana o conhecimento necessário, fruto de sua releitura e compreensão por tópicos; nesse caso, procede-se à ou confecção de ficha, a qual compreende informações tópicas e citações retiradas do corpo da obra. Um método muito eficaz de executar esse fichamento é sublinhar, marcar trechos, anotar ao lado, enfim – compor uma obra dentro da outra. Agora, imagine-se o estado em que ficaria este livro, com tanta poluição inscrita sobre seu texto, a qual contribui também para induzir um sentido ao leitor, imprimindo opinião sobre o texto pelas notas e sublinhados, o que não é desejável por conta da neutralidade necessária da análise em ocasião posterior. A solução mais óbvia para este impasse é realizar uma cópia do livro, a qual esta sim, pode ser rasurada à vontade, transformando-se na fonte de um ou de mais fichamentos ou resumos. Porém, legalmente, tal também constitui crime de contrafação – mesmo sendo a obra de propriedade do autor da cópia, e ela seja utilizada apenas com esse fim, de rascunho. A lei 9.610/98 apenas ressalva tal procedimento quando trata-se de apenas um exemplar, contendo trechos (Art. 46, II); a totalidade da obra é impassível de cópia para fins científicos.


Diante destes motivos elencados, nota-se que há a necessidade de resolução de vários conflitos nos organismos responsáveis pelas disparidades que suscitam tais fatores. Tais mazelas enumeradas, ao serem resolvidas poderiam contribuir definitivamente para o fim do abuso lesivo ao direito de autor.


O fator tecnológico e sua seqüência evolutiva é uma conseqüência inevitável do processo irreversível, irresistível e cada vez mais abrangente do avanço científico. Tolher esse avanço, em parte, significaria privar o usuário dessas tecnologias de ferramentas úteis – a utilização dela é que é errática, e não a natureza intrínseca do aparato tecnológico. Tal como faca de dois gumes, o do conhecimento pode ter finalidades benéficas, ou outras não tão nobres.


O lado amargo da atual condição financeira do consumidor da obra intelectual, que se vê em situação de desvantagem para adquiri-la, e portanto apela ao menor custo para si, suscita o incremento desse consumo de obra ilegal em termos quantitativos. Inevitavelmente, um produto melhor custa mais caro; assim como um mesmo produto, ao longo do tempo, sofre incremento no seu preço. Porém, é errado supor que isso seja desculpa plausível para a verdadeira extorsão da qual o consumidor de obras culturais tem sido (ou se tornado) vítima ao longo dos últimos anos. E ainda assim a ganância, em maior ou menor escala, leva indivíduos em condições de pagar o preço estipulado a burlar o sistema e adquirir uma cópia ilegal, configurando um ato ilícito indesculpável se for levado em conta o mesmo fator sociológico.


Apresenta-se hodiernamente, também, o fruto de um comportamento errôneo do indivíduo, fomentado pela absorção de um mau exemplo em larga escala, que o condiciona à aceitação desse comportamento, destarte haver clara distinção entre a norma lei e a norma social, ou seja, é uma questão de educação. Possivelmente leve um tempo considerável para sobrevir a solução deste verdadeiro despropósito moral que desemboca em banalização da irregularidade, do comportamento errôneo.


O indicativo maior de que algo precisa ser feito para que essa produção intelectual receba incentivo na sua expansão e multiplicação é manifesto na necessidade de referência; o desinteresse nesse aspecto provoca as causas descritas no fator da necessidade de referência, que se desarrolam numa cascata que torna mais difícil o acesso a uma boa produção intelectual, bem como a superação de barreiras meramente ideológicas, que não têm natureza prática.


Ao pôr-se um fim na gênese destes fatores (exceto, espera-se, o da evolução tecnológica, posto que não é desejável uma frenagem do progresso correlato), fatalmente haveria a desmotivação da cópia ilegal e de sua utilização, trazendo os óbvios benefícios ao autor e ao detentor dos direitos autorais.


Configurados os tipos, as causas e os efeitos da agressão ao direito autoral que influem negativamente no retorno do ciclo ao seu ponto de origem – a melhoria e continuação da produção intelectual – o próximo ponto é uma análise crítica da legislação pertinente. Salienta-se que sem a abordagem própria e isolada da questão do atrelamento da produção intelectual ao respeito de certos direitos autorais, não é possível a compreensão da dinâmica do mecanismo (ainda emperrado) da proteção legal que deslanche a melhoria sensível dessa produção. Por enquanto, o incremento da atividade do espírito humano é mérito muito mais da persistência individual do que da tutela mecenária (e não mercenária) dos direitos patrimoniais.


6. CONCLUSÃO


A cultura e a arte são importantes para o ser humano, para a sociedade em que ele se insere. Isso porque a elevação do espírito de cada individuo  decorrente da aquisição ou melhoria da cultura através da obra intelectual contribui para a melhoria da sociedade. O surgimento de meios de transmissão das idéias que perpassam a mente humana, e aperfeiçoamento dos já existentes, sempre constitui uma ponte para que uma nova forma de expressão surja, propagando idéias que aos poucos se renovam, desencadeando um ciclo de influência recíproca entre o que é e o que está por vir. O papel do autor de obra intelectual (notadamente a artística e a literária) é ser o maquinista e carvoeiro desta locomotiva que impulsiona o conhecimento à transcendência.


Historicamente comprovada é a situação caótica vivenciada em cenários de pouco ou nenhum respeito e incentivo ao produto do intelecto, e a seus realizadores. A Europa da Alta Idade Média conviveu com um decréscimo de civilização ao esquecer a cultura greco-romana, que teve de ser resgatada pelo Iluminismo. O risco é existente e palpável na época contemporânea: cita-se a faxina cultural levada a cabo pelo totalitarismo alemão da década de 1930, que levou as melhores mentes daquela nação ao exílio, e o mais recente exemplo do fundamentalismo teocrático taliban, que agregou a destruição de patrimônios culturais como as milenares e gigantescas estátuas de Buda com atrocidades contra as garantias fundamentais e a restrição da liberdade individual.


Nesse ínterim, coloca-se o criador de manifestação do intelecto no papel de educador, ainda que involuntário, da atitude humana. E nem sempre daquela manifesta nos atos conscientes, mas também e sobretudo na conduta involuntária própria da civilidade absoluta. O comportamento que era auto-arrogado pelos helenos e romanos em relação aos povos por eles considerados bárbaros provinha de sua humanidade inata, latente, explorada pela sensibilidade adquirida pela exploração de sua cultura, de sua arte, de sua filosofia. Não existiria tal sopro de civilidade e aumento dessa procura pela excelência humana em sentido latíssimo se, esmagados pela ocupação que não lhes garantissem o ócio produtivo, os mestres clássicos  não escrevessem suas obras.


Hodiernamente o ócio, como era na época clássica grega, é impraticável por conta da atribulação necessária à manutenção pessoal do homem. Obviamente o retorno ao regime escravocrata não é a solução; no entanto, por outro lado, o homem comum não se beneficiaria (a curto prazo, pelo menos) da disponibilidade de tempo para frutificar o conhecimento do próximo. E é essa tarefa que se faz necessária hoje em dia: prover uma garantia de que a incumbência dos criadores de obra intelectual se efetue.


O mecanismo para este provimento mecenário do autor de obra intelectual e artística já existe há pelo menos três séculos; um pouco antes disso, quando os mecenas foram sendo substituídos pelos mercadores, houve a gradativa revalorização da obra em seu aspecto econômico. As encomendas feitas, por exemplo, pela Igreja a pintores e escultores, para o embelezamento de suas sedes, sofreram uma inflação no século XVI, refletindo a valorização vivida pela arte.


A arte passava a desfrutar da condição de mercadoria paralelamente à sua existência como fruto do intelecto. Esta é a condição sob a qual ainda se apresenta; no entanto, com as mudanças na sociedade que a consome, e na própria forma como a obra se apresenta, desequilibraram a balança a favor do aspecto econômico, preterindo o valor intrínseco não-tangível. Graças à intromissão de paradigmas como a transmissão de qualquer idéia para o conteúdo de uma obra, a produção e reprodução técnica, a massificação, a expansão qualitativa do suporte físico, houve a adaptação da sociedade, tanto de forma generalizada como em parcelas, para absorver a nova concepção da obra intelectual.


Os mercadores agora passavam de simples vendilhões a senhores do comércio em escala cada vez maior. Excetuada a época da Revolução Francesa, quando o pêndulo oscilou para o reconhecimento do direito próprio do autor, o interesse econômico devidamente protegido e incentivador de benesses em causa própria foi o rio que moveu as pás do moinho do Direito Autoral. O paradigma da proteção da cópia, do copyright, enfim, dos suportes materiais da obra, é o que estabelece a mudança, no sentido de redeslocamento do eixo sobre o qual gira a proteção efetuada pelo Direito Autoral, do autor para o agente econômico responsável pela materialização das reproduções.


Havia uma indústria surgida da e para a obra artística, e como toda a indústria, ela devia nutrir-se de mão-de-obra, matérias-primas e recursos, para interagir a contento com o mercado a quem atendia. O lucro vindo deste mercado era voltado para que se produzisse um avanço continuo sobre o mesmo, propondo atrativos na forma do produto, em constante evolução tecnológica.


Mas e o principal componente dessa indústria – a obra? Acompanhou  o salto de qualidade do suporte físico no século XX? Não, se compararmos diretamente uma evolução com a outra. Porém, o alcance da obra materializada numa forma que torna cada vez mais acessível o conteúdo de idéias impresso nela, fez com que muitos talentos despontassem, em virtude da possibilidade de auto-didática propiciada pela inclusão das idéias em seus intelectos sem a necessidade de que eles tivessem um aprendizado prévio. A música gravada, o cinema, a literatura mais acessível, foram os condutores desta gênese de novos valores humanos, que contribuíram no ciclo para formar outros ou melhorar os existentes.


No entanto, o que foi possibilitado pela tecnologia serviu para que houvesse a intencional (nem sempre legal mas muitas vezes legitima) utilização destes meios para a contrafação da obra que era levada ao publico. Os fatores, escusáveis ou não, demarcam uma sensível fragilidade do comportamento estritamente legal face à necessidade de acesso à cultura. Há a necessidade de culturar-se, porém, o proibitivo preço da obra, que permitiria essa inata tendência do ser humano, torna-se um empecilho que é burlado à margem da lei.


A proteção do direito autoral deveria servir ao propósito oposto. Nota-se que a lei impõe a salvaguarda destas prerrogativas, mui justamente constituídas, de parte a parte, tanto as próprias do criador da obra quanto as de seus utilizadores econômicos. Porém é justamente relativo a estes sujeitos não-geradores da obra que provém a reclamatória.


Os custos de produção de uma obra se tornam cada vez menores com o passar do tempo. Melhores tecnologias e aproveitamento mais racional dos materiais empregados fazem a diferença, sendo que a economia em escala (relativa à produção contextualizada em um paradigma descentralizado) acentua a baixa dos custos na confecção dos exemplares. Entretanto, na contramão deste efeito surgem a alta do produto final e o decréscimo do repasse ao autor, por sonegação implícita no descontrole da quantidade de cópias vendidas e pelo achatamento do valor atribuído ao trabalho. Assim, o impacto é fulminante nas duas extremidades do mecanismo: a sociedade paga mais caro pela obra, e o autor recebe menos por ela. Como efeito, o comprometimento da qualidade da obra e da sua evolução: o autor se desestimula, procurando outros meios de manutenção pessoal, e o público adota as obras da qual a indústria o serve. Obras essas inegavelmente mais pobres em conteúdo estético ou artístico, visto que os bons autores não se coadunam com os interesses leoninos do mercado, assim exonerando-se e permanecendo afastados da massificação.


O quadro errôneo vivido hoje é de um judô de interesses diretamente entre autor e publico, ambos esquecidos do papel do árbitro, que é o comerciante da obra. O detentor de direitos sobre a obra que não é seu criador retém para si o grosso dos recursos oriundos dela, deixando à míngua os agora contendores autor e público, das maneiras já citadas.


A correção desta dinâmica deve principiar pelo estabelecimento da proteção necessária à atividade intelectual, sem cair na retrógrada demonstração de pena típica de quem encara um deficiente físico, esquecendo-se que ele é um ser humano absolutamente normal, apenas impedido de alguma faculdade de uso do corpo. O autor, à semelhança do deficiente, necessita buscar o reconhecimento de sua atividade à mercê de sua contribuição primordial para o avanço de uma sociedade, que é finalidade de toda a evolução social. Esse reconhecimento é o ponto de partida para que ele exerça a devida transcendência, a própria e a dos seus contemporâneos, e esta calcada na melhoria e adequação dos instrumentos legais disponíveis.


Engana-se aquele que pensa que nossa lei não enfrenta o desregramento contra o direito autoral. Ela eficazmente determina quais são os direitos de toda a espécie sobre a obra intelectual e pune as inobservâncias relativas aos mesmos. O que está inadequado, portanto, é a retribuição devida ao sujeito primário do direito de autor – o próprio criador da obra. A aplicação da lei deveria atuar de forma a garantir a proteção do hipossuficiente, de maneira análoga à exercida pelos direitos sociais. Um novo enfoque suscitaria uma multidão de bons intelectos gerando boas obras, sem a pressão exercida pela própria necessidade de luta pela sobrevivência, majorada em sua dificuldade pela não-retribuição do serviço prestado na totalidade de seu valor, que é o que acontece hoje.


A ordem é, portanto, de nova reversão do direcionamento no cumprimento da lei de direito autoral, expurgando a contrafação industrial, regulando o uso pessoal das cópias feitas pelo próprio detentor do corpus mechanicum legal, e majorando e recolhendo de forma correta o valor devido em benefício direto do criador. Faça-se isso para que a produção seja satisfatoriamente regozijante e semeadora de novo conhecimento nas mentes atingidas pela obra revigorada, ao mesmo tempo em que há o abandono das práticas de contrafação e utilização indevida, por conta da minoração dos preços estimulada pelo decréscimo e controle dos lucros auferidos pelos agentes da industrialização da obra. A cultura humana tomaria novo impulso, e a continuidade da transcendência estaria assegurada pela proteção do desenvolvimento da criação intelectual.


 


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Notas:

* Condensação de trabalho científico, originariamente apresentado como avaliação da disciplina Metodologia Científica no 1º ano do curso de Direito da Fundação Universidade do Rio Grande, em 2002. Orientadores: Prof. Jaime John, Profª Fátima Luvielmo Encarnação e Bel. Felipe Moreira Kern.

[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2001, p.27.

[2] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 1980, I,  p.249.

[3] HEGEL Georg W.F. Estética: A idéia e o ideal.  1974, p.171.

[4] ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Antropologia Cultural. 1983, p.84.

[5] ULLMANN, op.cit., p.83.

[6] “Sem o estímulo de um mundo sócio-cultural em constante processo de modificação, jamais teria ocorrido o desenvolvimento da vida mental consciente, pois o homem teria se afundado num estupor mental”. SOROKIN, Pitirin. Sociedade, cultura e personalidade.  1968, p.535.

[7] FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. 1971, p.13.

[8] HEGEL, op.cit., p.93.

[9] KANT, Immanuel. Crítica do juízo. 1980, II, p. 209.

[10] ULLMANN, op.cit., p.86.

[11] MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural.  1987, p.424.

[12] Idem, Ibidem, p. 440.

[13] Como exemplos: Guernica, a genial obra de Picasso, que retrata o horror da guerra civil espanhola e ainda hoje é um incisivo libelo contra o uso da capacidade bélica de qualquer nação em qualquer situação; as inúmeras obras fotográficas e cinematográficas que fazem vivenciar uma sangrenta situação de batalha, sem que para isso seja preciso efetivamente estar em um conflito. Tal poder de fantasia representativa da realidade trata-se de “Evocar em nós todos os sentimentos possíveis, penetrar a nossa alma de todos os conteúdos vitais, realizar todos estes momentos interiores por meio de uma realidade exterior que da realidade só tem a aparência, eis no que consiste o particular poder, o poder por excelência da arte.” HEGEL, op.cit., p. 106

[14] HEGEL, op.cit., p. 106

[15] HEGEL, op.cit., p.105.

[16] Quanto mais se eleva a cultura humana, tanto maior é sua dependência dos resultados dos trabalhos das gerações anteriores, e tanto maior sua necessidade de um meio para registrar a experiência do passado. Danzel, J.W., apud SOROKIN, op.cit., 1968, p.83.

[17] A obra de arte, por princípio, foi sempre suscetível de reprodução. […] As técnicas de reprodução são, todavia, um fenômeno novo, que nasceu e se desenvolveu no curso da história, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervalos, mas num ritmo cada vez mais rápido. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução 1975, p.09.

[18] V.g. Código de Hamurábi, na Mesopotâmia, e os decretos dos reis egípcios.

[19] Leonardo da Vinci apud BENJAMIN, op. cit., p. 27.

[20] “[…] se o cinema, de um lado, nos faz enxergar melhor as necessidades dominantes sobre nossa vida, consegue, de outro, abrir imenso campo de ação do qual não suspeitávamos. Os bares e as ruas de nossas grandes cidades, nossos gabinetes e aposentos mobiliados pareciam aprisionar-nos sem esperança de libertação. Então veio o cinema e destruiu esse universo concentracionário; agora abandonados no meio de seus restos projetados ao longe, passamos a empreender viagens aventurosas”. BENJAMIN, op.cit, p. 29.

[21] Que não apenas imitam, no sentido de tentativa de igualar a original, mas lhe são perfeitas fac-símile.

[22] BENJAMIN, op.cit, p.14. 

[23] MELLO, op.cit., p. 445.

[24] SOROKIN, op.cit.,capítulos XVII e XVIII.

[25] Não apenas consumo como aquisição de um bem, no domínio do material, mas consumo de um ente necessário à vivência, absorção de algo, como o consumo de oxigênio.

[26] BARSA, 1969 , 4, p.281.

[27] À época, a União Soviética, pela sua estatal Sovtek fabricava e exportava mais válvulas do que Estados Unidos e Inglaterra juntos; ela ainda existe, fabricando as mesmas válvulas.

[28] BARSA, 1969, 4 – p. 283.

[29] Ver capítulo 1.

[30] O jazz, o blues e o rock n’roll, principalmente.

[31] Talvez o leitor pense que o texto é muito incisivo sobre o aspecto econômico, porém considera-se que seja esta visão que melhor explane os fenômenos mais significativos sobre a expansão quantitativa da cópia (lícita ou não) da obra artística.

[32] CARVALHO, José Jorge de. Transformações da sensibilidade musical contemporânea. Revista Horizontes Antropológicos 1999, p.68.

[33] Idem, ibidem.

[34] Escolha , pelo usuário, da câmera ou do plano, da presença ou não de legendas e seu idioma, passagem direto para uma certa seqüência de cenas ou cena, alteração da ordem das mesmas, fechamento de câmera em zoom, reprodução em quadro-a-quadro e muitos outros brinquedos tecnológicos.

[35] Ao contrário do VHS, o hiato entre a estréia no cine e a chegada do título em DVD é mínimo: a produção já se encontra finalizada no formato digital, até mesmo porque o próprio filme se utiliza do ambiente digital computadorizado para acréscimo de efeitos, montagem e edição final.

[36] O termo se refere não a compradores stricto sensu, mas a todos aqueles que realizam a apreciação da obra; isto implica que o chamado consumidor não retém necessariamente a cópia do trabalho.

[37] MELLO, op.cit, p. 445.

[38] BENJAMIN, op.cit., p. 18.

[39] BENJAMIN, op.cit., p.17.

[40] No princípio eram as mesmas fabricantes dos aparelhos de reprodução. Porém, com o passar dos anos houve a desvinculação da produção técnica propriamente dita (os aparelhos) da produção artística (a captação do material artístico e seu registro). Isso se deve de forma inequívoca ao advento da gravação: inicialmente feita em ambientes de teatros ou auditórios de emissoras de rádio, após um certo tempo começou a haver uma natural separação do pessoal que trabalhava junto à gravação do fonograma e do pessoal que o imprimia, na unidade de produção propriamente dita. Os trabalhadores que atuavam junto aos artistas foram cada vez mais se aproximando do mundo artístico, deixando um pouco de lado o aspecto estritamente técnico, para começar a se preocupar com o estético; e nesse exercício da seleção dos artistas em virtude de critérios estéticos, viram que poderia constituir um lucro maior para a sua companhia a escolha acertada de determinado crooner ou orquestra, ou do repertório gravado. Assim, a visão empresarial destas pessoas começou a ser transmitida ao restante da companhia: nas empresas que entenderam a possibilidade de incremento do lucro se este fosse seccionado em duas naturezas (artística e de produção), houve a cisão em departamento industrial e departamento artístico, tendo managers escolhidos de acordo com a natureza do setor; e naquelas em que não houve a conjugação deste critério com o interesse do boss, a conseqüência natural foi a dissidência dos managers que fundaram suas próprias companhias fonográficas.

[41] BARSA, 1969, 4- p.282.

[42] Méliès estava muito à frente de seu tempo; o mercado cinematográfico só se tornou realidade a partir da década de 1920, quando ele já estava inativo.

[43] Quando os atores se deram por conta do potencial financeiro que estavam perdendo, a aparição do sindicalismo na classe e o confronto com os produtores foram inevitáveis. A situação pacificou-se quando os sindicatos de artistas dos EUA regulamentaram a profissão de ator junto aos sindicatos patronais.

[44] Note-se a distinção entre consumo e aquisição: o primeiro termo denota utilização própria e pessoal de algo; o segundo, acrescenta a isto o fato de tornar próprio, por meio de contrapartida tangível, aquilo que se consome.

[45] FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte., p.59.

[46] Apud BENJAMIN, op. cit., p.18.

[47] MELLO, op.cit., p. 445.

[48] Neste sentido, ADORNO, Theodor W. O fetichismo na música e a regressão da audição. 1975, p. 188.

[49] ADORNO, op.cit., p.189.

[50] MELLO, 1987, capítulo VII; SOROKIN, 1968, capítulo III a VI; ULLMANN, capítulos 5 e 6; SHAPIRO, capítulo XIV.

[51] “A massa é matriz de onde emana, no momento atual, todo um conjunto de atitudes novas com relação à arte. A quantidade tornou-se qualidade. O crescimento maciço do número de participantes transformou seu modo de participação.” BENJAMIN, op.cit., p.31.

[52] “A transferência dos afetos para o valor de troca traz como conseqüência que, em música, já não se faz nenhuma exigência. Os substitutos atingem tão bem o seu objetivo porque os próprios desejos e anseios aos quais se ajustam já foram substituídos. Entretanto, os ouvidos que somente têm capacidade para ouvir, naquilo que lhes é proporcionado, o que se lhes exige, e que registram o atrativo sensorial abstrato, ao invés de levarem os momentos de encantamento à síntese, constituem ouvidos de má qualidade; mesmo no fenômeno ‘isolado’, escapar-lhes-ão traços decisivos, isto é, precisamente aqueles que permitem ao fenômeno transcender o seu próprio isolamento. Existe efetivamente um mecanismo neurótico da necessidade no ato da audição; o sinal seguro deste mecanismo neurótico é a rejeição ignorante e orgulhosa de tudo o que sai do costumeiro. Os ouvintes, vítimas da regressão, comportam-se como crianças. Exigem sempre de novo, com malícia e pertinácia, o mesmo alimento que uma vez lhes foi oferecido”. ADORNO, op.cit., p. 191 ss.

[53] Pode-se enxergar tal multiplicidade como a) evolução natural da arte, que comparável a uma árvore ramifica-se e troca as folhagens, de acordo com seu crescimento, unindo ramos e separando-os de acordo com o panorama histórico e social, ou b) mera exigência mercadológica, visando atender uma renovação necessária para que não ocorra saturação do público pela superexposição de um gênero ou obra, ou autor na mídia.

[54] Tal constatação vem de encontro à teoria de que uma sociedade é a responsável pelo amadurecimento do criador da obra de arte, como geradora e transmissora do contexto artístico sobre o qual ele fundará seu aprendizado, sua crítica e sua orientação artística, dando formas à sua produção.

[55] Ver capítulo 2.

[56] MANSO, Eduardo J.V. O que é Direito Autoral?, 1987, p.19.

[57] BENJAMIN, 1975, p. 10 ss.

[58] A partir desta lei, passa a haver a pena pecuniária. NOGUEIRA, Frederico.  Os crimes e as penas nas quaestiones perpetuae [on line]

[59] MANSO, op.cit. p. 13

[60] SHERWOOD (1992, p.32)

[61] SHERWOOD, Robert M. Propriedade intelectual e desenvolvimento econômico. 1992, p. 32.

[62] ASCENSÃO, José Oliveira. Direito Autoral. 1980, p.02

[63] Condillac, Helvetius, Diderot et alli.

[64] MANSO, op.cit., p.12.

[65] É da natureza humana a absorção de conhecimentos em progressão geométrica. V. capítulo 1. 

[66] O Brasil tornou-se signatário da Convenção de Berna em 18 de janeiro de 1954, quando o Decreto n° 34.594 promulgou o Decreto Legislativo n° 59, de 19/11/1951. V. SHERWOOD, op.cit, p.33, e MANSO, op.cit, p.15.

[67] Op.cit., p. 35.

[68] SHERWOOD, op. cit., p. 10 a 22, e 143 – 150.

[69] A WIPO – World Intellectual Property Organization – é uma organização internacional dedicada a promover o uso e a proteção dos trabalhos do espírito humano, de acordo com a apresentação da própria organização. Estes trabalhos – propriedade intelectual –expandem as fronteiras da ciência e da tecnologia e enriquecem o mundo das artes. Através de seu trabalho, a WIPO cumpre um importante papel em aumentar a qualidade e o aproveitamento da vida, bem como criar uma fonte real de rendimentos econômicos para as nações. Tendo sua sede em Genebra, Suíça, a WIPO é uma das 16 agências especializadas do sistema de órgãos das Nações Unidas, administra 23 tratados internacionais lidando com diferentes aspectos da proteção da propriedade intelectual, e conta com 179 países como membros.

[70] ASCENSÃO, op.cit., p.06/07

[71] A denominação do Direito em questão é de Autoral porque dimana da Autoria, e não por ser próprio do autor.

[72] BRASIL, Lei nº 9.610/98. 1999, p.04.

[73] O qualificativo generalizado moral foi traduzido diretamente do direito francês, onde se fala em pessoas morais, danos morais, direitos morais e assim por diante. Mas no significado que se pretende o qualificativo é estranho à língua portuguesa e deve pois ser substituído. ASCENSÃO, op.cit., p.71.

[74] “O ato de criação faz nascer entre o autor e a obra criada um vínculo pessoal tão forte que não pode ser quebrado por nenhuma convenção. O autor, através de sua obra, expressa parte de sua personalidade, e isto lhe dá o direito de defendê-la, ainda que passe para a mão de outros”. AFONSO, op.cit., p.8.

[75] Op.cit., p.72,

[76] A linha limite entre os direitos patrimoniais e os pessoais é o caráter de personalidade desses direitos.

[77] Op.cit., p.55.

[78] De maneira sucinta, há que se atender a algumas condições:  a) ser obra do intelecto humano; b) objetivar a exteriorização de uma idéia, através de ação física; c) possuir um conteúdo, que determina a natureza da idéia exteriorizada; d) possuir forma interior e forma exterior; e) ter uma finalidade de satisfação de alguma necessidade intelectual; f) atender a um caráter estético.

[79] BRASIL. Decreto n° 75.699, de 06 de Maio de 1975, Artigo 2.

[80] BRASIL. Decreto n° 75.699, de 06 de Maio de 1975, Artigo 6 bis.

[81] BRASIL. Decreto n° 76.095, de 24 de Dezembro de 1975.

[82] Apud MANSO, op.cit., p. 17. 

[83] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[84] Idem, ibidem.

[85] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[86] Idem, ibidem.

[87] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[88] Idem, ibidem.

[89] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[90] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[91] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[92] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[93] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[94] Idem, ibidem.

[95] Idem, ibidem.

[96] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[97] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[98] Idem, ibidem.

[99] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[100] Idem, ibidem.

[101] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[102] Idem, ibidem.

[103] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[104] VEIGA, op.cit., p. 200 ss.

[105] BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.

[106] Vide página 55.

[107] Moving Pictures Experts Group, associação de técnicos em cinematografia dos EUA

[108] Todos esses fatores tecnológicos não são muito recentes; demonstrando a preocupação existente já na época com o paradoxo qualidade técnica da obra versus possibilidade instrumental de agressão do direito autoral, a tecnologia do CD, surgida também na década de 70, não entrou antes no mercado por conta da briga envolvendo as entidades de proteção do direito autoral, as companhias fonográficas e os fabricantes que desenvolveram a tecnologia.

[109] Existem também outros formatos difundidos, como o DiVX, etc.

[110] Obviamente, se o material utilizado na produção é o mesmo (maquinário, matéria-prima) o custo de produção pode ser o mesmo; e torna-se ainda menor pelo fato da mão-de-obra ser mais barata, ou até mesmo escrava. No entanto, a comparação dada aqui salienta, para o ponto seguinte (o fator econômico) que se o custo é o mesmo, a diferença de preço está no agigantamento da margem de lucro dos intermediários entre o autor e o consumidor final.

[111] PINHO, Diva B.; VASCONCELLOS, Marco A. S. (org.). Manual de Economia. 1998, p.203.

[112] A maior prova da supervalorização material infundada, achada em qualquer reprodução de obra intelectual, são os chamados balaios, liquidações de exemplares da obra (nome dado pelo fato de os exemplares estarem jogados dentro de cestos ou balaios). O pouco ou nenhum interesse do público consumidor em tais obras força o produtor e/ou o mercador a negociá-las a preço quase de custo, para equilibrar as contas evitando o prejuízo. Fala-se quase a preço de custo, porque o direito autoral estabelecido que é de recolhimento ao autor e às etapas da seqüela se mantém; o que é extinto é o lucro puramente especulativo sobre a obra.


Informações Sobre o Autor

Lizandro Mello Pereira

Acadêmico de Direito da FURG


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